efdeportes.com

Gênero e Educação Física: a importância
dessa relação no âmbito escolar

Género y Educación Física: la importancia de esta relación en el ámbito escolar

Gender and Physical Education: the importance of this relationship in schools

 

*Graduando em Educação Física na Universidade Federal Fluminense (UFF)

Bolsista do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência)

**Pedagoga formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF)

(Brasil)

Lucas Baptista Mousinho Lins*

lucaslins31@hotmail.com

Verônica Mattedi**

veronicamattedi@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo tem por principal objetivo apresentar e discutir os motivos que acabam por tornar as atividades das aulas de Educação Física na maioria das vezes separadas por gênero, já que alguns esportes como o futebol é jogado pelos meninos e outras atividades mais utilizadas ao sexo feminino são destinados às meninas. Diante das situações percebidas, as aulas de Educação Física se tornam espaço de preconceito em relação ao gênero e estereótipos, podendo propiciar a exclusão de muitos alunos nas atividades propostas, seja pela ausência de habilidades ou de valência física.

          Unitermos: Educação Física. Gênero. Exclusão.

 

Abstract

          This article has the main purpose to present and discuss the reasons that end up making the activities of Physical Education classes most often separated by gender, as some sports like football is played by boys and other activities more used for the female are aimed at girls. Given the perceived situations, physical education classes become prejudice space in relation to gender and stereotypes, and may provide the exclusion of many students in the activities proposed, is the lack of skills or physical valence.

          Keywords: Physical Education. Gender. Exclusion.

 

Recepção: 08/06/2015 - Aceitação: 11/07/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 20 - Nº 206 - Julio de 2015. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

Introdução

    Da mesma maneira que se aprende a se tornar mulher, se aprende a se tornar homem nos processos que ocorrem no âmbito da cultura e no decorrer de toda vida em diversas instâncias como família, escola, igreja, instituições legais e médicas, e de diversas maneiras somos influenciados por dicas de comportamento, beleza e saúde, refletindo nos modos de viver e sentir que durante um bom tempo na sociedade ocidental foram considerados imutáveis. Os grupos subordinados, que eram considerados minorias, como sexuais e étnicas, denunciavam sua inconformidade, questionando e tornando visíveis outros modos de viver e de novas práticas sociais.

    Não é tão simples apenas aceitar as posições de gênero e sexualidade, é preciso também aprender a lidar com elas. Por conseguinte, gênero e sexualidade estão muito presentes no âmbito escolar. Entretanto, focaremos nas aulas de Educação Física, pois é o espaço onde consideramos que as diferenças entre os gêneros tornam-se mais evidentes.

    Com as modificações dos conceitos de gênero e sexualidade ao longo dos anos vem surgindo a necessidade de debates, estudos e reflexões sobre as relações de gênero e sexualidade nos processos de ensinar e aprender quanto nas possibilidades de outras práticas de inclusão e exclusão dos alunos nas escolas e seus espaços pedagógicos.

    O gênero, ao enfatizar o caráter fundamentalmente social das divisões baseadas no sexo, possibilita perceber as representações e apresentações das diferenças sexuais. Destaca, ainda, que imbricadas às diferenças biológicas existentes entre homens e mulheres estão outras social e culturalmente construídas. (Sousa & Altmann, 1999, p.3)

    Frente às estas questões, a discussão pelos profissionais de educação se torna importante para uma efetiva socialização e melhora significativa do processo de desenvolvimento. As relações sociais estabelecidas poderão contribuir para a reflexão sobre outras formas de organização social e de mudanças de paradigmas para diminuir as diferenças existentes.

Gênero e sexualidade: ações a serem pensadas e construídas

    Assim como a sociedade em geral possui suas especificidades, as instituições escolares reproduzem e refletem as concepções de gênero e de sexualidade que circulam na sociedade e as que elas próprias produzem. O espaço escolar também é um dos espaços em que há a edificação das identidades de gênero, sexualidades, de raças, de etnia, de cultura, de modos de ser, estar e de se comportar perante a sociedade através dos currículos, normas, procedimentos escolares e pedagógicos, linguagens, teorias, nos materiais didáticos e nos processos de avaliação. (Louro, 2001; 2008)

    Ao silenciar algumas questões ou ações ou fazer uso de brinquedos e materiais didáticos poderão contribuir de alguma maneira para construir os modos de ser menino e de ser menina, ou seja, acaba por se refletir na feminilidade e masculinidade. Abrir as possibilidades de discussão sobre a sexualidade poderá proporcionar reflexões sobre as mudanças de atitudes que minimizam a superioridade de um gênero sobre o outro. (Louro, 2007)

    Constitui-se tarefa árdua fazer com que os alunos possam entender as diferenças sociais, de gênero e sexualidade, de etnias e orientação sexual que existem e que são culturalmente e socialmente construídas. É comum vermos nas aulas de Educação Física, por exemplo, a presença somente de meninos jogando futebol e as meninas jogando ou brincando com outros jogos menos violentos e impetuosos.

