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História da Dança de Salão no Brasil, 

recortes do Rio de Janeiro do século XIX

History of Ballroom Dancing in Brazil, 19th century Rio de Janeiro clippings

 

Mestre em Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná

Especialista em Educação, Instituto Brasileiro de Pós-graduação e Extensão

Licenciada em Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná

Maristela Zamoner

maristela.zamoner@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Obtiveram-se informações históricas sobre as características da inserção social das Danças de Baile, dentre as quais a Dança de Salão, pelo estudo sistematizado de todas as edições de 776 documentos da imprensa periódica do Rio de Janeiro produzidos no século XIX e disponibilizados pela Hemeroteca Digital Brasileira até junho de 2013. Este trabalho apresenta recortes sobre: as sociedades de dança que promoviam bailes, ensaios e aulas; a literatura oferecida pelos periódicos; a interdisciplinaridade das Danças de Baile, revelada em variadas áreas a exemplo de engenharia, medicina, advocacia e comércio (venda de calçados para dança, pianos para saraus e bailes, espelhos grandes para sociedades de dança, partituras de música para dança entre outros).

          Unitermos: Dança de salão. Rio de Janeiro. História. Século XIX.

 

Abstract

          Historic data was obtnained concerning the social insertion characteristics of prom dances (such as ballroom dancing) by the sistematic study of all 776 editions of documents from Rio de Janeiro's periodical press produced in the 19th century, and made available by the Brazilian Digital Newspaper and Periodicals Library until june 2013. This work presents clippings about: dance societies that promoted proms, rehearsals and classes; the literature offered by the periodicals; the interdisciplinarity of prom dances, revealed in several areas such as engeneering, medicine, advocacy and commerce (dancing shoes selling, pianos for soirees and proms, big mirrors for the dance societies, musical scores for dances, among other things).

          Keywords: Ballroom dancing. Rio de Janeiro. History. 19th century.

 

Recepção: 07/01/2015 - Aceitação: 01/05/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 20, Nº 207, Agosto de 2015. http://www.efdeportes.com

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Introdução

    Conforme Zamoner (2013a) as Danças de Baile são conceituadas como aquelas praticadas em eventos dançantes, abrangendo diferentes modalidades, entre elas a Dança Erudita, como Minuetos e Gavotas, e a Dança de Salão. Durante o século XIX, entre as Danças de Baile, disseminou-se intensamente a Valsa, primeira Dança de Salão, que se universalizou por diferentes territórios originando novas danças (Zamoner, 2012). Assim, a compreensão histórica das características das Danças de Bailes deste período torna-se fundamental para o conhecimento da História da Dança de Salão.

    Pretende-se neste estudo aprofundar a organização de informações sobre o contexto da cidade do Rio de Janeiro no século XIX em relação às Danças de Baile, tomando como base a pesquisa sistematizada em documentos disponibilizados pela Hemeroteca Digital Brasileira.

    Renault (1969) procedeu pesquisa semelhante em periódicos produzidos no Rio de Janeiro entre 1808 e 1850, porém, tomando como referência apenas anúncios e sem concentrar-se nos aspectos referentes às Danças de Baile, embora elas tenham sido tratadas pelo autor.

    Objetiva-se perceber características da inserção das Danças de Baile e da Dança de Salão na sociedade carioca desta época, organizando dados que se encontram dispersos em documentos produzidos no século XIX e são reveladores do contexto histórico da cidade no que tange a estas danças.

Metodologia

    Renault (1969) definiu como metodologia a apreciação de anúncios de 10 (dez) periódicos produzidos no Rio de Janeiro no intervalo entre 1808 e 1850, abrangendo variados aspectos, dentre os quais figuraram as Danças de Baile. Os documentos incluídos na presente pesquisa foram obtidos pela filtragem, dentre os disponibilizados pela Hemeroteca Digital Brasileira até junho de 2013, daqueles produzidos na cidade do Rio de Janeiro entre 1808 e 1900. Nestes procedeu-se a análise de todas as suas edições. Esta filtragem resultou em um total de 776 documentos, praticamente em sua totalidade periódicos. Realizou-se a busca pelo unitermo “dança” em todas as edições dos 776 documentos. Cada apontamento trazido pelo buscador foi acessado e os seus totais de ocorrências foram registrados. A palavra “dança” observada sem indicação do mecanismo de busca foi inserida na contagem. Aplicou-se o unitermo “dança” em inglês, francês e italiano quando as buscas foram procedidas em documentos publicados nestas línguas.

