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A literatura como instrumento mediador da realidade

La literatura como instrumento mediador de la realidad

Literature as an instrument agent of reality

 

*Graduando do 5º período do curso de Letras - Português pela Universidade Estadual

de Alagoas - UNEAL campus III em Palmeira dos Índios - AL. É Bolsista do Programa

Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/CAPES/UNEAL

**Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL. É professor

de Filosofia da Faculdade São Tomás de Aquino - FACESTA em Palmeira dos Índios - AL

Max Silva da Rocha*

msrletras@gmail.com

José Bezerra da Silva**

filosofojb@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este trabalho tem o intuito de analisar o conto machadiano intitulado a igreja do diabo. Veremos como se deu toda essa análise e também como alguns fatores da literatura realista se fizeram presentes em nosso objeto de estudo. Desse modo, buscamos fundamentações importantes para analisar o conto, pois se trata de um tema religioso e de uma batalha final entre o bem e o mal. A literatura realista nos possibilita uma visão sem romantismo, sem melancolia, sem ficção, mas sempre procurando entender a realidade concreta dos fatos. Dessa forma, podemos ver o intricado das falas e de seus enunciadores de um ponto de vista literal. O conto, apesar de ser metafórico, trata de um episódio bíblico e de grande relevância para a humanidade, porque é de fato, um grande conflito. Nesse sentido, é necessário que escolhamos em qual lado iremos ficar uma vez que não existe um meio termo. A batalha está acontecendo desde a origem da humanidade e percebemos com esse conto estudado, que o diabo não para de elaborar estratégias para enganar as pessoas. Portanto, constatou-se com a análise final do conto machadiano que nesse conflito, o bem vencerá e não importa qual estratégia o diabo use, pois o bem sempre prevalecerá.

          Unitermos: Conto machadiano. Análise. Bem e mal.

 

Abstract

          This work aims to analyze the Machado's story called the church of the devil. We will see how was all this analysis as well as some factors of realistic literature were present in our study object. Thus, we seek important foundations for analyzing the tale, because it is a religious theme and a final battle between good and evil. The realist literature enables us insight unromantic without melancholy, without fiction, but always seeking to understand the concrete reality of the facts. Thus, we can see the intricate lines and their enunciators a literal point of view. The story, despite being metaphorical, is a biblical story and of great importance for humanity, because it is indeed a major conflict. Therefore, it is necessary that we choose on which side will stay since there is no middle ground. The battle is going on since the origin of humanity and realized with this tale studied, the devil is constantly developing strategies to fool people. Therefore, it was found with the final analysis of Machado's tale that this conflict, the good will win and no matter what strategy the devil use because good always prevail.

          Keywords: Machado's tale. Analysis. Good and bad.

 

Recepção: 06/07/2015 - Aceitação: 02/10/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 210, Noviembre de 2015. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O ser humano, nos dias de hoje, chegou a um alto contato e interação com as novas tendências da modernização e atualização dos tempos. O homem evoluiu de tal maneira que consegue desafiar a natureza e até mesmo Deus. No entanto, o ser humano ainda não conseguiu solucionar os seus problemas. Mesmo tendo a real possibilidade de solucioná-los ele não se empenha em resolvê-los. E o que tem haver tudo isso com a literatura? A literatura está em nossa volta, em nossas crenças, no folclore, nas lendas e nas mais diversas situações do homem. Ela está presente, porque a arte condiciona o espaço e conseqüentemente as pessoas. A nosso ver, a literatura é tão importante quanto à educação familiar, grupal ou escolar. Ela tem um papel imprescindível com os problemas de nosso cotidiano. Desse modo, o mundo literário nos dá uma visão de mundo, mas também de grupos sociais.

    Na literatura, o narrador ou o poeta tem um papel específico em suas obras literárias, porque eles usam uma coerência elevada que faz com que o leitor se sinta introduzido no mundo da ficção. Eles fazem um excelente jogo de palavras e quando são lidas deixam o leitor admirado e conseqüentemente o induz a uma nova perspectiva de mundo através das obras literárias. Sabemos que a literatura tem como base a humanização do homem em diversos sentidos. Ela torna o ser humano compreensível, aberto para a natureza, para a sociedade e principalmente para o seu semelhante. Por isso, entendemos que a literatura é importante em nossas vidas uma vez que nos deixa mais humanos para com o próximo e consigo mesmo.