    Ao buscar focar e trabalhar estas questões na escola da melhor forma possível para a formação de sujeitos críticos e reflexivos, o professor pode fazer uso de várias formas para mostrar aos alunos a possibilidade de praticar o futebol ou qualquer outro esporte com a interação de meninos e meninas e que todos possam participar de maneira ativa, sem gerar qualquer tipo de exclusão ou preconceito.

    O sentir-se rejeitada nas aulas de educação física é facilmente explicável, pois a disciplina, até bem pouco tempo (e ainda hoje), se pautava por um modelo reducionista em que o corpo, a aptidão física e o desempenho eram os objetivos mais importantes. Nesse quadro, não havia espaço para as meninas ‘baixinhas e frágeis’, sobretudo quando a essas características somava-se a falta de habilidade; elas não tinham vez, não jogavam e nem praticavam esportes com suas colegas meninas e muito menos com os meninos. A prática esportiva privilegiava aquelas que tinham um bom desempenho e que eram aptas a praticar aquelas modalidades esportivas associadas à velocidade, força, impacto e resistência. (Oliveira & Voltre, 2006, p. 182)

    Além do gênero e da sexualidade, outras questões, como o bullying são essenciais serem trabalhadas dentro do âmbito escolar, uma vez que todos devem ser tratados e respeitados da mesma forma, sem distinção. Muitas vezes a exclusão que acontece nas aulas de Educação Física não é gerada apenas pela questão de gênero, mas também pela ausência ou presença de habilidades motoras, como enfatiza Sousa e Altmann (1999, p. 56)

    Não se pode concluir que as meninas são excluídas de jogos apenas por questões de gênero, pois o critério de exclusão não é exatamente o fato de elas serem mulheres, mas por serem consideradas mais fracas e menos habilidosas que seus colegas ou mesmo que outras colegas. Ademais, meninas não são as únicas excluídas, pois os meninos mais novos e os considerados fracos ou maus jogadores freqüentam bancos de reserva durante aulas e recreios, e em quadra recebem a bola com menor freqüência até mesmo do que algumas meninas.

    Outra questão que pode surgir como conseqüência da exclusão nas brincadeiras entre meninos e meninas é o bullying. Podemos considerá-lo como uma violência expressada por palavras, gestos e ações, ou seja, pela linguagem gestual e verbal. Pode haver chacotas, humilhações e ações que discriminam e atemorizam. (Oliveira & Voltre, 2006)

    Diante da importância do tema bullying dentro do âmbito escolar e da valorização dada pelos alunos à atividade física, acreditamos que a utilização de atividades lúdicas possa ser uma forma de favorecer a desconstrução gradativa da competição dentro das aulas, especialmente as de Educação Física.

    A interação entre os alunos poderá aumentar e todos poderão entender o real motivo das aulas. As aulas não são apenas espaços para praticar os esportes, entender suas regras e desenvolver habilidades, mas também poderá ser espaço para mostrar que as aulas de Educação Física têm uma importância fundamental na formação crítica dos alunos, problematizando questões de preconceito e exclusão e desenvolvendo valores, como: ética, respeito ao próximo, saber ouvir e falar, perder e ganhar, trabalhar em grupo, entre outros.

    Dessa forma, entendemos que os professores devem trabalhar de forma co-educativa, isto é, todos os alunos podem participar da aula durante todo o tempo das atividades, sem que haja a necessidade de separar meninos e meninas e que todos possam interagir ativamente.

    A importância da co-educação se reflete na fala de Jesus e Devide (2006, p.126-127) onde,

    Durante as aulas separadas, o docente tende a não dar a atenção necessária aos dois grupos simultaneamente, prejudicando o andamento e a qualidade da aula. Em escolas que não possuem ambiente físico adequado, alunos e alunas ficam aguardando para alternarem o uso do espaço, enquanto se a EFe fosse organizada de forma Mista ou Co-educativa, ambos poderiam participar ativamente durante todo o período da aula.

    Porém, alguns professores ainda têm como referência os princípios da educação tradicional ao valorizar a competição entre os sexos e a exclusão mediante a ausência de habilidades físicas. Não se considera o objetivo principal das aulas, que consiste na formação crítica dos mesmos e a estimulação dos princípios de solidariedade, respeito e tolerância ao próximo.

