Proudhon e Bakunin: uma abordagem anarquista teórico-filosófica sobre a Educação do Corpo Proudhon y Bakunin: un abordaje anarquista teórico-filosófico sobre la Educación del Cuerpo Proudhon and Bakunin: an approach anarchist theoretical-philosophical on the Body Education |
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Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPGEdu/UNIRIO) (Brasil) |
Pedro Henrique Prado da Silva |
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Resumo A Educação Física do Brasil vem buscando avançar em suas abordagens teóricas, isso é mais observado após a década de 80, tendo a superação das teorias pragmáticas e conservadoras sobre o corpo e o ensino da educação física. O objetivo desse trabalho é trazer a tona novos princípios teóricos para serem observados sobre o campo, em suas pesquisas a partir de outros intelectuais, nesse caso, Bakunin e Proudhon, dois intelectuais anarquistas que contribuíram sobre as questões pedagógicas sobre o corpo. Para nós é de suma importância a análise desses novos elementos para estudo, pois contribuem para repensarmos nossas pesquisas e outras possibilidades na área. Unitermos: Educação Física. Educação do Corpo. Anarquismo. Educação Libertária.
Abstract Physical Education in Brazil has been seeking to advance their theoretical approaches, this is more observed after the 80, having overcome the pragmatic and conservative theories about the body and the teaching of physical education. The objective is to bring out new theoretical principles to be observed on the field, in their research from other intellectuals, in this case, Bakunin and Proudhon, two intellectual anarchists who contributed on pedagogical issues on the body. For us it is very important the analysis of these new elements to study, as they add to rethink our research and other possibilities in the area. Keywords: Physical Education. Body Education. Anarchism, Libertarian Education.
Recepção: 18/10/2015 - Aceitação: 20/11/2015
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 210, Noviembre de 2015. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A Educação Física escolar no Brasil, já há algum tempo, vem se instigando a fundamentar-se em um escopo teórico no campo pedagógico. Na sua história ela esteve, geralmente, embasada nas ciências positivistas. Muitos autores discorrem sobre isso, como por exemplo, Darido (2008) que faz uma breve abordagem ao tema das tendências pedagógicas no Brasil desde “a inclusão da educação física oficialmente na escola (...), com a Reforma Couto Ferraz” (p. 1) até as abordagens progressistas que surgem na década de 80. Além dela temos a obra de Castellani Filho (2001) que afirma: “Pude assim dizer, estar a história da educação física no Brasil, se confundindo em muitos de seus momentos, com a dos militares” (p. 34). E após essa trajetória pragmática da educação física escolar, que se confunde e muito com as instituições positivistas no país, se fez necessário repensar uma nova maneira de se abordar o campo, uma abordagem mais pedagógica e menos biologicista ou esportivizante.
A principal semelhança entre as pesquisas que resgatam a constituição histórica da educação física escolar são suas análises das instituições e das figuras (personagens) elitizadas na sociedade, como: Instituições militares, instituições escolares do governo ou da igreja, leis, figuras como Rui Barbosa e etc. Desse modo, o objetivo dessa pesquisa é analisar as contribuições filosóficas de dois autores anarquistas: Pierre-Joseph Proudhon e Mikhail Bakunin que ressaltaram a importância da educação e da educação física, tendo em vista que ambos não se figuraram como personagens de destaque na sociedade burguesa do século XIX na Europa, mas como intelectuais dos movimento populares de sua época.
A educação sugerida por eles caracterizava-se no que chamamos hoje de educação popular. Uma educação para a emancipação do trabalhador, uma educação crítica social que se fomentava na experimentação prática e no trabalho. Para analisarmos esses pensadores nos auxiliamos no que Thompson (2004) chamou de “a história vista de baixo” onde na sua obra “A Formação da Classe Operária Inglesa” enfatizou que a formação de classe se da pela experiência, pelos costumes, pelo making (fazer-se) como ser social (p. 9). Suas contribuições nos ajudaram a analisar as teorias educacionais que os autores ressaltam como a vivência e o convívio em sociedade.
