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Introdução

    Atualmente, existem no país inúmeras propostas educacionais que são apresentadas com freqüência aos professores. Em geral, essas propostas são elaboradas pelos órgãos gestores de ensino, seja em nível federal, estadual ou municipal, e têm como alvo “interferir” na prática dos docentes que atuam na educação básica. Longe de desconsiderar a relevância das ações voltadas para o desenvolvimento curricular, tampouco as intenções daqueles que elaboram, a presente pesquisa envereda-se na busca pela verificação das pesquisas que se desdobraram em entender as possíveis apropriações dos professores em relação a essas propostas.

    A pertinência de tal investigação é oportuna no caso brasileiro, uma vez que, o momento atual é particularmente significativo no que diz respeito ao conjunto de propostas apresentadas país afora. Como exemplos, vale destacar aqui algumas de âmbito nacional como as propostas de ciclos e progressão continuada presente desde o âmbito da LDB 9394/96, assim como os Parâmetros Curriculares Nacional (PCNs). Além desses, quando remetemos nosso olhar para o estado de São Paulo, particularmente no período após a promulgação da LDB 9394/96, cumpre destacar o Projeto de Correção de Fluxo do ciclo II implantado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEESP) no ano de 2000, assim como as propostas para as séries iniciais do ensino fundamental para as disciplinas de Educação Física e Artes no ano de 2003. Em período recente há que se ressaltar também a proposta da SEESP para todas as disciplinas do ciclo II e Ensino Médio implantada em 2008.

    Diante desse quadro, postula-se que os professores se vêem “enquadrados” aos moldes e modelos determinados pelas propostas, e, por conseguinte, acabam entrando na mera racionalidade técnica com o intuito de “responder” às exigências estabelecidas externamente, sem contudo, refletir sobre as próprias condições a elas subjacentes.

    Gimeno Sacristán (1999) argumenta que quando os indivíduos são colocados frente a uma demanda externa hierarquicamente estabelecida, os mesmos podem ter reações diversas, sobretudo, se as determinações vierem por meio de decretos e normas a serem cumpridas. Ao mencionar a relação dos professores com os fins da educação decididos institucionalmente, o autor enfatiza que:

    (...) a aceitação justifica a função delegada dos docentes, e o conflito entre o profissionalismo autônomo, a liberdade de cátedra e o respeito à livre consciência, por um lado, e, por outro o acatamento dos currículos estabelecidos ou pôr-se ao serviço do projeto de outro (seja o estado, o patrão), não é um problema fácil de resolver. (Gimeno Sacristán, 1999, p. 41).

    A dificuldade destacada pelo autor está justamente no imbróglio que vem se desenhando historicamente e que, cada vez mais, vem sendo sedimentada nessa “conflituosa” relação, que tem por um lado os “braços operacionais” do sistema representado pelos professores, e de outro aqueles responsáveis pelas propostas, e que invariavelmente exercem funções primordialmente burocráticas e quase sempre estão distanciados da realidade escolar.

    Diante desse quadro, o presente trabalho procura analisar as tendências de investigação referentes à implantação de propostas e as práticas dos docentes na educação brasileira que se podem identificar por meio das produções acadêmicas, mais precisamente, nas dissertações de mestrado e teses de doutorado, existentes no Banco de Dados da Capes durante o período de 1987 a 2007, norteado pela idéia de Bueno (2006), na qual o autor destaca que os balanços bibliográficos e de pesquisas na área de educação tem crescido nos últimos anos e são um excelente recurso para indicar as principais tendências do campo e apontar aos pesquisadores enfoques e abordagens diversos, bem como lacunas a serem preenchidas.

    O eixo norteador do presente trabalho recaiu na apreensão das pesquisas sobre implantação de propostas e prática docente com o intuito de situar:

• a) qual a representatividade da produção acadêmica de estudos sobre implantação de proposta e as práticas docentes no Brasil

• b) quem fala sobre o tema, em que locais estão os trabalhos produzidos por esses investigadores que se interessam pela temática.

• c) em que modalidade de ensino está recaindo a análise das pesquisas, em quais componentes curriculares, e os temas de interesses das investigações.

