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Educação Infantil e gênero: a influência do 

ambiente escolar e os padrões da sociedade

Educación Inicial y género: la influencia del entorno escolar y los modelos sociales

 

Mestranda em Estudos do Lazer - UFMG

Graduada em Educação Física – UFLA

(Brasil)

Loren Salles Souza Pereira

lorensallesp@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo tem como objetivo realizar uma análise, com foco à temática Gênero na Educação Infantil, e relacioná-las à influência do ambiente escolar e os padrões da sociedade. A metodologia utilizada foi em forma de pesquisa qualitativa, devido ao nível de complexidade da pesquisa, e por ser a pesquisa qualitativa a mais indicada para pesquisas na área de Educação. Foi feito um levantamento bibliográfico, a fim de se encontrar teorias que embasam o estudo. A pesquisa nos levou a considerar que as brincadeiras – que parecem ter só um caráter prazeroso – têm também uma produção dos sujeitos disciplinados por viverem dentro de um contexto social e histórico onde assumem um jeito de ser menino e um jeito de ser menina, enquadrados nos padrões que sua sociedade considera como normais. Nesse contexto cultural, a criança produz e é produzida através das brincadeiras.

          Unitermos: Gênero. Educação Infantil. Sociedade. Escola. Educação Física.

 

Resumen

          Este estudio tiene como objetivo realizar un análisis centrado en la temática de Género en la Educación Inicial, y relacionarlo con la influencia del entorno escolar y los modelos sociales. La metodología utilizada fue en el formato de investigación cualitativa, debido al nivel de complejidad de la investigación, y por ser la investigación cualitativa la pertinente para investigar en el área de Educación. Se realizó una búsqueda bibliográfica con el fin de encontrar teorías que apoyen el estudio. La investigación nos llevó a considerar que los juegos -que parecen tener solamente un carácter placentero- también son una producción de sujetos disciplinados que viven dentro de un contexto social e histórico donde asumen la forma de ser de un niño y la forma de ser de una niña, enmarcados en un modelo que su sociedad considera como algo normal. En este contexto cultural, el niño produce y es producido a través del juego.

          Palabras clave: Género. Educación Inicial. Sociedad. Escuela. Educación Física.

 

Recepção: 25/04/2015 - Aceitação: 29/05/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 20 - Nº 205 - Junio de 2015. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Acredita-se, como Louro (2007), que as concepções sobre o certo e o errado para cada sexo são aprendizagens interiorizadas pelos sujeitos, e que muitas vezes são percebidas como parte da “natureza” humana, sendo, por isso, ensinadas e aprendidas como práticas normais de comportamento. As práticas sociais vivenciadas pelos adultos modelam comportamentos ideais de homens e de mulheres e se tornam referências para as aprendizagens infantis de gênero e de sexualidade. As crianças já chegam à escola com modelos aprendidos de brincadeiras apropriadas para os meninos e para as meninas. Esses esquemas são transmitidos pela família e no interior das relações sociais que experienciam.

    A escola faz parte desse complexo de aprendizagens, e pode tanto interferir para perpetuar essas práticas quanto para a sua desconstrução. Valores são adquiridos por meio de aprendizagens. Assim, cabe à escola ensinar as meninas a serem aguerridas, a gostarem de esporte e de carros, e aos meninos a serem gentis e carinhosos e a expressarem seus sentimentos de dor, de sofrimento, a chorar e, sobretudo, cuidar Brasil (2008). É preciso entender que o amor é um sentimento que necessita ser cultivado por meio da sensibilidade e que os laços amorosos precisam ser refeitos diariamente.

    Objetiva-se, através de literatura acadêmica, compreender / refletir sobre a construção das identidades sexuais e de gênero das crianças, A fim de se entender as relações de gênero na escola, e as possibilidades de atuação do professor, recorri à metodologia bibliográfica e tentei problematizar o tema, tendo como uma das referências, o estudo pós-estruturalista de Wenetz (2005). Na intenção de alcançar o objetivo geral desse estudo, o texto possui a seguinte estrutura: No primeiro capítulo, procurou-se descrever os conceitos de gênero e sexualidade, relacionando-os com infância, escola e possibilidades de atuação pedagógica no campo da educação física escolar.

    A metodologia utilizada foi em forma de pesquisa qualitativa, devido ao nível de complexidade da pesquisa, e por ser a pesquisa qualitativa a mais indicada para pesquisas na área de Educação. Foi feito um levantamento bibliográfico, a fim de se encontrar teorias que embasam o estudo.