O realismo literário

    O realismo vai tratar do movimento científico da época e também a união entre várias ciências, destacando o positivismo e a evolução das espécies. É impossível tratarmos desse assunto e não citarmos Darwin e Comte, pois foram eles os iniciadores dessas duas correntes citadas acima. A primeira vai abordar o método científico que só aceita algo quando se tem a experiência comprovatória no laboratório. A segunda, irá pregar a evolução da raça humana através de espécies. Essa sem dúvida já foi superada uma vez que Darwin nunca definiu de onde vem a vida. Temos também a teoria do big bang que vai defender a tese de que o universo foi criado a partir de uma explosão. Porém nunca disseram o que explodiu e ainda mais uma explosão que deveria destruir, inverteu o seu papel e criou o universo. São teorias fúteis que não possuem base alguma, mas tudo isso é só para negar a criação divina descrita nas Sagradas Escrituras.

    O nosso conto estudado, tem toda uma base Bíblica e a realidade está inserido nele por isso esse estudo em torno da literatura realista a fim de evidenciar, mostrar fatos e sobretudo transmitir o verdadeiro conflito entre o bem e o mal. Sabemos que o realismo trata do real e também da manifestação da linguagem em seu sentido conotativo. O conto machadiano também trata de uma realidade e que tem uma origem antiga. Trata-se da peleja entre o mal e o bem. Sim, temos uma guerra espiritual que perdura até os nossos dias. Devemos escolher em que lado ficaremos, pois não há meio termo. A seguir, veremos como se deu todo esse embate e de que forma tudo isso aconteceu.

A igreja do diabo

Capítulo I

De uma idéia mirífica

    Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a idéia de fundar uma igreja. Embora os seus lucros fossem contínuos e grandes, sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular. Por que não teria ele a sua igreja? Uma igreja do Diabo era o meio eficaz de combater as outras religiões, e destruí-las de uma vez.

    — Vá, pois, uma igreja, concluiu ele. Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo.

    Dizendo isto, o Diabo sacudiu a cabeça e estendeu os braços, com um gesto magnífico e varonil. Em seguida, lembrou-se de ir ter com Deus para comunicar-lhe a idéia, e desafiá-lo; levantou os olhos, acesos de ódio, ásperos de vingança, e disse consigo: — Vamos, é tempo. E rápido, batendo as asas, com tal estrondo que abalou todas as províncias do abismo, arrancou da sombra para o infinito azul.

Capítulo II

Entre Deus e o Diabo

    Deus recolhia um ancião, quando o Diabo chegou ao céu. Os serafins que engrinaldavam o recém-chegado, detiveram-se logo, e o Diabo deixou-se estar à entrada com os olhos no Senhor.

— Que me queres tu? perguntou este.

— Não venho pelo vosso servo Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas por todos os Faustos do século e dos séculos.

— Explica-te.

— Senhor, a explicação é fácil; mas permiti que vos diga: recolhei primeiro esse bom velho; dai-lhe o melhor lugar, mandai que as mais afinadas cítaras e alaúdes o recebam com os mais divinos coros...

— Sabes o que ele fez? perguntou o Senhor, com os olhos cheios de doçura.

— Não, mas provavelmente é dos últimos que virão ter convosco. Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto. Vou edificar uma hospedaria barata; em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado da minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa. E então vim dizer-vos isto, com lealdade, para que me não acuseis de dissimulação... Boa idéia, não vos parece?

— Vieste dizê-la, não legitimá-la, advertiu o Senhor.

— Tendes razão, acudiu o Diabo; mas o amor-próprio gosta de ouvir o aplauso dos mestres. Verdade é que neste caso seria o aplauso de um mestre vencido, e uma tal exigência... Senhor, desço à terra; vou lançar a minha pedra fundamental.

— Vai.

— Quereis que venha anunciar-vos o remate da obra?

— Não é preciso; basta que me digas desde já por que motivo, cansado há tanto da tua desorganização, só agora pensaste em fundar uma igreja.

    O Diabo sorriu com certo ar de escárnio e triunfo. Tinha alguma idéia cruel no espírito, algum reparo picante no alforje de memória, qualquer coisa que, nesse breve instante de eternidade, o fazia crer superior ao próprio Deus. Mas recolheu o riso, e disse:

— Só agora concluí uma observação, começada desde alguns séculos, e é que as virtudes, filhas do céu, são em grande número comparáveis a rainhas, cujo manto de veludo rematasse em franjas de algodão. Ora, eu proponho-me a puxá-las por essa franja, e trazê-las todas para minha igreja; atrás delas virão as de seda pura...

