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Sobre a periodização tática (parte II). A intervenção específica 

do treinador como aspecto fundamental no processo de treino

Sobre la periodización táctica (parte II). La intervención específica
del entrenador como aspecto fundamental en el proceso de entrenamiento

About tactical periodization (part II). The specific intervention trainer
as a fundamental aspect in the training process

 

Bacharelado em Educação Física

pela Faculdade Metropolitana de Blumenau (Uniasselvi)

(Brasil)

Renan Mendes

renanm92@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Nesta segunda e última parte da série de artigos sobre a Periodização Tática, falaremos sobre a importância da intervenção específica do treinador no processo de treino e, portanto, no cumprimento do princípio da Especificidade para a construção de um Modelo de Jogo. Também abordaremos sobre o importante papel da Descoberta Guiada como ferramenta de intervenção do treinador, assim como a influência das Emoções e dos Marcadores-somáticos no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem/treino.

          Unitermos: Periodização tática. Intervenção específica. Descoberta guiada. Emoções. Marcadores-somáticos.

 

Abstract

          In this second and final part of the series of articles on Tactical Periodization, we will talk about the importance of specific coach intervention in the training process and, therefore, in compliance with the principle of specificity for the construction of a Game Model. Also discuss the important role of the Guided Discovery as coach intervention tool, as well as the influence of emotions and Somatic-markers in the development of teaching-learning/training process.

          Keywords: Tactical Periodization. Specific intervention. Guide discovery. Emotions. Somatic-markers.

 

Recepção: 10/07/2015 - Aceitação: 29/08/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 208, Septiembre de 2015. http://www.efdeportes.com/

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Sobre a periodização tática (parte I): o princípio da
especificidade, o modelo de jogo e o exercício específico


3.1.1.     A intervenção específica do treinador

    A aprendizagem em grupo depende de quem comenta, coloca questões e apresenta interpretações, dependendo do conteúdo, contexto e seqüencia dessas contribuições. O que o indivíduo aprende nestas circunstâncias não depende totalmente das suas próprias reflexões e do seu raciocínio. Mas depende ainda mais do modo como cada indivíduo interage com o restante do grupo (Gaiteiro, 2006). Neste contexto, o treinador tem papel fundamental.

    O processo de ensino-aprendizagem e treino só tem efeitos realmente positivos se, durante o seu desenvolvimento, houver uma intervenção sistemática por parte do treinador no direcionamento e reformulação dos comportamentos coletivos e individuais dos jogadores (Graça, 1997; Mesquita, 1998, apud Oliveira, 2004).

    Se o modelo de jogo constitui a abrangência dos princípios de jogo e sendo o exercício a forma de exercitar esses princípios, entendemos que a forma de intervenção que se estabelece com o exercício será fundamental para a congruência necessária ao processo, tendo como referência o modelo de jogo e a Especificidade como princípio metodológico de intervenção (Ferraz, 2005). Para Maciel (2011), é a intervenção conjuntamente com a modelação do contexto que vai servir de catalisador e de meio para aproximar os critérios que os jogadores manifestam com aqueles desejáveis para a forma como queremos jogar. Segundo Gomes (2008) a Especificidade do exercício não se basta apenas na configuração estrutural e funcional dos acontecimentos.

    O formato do processo ensino-aprendizagem/treino é condicionado pela operacionalização do conceito de Especificidade, assim como a intervenção nesse formato. Ou seja, para que o conceito de Especificidade seja atingido durante o treino, não basta que os exercícios propostos sejam potencialmente Específicos, é necessária uma intervenção interativa do treinador com o exercício e com os jogadores para que ela aconteça (Oliveira, 2004). Só quando o treinador tem uma capacidade de intervenção permanente para direcionar as situações em função do que pretende é que o potencial dos exercícios pode concretizar-se e a Especificidade existir em sua plenitude (Ferraz, 2005). Para Carvalhal (2003, p. 51, apud Tobar, 2013, p. 112) a “intervenção do treinador é fundamentalíssima. O exercício não vale só por ele [...] Não chega fazê-lo, deixar que ele aconteça e não intervir”, e também ressalta que o mesmo exercício, com os mesmos jogadores e com os mesmos objetivos, pode ter um resultado diferente com diferentes treinadores. O treinador salienta a importância da intervenção do treinador na condução dos contextos de exercitação vivenciados pelos jogadores, onde os feedbacks transmitidos aos jogadores podem tornar o exercício mais rico e eficaz (apud Tobar, 2013). De acordo com Guilherme Oliveira (2004), essa intervenção deve acontecer em três momentos distintos:

    O primeiro se refere ao momento anterior a execução do exercício, explicando-o com objetivo de os jogadores entenderem qual o seu contexto, quais os seus objetivos, quais os comportamentos desejados e que implicações esses comportamentos vão ter no desenvolvimento dos conhecimentos coletivos e individuais e na qualidade de desempenho (Oliveira, 2004). A mensagem passada através da intervenção verbal deverá envolver os jogadores de tal forma que estes estejam induzidos a imaginar esquematicamente o conteúdo das idéias (Ferraz, 2005).

    Buscando esclarecer esta idéia, Gomes (2008) nos da o seguinte exemplo: o treinador cria um exercício de 10 x 10 em um espaço reduzido de modo a haver transições constantes. No entanto, procura que uma das equipes se preocupe fundamentalmente com os comportamentos nas transições ofensivas referindo aos jogadores que no momento em que a equipe ganhar a posse de bola deve retirá-la imediatamente da zona de pressão, ou seja, jogar para um espaço diferente. Contrariamente, quer que a outra equipe tenha especial atenção nos comportamentos na transição defensiva solicitando aos jogadores mais próximos que criem uma zona de pressão no local da perda da bola. Assim, o mesmo exercício adquire configurações diferentes para ambas as equipes porque incidem em aspectos diferentes.

    Com esta intervenção, percebemos que o treinador direciona as ações dos jogadores para os comportamentos que pretende que sejam adquiridos por eles e que neste caso, são diferentes para as duas equipes. No fundo, trata-se de contextualizar a dinâmica do exercício para um propósito, isto é, preocupado com determinados comportamentos. Por isso que os acontecimentos deste exercício adquirem um sentido Específico (Gomes, 2008). Entretanto, segundo a própria autora, a Especificidade não se restringe apenas a intervenção do treinador no momento anterior ao exercício, mas também durante a sua realização.

    O segundo momento, portanto, acontece durante a realização do exercício, neste momento o treinador deve funcionar como catalisador positivo dos comportamentos desejados, associando-lhes emoções e/ou marcadores somáticos positivos, e inibindo os comportamentos inadequados, associando-lhes emoções e/ou marcadores somáticos negativos (Oliveira, 2004). Neste sentido, o treinador deve condicionar o exercício para os aspectos que pretende trabalhar, através de uma intervenção específica direcionada para os princípios que se pretendem abordar (Romano, 2007).

    Para entender este momento de intervenção, imaginemos novamente o exemplo do exercício anterior dado por Gomes (2008), imaginemos que o treinador não intervém durante sua realização ou quando o faz não é congruente com os objetivos solicitados a cada equipe e corrige acontecimentos esporádicos que não tem a ver com os objetivos de transição ataque-defesa para uma equipe e de defesa-ataque para a outra, como por exemplo correções ao nível das finalizações ofensivas. Desta maneira, a intervenção do treinador não converge no sentido do próprio exercício levando os jogadores a direcionarem a atenção para os aspectos que são corrigidos. Entretanto, se o treinador se preocupa fundamentalmente com os comportamentos dos jogadores nas transições e intervém corrigindo os aspectos negativos e reforçando os positivos, faz com que a dinâmica do exercício se concentre nesses mesmos aspectos. Por exemplo, digamos que a equipe a qual o treinador solicitou atenção maior na transição defensiva demora a mudar de atitude e a pressionar no momento da perda da posse de bola e assim, não consegue criar uma zona de pressão. Diante dessas dificuldades, o treinador deve corrigir os comportamentos dos jogadores no decorrer do exercício, especialmente no momento de perda da posse de bola para que reconheçam quando aproximar, para onde direcionar a pressão, como devem se movimentar para serem mais eficazes (Gomes, 2008).