    O método permitiu a constatação de, tanto por buscas eletrônicas quanto por observações ocasionais, 11.444 apontamentos dos unitermos. Das palavras analisadas, 9.129 corresponderam a “dança”, na língua em que foi pesquisada, sendo que as demais corresponderam a apontamentos equivocados de palavras semelhantes como: fiança, confiança, mudança entre outras. Constataram-se, contendo os unitermos de buscas: 597 notícias; 1960 artigos; 158 anúncios de partituras de músicas para dança; 2020 textos de literatura; 333 menções ou anúncios sobre Clubes, Sociedades ou bailes e 1281 ocorrências diversas.

    Os textos nos quais constaram os unitermos de busca foram integralmente lidos, sendo analisados quanto ao contexto, tendo registradas todas as ocorrências que traziam consigo. Cada modalidade de Dança de Baile encontrada durante a leitura foi registrada para efeito quantitativo de suas ocorrências. Após a leitura de todos os unitermos apontados na pesquisa os dados foram organizados conforme suas características.

Resultados

    Parte dos exemplares consultados não apresentou legibilidade, alguns estavam mutilados, outros apagados, parte dos unitermos foram constatados sem que tivessem sido apontados pelos buscadores e verificaram-se coleções de edições incompletas. As citadas falhas não impediram que se reconhecessem as informações conforme se objetivou.

    Constatou-se que, dentre os 776 documentos pesquisados, 309 apontaram em suas edições a presença do unitermo buscado uma ou mais vezes.

    Parte das ocorrências dos unitermos tinham significados que, pelo contexto em que foram encontrados, não tratavam de alguma modalidade de dança. Outros, não pareciam dizer respeito a bailes ou saraus tradicionais, alguns figuravam como atividade de cunho cênico ou até circense. São exemplos de apontamentos dos unitermos de busca aparentemente desvinculados dos contextos relacionados aos tradicionais bailes e saraus: “dança da trança”, “dança de jardineiros”, “dança da serpentina”, “dança no cavalo”; “dança das mesas”, “dança macabra”, “dança de São Guido”, “dança de São Vito”, estas duas últimas expressões foram encontradas fazendo referência a doenças especificamente denominadas desta forma. A “dança de velhos”, que também ocorreu nas buscas é comparada a uma quadrilha por Coelho et al (2003), ao citar a dança Rilo. Também é citada com certa frequência a “dança da corda”, sobre a qual a tese de que estaria relacionada com as origens do “samba” é refutada por Alves (1976).

    Durante a pesquisa foram localizados artigos abordando as danças, sua história, modalidades, entre outros assuntos, inclusive citando quais danças eram praticadas. Dentre os anúncios, vários ofereciam a locar salas para ensaios de danças, a vender calçados específicos para dança vindos de Paris e de Londres, pianos apropriados para dança, espelhos grandes para sociedades de dança, partituras de música para dança (inclusive citando as modalidades de dança).

    Constataram-se muitos anúncios de fugas de escravos e alguns deles faziam referência, como um diferencial, às habilidades para a dança que o procurado possuía.

    Serão tratados separadamente os resultados que se referem às Danças de Baile, informações sobre Conservatório de Dança, sociedades e clubes de dança, cursos de dança e a interdisciplinaridade das Danças de Baile, com destaque para sua relação com a medicina.

Danças de baile

    Inicialmente, neste tópico, é relevante apresentar dois conceitos de “baile” que foram encontrados durante a análise dos documentos. O jornal Sete d’Abril, do ano de 1836 traz o conceito de Baile que segue: É uma assembléa com o fim ostensivo de dançar, e com o fim occulto (para as Sras. velhas) de murmurar (e para as raparigas) de acharem, quando não seja maridos, pelo menos amantes. (Do Dicc. de algibeira.).