— Velho retórico! murmurou o Senhor.

— Olhai bem. Muitos corpos que ajoelham aos vossos pés, nos templos do mundo, trazem as anquinhas da sala e da rua, os rostos tingem-se do mesmo pó, os lenços cheiram aos mesmos cheiros, as pupilas centelham de curiosidade e devoção entre o livro santo e o bigode do pecado. Vede o ardor, — a indiferença, ao menos, — com que esse cavalheiro põe em letras públicas os benefícios que liberalmente espalha, — ou sejam roupas ou botas, ou moedas, ou quaisquer dessas matérias necessárias à vida... Mas não quero parecer que me detenho em coisas miúdas; não falo, por exemplo, da placidez com que este juiz de irmandade, nas procissões, carrega piedosamente ao peito o vosso amor e uma comenda...

    Vou a negócios mais altos...

    Nisto os serafins agitaram as asas pesadas de fastio e sono. Miguel e Gabriel fitaram no Senhor um olhar de súplica. Deus interrompeu o Diabo.

— Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires. Olha; todas as minhas legiões mostram no rosto os sinais vivos do tédio que lhes dás. Esse mesmo ancião parece enjoado; e sabes tu o que ele fez?

— Já vos disse que não.

— Depois de uma vida honesta, teve uma morte sublime. Colhido em um naufrágio, ia salvar-se numa tábua; mas viu um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade. Nenhum público: a água e o céu por cima. Onde achas aí a franja de algodão?

— Senhor, eu sou, como sabeis, o espírito que nega.

— Negas esta morte?

— Nego tudo. A misantropia pode tomar aspecto de caridade; deixar a vida aos outros, para um misantropo, é realmente aborrecê-los...

— Retórico e sutil! exclamou o Senhor. Vai, vai, funda a tua igreja; chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens... Mas, vai! vai!

    Debalde o Diabo tentou proferir alguma coisa mais. Deus impusera-lhe silêncio; os serafins, a um sinal divino, encheram o céu com as harmonias de seus cânticos. O Diabo sentiu, de repente, que se achava no ar; dobrou as asas, e, como um raio, caiu na terra.

Capítulo III

A boa nova aos homens

    Uma vez na terra, o Diabo não perdeu um minuto. Deu-se pressa em enfiar a coagula beneditina, como hábito de boa fama, e entrou a espalhar uma doutrina nova e extraordinária, com uma voz que reboava nas entranhas do século. Ele prometia aos seus discípulos e fiéis as delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos. Confessava que era o Diabo; mas confessava-o para retificar a noção que os homens tinham dele e desmentir as histórias que a seu respeito contavam as velhas beatas.

— Sim, sou o Diabo, repetia ele; não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio gênio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil e airoso. Sou o vosso verdadeiro pai. Vamos lá: tomai daquele nome, inventado para meu desdouro, fazei dele um troféu e um lábaro, e eu vos darei tudo, tudo, tudo, tudo, tudo, tudo...

    Era assim que falava, a princípio, para excitar o entusiasmo, espertar os indiferentes, congregar, em suma, as multidões ao pé de si. E elas vieram; e logo que vieram, o Diabo passou a definir a doutrina. A doutrina era a que podia ser na boca de um espírito de negação. Isso quanto à substância, porque, acerca da forma, era umas vezes sutil, outras cínica e deslavada.

    Clamava ele que as virtudes aceitas deviam ser substituídas por outras, que eram as naturais e legítimas. A soberba, a luxúria, a preguiça foram reabilitadas, e assim também a avareza, que declarou não ser mais do que a mãe da economia, com a diferença que a mãe era robusta, e a filha uma esgalgada. A ira tinha a melhor defesa na existência de Homero; sem o furor de Aquiles, não haveria a Ilíada: "Musa, canta a cólera de Aquiles, filho de Peleu..." O mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos de Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal. Mas, ainda pondo de lado essas razões de ordem literária ou histórica, para só mostrar o valor intrínseco daquela virtude, quem negaria que era muito melhor sentir na boca e no ventre os bons manjares, em grande cópia, do que os maus bocados, ou a saliva do jejum? Pela sua parte o Diabo prometia substituir a vinha do Senhor, expressão metafórica, pela vinha do Diabo, locução direta e verdadeira, pois não faltaria nunca aos seus com o fruto das mais belas cepas do mundo. Quanto à inveja, pregou friamente que era a virtude principal, origem de propriedades infinitas; virtude preciosa, que chegava a suprir todas as outras, e ao próprio talento.