    De acordo com Gomes (2008), por meio desta intervenção a dinâmica do exercício adquire uma configuração direcionada para os comportamentos pretendidos e por isso, auxilia no cumprimento dos objetivos e portanto, na qualidade comportamental dos jogadores. Nesta perspectiva, o exercício é o meio através do qual se desenvolve a Especificidade. E por isso que a intervenção do treinador é determinante para dar a conhecer o sentido que confere aos acontecimentos, sobretudo no “aqui e agora”, reforçando determinados aspectos e inibindo outros (Gomes, 2008), ou como refere Guilherme Oliveira (2004, pg. 167), a “gestão do momento ou do instante”. Assim, a intervenção funciona como um diálogo entre o treinador e os jogadores no desenvolvimento dos exercícios (Gomes, 2008). E isso tudo está relacionado com aquilo que é a nossa intencionalidade para o “jogar” e fazer com que haja uma coerência naquilo que pedimos (Gomes, 2013).

    O terceiro e último momento acontece após a realização do exercício, com o objetivo de salientar os aspectos positivos e os aspectos negativos do que foi executado (Oliveira, 2004). A reflexão do treinador ao final do exercício sobre o que está acontecendo torna-se essencial (Tamarit, 2013), no sentido de o jogador receber informações a posteriori acerca da correção das suas ações de jogo, pois só tendo essa informação ele poderá corrigir/otimizar comportamentos (Casarin e Oliveira, 2010). Destarte, se o treinador não tiver uma postura como a referida durante a operacionalização do processo, a potencial qualidade dos exercícios não se manifesta (Oliveira, 2004). E se há ausência de intervenção é provável que se aprenda pouco a jogar como uma equipe (Graça, 2013).

    Quando não se tem uma intervenção inicial, muitas vezes os jogadores não entendem o exercício, não sabem quais as suas implicações para o jogo e nem os objetivos a atingir, como também não compreendem os comportamentos adequados que devem realizar. Referente ao momento em que o exercício esta sendo executado, se o treinador não tiver a adequada intervenção, diversas situações que requeriam determinados comportamentos não serão realizados como o desejado. Este procedimento tem duas implicações negativas. A primeira esta relacionada com a perda de oportunidade da realização de comportamentos corretos frente a determinada situação, problema que poderá ocorrer de forma permanente no jogo não promovendo, assim, o experenciar e o conseqüente ganho de conhecimentos específicos e a respectiva transformação em hábitos desejados. Já a segunda pode ser dividida em dois aspectos. Um é originado por entendimentos do jogo por parte dos jogadores diferentes do Modelo de Jogo que o treinador pretende, o que prejudica o rendimento coletivo e individual, e não permite a alteração do conhecimento que os jogadores têm para o entendimento pretendido. O outro é que esses procedimentos vão promover comportamentos inadequados que realizados sistematicamente se transformarão em hábitos indesejados (Oliveira, 2004).

    Com base nesta forma de entendimento do processo de ensino-aprendizagem/treino, o treinador assume um papel extremamente importante porque ele é o principal criador/condutor/modelador do processo, é o direcionador do sentido, é o promotor do sentimento de equipe, é o catalisador ou inibidor de comportamentos, é o gestor da articulação interativa da criação dos novos conhecimentos com os conhecimentos já existentes e, tendo uma gestão e intervenção adequada no exercício, as suas idéias passam a ganhar forma, potenciando o aparecimento do jogar pretendido. Durante o jogo o agente mais importante é o jogador. Entretanto, durante o processo o treinador é quem assume o papel mais relevante, porque é ele que cria, direciona, orienta e promove todo o processo, assumindo-se como um “comando exterior ao sistema regulado” (Oliveira, 2004; Ferraz, 2005; Gomes, 2013; Tobar, 2013; Maciel, 2014).

    Nesta perspectiva, o processo de ensino-aprendizagem/treino pretende criar conhecimentos específicos/imagens mentais, que permita ao jogador e a equipe agir nos diferentes momentos do jogo, diante dos problemas criados, em função de uma idéia coletiva de jogo, o Modelo de Jogo da equipe (Oliveira, 2004). Compreendida desta forma, a intervenção Específica leva o processo a adquirir um grau de congruência total, visto que a operacionalização do conceito de Especificidade é levada à escala de uma intervenção no exercício, promovendo-se a aquisição efetiva de conhecimentos específicos referentes à forma de jogar pretendida para a equipe (Ferraz, 2005). Portanto, a criação do exercício per se, é potencialmente específica, somente na sua operacionalização e adequada intervenção é que a sua Especificidade se revela (Romano, 2007).

