A semiologia e a Educação Física. Um diálogo com Betti e Parlebas
José Ricardo da Silva Ramos

http://www.efdeportes.com/ revista digital | Buenos Aires | Año 5 - Nº 20 - Abril 2000

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    Porém, este argumento de Betti é de denúncia quando ele menciona Benvenistes (1989) e a dificuldade do uso das teorias rígidas das lingüísticas no campo do conhecimento corporal. Ele explica que outras concepções semiológicas podem ser incorporadas ao ensino da Educação Física quando essas fossem se mostrando significativas a determinados planos de ação do professor. Neste processo de conquistas de uma linguagem que fale das ações corporais, Parlebas (1977b p.50) desempenha um papel fundamental, pois ele descreve a viabilidade da teoria da dupla articulação elaborada a partir da leitura das escrituras corporais dos sujeitos em ação (ibidem), porém limitadas pelas condições históricas que a língua oferece. É necessário, para tanto, formular uma tese metamotriz, que apresente em seu bojo um conjunto de conhecimentos sobre temas relacionados ao campo da língua, mas que ao mesmo tempo não se prenda a nenhum modelo importado já visto, mas ao contrário, produza um movimento libertador:

"Ce sont finalement des formules importées qui considèrent comme résolu un problème à peine posé, et qui risquent d'empêcher une véritable investigation".6

    Nesse sentido Parlebas nos convida a considerar o signo motriz em sua diversidade espaço temporal, e não como um bloco linear que funciona por oposições e diferenças. Para o autor, investigar o cotidiano ludomotor dos sujeitos que vivenciam suas próprias ações motrizes pode evidenciar que, dentro de cada situação motriz em que estes se inserem para se comunicarem ou contracomunicarem, estão presentes a polissemia dos saberes sígnicos, que se relevam a partir de uma metodologia própria constituída pelo autor. Para ele, submeter esta polissemia motriz à arbitrariedade temporal 7 , como se faz na linguagem verbal, é desrespeitar toda a complexidade de relações que movem um sujeito ou um grupo social dentro de uma determinada situação motriz.

    O próprio autor, que afirma que sendo a linguagem corporal uma questão multidimensional, a sua interpretação deve ter um caráter epistemológico. Ela revela uma enorme riqueza em atitudes, gestos, sinais e comportamentos que precisam de saberes específicos para que sua ciência se consolide. Parlebas analisa os materiais com os quais os professores de Educação Física trabalham em situação de ensino e aprendizagem, justificando sua atenção sobre a ciência cinésica, o espaço e a gestualidade como instrumento comunicativo nas relações educativas. Para o autor, existem certas situações educativas tão importantes para o discurso verbal do professor que não podem ser desconsideradas. E conhecê-las implica estudar a importância das imagens corporais, quando essas atuam diretamente no ensino da Educação Física. Assim, quando Parlebas (1977b, p.51) refere-se à essas situações comunicativas, sua interpretação pode ser considerada como um fenômeno paralingüístico, por esses saberes introjetarem, inevitavelmente, os conhecimentos do campo lingüístico:

"Des sémiologues vigilants - et linguistes de surcroîont rapidement décelé l'inflation lingüistique ; ils ont proposé une démarche sémiologique originale et rigoureuse qui voudrait se dégager de l'appareil strictement linguistique".8


Desvelando a Educação Física no bojo das teorias paralingüísticas

    Acredito, após as minhas explicações sobre as teorias paralingüísticas, que ficará mais fácil identificar, dentre as teorias apresentadas, as produções mais simples, ainda amarradas ao ensino da Educação Física e, por oposição, a copernicana teoria de Parlebas. Nesse sentido, é importante que compreendamos que, para chegar a apreender um novo saber, o sujeito episteme tem de conhecer os processos formadores e globais de uma nova teoria. E tal processo exige muita atenção no momento de discriminar e identificar as teorias bases, tão importantes para a constituição de um novo sentido na ação educativa.

    Na tradição lingüística, a comunicação é conceituada de forma bem abrangente, sem implicar necessariamente alguma intenção de informar. Para Lyons (1981), existem certos conceitos relevantes para a investigação de todos os sistemas de comunicação. Ele compõe esse sistema apontando seis fatores básicos: um sinal que deve ser transmitido de um emissor para um receptor (ou um coletivo de receptores) através de um canal de comunicação; o sinal terá uma determinada forma e passará um determinado significado (ou mensagem); a conexão entre a forma do sinal e o seu significado é estabelecida pelo que normalmente se chama em semiótica de código: o meio pelo qual a mensagem é codificada pelo emissor e decodificada pelo receptor. Podemos dizer, por extensão, que o corpo pode ser usado como um meio de comunicação entre os seres humanos. No momento em que isto ocorre, o corpo humano torna-se, ao mesmo tempo, um emissor, ao transmitir uma mensagem para outro, e um receptor, ao receber a mensagem observando os sinais corporais anunciados pelo emissor. Este processo de realização da comunicação requer um canal de transmissão, uma mensagem, um emissor e um receptor. Faltando qualquer um desses elementos, não se completa o processo de comunicação humana. O problema, nessa extensão do sentido de comunicação, é que não há um código convencional. Grande parte das mensagens é "captada", mas não "decodificada".

