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O ensino dos esportes nos espaços-tempos de aprendizagem formal e informal: orientações conflitantes na formação de crianças e jovens?

La enseñanza de los deportes en espacio-tiempos de aprendizaje formal
e informal. ¿Orientaciones conflictivas en la formación niños y jóvenes?

 

Mestre em Educação Física (UFES/2010)

Vitória-ES

(Brasil)

Igor Barbarioli Muniz

igorbmuniz@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Os esportes de areia, elementos da cultura corporal de movimento, tem se manifestado cotidianamente nas relações socioculturais da população do estado do Espírito Santo, configurando-se como parte da cultura esportiva e social. Entretanto, apesar da grande relevância social, essas atividades são desenvolvidas apenas em escolinhas esportivas, nos moldes do esporte espetáculo, sem qualquer trato pedagógico educacional. Neste sentido, trabalhamos com a hipótese de que, o esporte ensinado na praia não tem contemplado a formação humana, nas suas mais diversas dimensões, como também questionamos se não estariam conflitando com o esporte da escola, em que pressupõe abordagem mais crítica, pautada nos valores humanos.

          Unitermos: Esportes de areia. Cultura. Valores. Rendimento.

 

Resumen

          Los deportes en la arena, elementos de la cultura corporal de movimiento del cuerpo, se manifiestan a diario en las relaciones socio-culturales de la población del estado de Espirito Santo, configurándose como parte de la cultura deportiva y social. Sin embargo, a pesar de su gran relevancia social, estas actividades se desarrollan sólo en las escuelas deportivas, en los moldes del deporte espectáculo sin ningún enfoque pedagógico educativo. En este sentido, se trabaja con la hipótesis de que el deporte que se enseña en la playa no ha contemplado la formación humana, en sus diversas dimensiones, como también se cuestionó si no entra en conflicto con el deporte escolar, que requiere un enfoque más crítico, basado en los valores humanos.

          Palabras clave: Deportes. Cultura. Valores. Rendimiento.

 

Recepção: 15/08/2015 - Aceitação: 27/09/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 209, Octubre de 2015. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    No Estado do Espírito Santo, principalmente no município de Vitória, os esportes de areia se manifestam cotidianamente nas relações socioculturais da população capixaba, que usufrui dessas atividades no lazer, na manutenção da qualidade de vida e a iniciação esportiva.

    A praia de Camburi tem sido um dos principais espaços públicos de manifestação dos esportes de areia pela população de Vitória. Dentre as modalidades esportivas observadas em Camburi1, as práticas de futebol de areia, vôlei de praia, futevôlei e o frescobol são as que apresentam maior contingente de praticantes. Essas práticas também podem ser observadas em outros espaços públicos da Capital, a saber: a Praça dos Namorados, a quadra da Praia do Suá, o Parque Moscoso e a quadra da Prainha de Santo Antônio.

Praia do Camburi. Foto: tripadvisor.es

    Atualmente, o esporte de areia é uma realidade na vida cotidiana da população capixaba e essa presença pode ser interpretada com base nas proposições de Lahire (2002), para quem as experiências passadas individuais são incorporadas sob a forma de esquemas (de hábitos, de maneiras de ver, de sentir, de fazer e de dizer) sobre essas práticas. Em outras palavras, pode-se dizer que há, por uma parcela da população, uma identificação pelos esportes de areia por meio de experiências positivas que foram importantes para torná-los práticas representativas para a identidade social (e cultural) do Estado.

    A divulgação da mídia, o surgimento de ídolos, a conquista de títulos por atletas capixabas, a regularidade de eventos esportivos sediados em Vitória, podem ter contribuído para a popularização dos esportes de areia. Há indícios de que essas práticas corporais tenham sido apropriadas pela população como uma manifestação cultural representativa da cidade, uma vez que é possível observar o surgimento de escolinhas de esportes de areia (especialmente a partir dos anos 1990) e o aumento de grupos sociais praticantes.

    Como manifestações incorporadas à cultura do capixaba, os esportes de areia não apenas expressam aspectos sociais e culturais do Estado, como também influenciam (e são influenciados por) suas dimensões políticas e econômicas. Segundo Mauss (2002), é possível considerar o esporte como "fato social total", pois se trata de um evento social que condensa em si uma totalidade da sociedade e de suas instituições, de modo que ao pensar sobre ele, deve-se observar suas "próprias coisas sociais", sem perder de vista sua totalidade.