    Neste contexto, o treinador tem um papel fundamental como criador e gestor de um processo que não é linear, de grande sensibilidade às condições iniciais e envolvência caótica no sentido da imprevisibilidade e aleatoriedade que encerra, mas que, apesar destas características, o jogo e o “jogar” apresentam padrões e podem ser modelados e conduzidos a um determinado sentido, onde o treinador necessita de habilidade para fazê-lo com qualidade (Tobar, 2013). Sendo assim, a intervenção do treinador para Guiar os jogadores até a funcionalidade pretendida é algo de extrema importância (Tobar, 2013). Pois, como refere o treinador José Mourinho: “Pra mim liderar não é mandar, pra mim liderar é guiar” (in: Lourenço, 2010, pg. 94).

3.1.1.1.     A Descoberta Guiada

    Neste ponto, em consonância com Gaiteiro (2006), achamos importante ressaltar a ênfase na aprendizagem por descoberta. José Mourinho refere que seu trabalho tático desenvolve-se num processo bidirecional de emissão-recepção (Lourenço, 2003, apud Gaiteiro, 2006). “Construo situações de treino para os levar por um determinado caminho. Eles começam a sentir isso, falamos, discutimos e chegamos a conclusões. Mas, para tal, é preciso que os futebolistas que treinamos tenham opiniões próprias” (Mourinho in: Lourenço, 2003, apud Gaiteiro, 2006, p. 179). Isto nos leva a ressaltar a importância do conceito que será aprofundado neste momento, que pode ser enquadrado como um sub-princípio metodológico da Periodização Tática, como é referido por Casarin e Oliveira (2010), denominado de “Descoberta Guiada”.

    A Descoberta Guiada consiste numa seqüência de perguntas do treinador que podem levar a várias respostas do jogador. A cada pergunta corresponde uma resposta correta encontrada pelo jogador. O efeito acumulativo desta seqüência leva o praticante a descobrir o conceito, princípio ou idéia perseguidas (Mosston, 1988, apud Garganta et al., 2013), incentivando assim a busca de novas soluções e contribuindo para o incremento da autonomia funcional e decisional dos jogadores (Graça; Mesquita, 2013).

    Neste sentido, Lopes (2014) defende que em vez de apontar um caminho é crucial gerar um contexto de potencial descoberta e essa descoberta vai sendo guiada pelo treinador. Sendo assim, com a descoberta guiada pretende-se desenvolver jogadores inteligentes e críticos, levando-os a descobrirem com suas próprias ações, reflexões e sentimentos os melhores caminhos para se chegar ao resultado pretendido (modelo de jogo) (Casarin; Oliveira, 2010). Concorrendo com esta perspectiva estão Sales, Guimarães e Paoli (2014), ao referir que para obter o aumento da retenção do conhecimento por parte do jogador, para além da prática, é necessário colocar os atletas em discussão sobre o que foi passado para eles em treino. Deste modo os atletas não figuram apenas como “robôs”, recebendo ordens a todo o momento e repetindo movimentos estereotipados e passam a entender o jogo, assim como os objetivos dos treinamentos.

    É possível perceber através de suas palavras, que o treinador José Mourinho apóia-se numa perspectiva semelhante: “(...) O trabalho tático que promovo não é um trabalho em que de um lado esta o emissor e do outro o receptor. Eu chamo-lhe a descoberta guiada, ou seja, eles descobrem segundo as minhas pistas. Construo situações de treino para os levar por um determinado caminho. Eles começam a sentir isso, falamos, discutimos e chegamos a conclusões. Mas para tal, e preciso que os futebolistas que treinamos tenham opiniões próprias. Muitas vezes parava o treino e perguntava-lhes o que eles sentiam em determinado momento. Respondiam-me, por exemplo, que sentiam o defesa direito muito longe do defesa central. Ok, vamos então aproximar os dois defesas e ver como funciona. E experimentávamos, uma, duas, três vezes, ate lhes voltar a perguntar como se sentiam. Era assim até todos, em conjunto, chegarmos a uma conclusão. É isso que chamo de descoberta guiada” (Mourinho, 2002, apud Casarin; Oliveira, 2010). Diz o próprio treinador: “eu pergunto o que eles sentem em nível de experimentação... É daqui que partimos, executamos em treino e recebo o feedback que me permite mudar de acordo com isso”. ”Se entender, pelo que me dizem, que o exercício não está adequado a situação, eu o altero na hora” (Mourinho in: Lourenço, 2010, pg. 94).