Para iniciarmos esse estudo, primeiramente devemos distinguir nossos pensadores anarquistas das correntes que englobam tal doutrina. Assim utilizamos a definição de anarquismo como:
O anarquismo é uma ideologia socialista e revolucionária que se fundamenta em princípios determinados, cujas bases se definem a partir de uma crítica a dominação e de uma defesa da autogestão; em termos estruturais, o anarquismo defende uma transformação social fundamentada em estratégias, que devem permitir a substituição de um sistema de dominação por um sistema de autogestão (Corrêa, 2012, p. 79).
Porém há duas principais correntes no anarquismo, a primeira a “insurrecionalista”, já a segundo o “anarquismo de massas”, que é a qual compreende nossos autores. Essa corrente do anarquismo se define como sendo uma:
(...) visão de que somente os movimentos de massa podem criar uma transformação revolucionária na sociedade, que tais movimentos são normalmente construídos por meio de lutas em torno de questões imediatas e de reformas (em torno de salários, brutalidade policial ou altos preços etc.), e que os anarquistas devem participar desses movimentos para radicalizá-los e transformá-los em alavancas da transformação revolucionária” (Schmidt e Van Der Walt apud Corrêa, 2012, p. 124).
Ao longo da apresentação do pensamento educacional desses dois anarquistas será possível associarmos suas propostas pedagógicas com a definição de “anarquismo de massas”. Essas proposições educacionais se encontram como um instrumento de luta para os movimentos associativos das classes populares, como estratégia revolucionária ou como idealismo pedagógico em uma organização social futura. Sua defesa a liberdade, igualdade e solidariedade, indo além de qualquer tipo de dominação aos indivíduos, se fixará como princípios teórico-metodológica nessa concepção educacional.
Para a complementação teórica, além das fontes primarias sobre educação desses anarquistas, utilizaremos as obras suplementares de Sílvio Gallo “Pedagogia do Risco” e do italiano Francesco Codello “A Boa Educação”, ambas fazem um arcabouço teórico sobre o pensamento pedagógico de Proudhon e Bakunin, ainda sendo referências em língua portuguesa sobre educação libertária.
A pesquisa está dividida pelas abordagens aos autores, primeiro Proudhon e, posteriormente, Bakunin. Tentaremos ao longo do texto verificar o que esses anarquistas teorizaram sobre a educação de maneira geral, suas críticas e proposições, como os indivíduos se formam. Sabendo que os dois estavam favorecendo a luta socialista em prol da emancipação operária, qual a importância da educação para esse trabalhador do século XIX? Um dos princípios básicos da pedagogia libertária é a da educação integral, para eles a educação não se divide em teórico e prático, assim a construção de corpo está diretamente ligada aos seus desejos de educação, seja como estratégia de luta revolucionária ou como uma educação idealizada. Assim entraremos na análise de como esses autores refletiam sobre a educação prática, experimentada, vivida, manual, corporal, física, trazendo importantes contribuições para o campo da educação física para repensarmos novas maneiras de atuação com essas reflexões de ícones históricos esquecidos.
Pierre-Joseph Proudhon
O anarquista Frances Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), denominado como o pai do anarquismo, será uma dos principais teóricos do campo a elucidar sobre educação. Nascido em Besançon, filho de camponeses, a maior parte de sua educação será realizada “quase toda passada nos campos” (Proudhon apud Guèrin, 1983(a), p. 9). Valorizava esse tipo de educação em contrapartida à educação cristã, não reconhecendo “existência ao mesmo tempo mais contemplativa e mais realista, mais oposta a este absurdo espiritualismo que é a base da educação da vida cristã, do que a do homem no campo” (idem, ibdem). A educação vivida, praticada, experimentada pelo indivíduo era a maior virtude educacional que poderia contemplar as necessidades concretas que perpassam o sujeito e que possibilitam uma visão real do mundo, rompendo com os pensamentos metafísicos proliferados na Europa pela Igreja do século XIX.