    Justifica-se esse trabalho como tema relevante para entendermos sob que bases e parâmetros nossas crianças estão sendo formadas. A pesquisa pretende, ainda, ser uma contribuição para os profissionais da Educação, estimulando a reflexão sobre os valores éticos e morais que embasam as relações de gênero e sexualidade, que muitas vezes reforçamos, associando-os a condutas de natureza humana.

Gênero

    Para Altmann (1998), sendo gênero uma categoria relacional, há de se pensar sua articulação com outras categorias durante aulas de educação física, porque gênero, idade, força e habilidade formam um “emaranhado de exclusões” vivido por meninas e meninos na escola. Não se pode concluir que as meninas são excluídas de jogos apenas por questões de gênero, pois o critério de exclusão não é exatamente o fato de elas serem mulheres, mas por serem consideradas mais fracas e menos habilidosas que seus colegas ou mesmo que outras colegas. Ademais, meninas não são as únicas excluídas, pois os meninos mais novos e os considerados fracos ou maus jogadores freqüentam bancos de reserva durante aulas e recreios, e em quadra recebem a bola com menor freqüência até mesmo do que algumas meninas.

    Tais constatações mostram-nos que a separação de meninos e meninas nas aulas de educação física desconsidera a articulação do gênero com outras categorias, a existência de conflitos, exclusões e diferenças entre pessoas do mesmo sexo, além de impossibilitar qualquer forma de relação entre meninos e meninas.

    Biologicamente cada ser nasce com sexo masculino ou feminino e constrói-se homem ou mulher de acordo com o meio social ao qual se insere. Ou seja, “a construção do gênero vai se dando no dia a dia, à medida que a criança vai sendo socializada na família, na escola, na comunidade e vai introjetando o modelo de homem ou de mulher que lhe é apresentado” (Brunelli, 2004, p. 10).

    Portanto, sobre essa questão, Thorne (1993) afirma que a presença de adultos entre crianças pode diminuir a separação de gênero, pois, ao incentivarem a prática conjunta de meninos e meninas, os comentários pejorativos provenientes dessa interação são minimizados. Adaptar as regras de algum jogo ou esporte, pode ser usado como recurso para evitar a exclusão.

    Mauss (1995) considera que: Há uma construção cultural do corpo definida e colocada em prática em virtude das especificidades culturais de cada sociedade. [...] Assim, há uma valorização de certos comportamentos em detrimento de outros, fazendo com que haja um conjunto de gestos típicos de uma determinada sociedade.

    Nesse sentido, pode-se afirmar que além de diferenças naturais ou biológicas, os gêneros apresentam diferenças corporais culturalmente construídas. Desse modo, desde que nascem as crianças já possuem um “roteiro de vida”, construído a partir das expectativas dos seus pais, a ser seguido. Souza Jr. (2004), denominou este “roteiro” de “Plano de Vida”, que se trata do direcionamento de atividades para cada sexo especificamente, baseado nos papéis que estas crianças devem assumir diante da sociedade. Então, para os meninos são propostas brincadeiras mais dinâmicas, que careça de força, velocidade, e ao mesmo tempo envolvam situações de perigo, enquanto às meninas são concedidas brincadeiras que possuam relação com as funções ditas como próprias da mulher na sociedade – ser mãe, esposa e dona de casa – entendendo a menina – criança como uma adulta em miniatura.

O brincar infantil e a construção do gênero

    Os brinquedos e as brincadeiras são importantes espaços para a construção do gênero. Segundo Prado (2002) nos processos de socialização e formação da identidade das crianças constroem-se práticas de escolha de brinquedos e de brincadeiras por gênero e por sexo e criam-se os estereótipos.

    Para Brougère (2004), os estereótipos provêm dos pais e das pessoas que cercam a criança. Os pais constroem o primeiro ambiente de brinquedos da criança, antes que ela comece a fazer suas escolhas. No nascimento, o quarto das meninas é rosa, com bonecas, e o dos meninos é azul, com carros em miniatura. As meninas costumam brincar de “casinha” e representam o papel da mãe; os meninos, de “motorista”, que dirige o carro. É o contexto em que a criança vive, especialmente o meio familiar, que dirige inicialmente tais escolhas.

    De acordo com Kishimoto (2001), os conceitos de brinquedo, como o material que dá suporte à brincadeira; e esta, o lúdico em ação, ou seja, o uso das regras do jogo, que provêm do mundo social. Isso implica afirmar que ninguém nasce sabendo brincar, que o brincar pressupõe aprendizagem social. Para Scott (1995), a oposição binária masculino-feminino deve ser desconstruída, assim como a dicotomia entre a natureza e a cultura, que é a base para a discussão do sexo e do gênero.