    As turbas corriam atrás dele entusiasmadas. O Diabo incutia-lhes, a grandes golpes de eloqüência, toda a nova ordem de coisas, trocando a noção delas, fazendo amar as perversas e detestar as sãs.

    Nada mais curioso, por exemplo, do que a definição que ele dava da fraude. Chamava-lhe o braço esquerdo do homem; o braço direito era a força; e concluía: Muitos homens são canhotos, eis tudo. Ora, ele não exigia que todos fossem canhotos; não era exclusivista. Que uns fossem canhotos, outros destros; aceitava a todos, menos os que não fossem nada. A demonstração, porém, mais rigorosa e profunda, foi a da venalidade. Um casuísta do tempo chegou a confessar que era um monumento de lógica. A venalidade, disse o Diabo, era o exercício de um direito superior a todos os direitos. Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência, isto é, tu mesmo? Negá-lo é cair no absurdo e no contraditório. Pois não há mulheres que vendem os cabelos? não pode um homem vender uma parte do seu sangue para transfundi-lo a outro homem anêmico? e o sangue e os cabelos, partes físicas, terão um privilégio que se nega ao caráter, à porção moral do homem? Demonstrado assim o princípio, o Diabo não se demorou em expor as vantagens de ordem temporal ou pecuniária; depois, mostrou ainda que, à vista do preconceito social, conviria dissimular o exercício de um direito tão legítimo, o que era exercer ao mesmo tempo a venalidade e a hipocrisia, isto é, merecer duplicadamente.

    E descia, e subia, examinava tudo, retificava tudo. Está claro que combateu o perdão das injúrias e outras máximas de brandura e cordialidade. Não proibiu formalmente a calúnia gratuita, mas induziu a exercê-la mediante retribuição, ou pecuniária, ou de outra espécie; nos casos, porém, em que ela fosse uma expansão imperiosa da força imaginativa, e nada mais, proibia receber nenhum salário, pois equivalia a fazer pagar a transpiração. Todas as formas de respeito foram condenadas por ele, como elementos possíveis de um certo decoro social e pessoal; salva, todavia, a única exceção do interesse. Mas essa mesma exceção foi logo eliminada, pela consideração de que o interesse, convertendo o respeito em simples adulação, era este o sentimento aplicado e não aquele.

    Para rematar a obra, entendeu o Diabo que lhe cumpria cortar por toda a solidariedade humana. Com efeito, o amor do próximo era um obstáculo grave à nova instituição. Ele mostrou que essa regra era uma simples invenção de parasitas e negociantes insolváveis; não se devia dar ao próximo senão indiferença; em alguns casos, ódio ou desprezo. Chegou mesmo à demonstração de que a noção de próximo era errada, e citava esta frase de um padre de Nápoles, aquele fino e letrado Galiani, que escrevia a uma das marquesas do antigo regime: "Leve a breca o próximo! Não há próximo!" A única hipótese em que ele permitia amar ao próximo era quando se tratasse de amar as damas alheias, porque essa espécie de amor tinha a particularidade de não ser outra coisa mais do que o amor do indivíduo a si mesmo. E como alguns discípulos achassem que uma tal explicação, por metafísica, escapava à compreensão das turbas, o Diabo recorreu a um apólogo: — Cem pessoas tomam ações de um banco, para as operações comuns; mas cada acionista não cuida realmente senão nos seus dividendos: é o que acontece aos adúlteros. Este apólogo foi incluído no livro da sabedoria.

Capítulo IV

Franjas e franjas

    A previsão do Diabo verificou-se. Todas as virtudes cuja capa de veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja, deitavam a capa às urtigas e vinham alistar-se na igreja nova. Atrás foram chegando as outras, e o tempo abençoou a instituição. A igreja fundara-se; a doutrina propagava-se; não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse, uma raça que não a amasse. O Diabo alçou brados de triunfo.

    Um dia, porém, longos anos depois notou o Diabo que muitos dos seus fiéis, às escondidas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas, nem integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano, justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite, ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas quantias; os fraudulentos falavam, uma ou outra vez, com o coração nas mãos, mas com o mesmo rosto dissimulado, para fazer crer que estavam embaçando os outros.