    É na observação do sistema de comunicação verbal que são percebidas características da parte não-verbal em sinais e mensagens de natureza paralingüística. Este processo não-vocal de comunicação é encontrado em movimentos do olhar, movimentos da cabeça, expressões faciais, gestos, posturas etc., que determinarão, com mais probabilidade, os vários nichos de significado de uma mensagem.

    A paralinguagem, para Rector & Trinta (1986), é comunicação, não apenas pelo seu ajustamento à expressão lingüística, mas também pela expressão corporal, ao revelar intenções e estados afetivos. Incide ainda sobre todas as formas de relação interpessoal, regulando a interação e propiciando o contraste de atitudes e personalidades individuais. Está presente em todos os tipos de interação humana, sobreposta à codificação verbal, supondo sempre que a comunicação do corpo se faz em grande parte pelo recurso aos gestos. Do ponto de vista etimológico gesto provém do latim gestus que quer dizer maneira de proceder, atitude, movimento expressivo. É, portanto, uma ação corporal visível, pelo qual um certo significado é transmitido por meio de uma mensagem expressiva.

    Rector & Trinta (1986) comentam também sobre a existência de alguns gestos codificados que diferem da pura manifestação paralingüística por serem parte intencionalmente significativa de um ato de interação social. São "atos" ou "ações práticas" como um "gesto de generosidade" ou "um gesto de agressão", por exemplo. São expressões corporais icônicas, no sentido de que se encerram na intenção de exprimir um significado. Por exemplo, a mão que se mostra cerrada exprime em sua forma o movimento característico de quem arma um soco que se vai dar em alguém.

    No plano das relações entre processos de ação e processos de comunicação, as pesquisas de George H. Mead, oferecem algumas indicações acerca da compreensão de como a significação se incorpora à interação, como um fato humano social. Este autor estuda a relação das reações corporais como um processo de comunicação fazendo uma referência explícita ao âmbito do desporto. Como exemplo, ele analisa o enfrentamento corporal de um boxeador e de um esgrimista, onde as "fintas" e as "paradas" revelam como suas condutas são portadoras de significação. Diz ele que os gestos se convertem em símbolos significativos, traduzindo que a comunicação corporal favorece a inteorização das atitudes dos outros, das normas coletivas, e representam enfim o fator mais importante do processo de socialização.

    Entendemos que é costume da comunicação verbal levar-nos a pensar que, quando falamos em comunicação não verbal ou unidade extralingüística, estamos lidando com uma dimensão meramente complementar de um processo comunicacional. Isto ocorre porque a imensa maioria dos estudos extralingüísticos e paralingüísticos são percebidos essencialmente como um suporte da linguagem falada ou escrita.

    O avanço do estudo dos movimentos como elementos comunicativos leva à criação da cinésica, que, segundo Ray Birdwhistell, procede de uma descrição atomizada da gesticulação em classes mínimas de movimentos (cines) que constituirão unidades distintas de um conjunto de gestos. O exemplo que o autor dá é a análise cinésica sobre os gestos faciais: o movimento das pálpebras e posturas corporais que se combinam para se constituírem em um ato de comunicação.

    Assim, a cinésica ensina que um piscar de olhos só adquire significado enquanto unidade de comunicação, quando exposto a um contexto cultural, e nunca de maneira isolada. As circunstâncias ambientais e culturais que cercam o ato não-verbal devem ser observadas e acrescentadas às características articulatórias de cada gesto.

    Guiraud (1980) refere-se à cinésica como uma teoria biológica da comunicação gestual formulada pelos princípios do evolucionismo darwiniano, considerando alguns gestos como sendo universais e comuns a todas as culturas. Neste caso estão os gestos biologicamente úteis, considerados de certa forma inatos, que foram incorporados à experiência emocional dos seres humanos. Afastar alguma coisa com a mão, por exemplo, manifestando rejeição ou recusa, pode ser um gesto que remete a um significado.

    Segundo Parlebas (1977b) a cinésica apresenta incontestavelmente, apresenta fatos novos sob pontos de vista fecundos. Mas, dentro das possibilidades de um estudo praxiológico, as abordagens da cinésica merecem críticas. Primeiro, por abrirem mão de pesquisar a comunicação corporal em movimento para se basearem em gestos lentos, mímicas faciais; e, de outra parte, porque a metodologia e os conceitos utilizados são muito mais dependentes da lingüística, sem aplicação direta à área específica das ações motrizes.