    A partir de Mauss (2002) podemos considerar o esporte de areia como um "fato social total" e, possivelmente, um elemento cultural e esportivo representativo do município de Vitória-ES. Por outro lado, não se tem conhecimento de ações pedagógicas, tanto de escolas particulares como de escolas públicas, sobre essas práticas - nem no próprio espaço escolar, nem nas praias da Capital. Isto é, o esporte de areia não é conteúdo curricular escolar, e suas manifestações, sentidos e significados não são considerados pelo ensino formal. Da mesma forma, não há registros de trabalhos acadêmicos sobre tal temática, nem na condição de projeto de estágio supervisionado escolar, nem como projeto extraescolar. Se essa importante manifestação sociocultural não tem sido desenvolvida no espaço de aprendizagem formal, pode-se perguntar: sob qual perspectiva pedagógica estão sendo desenvolvidas essas atividades? Qual público tem acesso às experiências com os esportes de areia no município de Vitória-ES?

    Em Vitória-ES, o esporte de areia tem se desenvolvido em um espaço-tempo de aprendizagem informal, isto é, o das escolinhas particulares de iniciação esportiva. Desse modo, o acesso a essas modalidades esportivas parece ficar limitado àqueles com nível socioeconômico mais elevado, provavelmente às crianças e jovens moradores de bairros do entorno de Camburi.

    O ambiente das escolinhas de esportes de areia de Camburi se assemelha àquele observado por Rezer (2006) em seus estudos: a concepção hegemônica de esporte é advinda do esporte de alto rendimento; as aulas (ou treinos) são separadas por gênero e categorias (faixas etárias); as aulas (ou treinos) são amparadas por uma metodologia baseada na concepção instrumental de rendimento técnico-tático específico; a relação professor-aluno é de submissão; há a difusão de códigos e valores fortemente ancorados na instituição esportiva; isto é, orientados pela lógica capitalista: competição, livre concorrência, individualismo, produção e sobrepujança.

    Rezer (2006) observou que crianças e jovens das escolinhas de esportes são submetidos às exigências oriundas do mundo do trabalho: locais fixos dos treinos; cumprimento de horários; uso obrigatório do uniforme (alguns inclusive possuem logomarca e patrocínio); estar em dia com as responsabilidades administrativas (cobrança de mensalidade). Estas são exigências inquestionáveis. Como se não bastasse, são considerados aspectos que representam, junto ao imaginário social, a idéia de organização, seriedade, produtividade, indicativos de um "bom trabalho".

    Pode-se afirmar que as aulas se tornam treinamentos, uma vez que a prática pedagógica objetiva o aumento gradual do rendimento a partir de sessões de treinos técnico, físico e tático, específicos de uma modalidade, muitas vezes com a finalidade de participação em campeonatos (com regras oficiais e premiações individual e coletiva). Neste ambiente, o professor assume papel de treinador, que determina as tarefas a serem executadas da maneira mais competente possível pelo aluno (gesto padronizado), que é tratado como atleta.

    Estabelece-se aqui uma contradição pedagógica que deve ser considerada, na medida em que essas mesmas crianças e jovens também freqüentam o ensino formal (em sua maioria na rede particular), isto é, a escola2, onde se espera que a noção de esporte ensinado fuja à lógica do alto rendimento, descentralize a importância dos fundamentos técnicos e táticos, enfatize valores socioeducativos como a cooperação, a solidariedade, o respeito mútuo, a participação, a convivência, a emancipação e a coeducação.

    Presume-se que há um choque de princípios e de valores educativos. De fato, as escolinhas não atuam como sendo uma extensão do sistema escolar, mas sim como uma extensão do sistema esportivo (Rezer, 2006). Desta forma, o mesmo aluno matriculado na escolinha esportiva e na escola de ensino formal particular se encontraria diante de um conflito entre os códigos e valores do esporte educacional e os códigos e valores do sistema esportivo (o esporte de alto rendimento).

    Trata-se de uma situação que requer investigação e reflexão, especialmente quando a criança passa mais tempo realizando atividades extraescolares, como nas escolinhas esportivas (às vezes mais de uma), do que na própria escola de ensino formal. O peso desigual dessa balança faz com que crianças, nessa situação, fiquem mais suscetíveis a uma formação construída pelos princípios do esporte de alto rendimento do que do esporte educacional, que contempla uma formação cidadã, crítica e autônoma.

    Assim, a reflexão central deste artigo permite estruturar a seguinte problematização: considerando que para o ensino do esporte as perspectivas que fundamentam a prática pedagógica de professores de Educação Física das escolas particulares do município de Vitória-ES podem divergir (ou não) daquelas que fundamentam a prática pedagógica de professores de Educação Física das escolinhas de esportes desse município – embora as duas sejam consideradas escolas –, como essas diferentes orientações podem repercutir na formação de crianças e de jovens?