    O conceito de gênero (cultura) somava-se ao de sexo (natureza) e não o substituía. A natureza era uma base sobre a qual significados culturais eram construídos. Gênero era associado, assim, a traços de caráter e a comportamentos, e sexo a corpo e a biologia (Carvalho, 1999, p. 30).

    Nesse processo dicotômico de construção de papéis masculinos e femininos surgem preconceitos que se refletem no uso dos brinquedos. Sobre o assunto, Maccoby (1993) afirma que não há evidência quanto às diferenças de gênero até os 4 anos de idade. A partir daí, os meninos tendem a evitar as “atividades de meninas” e são mais sujeitos à pressão social, a uma tipificação sexual inadequada. Quanto às atividades lúdicas, as preferências entre meninos e meninas são observáveis por volta de 12 meses de idade, tornando- se mais acentuadas ao final do segundo ano e muito evidentes dos 4 aos 6 anos.

    Nas situações lúdicas, meninos manifestam maior interesse pelo poder, pelo prestígio e pelo controle das situações. As meninas valorizam a imagem do corpo, as vestimentas, a beleza dos seres e das coisas e interessam-se pelas atividades domésticas, pelo papel da mãe. “Os meninos valorizam a ação, o ‘fazer’, o ‘poder’, enquanto as meninas valorizam o ‘ser’ e o ‘ter’ (Brougère, 2004).

Discussão

    Perceber que as subjetividades são históricas e não naturais, que os sujeitos estão nos pontos de chegada e não de partida como até bem pouco acreditávamos. Com esse novo olhar, os professores e professoras poderão denunciar e renunciar às diferentes formas de prisão que se concretizam no paço escolar.

    O processo educativo, desde a Educação Infantil, deveria possibilitar mudança. Muitas vezes, as tarefas do mesmo sexo entre crianças não deixam espaço para a possibilidade que os meninos e meninas têm de experimentar brincadeiras e atividades diferenciadas das estereotipias sexuais: ser menino pressupõe atividade, firmeza, impulsividade, força, curiosidade e papeis de liderança; ser menina pressupõe passividade, docilidade, meiguice, obediência, preocupação com o bem-estar dos outros, ajuda incondicional.

    O discurso da escola é o da igualdade de direitos e deveres sociais, mas há uma prática educativa que privilegia um grupo em detrimento do outro. A escola mantém, na maioria das vezes, uma aparência de neutralidade quanto à educação de homens e mulheres e oferece o mesmo currículo expresso a ambos. No discurso oficial existe a igualdade de oportunidades. A co-educação foi uma conquista, até mesmo em colégios religiosos, mas os padrões sexistas são inconscientes para o professor e a professora. A instituição é uma engrenagem que atua na construção da subjetividade e enreda homens e mulheres em suas malhas e vai, processualmente, moldando seus pensamentos, sentimentos, percepções e ações. A escola aplica a ambos uma educação diferenciada, inculcando-lhes valores que deveriam ser ultrapassados.

    Os currículos escolares, os livros didáticos, a relação professor(a)/aluno(a) carregam, na maioria das vezes, uma visão masculina do universo. A educadora pode interferir, desde que tenha consciência do preconceito e da discriminação. A educação oficiosa, diferenciada, que inferioriza o sexo feminino, não percebe que ao inferiorizá-lo, as sociedades se privam de um enorme potencial de qualidades intelectuais humanas (Moreno, 1999).

    Se nas relações de gênero aparecem concepções de masculino e feminino internalizadas por homens e mulheres, discutir o tema com as crianças pode elucidar estereótipos, discriminações e a rigidez dos papéis. Este estudo parte da concepção de criança, não do ponto de vista do adulto, apenas como dependente dele, mas como um indivíduo capaz, produtor de cultura e portador de história. Tais considerações revelaram-se importantes para pesquisar a cultura infantil, sua produção e as condições em que esta se dá. Ao pensar a criança e a produção da cultura infantil, encontrei na brincadeira uma das suas múltiplas formas de expressão: a forma como a criança se manifesta culturalmente. A brincadeira apresentou-se como um meio para conhecer e observar a criança mais de perto, um momento em que a riqueza das relações favorece a produção da cultura infantil. Porém o estudo se defrontou com as dificuldades em trabalhar com as questões de gênero na infância, o que se traduz na carência de pesquisas sobre o tema. Tal escassez é ainda maior na área da educação de crianças de 0 a 6 anos, onde pesquisas que articulam gênero, relações entre crianças e práticas educacionais são raras.