    O segundo conceito foi localizado no jornal Gazeta de Noticias, do ano de 1892 e, mesmo em tom de sátira, tem seu conteúdo revelador do contexto da época: Reunião em que se falla de tudo e de todos, da chuva e do bom tempo, do marido de fulana e da mulher de sicrano. A’s vezes também se dança.

    Ambos os conceitos mostram funções sociais dos bailes que avançavam além das danças neles praticadas, independente do uso de um tom irônico em sua escrita. Entretanto, entende-se aqui que um baile tenha como característica principal a dança. Neste sentido, a natureza das danças praticadas neste período é pertinente. Ao todo 60 danças foram constatadas durante a leitura feita para verificação do contexto em que a palavra “dança” estava inserida. As danças que apareceram em quantidades que chamam a atenção são, nesta ordem: Valsa, Polka, Quadrilha, Contradança, Cotilon, Mazurca, Schottish e Habaneras. Danças Eruditas, com menor ocorrência, foram o Minueto e a Gavota. Também se constataram com ocorrência ainda mais restrita danças como: Lundu (Lundum), Batuque, Lanceiros, Tango, Hespanhola, Galopes, Bolero, Fandango, Caterete, Maxixe, Redowa, Sarabanda, Pas de Quartre, Caxuxa, Samba, Rocambole entre outras. A distribuição das danças ao longo do século não foi possível verificar consistentemente. A busca pelas danças isoladamente não se mostrou eficiente porque há muitos erros de grafia e cada dança foi escrita de muitas formas diferentes, trazendo distorções e prejudicando a qualidade do resultado quantitativo. Entretanto, notou-se que as citações da Valsa aumentaram no decorrer do século.

    Constataram-se textos inteiramente dedicados as danças, dentre os quais alguns se destacaram. Em Minerva Brasiliense do ano de 1844 há um artigo que discorre sobre a história da dança em várias páginas, tratando das danças de diferentes povos ao longo do tempo. O Mercantil, em algumas edições de 1847 também traz um longo artigo, publicado em partes, voltado a história das danças, intitulado: “A dança. Desde os egypcios até 1640. Por castil blaze”.

    No ano de 1857 um anúncio publicado no Diario do Rio de Janeiro discorre brevemente sobre o Cotilhão:

    O Cotilhão não é uma dança; é um convite para a dança, e por isso, segundo eu penso, devíamos dançal-o não no fim, mas no principio dos bailes. O Cotilhão, como sabeis, não admitte regras, não tem figuras fixas; segue o capricho do momento e a desordem que lhe dá o cavalheiro director; e é ahi que reside toda a sua graça.

    O Diário de Noticias datado de 1872 apresenta um texto sobre o termo Contradanças, que parece uma crítica a dança, mas, ao mesmo tempo traz aspectos de sua história:

    O nome contradança parece indicar a oposição á dança, e effectivamente as quadrilhas, não se fazendo senão passeiar nas salas, justificam o nome. Comtudo a etymologia não vem auxiliar a suposição, e apressemo-nos a dizer para consolar os amadores d’esta dansa pacata que, por ser ella originaria dos campos inglezes, d’onde passou para as salas, as denominou country dance, (dança do campo); d’ali por corrupção fizeram os francezes contredanse, e nós contradança.

    Ora ahi têm as nossas elegantes. A sua dança mui distincta é imitada da da gente rustica na Inglaterra.

    Outro texto é encontrado no Almanach Brazileiro Illustrado do ano de 1882, trazendo sob o título “Danças de diversos paizes” uma espécie de dicionário, abarcando as seguintes danças: Allemanda; Bolero; Contradança; Fandango; Gavota; Giga; Guaracha; Habanera; Landler; Masur; Minuetto; Polaca; Polka; Quadrilha; Rigodon; Sarabanda; Tarantella; Tirana; Toccata; Tyrolianna; Valsa e Xacara. A autoria deste texto consta como sendo de Julio C. Reis.

    No mesmo ano de 1882 a Gazeta de Notícias traz um artigo inteiro sobre o Minueto que inicia como segue:

    Dançar o minuete foi nos dous seculos passados, e ainda nos principios d’este, um dos exercícios mais favoritos da gente de melhor sociedade.