    A partir dessa problematização, podemos compartilhar a hipótese de que a proposta pedagógica assumida pelo professor de Educação Física da escola regular para o ensino do esporte está, presumivelmente, fundamentada em uma perspectiva formativa voltada para construção de um ser humano crítico, esclarecido, humanizado e emancipado. Em contrapartida, a partir de investigações, há grandes chances de se encontrar um cenário em que o ensino, não só do esporte, mas de outras praticas da cultura corporal de movimento, esteja arraigado em uma metodologia de ensino-aprendizagem técnico-instrumental. Por outro lado, a prática pedagógica dos professores de escolinhas de esportes está, possivelmente, estruturada em experiências com o esporte de alto nível e fundamentada em teorias do treinamento esportivo. Desta forma, poderíamos encontrar cenários formativos distintos: a) práticas pedagógicas com proposições contraditórias entre o esporte da escola e o esporte de rendimento; de um lado a escolinha perspectivando a formação de atletas; do outro, a escola preparando o cidadão. Nesse sentido, estaríamos diante de um conflito de princípios e de valores do esporte. Importante ressaltar que tal situação pode ocorrer no mesmo espaço físico (escola), com o mesmo professor de Educação Física, no contraturno; e b) práticas pedagógicas com proposições semelhantes, desenvolvendo o esporte de alto rendimento, com ações para uma formação técnico-tático específica (especialização precoce), segundo uma forte orientação para o resultado e empregando a lógica da eficiência, da produtividade e competitividade, acentuando e assegurando desigualdades (exclusão dos menos habilidosos). Nessa perspectiva, à criança é permitido apenas a emancipação física, sem estimular seu olhar crítico sobre o todo de seu agir social, cultural e esportivo. Trata-se de uma ação pedagógica potencialmente reforçadora de uma visão de mundo propagada pela mídia, que é regida pelo consumo, pelo melhor, pelo mais bonito, etc.

    Embora, muitas vezes, esses espaços formativos (escolinha e escola formal) abordem o mesmo conteúdo educativo (como no caso do esporte), com os mesmos atores (crianças e jovens), não dialogam entre si, realizando ações que caminham, às vezes, em direções opostas.

Revisão de literatura

    O esporte é uma instituição social que não se desenvolveu com completa autonomia e independência em relação a outros aspectos do desenvolvimento das sociedades (Elias, 1992). Numa sociedade estruturada em moldes capitalistas de produção, como é a brasileira, o esporte não ficou imune a um processo de mercantilização, tendo em suas estruturas valores semelhantes estimulados por este modelo (Vago, 1996).

    A ascensão do esporte no cenário da educação nacional acontece a partir dos governos pós-64 que passam a investir no modelo de alto rendimento na tentativa de fazer da Educação Física um sustentáculo ideológico, na medida em que ela participaria da promoção do país através do êxito em competições internacionais.

    Essa influência do esporte no sistema escolar é de tal magnitude que passamos a ter não mais o esporte da escola, e, sim, a simples presença do esporte na escola. De acordo com Soares et al. (1992, p. 54, grifo nosso), isso indicava

    [...] a subordinação da educação física aos códigos/sentido da instituição esportiva, caracterizando-se o esporte na escola como um prolongamento da instituição esportiva: esporte olímpico, sistema desportivo nacional e internacional. Esses códigos podem ser resumidos em: princípios de rendimento atlético/desportivo, competição, comparação de rendimento e recordes, regulamentação rígida, sucesso no esporte como sinônimo de vitória, racionalização de meios e técnicas etc.

    Para Assis (2010, p. 15), o esporte na lógica do alto rendimento, voltado para o desenvolvimento da aptidão física, "[...] faz da educação física partícipe, na sua especificidade, do modelo de sociedade assentado na produtividade, na eficácia, na eficiência [...]", e, sobretudo "[...] na formação do corpo dócil, disciplinado, apolítico, acrítico e alienado". No Brasil, este modelo, apóia-se na pedagogia tecnicista que vai formar o indivíduo com características que o aproximam da perspectiva do "homem-máquina": durabilidade, competência técnica, resistência. Aquele que foge a esse padrão é descartável.