    A descoberta assombrou o Diabo. Meteu-se a conhecer mais diretamente o mal, e viu que lavrava muito. Alguns casos eram até incompreensíveis, como o de um droguista do Levante, que envenenara longamente uma geração inteira, e, com o produto das drogas, socorria os filhos das vítimas. No Cairo achou um perfeito ladrão de camelos, que tapava a cara para ir às mesquitas. O Diabo deu com ele à entrada de uma, lançou-lhe em rosto o procedimento; ele negou, dizendo que ia ali roubar o camelo de um drogomano; roubou-o, com efeito, à vista do Diabo e foi dá-lo de presente a um muezim, que rezou por ele a Alá. O manuscrito beneditino cita muitas outras descobertas extraordinárias, entre elas esta, que desorientou completamente o Diabo. Um dos seus melhores apóstolos era um calabrês, varão de cinqüenta anos, insigne falsificador de documentos, que possuía uma bela casa na campanha romana, telas, estátuas, biblioteca, etc. Era a fraude em pessoa; chegava a meter- se na cama para não confessar que estava são. Pois esse homem, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos criados. Tendo angariado a amizade de um cônego, ia todas as semanas confessar-se com ele, numa capela solitária; e, conquanto não lhe desvendasse nenhuma das suas ações secretas, benzia-se duas vezes, ao ajoelhar-se, e ao levantar-se. O Diabo mal pôde crer tamanha aleivosia. Mas não havia que duvidar; o caso era verdadeiro.

    Não se deteve um instante. O pasmo não lhe deu tempo de refletir, comparar e concluir do espetáculo presente alguma coisa análoga ao passado. Voou de novo ao céu, trêmulo de raiva, ansioso de conhecer a causa secreta de tão singular fenômeno. Deus ouviu-o com infinita complacência; não o interrompeu, não o repreendeu, não triunfou, sequer, daquela agonia satânica. Pôs os olhos nele, e disse-lhe:

— Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana.

Uma breve análise sobre o conto machadiano

Capítulo I

De uma idéia mirífica

    No primeiro capítulo, começamos destacando o título com relação a palavra mirífica que significa excelente, maravilhosa, etc. Desse modo, tratar-se-á de uma ótima idéia do diabo. A idéia é abrir uma igreja para tentar combater as demais igrejas e religiões. Em um determinado ponto do conto o diabo afirma: “terei a minha missa” fazendo total menção a igreja católica apostólica romana, pois só nela temos a missa. Em seguida ele diz: “o meu credo será o núcleo universal dos espíritos” referenciando as mais diversas linhas do espiritismo (Kardecismo, Bezerra de Menezes, Cultos Afros). Outra característica que foi dita é: “a minha igreja será uma tenda de Abraão” mencionando o patriarca da humanidade. Também é retratado no conto a seguinte assertiva: “não acharei diante mim, nem Maomé, nem Lutero”. O primeiro, representa todo a fé do mundo islâmico que consistia na adoração de Alá, no entanto, esse deus não pode ser confundido com o verdadeiro Deus Javé. O segundo, a reforma protestante que originou as mais variadas igrejas evangélicas. Depois do diabo relatar todas essas características que sua igreja teria, ele saiu do abismo e foi ao céu contar a novidade a seu rival, isto é, o Deus do Cristianismo.

    Percebemos, até o prezado momento, o embate entre o bem e o mal. Nesse sentido, vemos que o diabo está contra-atacando o Deus único e se preparando para tentar combatê-LO.

Capítulo II

Entre Deus e o diabo

    Começamos agora a adentar na conversa entre Deus e o diabo quando o coisa ruim chegou no céu para contar a sua novidade. O diabo diz: “vou edificar uma hospedaria barata, em duas palavras, vou fundar uma igreja. Estou cansado de minha desorganização, do meu reinado casual e adventício. É tempo de obter a vitória final e completa”. O diabo pensa que fundando a sua igreja vai conquistar a vitória final, porém sabemos que o seu final já está consumado, ou seja, derrotado. Mesmo ele sabendo dessa derrota ele nega, como pode ser visto no conto machadiano: “Senhor, eu sou o espírito que nega. ­­Negas esta morte? Nego tudo”. Mesmo o diabo recolhendo esforços, fundando igreja, Deus sabe que o pai da mentira não tem vez. Assim diz Deus no conto: “Vai, vai, funda a tua igreja, chama todas as virtudes, recolhe todas as franjas, convoca todos os homens... Mas, vai! vai!” Em outras palavras a idéia é que faça o que fizer nada terás de proveito.