    Tendo como referência analisar as tendências de investigação sobre a temática da implantação de propostas e a prática dos docentes na educação brasileira, realizou-se o levantamento das dissertações de mestrado e teses de doutorado, existentes no Banco de Dados da Capes e defendidas entre o período de 1987 e 2007, sobre o tema. Buscou-se no referido site os resumos de teses e dissertações que tivessem as palavras (expressões exatas) “implantação de propostas e prática docente”, obtendo-se como resultado um total de 139 trabalhos. A partir da realização de uma nova seleção permitiu-se excluir aquelas pesquisas que não interessavam diretamente pela implantação de propostas na escola, como por exemplo as propostas voltadas para a conservação do meio ambiente e as voltadas para a área da saúde, assim como se excluíram também da análise as pesquisas que analisaram a implantação de propostas no ensino superior. Dessa forma, apenas 38 pesquisas foram consideradas relevantes para a investigação em pauta, ou seja, a implantação de propostas e práticas docentes na educação básica.

    As informações colhidas dos resumos do Banco de Teses da CAPES, buscaram os seguintes elementos:

1. instituição de origem;

2. unidade da federação que investigou o tema;

3. distribuição da produção por instituição universitária:

4. localização das instituições que investigaram o tema;

5. pesquisadores que orientaram investigações sobre a temática;

6. nível de titulação da pesquisa;

7. modalidade de ensino;

8. temas investigados

9. componente curricular.

A representatividade dos estudos e sua relação com as instituições de pesquisa

    A análise de como as propostas curriculares são concebidas na escola pelos professores é relevante, pois estes são os reais interlocutores da complexa relação teoria/proposta/alunos. Dessa forma, concebe-se também ser relevante realizar investigações sobre as formas em que as propostas elaboradas pelos órgãos gestores de ensino são concebidas na escola. Sampaio (2002) nos alerta que são desastrosas as mudanças simplesmente impostas pelos órgãos superiores sem a presença dos professores na formulação e elaboração das propostas, considerando que:

    Quando colocados frente a uma proposta de mudança, os professores se indagam o que lhe trará como resultado, não no abstrato, mas para cada professor, em cada contexto, e fazem o que conseguem e acham que vale a pena dentro de suas situações concretas (Sampaio, 2002, p. 16).

    Nas discussões sobre como as propostas são implantadas podemos apontar que é na escola se que conhecem os impactos, os limites e dificuldades, derivando daí o valor e significado dos estudos que buscam entender qual o impacto das propostas nas práticas dos professores.

    Para iniciar tal tarefa, na Tabela 1 apresentam-se os períodos (ano) em que os pesquisadores desdobraram sua atenção para o foco investigativo na temática de implantação de propostas e prática dos docentes.

Tabela 1. Distribuição anual das pesquisas relativas à temática

    Um dos principais dados gerados pela tabela acima concentra-se em torno do significativo aumento do interesse por parte dos pesquisadores para o tema a partir do final da década de 1990, mais precisamente a partir do ano de 1997, pois a partir desta data, em todos os anos teve alguma pesquisa que buscou investigar a temática, ou seja, 34 das 38 produções. Esse fato pode estar diretamente relacionado com a promulgação da nova LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96) uma vez que, a referida lei pode ser entendida como um marco das implantações de propostas curriculares. De outra parte, no que se refere à distribuição destas produções, observa-se uma alta concentração das pesquisas em determinadas regiões do país em detrimento de outras. Na Tabela 2, apresenta-se a seguir em que estados da federação encontram-se as instituições que se interessam por essa temática.

Tabela 2. Unidade da federação das instituições que investigaram o tema

    Embora os estados onde os pesquisadores realizam suas pesquisas possam não ser os mesmos onde cursam pós-graduação, é relevante apontar o elevado número daqueles que não realizaram nenhuma pesquisa desse âmbito em seus centros, a saber: 16 estados. Por outro lado, no estado de São Paulo está a maior concentração desse tipo de pesquisa com 18 estudos.

    Verificou-se também em quais instituições esses estudos foram realizados. A instituição que mais produziu trabalhos com essa temática foi a PUC/SP, com 7 estudos. Outras instituições como UNESP, UNICAMP E USP apresentam 3 pesquisas cada, enquanto as demais instituições realizaram apenas 1 ou 2 pesquisas conforme demonstrado na Tabela 3.

Tabela 3. Distribuição da produção por instituição universitária - CAPES – 1987/2007

    Devido à diversidade de instituições que investigaram o tema e o relativo baixo número de estudos por instituição, pode-se afirmar que prevalece o pouco interesse e a dispersão sobre o assunto, pois não existe nenhum centro que esse tipo de pesquisa é realizado sistematicamente, ou seja, não há acúmulo de conhecimento quando se trata do tema “implantação das propostas e a relação destas com as práticas dos professores”. Essa realidade torna-se ainda mais visível quando se verifica a região em que as pesquisas foram realizadas. Verifica-se que a concentração está quase em sua totalidade na região Sudeste, conforme destacado na Tabela 4.