    Faria (2002) aponta que a questão de gênero na pesquisa educacional ainda é um tema pouco explorado. De acordo com a autora, as inúmeras pesquisas que tratam das relações de gênero não costumam abordar as especificidades das diferentes idades e fases da vida, principalmente aquelas que dizem respeito às crianças. Por outro lado, as investigações que privilegiam as diferenças etárias, e a infância em particular, raras vezes fazem análises de gênero. Alguns trabalhos já realizados sobre as relações de gênero e crianças como Guareschi (1994), confirmam que meninos e meninas demonstram comportamentos, preferências, competências, atributos de personalidade mais apropriados para o seu sexo, seguindo, desde bem pequenos, as normas e padrões estabelecidos. Discuto as formas de brincadeiras de meninos e meninas, buscando questionar o fato "natural" de que ambos possuem papéis e comportamentos pré-determinados.

    O conceito de gênero se apresentou como uma importante categoria de análise das brincadeiras. Segundo Scott (1995), gênero é um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, que fornece um meio de decodificar o significado e de compreender as complexas conexões entre as várias formas de interação humana. É a construção social que uma dada cultura estabelece ou elege em relação a homens e mulheres. O conceito de gênero implica conhecer, saber mais sobre as diferenças sexuais e seus significa dos. Compreender como são produzidas, pelas culturas e sociedades, as diferenças nas relações entre homens e mulheres. Portanto, como nos diz Scott (1995), gênero pode ser entendido como a organização social da diferença sexual. Ao utilizar o gênero como categoria de análise para observar as diferentes formas de brincadeiras dos meninos e meninas, procurei abordar questões relativas às práticas educativas das professoras e, sobretudo, fazer relação com o que as crianças constroem entre elas, reproduzindo ou transgredindo as regras impostas pelo adulto.

    Atualmente, podemos destacar expressivo crescimento de estudos sobre gênero na população acadêmica de diferentes áreas. O número de teses defendidas, assim como cursos, seminários, encontros, colóquios, mostra o amadurecimento dessa área de estudos; o expressivo crescimento da produção acadêmica aponta para a legitimação do campo. As pesquisas sobre gênero e educação mostram que as instituições escolares, através de regimentos, organização dos espaços e da distribuição do tempo, constituem importantes espaços para a formação de crianças e jovens.

    "As crianças aprendem o sexismo na escola ao se defrontar com a hierarquia do sistema escolar, onde os papéis feminino e masculino estão determinados". (Gallardo, 1999, p.25).

Considerações finais

    Podemos iniciar a discussão sobre as relações de gênero reconhecendo que a escola não está neutra: ela participa sutilmente da construção da identidade de gênero e de forma desigual. E essa construção inicia-se desde as primeiras relações da criança no ambiente coletivo da educação infantil.

    Discutir as questões de gênero na educação significa refletir sobre relações das práticas educacionais cotidianas, desconstruindo e redescobrindo significados. Significa questionar conceitos pré-concebidos, determinações que sutilmente permeiam nossas práticas. Discutir as relações de gênero é, antes de tudo, remexer e atribuir novos significados à nossa própria história.

    Relacionar gênero e infância permite que possamos enxergar as múltiplas formas de ser menino e de ser menina que as categorizações não nos deixam ver. Assim estaremos dando a esses meninos e meninas a possibilidade de serem eles mesmos e percorrerem novos caminhos, vivendo a infância com sua inteireza, em sua plenitude.

    A pesquisa, nos leva a considerar que as brincadeiras – que parecem ter só um caráter prazeroso – têm também uma produção dos sujeitos disciplinados por viverem dentro de um contexto social e histórico onde assumem um jeito de ser menino e um jeito de ser menina, enquadrados nos padrões que sua sociedade considera como normais. Nesse contexto cultural, a criança produz e é produzida através das brincadeiras.

    Mas se, por um lado, o gênero é identificado nos discursos e nas ações observadas na escola, dentro do espaço escolar o gênero também se constitui o “silêncio”. Isso porque não há uma problematização nesse sentido por parte de professores e alunos/as. A diferença se constrói como uma lógica estabelecida a priori, a partir da qual ou através da qual as crianças aprendem a justificar a segregação.

    Concluindo, vale dizer que o tema é instigante. Nesta pesquisa, algumas escolhas foram realizadas, possivelmente inúmeras outras poderiam ter sido feitas – outros caminhos que teriam levado a um trabalho de outras características. Apesar disso, realizei essas escolhas. Não tenho certeza se foram as melhores, mas mantenho a intenção de não finalizar, e começar novamente.

Referências

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