    As aulas de Educação Física com atividades que possam incluir alunos e alunas poderá ser uma das iniciativas para superar alguns princípios da educação tradicional e ser um meio de transformação da concepção de gênero e sexualidade que os alunos têm uns com os outros, inclusive auxilia para a eliminação do sexismo, que dita o que cada sexo deve ou não fazer.

    Torna-se importante trazer para o campo das discussões e possibilidades pedagógicas as questões [...] como: os papéis sexuais estereotipados, os anseios irracionais de dominação dos homens, a opressão tradicional da mulher e, principalmente a ameaça ao direito de melhores condições e igualdade dos seres humanos no esporte e na educação física. (Saraiva, 1999, p. 181)

    Para que o professor possa atingir o sucesso em seus objetivos nas aulas de Educação Física, acreditamos que é fundamentalmente importante contextualizar as atividades à realidade vivida pelos alunos (Coletivo de autores, 1992) e fazê-los refletir sobre as questões abordadas. Assim, os alunos terão facilidades em compreender, pensar e transformar suas atitudes.

    O futebol é um dos esportes mais populares do mundo e possui destaque dentro do cotidiano dos alunos e, conseqüentemente, nas aulas de Educação Física. Este esporte vem se tornando cada vez mais predominante na cultura da sociedade brasileira e visto como um esporte masculino.

    Assim, segundo Pereira e Devide (2008), é importante trabalhar essas reflexões de maneira crítica, para não perder a oportunidade de apresentar valores, respeito e igualdade entre gêneros, deixando de lado a exclusão e o preconceito. Dessa forma, o esporte na escola torna-se primordial para discutir as questões de gênero.

    O papel do professor de Educação Física tem fundamental importância no processo de desconstruir a visão que os muitos alunos têm. Um exemplo bem comum nas aulas consiste no jogo de futebol em que as atitudes machistas dos alunos se refletem, visto que muitos meninos não deixam as meninas jogarem por ser um esporte, predominantemente, masculino e que as meninas não possuem habilidades físicas para tal prática. Assim, de forma criativa e através de atividades lúdicas, ele pode mostrar que todos podem praticar essa modalidade esportiva ou outra, de maneira assídua, independente do gênero.

Metodologia

    Este trabalho surgiu da observação participante durante o estágio supervisionado por meio do PIBID1 com o apoio de pesquisas bibliográficas. No estágio supervisionado, observou-se situações em que as atividades eram feitas de forma separada entre os gêneros, principalmente no jogo de futebol que é visto como esporte masculino. No espaço que ficava disponível, as meninas o ocupavam jogando queimada ou faziam outra atividade.

    A observação aconteceu numa turma do 6º ano do ensino fundamental de uma escola estadual de Niterói durante uma aula de Educação Física. Indagamos aos alunos sobre a seguinte questão a respeito das aulas que aconteciam: “Por que você acha que as aulas de Educação Física tem que ter apenas futebol para os meninos e queimada (atividade que as meninas mais praticam nesta escola) para as meninas?”. Os 21 estudantes presentes da turma, 12 estudantes eram do sexo masculino e 9 estudantes do sexo feminino responderam a pergunta de forma dissertativa em um papel.

    O fato das aulas serem separadas por gênero se refletiu bastante nas respostas de alguns alunos. Muitos estudantes, principalmente as meninas, se queixavam que os meninos são muito violentos, como nas respostas abaixo:

    “Porque os meninos são muito brutos para jogar futebol, e para nós meninas, é melhor [jogar] queimada.” (Menina A)

    “Porque os meninos nos machucam no futebol, eles só querem jogar bola. A queimada só com as meninas, não machuca muito e nós nos entendemos.” (Menina B)

    Apesar dessas situações, algumas meninas citaram em suas respostas o desejo de participar das atividades voltadas para o futebol e que deveriam ser destinadas iguais a todos os alunos.

    “Eu não acho isso. Eu apenas acho que os esportes foram liberados para todos.” (Menina C)

    “Eu acho que tem que ter atividade normal, para todos igual.” (Menina D)

    Contradizendo o que algumas meninas relataram em suas respostas, muitos meninos têm a visão de que o futebol é voltado apenas para alunos do sexo masculino e que as meninas não devem participar.