Capítulo III

A boa nova aos homens

    Agora chegou a hora do diabo contar as novidades aos habitantes da terra. Começou prometendo as seguintes coisas: “delícias da terra, todas as glórias, os deleites mais íntimos”. Em nenhum momento negara ser o diabo, porém dizia que não era aquela figura má como todos diziam. Essa passagem do conto em que o diabo oferece vantagens a quem o segui-lo nos remete totalmente a passagem bíblica de Mateus capítulo 4 onde o diabo tenta convencer Jesus Cristo a prostrar-se diante dele prometendo todos os reinos e glórias destes. No entanto, Cristo não aceitou e jamais aceitaria, pois Jesus é o Rei dos reis e o Senhor dos senhores. Voltando ao conto, o diabo conseguiu dessa forma agregar muitas pessoas e pregava que as coisas mais levianas deviam ser praticadas tais como: “a soberba, a luxúria, a preguiça, a inveja”. Apesar de tudo isso, muitos começaram a correr atrás do pai da mentira e seguir os seus estatutos.

    O diabo apoiava toda a forma de injúrias possíveis: “todas as formas de respeito foram condenadas por ele”. O diabo entendeu também: “cortar toda a solidariedade humana”. Todas essas características são realmente desse ser que foi criado perfeito, mas preferiu a não permanência nessa perfeição. Assim continua o conto machadiano referindo-se as ações que esse ser caído estava fazendo: “não se devia dar ao próximo indiferença, em alguns casos, ódio ou desprezo”. Tudo isso contrariando o princípio e o mandamento: amarás o próximo como a ti mesmo.

Capítulo IV

Franjas e franjas

    Nesse último capítulo começamos abordando que a igreja do diabo estava prosperando e alastrando-se pelo mundo. O conto chega a afirmar que “a igreja se fundara, a doutrina propagava-se, não havia uma região do globo que não a conhecesse, uma língua que não a traduzisse”. O conto nos diz que ao passar do tempo alguns fiéis dessa igreja começaram a burlar as doutrinas estabelecidas pelo diabo. Havia pessoas, as escondidas, dando esmolas, certos glutões recolhiam-se, ou seja, muitos estavam praticando as antigas virtudes. O diabo ficou perplexo porque muitos membros de sua igreja estavam agindo com boas vontades e isso claro deixou o anjo caído indignado. Isso nos mostra claramente o quanto o ser humano é incompreensível uma vez que o conto nos mostra claramente que quando estava do lado da luz o homem cometia ainda coisas más, porém quando estava no lado das trevas fazia, ocultamente, coisas boas, ou seja, uma grande contradição. Percebemos durante esse último capítulo que o conto nos remete a ação do homem para com as suas escolhas.

Considerações finais

    Durante toda essa análise do conto machadiano, percebemos o quanto o ser humano é cercado de situações. Essas por sua vez são boas e ruins, no entanto, cabe ao homem fazer uma escolha. O conto nos traz vários aspectos de um conflito que começou no céu e veio para a terra. Trata-se do conflito entre o Bem e o mal. O bem é defendido pelo Deus Javé e o mal é pelo pai da mentira, isto é, satanás o adversário. Mesmo com a invenção de querer abrir uma igreja e nela colocar novas doutrinas a seu gosto, ele não conseguiu solidificá-la, pois os homens e o ser humano em si é um complexo mundo. Essa batalha entre o Deus do cristianismo e o diabo já está definida e não adianta fundar igreja ou novas doutrinas, porque a situação de lúcifer já está consumada. E só tem uma sentença para ele e seus seguidores que é a destruição final. O conto, a igreja do diabo, aborda vários assuntos inclusive religiões diferentes. Nesse sentido, poderíamos falar do ecumenismo que é, a nosso ver, outra praga que vem chegando por aí. Trata-se de uma união de todas as religiões e também de um governo mundial único. É claro que isso já está profetizado na Bíblia e cumprir-se-á. Esse conto é uma grande realidade e me instiga enquanto pesquisador do curso de Letras, pois podemos remetê-lo a um tempo longínquo, mas de grande marco na história bíblica. Por fim, é válido ressaltar o grande prazer em analisar esse conto de uma forma um pouco superficial, mas de uma profunda relevância. Desse modo, atendemos as exigências da disciplina Literatura Brasileira II ministrada pela professora Eliane Bezerra e do que nos foi solicitado despertando assim o interesse por futuros estudos nessa área para obtenção de conhecimentos. Grato pelo trabalho solicitado e que o Deus de Abraão, Isaque e Jacó pela graça que há em Cristo te abençoe sempre Professora Eliane Bezerra.

Bibliografia

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