    Soares et al. (1992) entendem que o conhecimento a ser tratado pela Educação Física é a cultura corporal, que são as representações de mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, desenvolvidas culturalmente e exteriorizadas pela expressão corporal. Compreendem o esporte como um fenômeno social que institucionaliza temas da cultura corporal e que precisa ser objeto de reflexão no contexto escolar, passando a questionar suas normas, suas condições de adaptação à realidade social e cultural da comunidade que o pratica, cria e recria.

    Na visão de Betti (1992), a Educação Física escolar tem por tarefa introduzir e integrar o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para usufruir do esporte e de outras práticas corporais, em benefício da qualidade de vida. Esta integração deve ser plena, abarcando os aspectos afetivo, social, cognitivo e motor.

    Apesar do grande número de abordagens no contexto da Educação Física escolar brasileira, nem sempre com posições convergentes, é importante ressaltar que seu surgimento não significou o abandono de práticas vinculadas ao modelo esportivo de alto rendimento, considerado o mais freqüente na Educação Física escolar (Darido, 2011); entretanto, segundo Gariglio (2001) é inegável a existência de propostas curriculares transformadoras no interior das escolas.

    Se por um lado, nota-se um incomodo no cenário educacional da escola, onde, segundo os estudiosos da área, o esporte deve ser tratado pedagogicamente, dando-lhe um sentido diferente daquele do esporte de alto rendimento (Lovisolo, 2009), por outro tal incomodo parece não ter sensibilizado profissionais de Educação Física que atuam nas escolinhas esportivas (o ensino não-formal), provocando mudanças nas práticas pedagógicas para o ensino do esporte, ainda fundamentado no treinamento esportivo de alto rendimento, conforme observaram Rezer (2003; 2006) e Santana (2008) em seus estudos.

    De acordo com Rezer (2003), a referência adotada por parte dos professores das escolinhas esportivas, tanto nas aulas observadas, quanto nas entrevistas realizadas, é muito mais oriunda de experiências pertinentes ao treinamento de rendimento do que da formação adquirida nos bancos escolares de um curso de graduação.

    Da mesma forma, a investigação de Santana (2008), realizada na Capital Paulista, mostrou que na maioria das vezes as escolinhas de esportes se preocupam apenas em diagnosticar talentos esportivos. Os especialistas freqüentemente utilizam uma pedagogia pautada em referenciais de rendimento (de treinamento esportivo). Logo, uma pedagogia preocupada menos com a educação e mais com a descoberta e a revelação de talentos.

    Ao contrário da escola de ensino regular, não há nas escolinhas de esportes um documento que explicite e norteie seus objetivos e intenções, sua metodologia de ensino e seu projeto de futuro para com os alunos. Em contrapartida, para Rezer (2003), parece que a única forma com que as escolinhas desenvolvem o ensino do esporte é por meio de exercícios técnicos descontextualizados da realidade do jogo, preparando crianças para uma realidade que a imensa maioria não alcançará, que é o esporte de alto nível.

    Nesse sentido, o que deve ser melhor pensado por parte dos profissionais que atuam nas escolinhas – e dos pais que matriculam seus filhos - é a razão de se melhorar o rendimento, para quem e de que forma. Para Santana (2008), a prática do esporte de alto rendimento por crianças atende as ambições do técnico, a ansiedade de pais, fortalece a imagem de mundo propagado pela mídia – na qual a criança é seduzida ao consumo e à fama -, submetendo-as a pressões, fazendo com que poucas se tornem atletas, mas muitas percam a infância.

    Será que a prática do esporte de rendimento por crianças é uma escolha delas? Conforme Rezer (2003, p.99), "Há uma certa acomodação pelo aparente fato de que o aluno escolheu de livre e espontânea vontade (será?) fazer parte destes contextos, esquecendo que este modelo é uma imposição do mundo adulto ao mundo infantil". De acordo com Vieira (2004), a razão com que pais/responsáveis matriculam seus filhos nas escolinhas de esportes é motivada menos por questões educacionais, ficando a cargo do esporte outros papéis sociais: ascensão social; transferência de sonhos dos pais para os filhos; restrição dos espaços públicos e aumento da violência; esporte como forma de disciplina; esporte como sinônimo de saúde.

    Podemos considerar que o esporte de alto rendimento, propagado nos meios de comunicação e reproduzidos nas escolinhas de esporte, não apresenta elementos de formação geral para se constituir uma realidade educacional – nem mesmo para a saúde física (Kunz, 1994). Por isso, concordamos que o caráter educativo-formativo não é a essência do esporte, e que "[...] avançaremos se aceitarmos que o esporte rendimento é uma realidade contraditória e que com ela devemos lidar educativamente" (Lovisolo, 2009, p. 161).