Tabela 4. Localização das instituições que pesquisaram o tema

    Nota-se que existe uma diferença gritante na concentração das pesquisas por região, ou seja, uma maior concentração na região Sudeste com 24 realizações, enquanto na região Norte houve apenas 1 estudo. Essa distribuição irregular corresponde ao mesmo fenômeno que acontece nas outras áreas do conhecimento e com as outras temáticas, seja na educação ou nas outras ciências. No Brasil, há uma enorme concentração da pesquisa na região Sudeste, e o que se verificou apenas reproduz a situação recorrente na produção científica da pós-graduação.

    Com base nas quatro tabelas em que o foco foi a representatividade dos estudos acerca da temática em causa, pode-se inferir que há um “déficit” de linhas de estudos na pós-graduação nacional no período aqui retratado (de 1987 a 2007) voltadas para estudos de como se consubstancia a relação entre as propostas e as práticas dos docentes.

Quem fala sobre o tema, e em que locais estão os pesquisadores que se interessaram pela temática

    Dado que há uma “baixa” representatividade da temática no campo acadêmico, cuja distribuição concentra-se quase que exclusivamente na região Sudeste, mais precisamente no estado de São Paulo, foi possível identificar e apresentar a seguir os pesquisadores que nos programas de pós-graduação em que atuam destinam seus esforços para produzir estudos acerca dessa temática.

Tabela 5. Pesquisadores que se interessaram pela temática

    Das 38 produções que tiveram seus resumos estudados no presente trabalho, apenas 3 orientadores foram responsáveis por 2 produções cada, sendo que entre esses 2 estão vinculados á mesma instituição e programa de pós-graduação (Educação, História, Política e Sociedade – PUC/SP) e 32 professores orientaram apenas um trabalho cada. Tal dispersão indica a ausência de uma coletividade acadêmica nos estudos que perpassam a investigação sobre como os professores realizam suas práticas frente às propostas, demonstrando a falta de dialogicidade entre o que se estuda sobre determinados aspectos acerca da educação no país, o que resulta em fragmentação e obstáculo à continuidade da pesquisa.

    No que tange ao grau em que se situam os trabalhos realizados, pode-se apontar um número majoritário de trabalhos realizados em nível de mestrado, em detrimento das teses de doutorado. Sendo assim, identificou-se 35 trabalhos de mestrado acadêmico, apenas 2 trabalhos de doutorado, além de 1 mestrado profissionalizante.

Tabela 6. Nível de titulação

    Podemos entender essa diferença por duas facetas: a primeira refere-se ao fato dos cursos de doutorado serem mais longos e admitirem menor número de pesquisadores se comparados com o número de mestrandos, enquanto a segunda refere-se à percepção, obtida com base nos dados aqui reunidos, de que há “pouca importância” dada ao tema nos centros de pesquisa acadêmicos espalhados pelo país.

A modalidade de ensino, o componente curricular, e os temas de interesse das investigações

    Nesse item serão apresentados os dados organizados sobre qual modalidade de ensino, a distribuição das disciplinas em que os estudos foram realizados, além dos temas de interesse mais recorrentes nos trabalhos coligidos. Como pode ser observado na Tabela 7, a concentração das pesquisas recaíram-se quase em sua totalidade no ensino regular, havendo apenas 2 pesquisas que forma realizadas na modalidade de educação especial.

Tabela 7. Modalidade de ensino pesquisada

    As pesquisas em geral estão interessadas quase em sua totalidade pela mesma modalidade de ensino, no entanto, os interesses pelos temas específicos estão diluídos em diversos âmbitos, conforme demonstrado na Tabela 8.

Tabela 8. Temas investigados

    De acordo com os dados da tabela 8, pode-se observar que a implantação de ensino por ciclos, a implantação dos PCN e a implantação da progressão continuada foram às propostas que tiveram mais repercussão no campo investigativo, com 5 pesquisas cada, seguido pelo tema das políticas educacionais e implantação de propostas, que foi interesse de 4 investigações, além da implantação do ciclo básico que foi alvo de 3 pesquisas. As outras 16 investigações preocuparam-se com temas bastante específicos. Essa diversidade de temas investigados, por um lado, aponta os diversos temas geradores de interesses dos pesquisadores, mas por outro, pode-se observar que essa diversidade reforça a carência de uma maior consistência acumulativa de dados sobre uma implantação de propostas e sua relação com a prática docente. Portanto, conclui-se que, de certa forma, as pesquisas ocorrem de forma isolada, uma vez que tivemos dentre as 38 pesquisas realizadas, 20 ocorrências indicando interesses temáticos diferentes.