Ao abordar a vivência prática como construtora individual, ele também afirma a necessidade de valores coletivos para um ideário socialista a qual ele defende. Opositor a qualquer tipo de dominação, Proudhon vai defender a liberdade individual dentro dos relacionamentos sociais.
“Para que haja sociedade é preciso que haja engrenagem de liberdades, transações voluntárias, obrigações recíprocas (...) graças a esse organismo, os indivíduos (...) especializam-se segundo o seu talento, desenvolvem e multiplicam (...) a sua ação própria e a sua liberdade” (Proudhon apud Gallo, 1995, p. 23).
Desse modo, é necessário uma base de valores morais e éticos que complementem essa relação de liberdades que para ele eram ilimitadas. Para alcançar esse objetivo “no ponto de vista social, quando liberdade e solidariedade se equivalem, o máximo de liberdade significa o máximo de relacionamento possível com os outros homens, pois desta perspectiva as liberdades não se limitam, mas se auxiliam, complementam-se” (Gallo, 1995, p. 23).
Ou seja, quanto mais se relacionasse e mantivesse sua liberdade em comunhão com a liberdade dos outros que estão ao seu redor, o indivíduo contemplaria suas necessidades pessoais sem ser preciso sobrepujar e dominar a liberdade do outro. Para ele a solidariedade é o início para que todos tenham a mesma igualdade no ser livre e, também, na educação. Será essa relação “que ele (o indivíduo) forma os próprios conhecimentos, que aperfeiçoa as suas capacidades” (Codello, 2007, p. 94).
Tipógrafo desde dezenove anos, Proudhon se encontra nas mazelas sofridas pela classe trabalhadora do século XIX, sua relação de exploração, desigualdade e dominação estabelecida na França industrial. Para ele, o trabalho é uma maneira fundamental do homem se constituir como homem, tanto racionalmente quanto moral e fisicamente.
“Tudo aquilo que aperfeiçoa os costumes, e que pouco a pouco faz sobressair o direito no lugar da força, isto é, que fundamenta a segurança, que cria progressivamente a liberdade e a igualdade, é, mais que a religião e o Estado, o trabalho; é, em primeiro lugar, a indústria e o comércio; depois a ciência, que o espiritualiza; e, enfim, a arte, sua flor imortal” (Proudhon apud Codello, 2007, nota de roda pé, p. 92).
Entretanto, não é todo o campo do trabalho que ele defende. O trabalho alienante que dicotomiza o trabalho intelectual e o manual, onde o primeiro “de planejamento, supervisão e gerência é geralmente realizados pelos burgueses, enquanto que o trabalho manual, o trabalho cansativo, desgastante, (...) este sim era realizado pelos operários” (GALLO, 2007, p. 56), será antagonicamente o que ele afirmava como organização social e de trabalho.
O que Proudhon desejava era que o operário participasse de todo o processo de trabalho, da planificação à execução. Por isso, ele terá um romantismo pelo o artesão, pois naquele período do século XIX era o principal exemplo de trabalhador que participava de todos os segmentos do trabalho. De certa forma, as teorias sociais a qual o anarquista Frances fundamentava se confundem com as suas teses de educação, por isso é importante ressaltarmos que esses pensamentos pedagógicos prezam pela transformação social e que será realizada em uma organização social anarquista, pois em quanto houver a divisão de trabalho haverá a divisão da educação e a progressão da desigualdade. “Assim, quanto mais a divisão do trabalho e a potência das máquinas aumentam, mais a inteligência do trabalhador diminui” (Proudhon apud Codello, 2007, p. 100). Então, a desigualdade prevalece na sociedade e era refletida, de certa forma, dentro da escola,
“e não obstante as anomalias causadas pelo antagonismo dos princípios econômicos, a inteligência difere nos homens, não pelo poder, pela clareza ou extensão, mas, em primeiro lugar, pela especialidade ou, como diz na escola, pela determinação qualitativa e, em segundo lugar, pelo exercício e pela educação” (Proudhon, 2007, Tomo I, pp. 154-155).