    A proxêmica, como ciência do corpo no espaço, em geral é entendida como o estudo do uso e da percepção do espaço social e pessoal. O antropólogo norte-americano Edward T. Hall foi um dos primeiros a estudar o uso do espaço humano para fins de comunicação. Segundo Hall (1977) existe uma "dimensão oculta" cultural que rodeia o corpo. Assim, o valor funcional do espaço é culturalmente estabelecido e pode comunicar certos hábitos e sinais na sua forma de utilização entre os homens. A forma segundo a qual o homem utiliza o espaço influi em sua capacidade de se relacionar com as pessoas à sua volta, de sentir-se perto ou distante de outros.

    As necessidades territoriais levam ao estabelecimento de zonas distintas em que a maioria dos homens interagem. Essas zonas representam sensivelmente os distintos espaços em que nos movemos, espaços que aumentam à medida que a intimidade diminui. Logo, uma distância íntima deve ser a menor possível. Por ser um contato, a distância íntima equivale à chamada fase próxima, correspondente ao contato corporal. Com essa distância os homens praticam um duelo corporal ou fazem amor. A proxêmica tem relevância na segmentação dos espaços do meio ambiente dos diferentes esportes sociomotrizes.

    A partir dessas relações que, de alguma forma, podemos encontrar ligadas à comunicação verbal, percebemos que os processos de interação humana são explicados em teorias que abraçam diferentes modelos. Faz-se necessário destacar que a maioria dos autores que produzem estudos no âmbito da comunicação procuram partir do ponto preferencial das teorias lingüísticas, em que o movimento e as ações motrizes não desempenham papel central.

    Diferentemente do enfoque supracitado, baseado no sistema de dupla articulação, muito comum na análise das línguas naturais, a comunicação visual supõe outras formas de articulação. Assim, Prieto (apud Parlebas, 1977b) denominou de semas as unidades semiológicas de base que correspondem a um código, confirmado por ele como um "sistema de semas". Um exemplo a que Parlebas se refere é o de uma placa de ciclista constituindo um código de dupla articulação, onde a coroa vermelha indica "interdição" e o desenho de uma bicicleta tem um significado próprio para ciclistas. A bicicleta desenhada isoladamente estaria destituída de significado. Assim, a utilização de códigos articulados pode fazer com que, além da informação trazida pelo sema, exista a informação trazida pelos signos.

    Parlebas (ibid.) reconhece que um dos pontos chaves da semiologia, nos trabalhos de codificação visual em Prieto, se situa nas noções de "índice" e de "sinal". O "índice", descreve ele, é um fato imediatamente perceptível que nos faz conhecer algum "ente" mediato, isto é, algo que está por trás de outra coisa, e o sinal como um índice artificial que satisfaça as condições imperativas. Assim, o primeiro é um fato percebido, analisável, e pode ser produzido de forma voluntária com a intenção de servir de índice; e o segundo está na destinação, que pode ser reconhecida sem maiores problemas pelo destinatário.

    Essas tendências paralingüísticas desenvolvidas neste século dão um impulso decisivo para construção da linguagem do corpo como saber científico. Uma das contribuições, na minha opinião, mais produtivas dessas tendências para a língua foi efetivamente a de conceber elementos extralingüísticos que não se comportam à classificação da língua verbal, mas de compreender a linguagem corporal como um instrumento fundamental para a comunicação humana.

    Alguns lingüistas, entre eles Birdwhistell, vão explicar as semelhanças entre as duas linguagens e defender a existência de um grau de cumplicidade entre elas. Nesse sentido, a linguagem corporal pode ser investigada pelas mesmas transformações naturais sofridas na língua, isto é, por um mesmo método que identifique uma estrutura ideal, tal como a encontrada na linguagem verbal. Com esse método ideal, surgem as analogias entre os dois tipos de linguagem, as correspondências, e sobretudo uma direção que pauta da raiz lingüística. Assim, o objeto central do saber corporal muda de foco quando a sua origem ainda busca as formas matrizes do conjunto de conhecimentos da linguagem verbal.

" Les tenants du modèle lingüistique appliqué au domaine corporel négligent des donnés capitales. C'est en effet parce qu'elle a fondamentalement réussi à évacuer le corps que la langue a pu devenir un aussi extraordinaire instrument de communication ; c'est parce qu'elle a éliminé la signification de ses unités de base, bref, c'est parce qu'elle a mis l'arbitraire à la racine de son fonctionnement. " 9 (Parlebas, 1977a, p. 60)

    A grande contribuição da linguagem do corpo para a pesquisa semiológica ocorreu no sentido de promover a comunicação via expressão corporal, por um caminho direcionado pela linguagem verbal. Uma visão nova, mas identificada e organizada nas formas lingüísticas.


O universo das ações motrizes construído por Parlebas

    Um outro fato importante para a história do ensino da Educação Física e as concepções da língua é a semiomotricidade, a semiologia da ação motriz. A semiomotricidade para Parlebas é a metalinguagem da ação motriz. Para o autor é pertinente falar de uma linguagem científica que possui conceitos, objetos de estudo, definições próprias e uma rigorosa metodologia de análise, constituindo assim um saber que descreve seu próprio campo de ação.


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