    No que se refere ao componente curricular foco das pesquisas realizadas encontrou-se alguma dificuldade, uma vez que, em 21 resumos o mesmo não aparece de modo especificado. Entretanto, nas pesquisas em que os resumos demonstram essa especificação, observou-se que houve também certa dispersão quanto aos componentes curriculares, conforme demonstrado em seguida na Tabela 9.

Tabela 9. O Componente curricular alvo da investigação

    Como demonstrado, foram realizadas no ciclo I (1ª a 4ª série) 9 pesquisas. Nas áreas específicas, temos 2 pesquisas voltadas para a Educação Física e nas demais áreas (Ensino Religioso, História, Matemática e Português) encontrou-se uma investigação cada. Essa falta de dados acumulativos sobre como os professores dos diversos componentes curriculares manifestam lidar com as propostas, pode nos apontar para um importante fator no que concerne ao “abismo” entre os elaboradores de propostas e os professores e suas práticas cotidianas no interior das escolas, já que não há acúmulo de estudos que apontem para as possibilidades e dificuldades enfrentadas pelos docentes frente aos diferentes componentes curriculares.

Considerações finais

    Este trabalho pode demonstrar que as pesquisas acerca da temática da implantação de propostas e a sua relação com as práticas dos docentes tem sido pouco exploradas. Da mesma forma, foi possível evidenciar alguns aspectos em relação à concentração destas pesquisas quanto à distribuição geográfica no país e às instituições de ensino. Os dados reunidos pelo levantamento realizado sinalizam que, ao mesmo tempo em que há a dispersão em relação aos orientadores, há também uma possível falta de interesse da parte das instituições de pós graduação e suas respectivas linhas de pesquisa no que tange ao tema investigado neste artigo.

    Neste embaraçoso campo da relação entre os elaboradores de propostas e os professores (executores), podemos apontar para duas facetas que não podemos perder de vista quando estamos preocupados com a implantação de uma proposta. A primeira refere-se ao modo de formulação e implantação da política educacional que, por sua vez, desencadeia propostas a serem aplicadas (geralmente por meio de decretos). A segunda refere-se aos sujeitos que tem a missão de implantação das tais propostas (professores). Ou seja, para compreender mais sobre as entranhas do movimento que envolve tanto a formulação, quanto a implementação das políticas educacionais e a sua repercussão no espaço escolar, valem ser verificados os aspectos e interesses ligados à elaboração de qualquer proposta, bem como aquilo que determina a relação que os implementadores, neste caso os professores, mantém com a estrutura burocrática do sistema de ensino e com a própria escola.

    Dessa forma, torna-se necessário uma maior consistência de acúmulo de dados sobre a relação dos professores com as propostas com o intuito de “diminuir o abismo” entre elaboradores e professores. Tal afirmação ganha consistência nas assertivas de Hutmacher (1996), que, por sua vez afirma que atualmente existe uma clivagem entre os que pensam (planejadores da educação) e os que fazem (professores na escola). Conforme o autor aponta em suas considerações:

    (…) Tal clivagem vai cada vez mais acentuando o mal-entendido clássico e bloqueador: os que refletem tem tendência para considerar os que agem como ignorantes; os que agem tem tendência para considerar os especialistas como sonhadores que não conhecem nada da realidade prática (Hutmacher, p.72, 1996).

    Com base no mencionado acima pelo autor, e no presente levantamento que demonstra a pouca relevância que as pesquisas no Brasil estão dando à temática, podemos apontar que esse déficit de pesquisas pode ser entendido como uma das causas que reforçam a distância entre os elaboradores das propostas e os professores.

Bibliografia

• Brasil (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9394/96). Ministério da Educação e Cultura.

• Bueno, José Geraldo Silveira (2006). Alunos e Alunos especiais como objeto de investigação: das condições sociais às condições pessoais adversas. In: Marcos César de Freitas. Desigualdade social e diversidade cultural na infância e na juventude. São Paulo: Cortez.

• CAPES. Banco de Teses. Disponível em http://servicos.capes.gov.br/capesdw/ acessado em Abril de 2009.

• Hutmacher, Walo (1996). A escola em todos os seus estados: das políticas de sistemas às estratégias de estabelecimento. In: Antonio Nóvoa (org.). As organizações escolares em análise. Lisboa: Editora Dom Quixote.

• Sacristán, José Gimeno (1996). Poderes instáveis em educação. Tradução: Beatriz Afonso Almeida. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.

• Sampaio, Maria das Mercês Ferreira (org.) (2002). Apresentação. O cotidiano escolar frente às políticas educacionais. 1ª edição. Araraquara: JM Editora.

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