    Eram duas pessoas, de sexo differente que o dançavam: primeiro faziam-se reverencias, depois davam-se passos umas vezes para a frente, outras em espiral, o quanto n’um dado momento os dous se achavam nos cantos oppostos da sala, adiantavam-se e passavam um pelo outro, descrevendo uma especie de z; podiam, segundo o seu ardor por esta dança, recomeçar cinco e seis vezes estas evoluções.

    O artigo prossegue abordando os maneirismos de um mestre de nome Marcel e citando outros dados como, por exemplo, que Margarida de Valois era a melhor minuetista da Europa. O artigo ainda discorre sobre os textos da duquesa de Abrantes nos quais há relatos do Minuete.

    Em 1888 a mesma Gazeta de Notícias apresenta um texto sob o título “Cartas portuguezas chronica da estação finda Lisboa, outubro”. Nele, alguns trechos mostram como a dança era vista por algumas pessoas da época, por exemplo:

    Porque a dança tem esse bello privilegio: digam d’ella todo o mal que quizerem, a dança é a única expressão instinctiva do jubilo humano, que a civilização não conseguiu ainda, nem suprimir, nem corromper; é commum a todos os povos, a todas as raças, a todas as regiões do globo, a todas as classes sociaes; dança gente branca, como a gente negra, a gente amarella e a gente vermelha; dança-se nos mais heraldicos castellos, como nas mais humildes cabanas, nas maiores capitães, como nas mais pequenas aldeias, entre as casas aristocraticas, como entre as tribus selvagens, no velho mundo, como no mundo novo, em Pariz e em Londres, como na Siberia, na Senegambia ou na Patagonia, e nos bailes dos principes, como nas romarias dos pastores ou nas bodas dos operarios. A dança é a unica grande e suprema niveladora das categorias sociaes e das altitudes geographicas, das condições dos homens e das idades do mundo.

    Na Gazeta de Notícias de 21 de julho de 1890, do Rio de Janeiro (final do século XIX), há um artigo se referindo ao Samba, como dança. O texto exato afirma que:

    O Samba é a reproducção viva e fiel da característica dança dos pretos do interior de S. Paulo, nas festas que já hoje vão desaparecendo, e que Julio Ribeiro descreveu com mão do mestre, danças que tiveram origem nas congadas ainda em pleno desenvolvimento de há trinta annos, e cuja rudeza primitiva de instrumentos e canticos selvagens, ásperos e imponentes, foi-se modificando para receber, pela intervenção dos caboelos e dos mulatos, a doçura plangente característica da nossa musica pastoril.

    Alexandre Levy instrumentou com grande proficiência esses rythmos guardados pela tradição, e com motivos popularos entremeiou a aspereza dos tambaques e dos adufes. O publico aplaudiu freneticamente a peça, que foi bisada.

    Alexandre Levy, como consta no mesmo artigo, nasceu em São Paulo, veio em 1890 ao Rio de Janeiro para apresentação musical da sua composição intitulada “Samba”.

    Estas publicações são exemplos que mostram, além das danças que se praticavam, o interesse dos leitores por este assunto ao longo do século XIX, levando os editores a trazê-los em suas publicações.

Conservatório de dança

    No ano de 1846 “Francisco York” pede licença para a abertura de um conservatório de dança na Rua do Conde, número 9, obtendo-a. Neste ano aparecem anúncios com a descrição deste conservatório, divulgado como sendo da sociedade de Francisco York, José De Vecchi e João Luiz Pimenta. Pelos anúncios parece que o conservatório de dança é muito bem estruturado para ministrar aulas de dança e também, anexado, há o que se denominou Tivoly, espaço para prática de tiro, arco e flecha, jogos de bola, de mesa, inaugurado após a abertura do Conservatório de Dança.

    Houve também a iniciativa de ensinar dança gratuitamente para alunos cujos pais não pudessem arcar com as despesas, o que chegou a ser comentado até mesmo em artigos sobre o Conservatório de Dança. O Conservatório de Dança promoveu a realização de apresentações de dança dos alunos e os anúncios de divulgação destes eventos solicitavam que o público compreendesse as falhas considerando que eram alunos iniciando na arte.