    Assim, o processo de transmissão/assimilação de informação/conteúdo deve centrar-se em dar pistas e não respostas, responder as questões com outras questões, obrigar os jogadores a refletir e chegarem por eles mesmos às conclusões que pretendemos transmitir-lhes (Casarin; Oliveira, 2010). Porque não é suficiente adquirir um “saber fazer” específico por parte dos jogadores, é também necessário um “saber sobre esse saber fazer” que resulta da participação consciente e autônoma dentro do processo. O objetivo é que os jogadores, através do treino, passem da esfera de um “saber fazer” (como hábito que se adquire na ação) para um “saber sobre esse saber fazer”, que tem a ver com o entendimento de uma determinada relação mente-hábito (Resende et al., 2006, apud Gaiteiro, 2006).

    Sendo assim, as competências de comunicacionais do treinador revelam-se de extrema importância para o processo (Vieira, 2006). No entanto, é importante referir que a descoberta guiada é feita sustentada num referencial, que é a idéia de jogo do treinador. Como refere Mourinho: “o diálogo estabelecido com os jogadores é importante ao nível desta ‘descoberta guiada’, mas com consciência plena daquilo que se pretende atingir. Eu sei para onde quero ir e onde quero que eles cheguem. Não são os jogadores que, pela sua conversa comigo, nos vão fazer chegar a um determinado local. Eu sei onde é que quero chegar. Agora, em vez de lhes dizer ‘nós vamos para ali’, quero que sejam eles a descobrir esse caminho. No fundo, o nosso diálogo é um diálogo que está controlado e é um diálogo que vai sendo direccionado num determinado sentido: a minha idéia de jogo” (Resende et al., 2006, apud Gaiteiro, 2006, f. 181-182).

3.1.1.2.     As Emoções e a Hipótese do Marcador-Somático

    Para Faria (2003, apud Tobar, 2013) o aspecto da intervenção é fundamental, mas ressalta especialmente o aspecto emotivo da intervenção. O próprio autor refere que há diversas formas de intervir. Há formas pouco emotivas, dizer o objetivo do exercício e ir intervindo. Mas se for feito com uma maior emotividade e expressividade, incute de alguma forma um espírito diferente ao exercício. Pode-se intervir de uma forma tranqüila, passiva ou dizer de uma forma ativa, mais expressiva e isso têm claramente influência no rendimento dos jogadores no exercício (Faria, 2003, apud Tobar, 2013).

    Assim, a vivenciação do treino apresenta contextos de exercitação propícios ao aparecimento de um padrão de jogo. Mas essa vivenciação deve implicar a emotividade dos indivíduos em todos os âmbitos. É a emotividade que cria o potencial para a aprendizagem, para a concentração, para a transcendência, para a criatividade (Lopes, 2014). Como refere Tamarit (2013), para que exista Especificidade tem que existir a intervenção do treinador, é então que surgem as emoções e os sentimentos.

    Segundo Guilherme Oliveira (2004), as emoções se relacionam com as percepções que se fazem do mundo, com as tomadas de decisão, com os raciocínios, com as aprendizagens, com os processos de memorização, com os conhecimentos que se adquirem, com as relações de interação social, com as relações interpessoais, com o estado espírito dos diferentes momentos. As emoções são as responsáveis por fazer a separação, seleção e escolha das informações importantes, aquelas que se julguem pertinentes e que são susceptíveis de conseqüências negativas ou positivas. Sem as emoções todas as experiências teriam o mesmo valor (Oliveira, 1994). Neste sentido, não há uma razão pura, há sim uma razão influenciada pela emoção (Cunha e Silva, 1995).

    O mecanismo que medeia a influência das emoções no processo de tomada de decisão, por meio de uma análise lógica de custo/benefício (Bierman, et. al., 2005, apud Pivetti, 2012), pode ser explicado pela Hipótese dos Marcadores-Somáticos, desenvolvida por António Damásio (2012).