    “Porque tem meninas que não sabem jogar bola. Então separamos, meninas podem jogar queimado e os meninos jogar bola.” (Menino A)

    É possível perceber através das respostas que elas reforçam o comportamento naturalizado e normatizado, no qual considera que meninos brinquem de futebol e as meninas brinquem de outros jogos construídos como os mais aptos para as mesmas. No entanto, se alguma delas tentar contrapor o é imposto, a brincadeira adquire outro rumo e elas são classificadas como “menino” ou com nomeações semelhantes, o que confirma a presença da diferença entre os sexos. (Wenetz & Stigger, 2006)

Considerações finais

    Através das respostas dos alunos percebemos a visão que a maioria dos alunos tem em relação às aulas de Educação Física, principalmente no que se refere à prática do futebol.

    Em suas falas se percebe como é exacerbada a separação entre meninos e meninas. Pelas observações, identificamos a presença de ações de preconceito e de exclusão nas relações entre os alunos. Aspectos estes que merecem atenção e que devem ser objetos de transformação e mudança durante as aulas.

    Através disso, ressaltamos a importância de se trabalhar o conceito de co-educação pelo professor em suas atividades em sala de aula, uma vez que é um excelente modo de inserir todos os alunos no mesmo patamar nas aulas de Educação Física, independentemente de gênero, e que todos possam participar ativamente das atividades.

    Por meio do jogo de futebol é possível se trabalhar com atividades lúdicas, a fim de não valorizar a competitividade e nem o mais apto, mas valorizar a participação dos alunos e o mais pertinente, fazendo-os entender que não deve existir essa separação de gênero, pois todos podem participar das atividades, independentes de quais sejam.

    Porém, para o bom desenvolvimento do trabalho, o professor pode e deve investir em sua formação continuada, pois muitas vezes a sua formação inicial não abarca questões cotidianas nas quais precisa aprender a lidar com aspectos ligados ao corpo, gênero e sexualidade.

    Diante disso, acreditamos na importância do papel desenvolvido pelo professor de Educação Física ao trabalhar estas questões através de debates e atividades lúdicas. Por exemplo, é possível praticar o futebol de forma que possa englobar todos os alunos, independentemente de estereótipo ou gênero.

    A produção de materiais de apoio pedagógico também não deve ser esquecida. É possível se trabalhar por meio de debates, conversas informais e textos informativos a respeito de temas como a diferença entre ser mulher e ser homem, a discriminação social e os aspectos biológicos envolvidos.

    Assim sendo, as aulas de Educação Física poderão colaborar para uma pequena e inicial mudança de paradigmas que abandona “o vencedor” em detrimento “dos outros”. As questões como preconceito e exclusão se trabalhados desde cedo, a valorização das diferentes culturas e suas manifestações culturais, o diálogo professor/aluno mais igualitário e respeitoso poderão ser alguns dos passos que propiciaram a transformação das relações entre homens e mulheres.

Nota

  1. PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência é um programa que proporciona aos discentes de licenciatura vivências dentro de salas de aula, adquirindo experiência e mostrando a realidade das escolas.

Bibliografia

  • Coletivo de autores. (1992). Metodologia do Ensino de Educação Física. SP: Cortez Autores Associados.

  • Jesus, M. L. & Devide, F. P. (2006). Educação física escolar, co-educação e gênero: mapeando representações de discentes. Movimento, Porto Alegre, v.12, n. 03, p. 123-140.

  • Louro, G.L. (2001). O currículo e as diferenças sexuais e de gênero. In: M.V. Costa, (Org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, p. 85-92

  • Louro, G.L. (2008). Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. 10ª ed. Petrópolis: Vozes.

  • Louro, G.L. (2007). Pedagogias da Sexualidade. In: O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, p. 83-111.

  • Oliviera, F. F. & Voltre, S. J. (2006). Bullying nas aulas de educação física. Movimento, Porto Alegre, v.12, n. 02, p. 173-197.

  • Pereira, V.C.A. & Devide, F.P. (2008). Futebol como conteúdo generificado: uma possibilidade para rediscutir as relações de gênero. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano. 12, n. 118, p. 1 - 9. http://www.efdeportes.com/efd118/futebol-como-conteudo-generificado.htm

  • Saraiva, M. do C. (1999). Co-educação Física e Esportes: quando a diferença é mito. Ijuí: Unijuí.

  • Sousa, E. S. & Altmann, H. (1999). Meninos e meninas: Expectativas corporais e implicações na educação física escolar. Cadernos Cedes, ano XIX, nº 48.

  • Wenetz, I. & Stigger, M. P. (2006). A Construção do Gênero no Espaço Escolar. Movimento, Porto Alegre, v.12, n. 01, p. 31-58.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 20 · N° 206 | Buenos Aires, Julio de 2015  
Lecturas: Educación Física y Deportes - ISSN 1514-3465 - © 1997-2015 Derechos reservados