    Segundo os próprios sócios, devido à grande procura que houve por aulas no estabelecimento, se decidiu abrir uma nova sala de dança em mais um endereço.

    No mesmo ano de abertura, 1846, alguns dos anúncios advertem sobre as regras para bailes como o “Baile Mascarado, informando que o uso da jaqueta durante a dança não será permitido e nem a participação de criados ou escravos”. Renault (1969) considera que exigências como estas eram “extravagantes” e talvez por causa delas o Tivoly não tenha oferecido festas e diversões que agradassem ao público.

    Ainda em 1846 divulga-se que o Senhor York assumira a administração geral enquanto o Senhor De Vecchi teria como responsabilidade ser o “Diretor de Salla”, como se referiam as atividades de dança.

    Em 1847 João Luiz Pimenta faz uma publicação informando que saíra da sociedade Tivoly e a partir de então se desonerava das dívidas do estabelecimento.

    No ano de 1849 são divulgados outros sócios e outro endereço do Conservatório de Dança.

Sociedades e clubes de dança

    Ao longo da pesquisa notou-se a ocorrência de menções a “Sociedades de dança” ou “Clubes de dança”, chegando a algumas centenas. A maioria não identificava um nome, mas, fornecia um endereço no qual ocorriam bailes ou aulas. Entretanto, é sabida a importância destas instituições.

    Em Zamoner (2013a) encontra-se o registro de que Victor Andrade de Melo no artigo “É carnaval! Vamos bailar!” publicado em História(s) do Sport na data de 18 de fevereiro de 2012, citando que José Maria da Silva Paranhos (futuro Visconde do Rio Branco), refere-se a sociedades de baile no Jornal do Comércio de 24 de fevereiro de 1851:

    São numerosas as sociedades de baile, de dança, musicais e dramáticas que atual­mente existem no Rio de Janeiro. Aí vão os títulos das que neste momento me lembram. Sociedades de baile: Cassino Fluminense, Cassino da Floresta, Recreação Campestre, Recreação Brasileira, Terpsícore, Lísia, Paraíso, Ulisséa, Sílfide, Nova Eleusina, Vestal, Fidelidade, Filo-Euterpe, Assembleia Familiar Fluminense e Amante do Recreio.

Cursos de dança

    Mais intensamente na segunda metade do século XIX, começam a aparecer divulgações de “Cursos de Dança”. Entretanto, nota-se que as práticas em parte considerável destes locais deveria diferenciar-se muito do que ocorria em aulas ofertadas por professores, sociedades de dança e instituições de ensino formal que também ofertavam aulas. Estes cursos, eventualmente, publicavam anúncios para contratação de damas ou cavalheiros.

    Foram publicadas muitas reclamações de vizinhos e comerciantes, referindo-se a Cursos de Dança como locais onde havia badernas, algazarras e barulho que dificultava as atividades comerciais diurnas e o sossego do sono dos vizinhos à noite. Encontraram-se nos jornais muitos pedidos para que tais atividades fossem encerradas, inclusive direcionadas ao Ministro da Justiça, ao Juiz de Órfãos e à polícia. Também foi possível constatar que com certa frequência surgiam notícias de eventos nestes locais que acabavam com a presença da polícia e em certos casos até mesmo devido a assassinatos. Alguns dos anúncios pedindo atenção a estes locais pareciam fazer referência a atividades suspeitas, citando meninas órfãs e menores sendo “desencaminhadas”, em certos casos até registrando seus nomes.

    O repúdio a estas iniciativas chegou a ser percebido até mesmo em anúncios de busca de noivos ou noivas que colocavam como requisito do parceiro afetivo futuro que não frequentasse ou tivesse frequentado “Cursos de Dança”.

    Estas verificações ocorrem principalmente no período identificado por Zamoner (2013b) como Segundo Período em referência as Danças de Baile do Rio de Janeiro do século XIX. Conforme a autora foi o período em que houve maior desvalorização desta arte no século XIX.