Para desfazer essa ordem social de dominação e controle do Estado e da Igreja diretamente ligada à educação, Proudhon sugeri um primeiro passo: a autogestão e o federalismo.
“O sistema de educação tem que ser recomeçado (...), separar, como é feito hoje o ensino de aprendizagem (...), é reproduzir, sob um ou outra forma, a separação dos poderes e a distinção das classes; os dois mais enérgicos instrumentos da tirania governamental e da subalternização dos trabalhadores (...). Numa democracia real (...), cada pessoa deve ter debaixo da mão o alto e o baixo ensino” (Proudhon apud Gallo, 1995, p. 52)
Nesse cenário a escola seria autogerida pelos próprios trabalhadores, de maneira que todos eles participassem na construção da escola que fomentaria suas necessidades e que se comunicaria com outras instituições escolares federalizadas e também autogeridas. A autogestão pedagógica também é fundamental, apesar de Proudhon não utilizar esse termo, ele defende uma igualdade de participação e protagonismo dentro da sala de aula, o aluno deve participar da construção do conhecimento e não ser somente um receptor dele. Para ele seria incompreensível uma educação inerte e hierarquizada já que o desejo é uma emancipação proletária pelas suas próprias mãos para uma organização libertária
Entendendo que para Proudhon a educação era de suma importância, não apenas na institucionalização da educação, mas no aprendizado cotidiano da junção pensar e fazer e, principalmente envolvido no mundo do trabalho, vejamos como esse revolucionário pensou a educação do corpo, a educação prática.
Para ele a educação do corpo estava diretamente ligada à razão, a uma relação de educação integral. Então, a educação prática não pode ser dissociada da educação teórica de bases racionalistas, já que sua educação tinha como pressuposto uma crítica social a partir de uma observação da realidade, não podendo isso ser possível se a educação do proletariado mantivesse suas raízes metafísicas e na dominação da Igreja.
“O escopo da educação religiosa conferida pela Igreja é, de fato, prevalentemente aquele de restabelecer e solidificar com vigor e condicionamento sutil o princípio de autoridade e aquele de inevitabilidade da hierarquia, por meio dos rituais e das sugestões de que se nutre” (Proudhon apud Codello, 2007, 105).
Proudhon vai afirmar a necessidade que as escolas sejam oficinas, que o mundo do trabalho esteja dentro da escola para que haja um aprendizado completo pelos alunos.
“Nós acreditamos que a escola da agricultura é a agricultura; a escola das artes, profissões e manufaturas é a oficina; a escola do comércio é o balcão; a escola das minas é a mina; a escola da navegação é o navio; a escola da administração é a administração, etc.
O aprendiz é tão necessário ao trabalho quanto o operário: por que colocá-lo à parte numa escola? Nós queremos a mesma educação para todos: de que servem estas escolas que, para o povo, não são senão escolas de aristocratas e para nossas finanças um gasto inútil? Organizai a associação e, imediatamente, toda oficina tornando-se escola, todo trabalhador é mestre, todo estudante aprendiz” (Proudhon apud Guèrin, 1983a, p. 56).
Podemos observar nesse trecho o desejo que Proudhon tinha de uma educação igualitária, onde todos tivessem a oportunidade de partir do mesmo ponto, com os mesmo direitos à educação. É da seguinte maneira que ele irá sistematizar a educação integral: do simples para o complexo, onde os alunos tenham a possibilidade de conhecer todas as áreas possíveis do trabalho e, ao final do processo, escolher a que lhe agrade mais e se especializar.
