Processos constitutivos e características das ações na Educação Física escolar: uma proposta baseada na Filosofia da Ação Procesos constitutivos y
características de las acciones en la Educación Física |
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Licenciado em Educação Física pela Universidade Nove de Julho – UNINOVE Especializando em Psicomotricidade pelas Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU (Brasil) |
Oriel de Oliveira e Silva |
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Resumo Este artigo é resultado de leituras, releituras e reflexões concernentes aos tipos de ação presentes na Educação Física escolar. Na Filosofia da Ação, uma das disciplinas da Filosofia, existem duas teses que procuram dar conta de questões como “em que consiste uma ação?” e “como se explica uma ação?”. Estas proposições são a causalista e a volicionista. De acordo com a primeira delas, a ação é o fenômeno material que se concretiza no mundo físico conseqüente da intenção que se constituiu previamente no plano intelectual. Conforme a segunda delas, a ação é fenômeno volitivo que se dá na medida em que existe o desejo de agir. Assim, os causalistas compreendem a ação como fenômeno obrigatoriamente concreto, objetivo, visível, ao passo que os volicionistas entendem a ação como fenômeno simplesmente mental, subjetivo. Referenciando-se nessas proposições, ao considerar as ações e fatos comuns na Educação Física escolar, este artigo apresenta uma proposta de características das ações no âmbito da Educação Física escolar, analisando seus processos constitutivos. Conclui-se que, em princípio, no contexto da Educação Física escolar, suscitam ações que são imprevisíveis, comunicativas, ocultas, racionais ou reativas. Unitermos: Ação. Filosofia da Ação. Educação Física escolar.
Resumen Este artículo es resultado de lecturas, relecturas y reflexiones concernientes a los géneros de acción presente en la Educación Física escolar. En la Filosofía de la Acción, una de las disciplinas de la Filosofía, existen dos tesis que buscan contestar cuestiones como “¿en qué consiste una acción?” y ¿cómo se explica una acción? Estas proposiciones son la causalista y la voluntarista. Según la primera de ellas, la acción es el fenómeno material que se concretiza en el mundo físico como consecuencia de la intención que se constituyó previamente a nivel intelectual. De acuerdo con la segunda de ellas, la acción es fenómeno volitivo que sucede cuando hay el deseo de accionar. Así, los causalistas comprenden que la acción como fenómeno obligatoriamente concreto, objetivo, visible, mientras que los voluntaristas entienden la acción como fenómeno simplemente mental, subjetivo. Basándose en estas proposiciones, al considerar las acciones y los hechos habituales en la Educación Física escolar, este artículo presenta una propuesta de características de las acciones en el ámbito de la Educación Física en la escuela, analizando sus procesos constitutivos. Se concluye que, en tesis, en el contexto de la Educación Física escolar, emergen acciones que son imprevisibles, comunicativas, ocultas, racionales o reactivas. Palabras clave: Acción. Filosofía de la Acción. Educación Física escolar.
Recepção: 05/05/2015 - Aceitação: 02/06/2015
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 20 - Nº 205 - Junio de 2015. http://www.efdeportes.com/ |
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Segundo aquele autor, si se descreve o que os animais e as pessoas fazem, sem se saber das suas razões subjectivas para o fazer, nós estamos a falar acerca do comportamento. Si se estudam os aspectos subjectivos do que se fez, as razões e as idéias subjacentes e orientadoras da acção, então estamos a falar de significação. Si se está a estudar o que as pessoas fizeram (ou não fizeram), bem como as razões para o fazerem (ou não fazerem), quando as relacionam com o mundo da significação e da compreensão, então estamos a falar de acção. (Vitor da Fonseca)
1. Primeiras palavras
Este artigo nasce como produto de leituras e releituras de “Filosofia da acção” (Cadilha; Miguens, 2013), dos questionamentos conseqüentes delas e de reflexões a respeito de fatos comuns nas aulas de Educação Física escolar.
A ação é um dos elementos centrais da Educação Física na escola, quando esta se baseia na concepção Psicomotora ou na proposta Desenvolvimentista, e, por isso, discutir Filosofia da Ação relacionando-a com a Educação Física é não só pertinente, mas também necessário. Afinal de contas, reitera-se, a Filosofia da Ação reflete acerca do aspecto que mais interessa à Educação Física na escola: a ação.
Destarte, ancorado nos principais postulados dessa disciplina filosófica, este artigo pretende fazer algumas reflexões em torno das seguintes questões: o que é uma ação? Como ela se materializa? Ou qual é o processo a que uma ação se submete para se materializar? Existe ação sem um estímulo do ambiente? As ações são voluntárias? São conscientes? Existe ação sem sentido expressivo? E, respondendo, a essas perguntas, apresentar, pautando-se na Filosofia da Ação, uma proposta inicial de características e processos constitutivos das ações no âmbito da Educação Física escolar.