    Em 1878 chega a ser noticiado que os Cursos de Dança estariam sujeitos a severas restrições. Uma destas notícias é encontrada no periódico “A Reforma”, com o seguinte texto:

    Sendo notorios os abusos que se davam na maior parte dos cursos de dança, que longe de servirem de recreio, eram apenas fócos de immoralidades, onde muitas jovens iam encontrar a perdição, o Sr. Dr. Chefe de policia acaba de tomar acertadas providencias sobre tal assumpto, expedindo aos subdelegados a seguinte circular:

    Convindo não conceder licenças para cursos de dança, senão sob severas garantias de moralidade, visto que, é publico o facto averiguado, darem-se abusos que as desviam do seu fim, recommendo a V. S. que casse todas as licenças para taes estabelecimentos existentes no districto de sua jurisdicção, vigorando sómente aquellas que forem por mim expedidas d’esta data em diante.

    Há notas de agradecimento do público e as reclamações diminuem nos jornais. Mas, em 1887 a Gazeta de Notícias chega a publicar:

    Curso de dança. Pedem-se providencias a quem competir, a fim de reprimir as continuas brigas e o proferimento de palavras obscenas de vagabundos desordeiros que costumam reunir-se em um curso de dança da rua Sete de Setembro, sendo muitas vezes as familias obrigadas a retirar-se das janellas, para não presenciarem nem lhes ferirem os ouvidos palavras tão repugnantes, e tão desagradaveis escandalos, tornando-se o dito curso tambem um covil inconveniente, onde se vai viciar a mocidade incauta. A vizinhança.

    Mais ao final do século XIX as reclamações reduzem significativamente nos documentos pesquisados.

Interdisciplinaridade das danças de baile

    Esta pesquisa revelou que as Danças de Baile, já no século XIX, assumiam uma natureza interdisciplinar acentuada, o que pode se notar por constatações como:

    Os predicados da dança também pareciam interessar ao publico leitor pelo fato de chegarem a figurar como vantagens casamenteiras, mesmo que no exterior. É o que se lê no Diário do Rio de Janeiro de 1857:

    Um jornal francez publica o seguinte annuncio, que transcreve o Jornal do Havre:

    «Um rapaz de 21 annos de idade, de boa família, que sabe grego, latim, historia, bellas-letras, mathematicas, desenho, e que é forte na musica vocal e instrumental, e igualmente na dança, pede para trocar seus talentos, comprehendendo a sua pessoa que é bem parecida, em legitimo casamento com uma mulher velha e feia. O candidato conjugal só exige dinheiro de sua futura.

    «Porte franco.»

Danças e medicina

    As relações entre a dança e a medicina destacaram-se dentre as outras áreas, apresentando-se de forma diversificada ao longo de todo o século XIX, no qual as condições de saúde eram muito precárias.

    Uma destas citações chama a atenção, por afirmar que a picada de tarântula pode ser tratada com a prática de dança, que provoca suores favoráveis à recuperação do doente, como consta no Diário de Saúde, do ano de 1835: A dança cura mordedura de tarântula: o suor traz apoz si o virus.

    Em 1847 o “Archivo Medico Brasileiro” discorre sobre o enfrentamento de câimbras citando que são meramente espasmódicas ou provocadas por excitação nervosa geral como a que resulta do coito, da dança ou de excessos alimentares.

    No ano de 1861 um caso de intoxicação é relacionado a ação de dançar, chegando a ser publicado no documento intitulado “O Periodico da Juventude”:

    Uma moça que tinha ido a uma partida com um vestido de tarlataua verde claro foi acommettida, depois de ter dançado algumas contradanças, de adormecimento e fraqueza dos membros inferiores, contracções do peito, vertigens e dores de cabeça, foi obrigada a deixar o divertimento. Os symptomas melhorarão gradualmente, mas, o sentimento de fraqueza das extremidades abdominais persistío até o terceiro dia; causa alguma particular, tal como vestidos muito apertados, etc., não tendo sido descoberta, suspeitou-se logo da côr do vestido e a analyse chimica provou a existencia de uma grande quantidade de arsenito de cobre. Póde, nos movimentos da dança, elevar-se o vestido, principalmente tão amplos como exige a actual moda, uma consideravel quantidade de pó contendo arsenito para dar lugar os symptomas do envenenamento arsenical, sendo absorvido á superficie pulmonar.