    Neste momento, uma questão torna-se fundamental para as discussões a seguir: cabe à escola cuidar do esporte educacional enquanto cabe às escolinhas o ensino mais técnico do esporte (voltado para o alto rendimento)? O esporte educacional deve ser ensinado apenas na escola?

    Rezer (2006) entende a escolinha como uma escola, que por meio da prática pedagógica poderia propor intervenções que tematizariam elementos da cultura de movimento, a partir de um entendimento amplo do fenômeno esportivo. Isto é, o ensino do esporte não deve ser pautado apenas no saber-fazer, mas também no âmbito do pensar-sobre. É fundamental que o aluno entenda o fenômeno esportivo e sua relação com a política, com a cultura, a sociedade e as formas de manifestação do movimento humano. Para isso, seria necessário introduzir alterações profundas nas ações desenvolvidas nestes contextos, passando por uma redefinição de conceitos e de um entendimento mais significativo do papel que as escolinhas de esportes poderiam desempenhar, no sentido de se tornarem realmente vinculadas a uma proposta que vise questões importantes, como a educação, a emancipação e o esclarecimento (REZER, 2003).

    Na opinião de Rezer (2003), um dos possíveis caminhos para tentar mudar o contexto das escolinhas de esportes é assumir que há necessidade de construção de um Projeto Político Pedagógico explicitando suas intenções e objetivos, alicerçando suas ações através de um arcabouço teórico-prático mais consistente, de forma que o professor tenha um norte em suas ações pedagógicas voltadas para o ensino do esporte.

    Ainda pensando no campo das possibilidades, Rezer (2006) acredita que a aproximação dos profissionais da Educação Física – da escola e da escolinha – é um grande desafio, mas que resultaria em avanços e em novos conhecimentos para a área. Avançaríamos se a intervenção pedagógica fosse tratada como sendo espaços de interlocução entre professores e alunos, e estes entre si (espaços não só físicos, mas simbólicos e relacionais), onde ocorreria a mediação dos saberes a serem tematizados nas aulas a partir da construção coletiva de situações pedagógicas.

    Nesse sentido, Ferraço (2008) entende que o conhecimento não é uma propriedade individual e isolada, mas condição de vida, de existência das relações entre esses indivíduos, sujeitos cotidianos complexos. Sustenta que se deve trabalhar, sobretudo, para ampliar as possibilidades de conhecimento, o que significa ampliar as possibilidades de saberes-fazeres existentes. Este processo se dá pela ressignificação dos currículos, das experiências por meio das redes de poderes, saberes e fazeres das quais os sujeitos participam.

    Esta reflexão apresenta um viés muito interessante de possibilidade de análise e discussão, tratando sobre que outras possibilidades concretas existem de modo a contribuir realmente com a formação de um ser humano esclarecido e competente, em qualquer segmento social que atuar (inclusive no esporte), tendo a preocupação de utilizar o ensino do esporte como fator de humanização, e não para contribuir com o processo de robotização da espécie humana (Rezer, 2003).

    Em suma, Rezer (2003), Rezer (2008) e Santana (2008) entendem que as crianças de escolinhas de esportes devem ter aula de/sobre esporte, e não treino; devem jogar, ao invés de participar do coletivo; devem estar inseridos no mundo do brinquedo, do lúdico, ao invés de cada vez mais precocemente inserir-se no mundo do trabalho; e o papel do coordenador deste processo deve pertencer a um professor e não a um treinador, onde o esporte de alto rendimento seja percebido como uma referência e não como sendo a única dimensão do fenômeno esportivo.

Notas

  1. Outras práticas corporais são desenvolvidas na praia de Camburi, entretanto com menor números praticantes: corrida, caminhada, futebol americano, beach tênis e slackline, que não são esportes de areia, embora se manifestem também neste espaço.

  2. Coexistem múltiplas abordagens para a Educação Física Escolar, proporcionando uma ampliação da visão da área, tanto no que diz respeito à sua natureza, quanto no que se refere aos seus pressupostos pedagógicos de ensino e aprendizagem. Reavaliaram-se e enfatizaram-se as dimensões psicológicas, sociais, cognitivas, afetivas e políticas, concebendo o aluno como ser humano integral. Ampliaram-se os conteúdos desenvolvidos não se restringindo apenas ao esporte. Abarcaram-se objetivos educacionais mais amplos, e não apenas voltados para a formação do físico (Darido, 2011). Por isso, presume-se que o ensino do esporte na escola fuja a lógica do alto rendimento, embora como Darido (2011) salienta, ainda seja essa a forma predominante de seu ensino.

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