“O plano da instrução operária, sem prejuízo para o ensino literário que é oferecido, ao mesmo tempo, à parte, é, portanto, traçado: isso consiste, de uma lado, em fazer com que o aluno percorra uma série completa de exercícios industriais, iniciando com os mais simples para chegar aos mais difíceis sem distinção de especialidade; de outro, excluir desses exercícios a idéia que contêm, exatamente como, em um determinado momento, os elementos da ciência foram tirados das primeiras máquinas da indústria, e conduzir o homem – com a mente e com a mão – à filosofia do trabalho, que é o triunfo da liberdade” (Proudhon apud Codello, 2007, p. 104).
A noção de educação do trabalhador para Proudhon não se limita ao prático (mundo do trabalho) e ao teórico (ciência, razão), mas também moral que inclui a igualdade de condições educacionais para todos, a liberdade ilimitada sem restrições individualísticas e a solidariedade fomentando todas essas composições sociais. Para ele, toda essa educação perpassa pelo corpo, onde a partir do trabalho e das relações sociais que o sujeito se faz atuante e independente, adquire conhecimento na experimentação e na vivência prática e possibilita de maneira global, uma educação crítica, uma educação ativa.
2. Mikhail Bakunin
Mikhail Aleksandrovich Bakunin (1814-1876), militante anarquista não somente nas teorias, mas também nas barricadas, será uma dos principais nomes do anarquismo do século XIX. Bakunin irá adotar as teorias sociais de Proudhon, porém irá avançar nas discussões e desenvolver os pensamentos no campo do anarquismo. Seus escritos, em grande maioria, estão incompletos porque ele era constantemente desviado da obra teórica começada pela ação imediata que o absorvia e desviava suas forças numa outra direção, entretanto sobre educação seu principal manuscrito será a compilação de alguns artigos publicados no jornal L’Égalité de Genebra em 1869, com o título A Instrução Integral. Nesse texto, Bakunin começa a questionar a educação vigente em sua época:
“A primeira questão que hoje temos de considerar é está: a emancipação das massas operárias poderá ser completa enquanto receberem instrução inferior à dos burgueses ou enquanto houver, de um modo geral, uma classe qualquer, numerosa ou não, mas que por nascença tenha os privilégios de uma educação superior e mais completa?” (Bakunin, 2003, p. 59).
Acreditando que a educação burguesa era uma maneira de distinguir as classes sociais no capitalismo, que estava se fortalecendo no século XIX na Europa, Bakunin faz críticas à ciência dominante ou uma ciência do Estado, que nada mais era que uma “ciência de tosquiar os rebanhos populares sem fazê-los gritar demasiado e, (...) ciência de impor-lhes (...) obediência por meio de uma força cientificamente organizada” (idem, p. 66). Para ele, a ciência das elites era uma forma de dominar as classes populares e era preciso que o operário se emancipasse para conquistar seus direitos políticos, sociais e econômicos. A educação teria um papel fundamental, pois para ele seria uma maneira de abordar uma educação racionalista que compreenda as questões sociais a qual passava o proletariado nessa época. Já que os governantes mantinham uma educação para ignorância dos trabalhadores era “necessário fundar escolas não apenas para os filhos do povo, mas também para o povo mesmo” (Bakunin apud Gallo, 1995, p. 85).
Bakunin nasceu em 1814 na Rússia e desde cedo vivenciará a educação burguesa. Filho de pais liberais terá “uma formação liberal, baseada no aprendizado de línguas e história, e no constante contato com a natureza” (Gallo, 1995, p. 64). Também sofrerá do ensino religioso e como ativista antiautoritário diz:
“A escola deve substituir a igreja com a imensa diferença de que esta, ministrando da educação religiosa, não tem outra finalidade senão a de eternizar a ingenuidade humana e da assim chamada autoridade divina, enquanto a educação e a instrução da escola, não possuindo, ao contrário, outra finalidade senão a emancipação real das crianças quando chegarem à maioridade, não será nada mais do que sua iniciação gradual e progressiva na liberdade, pelo triplo desenvolvimento de suas forças físicas, de seu espírito e de sua vontade” (Bakunin apud Guèrin, 1983b, p. 66).