2. Preparando a reflexão: a filosofia da ação, suas indagações e suas propostas
As duas questões centrais da Filosofia da Ação são: “em que consiste uma ação?” e “como se explica uma ação?” (Cadilha; Miguens, 2013). Como possíveis respostas para estes “problemas”, surgem duas teses: a dos causalistas, que tem, como um dos representantes principais, Donald Davidson, e a dos volicionistas, que tem Hugh McCann como um dos principais nomes.
Antes de iniciar a explicação das duas teses, cabe fazer algumas considerações no que tange à noção de ação. De acordo com Cadilha e Miguens (2013), existe uma dificuldade em conceituá-la. Baseando-se numa lógica de senso comum, pode-se dizer que uma ação é um fenômeno que difere de um acontecimento. Nessa perspectiva mais ordinária, a ação é um fato que provoca um acontecimento. Por exemplo: alguém que chuta uma bola está executando uma ação e, ao fazer esta ação, provoca um acontecimento: a bola rola.
Porém, esta conceituação de ação pautada na diferenciação de ação e de acontecimento não pareceu ser suficiente para convencer e quietar os estudiosos em Filosofia da Ação. Desse modo, Donald Davidson propôs que uma ação é um fenômeno que se dá racional e intencionalmente.
Segundo o entendimento de senso comum, ação é tudo o que não se encaixa em acontecimento. Ou seja, ação seria, grosso modo, tudo o que gera, voluntária ou involuntariamente (não importa a intencionalidade), um acontecimento. De acordo com essa concepção, portanto, premir, acidentalmente, o gatilho de uma arma, acertando outra pessoa, é tão ação quanto disparar, intencionalmente, contra alguém, com o fim de assassinar essa pessoa: é ação simplesmente porque, mesmo que sem desejar, o indivíduo agiu causando algum acontecimento.
Ora, ao compreender que a ação é tudo o que provoca um ou mais acontecimentos, constitui-se uma definição limitada e confusa do que é ação. Cadilha e Miguens (2013) consideram que: “[...] parece que a diferença terá que se situar ao nível do que se passa no ‘interior’ do agente. É neste ponto que convocamos coisas como intenções ou razões” (Cadilha; Miguens, 2013: 359).
É nesse sentido que, em oposição à compreensão simplista de senso comum, Davidson argumenta que a ação é um ato que nasce da fórmula “crença+desejo+intenção”. Isto é, de acordo com Davidson e os demais causalistas, a ação é, necessariamente, resultado de uma crença relevante, que, associada a um desejo, suscita uma intenção, que mais tarde, materializa-se em ação.
Cadilha e Miguens (2013) explicam que:
[...] Racionalizar uma acção é dar razão do agente para ter levado a cabo aquela acção, tornando assim inteligível enquanto ação aquilo que acontece. Para tal, é sempre necessário atribuir a um agente uma intenção, e para falarmos de intenção precisamos (de pelo menos) um desejo e (pelo menos) uma crença relevante. Acções são acontecimentos intencionais – o que distingue uma acção de um mero acontecimento é o facto de a acção poder ser descrita de um ponto de vista mentalista [...]” (Cadilha; Miguens, 2013: 359).
As autoras continuam expondo que:
[...] Para considerarmos algo que acontece como tratando-se de uma acção temos de ser capazes de atribuir intencionalidade ao indivíduo que a realizou e para isso tem que existir pelo menos uma descrição da acção sob a qual detectemos crenças e desejos relevantes que possam ter constituído a razão primária da acção (Cadilha; Miguens, 2013: 359-360).
A corrente causalista, portanto, compreende que, antes de tornar-se concreta no mundo físico, uma ação é racionalizada no plano das idéias. Isto significa que os causalistas se baseiam num entendimento cartesiano do ser humano, segundo o qual mente e corpo são substâncias distintas e o primeiro é sempre supremo em relação ao segundo. Esta suposta “superioridade” da mente se evidencia, na medida em que se considera que a razão concebe uma ação e dá comandos ao sistema neuromotor, para que este transforme em ação o que a razão pensou previamente.
Também cartesiana, surge a corrente volicionista, segundo a qual a ação é racionalizada no plano das idéias, a partir do desejo. Mas a diferença fundamental da tese volicionista em comparação com a proposição causalista é a premissa de que a ação não se materializa no plano físico. Quer dizer, a ação existe apenas abstratamente, nunca concretamente. Desejar algo é suficiente para que a ação se constitua: não há necessidade de chutar uma bola, para que a ação exista; basta querer chutar uma bola.