    Segundo Damásio (2012), quando alguém toma determinada decisão e surge o resultado subseqüente, seja ele positivo ou negativo, ocorre sempre uma sensação visceral agradável ou desagradável. Como a sensação é corporal, o autor atribuiu o termo de estado somático (em grego, “soma” quer dizer corpo); e porque o estado “marca” uma imagem, atribuiu-lhe marcador. Desta forma, quando um marcador somático negativo é justaposto a um determinado resultado futuro, a combinação funciona como uma campainha de alarme. Contrariamente, quando é justaposto um marcador somático positivo, o resultado é um incentivo. Portanto, os marcadores somáticos ajudam no processo de decisão dando destaque a algumas opções, tanto adversas como favoráveis, e eliminando-as da análise subseqüente. Funcionam, portanto, como um sistema de qualificação automática de previsões (Damásio, 2012).

    Os marcadores-somáticos são um caso especial do uso de sentimentos gerados a partir de emoções secundárias. Essas emoções e sentimentos foram ligados a resultados futuros previstos de determinados cenários, pela aprendizagem (Damásio, 2012). Ao nível neural, os marcadores-somáticos dependem da aprendizagem dentro de um sistema que possa associar determinados tipos de entidades ou fenômenos à produção de um estado, agradável ou desagradável, do corpo. Portanto, o elemento decisivo é o tipo de estado somático e de sentimento produzido num dado indivíduo em uma dada situação ou em um dado momento da sua vida (Damásio, 2012). Sendo assim, durante o processo de aprendizagem os sinais emocionais (marcadores somáticos) parecem influenciar de forma decisiva as tomadas de decisão (Vieira, 2006; Pivetti, 2012).

    Desta maneira, quando um jogador se encontra diante a uma situação semelhante, a memória marcada no corpo vai ajudar o cérebro associando a decisão ao respectivo estado emocional, sendo esse bom ou ruim. Sendo assim, o jogador é condicionado a repetir decisões e experiências que motivaram os estados sentimentais bons, bem como a evitar os ruins. Com isso, em razão do passado, busca-se aperfeiçoar as decisões futuras, regulando as escolhas para o que evidenciou determinado sucesso (Pivetti, 2012).

    Conforme o sugerido até aqui, o comportamento decisional e tático de um jogador está relacionado com a capacidade de perceber e interpretar a situação de jogo, o que implica o sistema cognitivo e emocional (Ruiz & Arruza, 2005; Tavares et al., 2006, apud Tavares; Casanova, 2013). Neste sentido, o treinador deverá fazer com que os jogadores associem emoções positivas aos desempenhos preconizados pela sua idéia de jogo e emoções negativas aos desempenhos indesejáveis, para que estes se sintam bem quando desempenham de acordo com os princípios de jogo (Fernandes, 2003, apud Tobar, 2013). Contudo, em consonância com Romano (2007), apoiamos uma intervenção emocional caracterizada pela sua positividade em relação ao sucesso dos comportamentos relativos aos princípios do Modelo de Jogo e uma menor porcentagem de feedbacks negativos, que deverão ser utilizados com maior ponderação.

    Nota-se que com a vivência sistemática e hierarquizada dos princípios de jogo, esta metodologia de treino procura não só criar imagens mentais (“gravar” no corpo experiências relativas ao “jogar” que se pretende) como também associar-lhes emoções e sentimentos que facilitem as tomadas de decisão durante a competição e treino, fazendo uso dos marcadores-somáticos (Oliveira et. al., 2006, apud Tobar, 2013). Deste modo, os marcadores-somáticos auxiliam o corpo a decidir de maneira eficaz, fazendo-as convergir para o “jogar” que se pretende (Tobar, 2013). Assim, o investimento emocional mostra-se indispensável ao processo de treino (Romano, 2007).

    Seguindo esta lógica, o processo de treino no futebol deve ser pautado por exercícios que tenham como objetivo enraizar os princípios de jogo de um determinado modelo de jogo, para que estes estejam incorporados no indivíduo não só por meio de conhecimento cognitivo, mas também de emoções positivas vivenciadas e praticadas (Pivetti, 2012). Porém, este sistema só será benéfico se associado à intervenção do treinador como catalisador do processo (Soares, 2009).

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 20 · N° 208 | Buenos Aires, Septiembre de 2015
Lecturas: Educación Física y Deportes - ISSN 1514-3465 - © 1997-2015 Derechos reservados