Nesse trecho Bakunin reafirma a necessidade da educação ser uma maneira para a emancipação do sujeito, superando qualquer doutrina metafísica que queira dominá-lo. Também já percebemos algum esboço do que ele desejava para uma educação emancipatória. Como Proudhon, Bakunin também irá enfatizar que a vivência do proletário na sociedade será uma das principais maneiras de formação do indivíduo.
“Cada ser humano, no momento do nascimento, é inteiramente o produto do desenvolvimento histórico, ou seja, psicológico e social de sua etnia, de seu povo, de sua classe social, de sua família, de seu antepassado e de natureza individual de seu pai e de sua mãe que lhe transmitiram diretamente (...) todas as conseqüências fatais de sua própria existência anterior, tanto material quanto moral, tanto individual quanto social” (Bakunin apud Codello, 2007, p. 115, nota de roda pé).
Para ele a transmissão da cultura a partir do cotidiano e do meio em que o indivíduo está inserido será primordial para a sua formação. Como a sociedade da época não compreendia o ideal social ao qual Bakunin almejava, a educação poderia ser uma ferramenta de transformação social, porém para isso a educação do trabalhador deveria ser “igual em todos os graus para todos; (...) deve ser integral, quer dizer, deve preparar as crianças de ambos os sexos tanto para a vida intelectual como a vida do trabalho” (Bakunin, 2003, p. 78).
Suas teses de educação se relacionam com as suas teorias sociais, incompreensível seria se isso não ocorresse, já que para Bakunin a divisão de trabalho em manual e intelectual era uma maneira de privilégios da burguesia e de alienação do trabalhador. Para isso, a educação deveria ser integral, juntar a ciência e o trabalho, tendo em vista que “o trabalho é a base fundamental da dignidade e do direito humano” (Bakunin apud Guèrin, 1983(b), p. 61) e ambas associadas tornariam a vida social muito mais completa para cada indivíduo.
O trabalho sendo fundamental na educação do sujeito, Bakunin vai sistematizar a sua educação prática da seguinte maneira:
“O ensino industrial, paralelo ao ensino científico, será dividido em duas partes (...): o ensino geral, que deverá dar às crianças a idéia geral e o primeiro conhecimento prático de toda a indústria, sem nenhuma exceção, e a idéia de que o seu conjunto forma o aspecto material da civilização como totalidade do trabalho humano; e a parte específica, dividida igualmente em grupos de ofício ligados entre si de forma especial” (Bakunin, 2003, pp. 81-82).
A primeira parte seria o preparo para o estudante aperfeiçoar suas habilidades práticas para, posteriormente, escolher uma tarefa específica e se aprofundar nela. È importante ressaltar que para Bakunin esse aprendizado industrial está sendo construído juntamente com os ensinamentos científicos e moral, onde o indivíduo irá se organizar de maneira autônoma e livre com outros. Porém sua educação do corpo não se limita a profissionalização, como é mais visível na educação de Proudhon. Bakunin vai abordar sobre educação integral e essas concepção do físico entendendo que:
“Tomando a educação no sentindo mais amplo desta palavra, incluindo nela não somente a instrução e as lições de moral, mas ainda e sobretudo os exemplos que dão às crianças todas as pessoas que as cercam, a influência de tudo o que ela entende, do que ela vê, e não somente a cultura de seu espírito, mas ainda o desenvolvimento do seu corpo pela alimentação, pela higiene, pelo exercício de seus membros e de sua força física” (Bakunin apud Gallo, 1995, p. 70).
Vemos nessa última citação o quanto Bakunin se preocupava ao desenvolvimento físico do indivíduo, nele a alimentação, a higiene e a necessidade do desenvolvimento corporal eram relevantes, já que se constituía em um problema social grave a falta de alimentação, de higiene e a degradação física sofrida pelo operariado nas exaustivas horas de trabalho e a exploração econômica e social dessa época. A concepção de corpo em Bakunin era desejando uma sociedade ideal que o indivíduo participasse de todo o processo do trabalho (da organização à execução) e que pudesse desenvolver todas as suas potencialidades: intelectuais, morais e físicas, essa última de modo que no desenvolvimento social, o indivíduo pudesse se formar de maneira que contemplasse todas as suas necessidades para uma vida digna.