    Uma citação interessante é reveladora sobre a forma como a medicina via a dança, encontrada nos “Annaes Brasilienses de Medicina” do ano de 1881: A dança é um dos mais appetecidos gozos que o alienado nestas condições póde fruir. Como tudo, porém, tem sua compensação, o amenomaniaco, às vezes, chora, mas de satisfação.

    Na “Gazeta de Noticias” do ano de 1898 consta uma notícia sobre uma anomalia na formação de bebês que faz referência a posição em que se dança:

    Sob o titulo Phenomeno noticia r Republica de Therezina, do Piauhi: «Em dias do mez passado no logar Lago do termo Belém, uma mulher de nome Mathilde deu á luz uma verdadeira monstruosidade: duas crianças ligadas pela frente das coxas ao pescoço, tanto que só se podia ver o lado das costas. Tinham 5 pernas, 2 cabeças, 3 olhos e 2 braços, sendo, um em cada criança pregados nas costas uma da outra como quem dança.»

    Artigos em periódicos específicos de medicina citavam eventos ocorridos em bailes nos quais médicos acabavam por ter que atuar profissionalmente.

    Durante a realização da pesquisa foram encontradas diversas ocorrências, por exemplo, de: “dança de São Guido” e “dança de São Vito”. Segundo Malachias (2000), ambas as expressões referem-se à mesma doença, hoje denominada coréia de Sydenham ou coréia reumática. O autor registra que a doença é decorrência de uma reação inflamatória à infecção por bactérias estreptococos. Os sintomas da doença são de ordem neurológica, provocando movimentos aleatórios involuntários que terminam sem deixar sequelas entre três e oito semanas. No século XIX, o diagnóstico de doenças cujos sintomas são neurológicos era precário e como não havia antibióticos, os tratamentos de infecções estreptocócicas não eram eficientes, o que explica a ocorrência de uma diversidade de anúncios sobre variados tratamentos para “dança de São Guido”. Malachias (2000) aponta a origem do uso da expressão “dança” de São Guido ou São Vito na Idade Média. Conta o autor que o consumo de pão preparado com centeio contaminado com fungos alucinógenos frequentemente provocava a reação de dançar histericamente e da prática de autoflagelo. Muitas vezes ocorriam movimentos involuntários que segundo o autor estariam relacionados a sintomas digestivos. A denominação de “dança de São Guido” (ou São Vito) teria sido dada em 1374, quando houve um episódio de manifestação dos sintomas do consumo de pão contaminado na França, em Aix-de la Chapele. Os termos foram utilizados para a coreia reumática devido à semelhança dos sintomas, embora a causa seja outra.

    A dança Polca também tem uma história de relação com uma doença. No século XIX ocorreram epidemias de dengue no Rio de Janeiro, o que foi referido por Chernoviz (1890) a partir do ano de 1846. Segundo o autor a Polca era dança da moda na época, o que se confirma com esta pesquisa. Por esta razão a dengue também ficou conhecida pelo nome Polca, como era denominada nas Antilhas.

Conclusões

    Esta pesquisa revelou a cidade do Rio de Janeiro no século XIX com costumes sociais intensamente permeados pela prática e ensino das Danças de Baile, que incluem a Dança de Salão.

    A sociedade carioca do século XIX teve a dança como uma atividade importante ao longo de todo o século: havia muitas sociedades e clubes de dança que promoviam bailes, ensaios e aulas de dança; presença da dança na literatura oferecida pelos periódicos; citações sobre dança em textos sobre diversas outras áreas do conhecimento como engenharia, medicina, música e comércio.

    Este estudo revelou que pesquisas a partir de documentos produzidos nas épocas estudadas podem trazer complementações à literatura atual. A razão é que permitem a organização de dados que se encontram de forma dispersa em periódicos produzidos em épocas passadas, atribuindo a eles significados históricos que não são abrangidos na literatura atual sobre a História da Dança de Salão no Brasil.

Bibliografia

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