Para ele, essa educação integral ainda está distante, pois toda a sociedade é organizada de maneira hierarquizada e burocrática, vinculando valores contrários aqueles a qual sua ideologia defendia. A igualdade na educação, a liberdade e a solidariedade estão distantes ainda nesse aspecto.
“Se na sociedade que hoje existe chegaram a ser fundadas escolas que deram a seus alunos uma instrução e uma educação tão perfeitas como podemos imaginar, chegariam a criar homens justos, livres e morais? Não, pois ao saírem das escolas se veriam em meio a uma sociedade dirigida por princípios contrários” (Bakunin, 2003, pp. 91-92).
Antes de qualquer coisa é necessário que a classe operária transforme a sociedade e conquiste sua emancipação econômica, principalmente. Como materialista, vê a educação como uma importante necessidade do proletário mas que somente ela não fará mudança e por isso o trabalhador deve buscar sua emancipação econômica.
“Sim, não há dúvida de que os operários farão o todo possível para obterem tanta instrução quanto possam nas condições materiais em que atualmente se encontram. Mas, sem deixarem dissuadir pelos cantos de sereia de burgueses e socialistas burgueses, concentrarão seus esforços, antes de mais nada, nesta importante questão de sua emancipação econômica, que deve ser a matriz de todas as demais emancipações” (idem, p. 94).
É possível vermos que a educação para Bakunin era um campo a qual ele via como importante para as questões sociais que envolviam a classe trabalhadora da época. A educação em sua concepção deveria ser uma estratégia de luta, mas que na sociedade atual era impossível uma educação ideal anarquista, então era preciso a revolução social e a implementação da organização libertária para esse desenvolvimento pedagógico. Entretanto observamos que o corpo também tem destaque na sua educação, tanto na sua experimentação em comunhão social, quanto na vida do trabalho e das necessidades sociais que compreendiam esse proletariado do século XIX. Desse modo, sua educação está diretamente ligada ao movimento dos trabalhadores e aos seus objetivos de organização social anarquista, onde prezava a liberdade ilimitada em harmonia social, sem dominação de instituições ou pessoas, igualdade social para todos fomentada pela solidariedade e o respeito mútuo dos indivíduos.
3. Conclusão
Ao longo de todo o texto é possível percebermos algumas semelhanças entre Proudhon e Bakunin. A primeira delas é como os seus pensamentos filosóficos em torno da educação se confundem com o seu ideal de organização social libertária. A busca por uma sociedade igualitária, solidária e livre se fortalecem dentro dos princípios que defendem para educação. Os seus desejos eram por uma educação sem a dominação, para isso eram necessários valores éticos e que o sujeito adquirisse durante o processo ensino-aprendizagem. Essa defesa de valores morais vira também com a organicidade da educação, com a participação ativa de todos, não havendo hierarquias, a inclusão da autogestão pedagógica e etc. Outro fator importante é que seus pensamentos estavam se relacionando com a educação do trabalhador, que naquele momento não tinha requinte algum para a ciência ou o pensamento racional. Eles tentaram desenvolver uma pedagogia que favorecesse uma educação integral para essa classe, sem a separação do intelectual e do manual, constituindo-se em uma visão holística de sujeito e rompendo com a educação de privilégios das classes burguesas da época.
A defesa dessa educação integral terá relação direta com a concepção de educação física para ambos, pois para eles não há como ter uma educação justa sem perpassar pelo corpo, pela prática. Assim, vão defender uma educação no cerne da sociedade, no convívio coletivo. Essa abordagem se assemelha muito com as teses construtivistas de Piaget.
Segundo Piaget, a inteligência humana concretiza-se na adaptação do homem ao mundo exterior, adaptação essa que tem na sua perspectiva dois componentes:
a) assimilação: do mundo exterior para a criança;
b) acomodação: da criança para o mundo exterior.
A Inteligência (...) é a resultante e o resultado da experiência do indivíduo. Segundo ele, é através da experiência como ação e, portanto, como motricidade, que o indivíduo simultaneamente integra e incorpora o mundo exterior e o vai transformando. (Fonseca, 2008, p. 76).
Ele ressalta sobre o desenvolvimento ativo da inteligência da criança em conflito com o meio ambiente. O sujeito ao transformar o meio ambiente transforma, reciprocamente, a si próprio, se desenvolvendo com sujeito interventor e independente. Tanto para Proudhon, quanto para Bakunin, a criança se auto-educava na compreensão da realidade, no convívio com a natureza, na luta contra a dominação e etc. esses fatores passam pelo corpo, onde é sua materialização dos sentidos que propicia essa relação com o mundo.
A principal diferença entre os autores é que para Proudhon a educação física era muita profissionalizante, o intuito era que o trabalhador compreendesse todos os segmentos do trabalho e o maior número possível de tarefas práticas, assim o operário teria uma maior versatilidade no mundo do trabalho, não ficando preso a uma tarefa e ao embrutecimento de um trabalho repetitivo. Já para Bakunin a educação do corpo estava ligada também a higiene e ao fortalecimento físico. Isso é explicável já que na Europa industrial a precarização do trabalhador eram reais, como o próprio Bakunin relata ao enfatizar a impossibilidade de uma instrução integral naquele momento para os socialistas burgueses.
Vocês deixam que o povo se esgote com o seu trabalho cotidiano e em sua pobreza e então dizem ao povo: ‘Instruam-se!’ Gostaríamos de ver como vocês instruem o povo e seus filhos depois de 13, 14 ou 16 horas de trabalho embrutecedor, com a miséria e a incerteza do amanhã como única recompensa. (Bakunin, 2003, p. 93)
Suas condições de vida eram insalubres e conviviam com trabalhos pesados durante horas afinco, com exaustão física, inclusive para mulheres e crianças. A necessidade de assepsia e de uma maior resistência corporal eram exigências dessas classes, porém não para trabalharem mais, mas para resistirem e poderem lutar por uma condição digna e não por uma vida de trabalho explorador atenuante.
O resgate dessas experiências nos proporciona uma reflexão sobre a educação física: suas limitações, seus princípios, seus objetivos e seu surgimento na modernidade. Os princípios de Liberdade, Solidariedade, Igualdade; Autogestão e Educação Integral são conceitos que podem estar correlacionados em nossos estudos sobre o corpo e o ensino da educação física, já que os métodos de ensino estão em constantes transformações e tendo novas abordagens. A intenção dessa pesquisa teórica era trazer as contribuições de uma nova linha filosófica para o campo da educação física, depende de nós aprofundarmos esses elementos aqui destacados.
Refletirmos sobre essas análises pouco enfatizadas nos possibilitam a termos mais um leque de opções para a nossa atuação como professores e abordar uma discussão crítica sobre: quais os nossos interesses e, dos nossos alunos, na educação física, entendendo que somos todos interventores sociais? Por essa questão ser demasiadamente complexa, acreditamos que só poderemos respondê-la no nosso cotidiano.
Bibliografia
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Codello, F. (2007). “A Boa Educação” Experiências Libertárias e Teorias Anarquistas na Europa, de Godwin a Neill. Tradução: Silene Cardoso. São Paulo: Editora Imaginário: Ícone Editora.
Corrêa, F. (2012). Rediscutindo o Anarquismo: Uma Abordagem Teórica. 275 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em Mudança Social e Participação Política, Escola de Artes, Ciência e Humanidade. USP, São Paulo.
Darido, S. C. (2008). Educação Física na Escola: Questões e Reflexões. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan.
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