Claramente, os volicionistas compartilham, com os causalistas, o entendimento de que há um evento físico e um evento mental. A diferença central dos posicionamentos de uma e outra tese é a concepção de que, para os primeiros, existe um evento racional (a concepção da ação) que precede o evento físico (a ação propriamente dita materializada), ao passo que, para os segundos, só existe um evento mental (o desejo, a vontade de fazer algo).
A este respeito, Cadilha e Miguens (2013: 361) colocam que “[...] Agir é sobretudo querer agir, isto é, querer que algo aconteça: a acção não está nos acontecimentos, mas no facto de os produzir”. E, continuando a explicação da teoria volicionista, dizem:
[...] A acção reside no querer agir; se depois daí se segue o movimento físico ou não é algo que já não depende de nós, mas do mundo. Neste caso, dependerá de o meu sistema motor estar apto a funcionar, e também das condições climatéricas se manterem, etc. Mas o movimento físico será sempre o efeito de uma acção – o querer, o acto volitivo em causa – e nunca a própria acção. [...] (Cadilha; Miguens, 2013: 361-362).
3. Ação no âmbito da Educação Física escolar: reflexões e proposições
As aulas de Educação Física escolar baseadas nas propostas Desenvolvimentista e Psicomotora têm como aspecto fundamental a ação. As atividades que os alunos realizam no contexto da disciplina dão luz a ações motoras diversas em situações de imprevisibilidade, na medida em que, nos jogos, por exemplo, não existe nenhuma certeza de como o outro vai agir ou reagir perante a um sujeito, ou como este vai reagir em relação àquele, embora se preveja que algo vai acontecer, mesmo que nada aconteça (ora, ao nada acontecer, eis, já, um acontecimento). Portanto, pode-se identificar uma primeira característica: os acontecimentos são previsíveis e as ações, imprevisíveis.
As ações presentes na Educação Física também são comunicativas, no sentido em que, a todo instante, está subjacente alguma comunicação, consciente ou inconsciente, seja com o fim de expressar alguma intencionalidade para outrem, seja na emissão de sinais corporais que indicam de que forma o sujeito vai agir. Por exemplo: num jogo de “Queimada”, quando um aluno está com a bola e pretende “queimar” o outro, antes de jogar para acertar seu alvo, ele olha, ajusta seu corpo voltando-se para o escopo, e só depois realiza (ou não) a ação. Em toda a preparação que precede a ação, a comunicação está presente. É claro que, neste caso, embora esteja comunicado, é impossível ter certeza de que a ação comunicada vai se materializar, porque, como já dito, as ações são imprevisíveis.
Baseando-se na posição volicionista, as ações na Educação Física escolar são também ocultas, no sentido em que o aluno pode querer fazer algo, mas não necessariamente externalizar ou materializar seu desejo. Por exemplo: o sujeito pode sentir vontade de “dar uma bicicleta” (mesmo que seu aparelho locomotor, seu desenvolvimento motor, as condições ambientais, ou qualquer outro impedimento, não lhe permitam fazê-lo).
Já se partir-se da tese causalista, as ações nas aulas de Educação Física são, além de imprevisíveis e comunicativas, racionais, na medida em que só existem porque foram anterior e conscientemente elaboradas. Pode-se dizer ainda que, se uma ação é comunicativa e racional, ela os é porque existe um ambiente sobre o qual ela tenta causar impacto ou ao qual pretende dar uma resposta. Ora, comunicação supõe uma relação dialética entre sujeito e ambiente/outro. Da mesma forma, a construção consciente de uma ação visa atender a determinada necessidade que é sempre nascida dentro de um contexto, no qual pode haver ou não outros sujeitos. Portanto, a ação é sempre dependente de um contexto, ou seja, ao mesmo tempo em que ela é ação, ela é reação a uma ação prévia que a originou. Um aluno que lança uma bola para o alto, por exemplo, o faz porque, de acordo com a tese causalista, teve a intenção de fazer isto, motivado pela crença de que valia a pena realizar aquela ação, seja qual fosse o motivo, ou simplesmente pela necessidade de lançar a bola para o alto. Mas o fato é que o lançamento da bola, seja porque existe a crença de que vale a pena, seja porque existe o desejo de lançar a bola, se dá porque algum estímulo do ambiente o causa. Toda ação, portanto, é reação a alguma causa ambiental.
4. Considerações conclusivas
Este artigo tratou de apresentar algumas reflexões a respeito das ações motoras no âmbito da Educação Física na escola. Baseado em questionamentos suscitados a partir de leituras e releituras do capítulo “Filosofia da Acção”, de Cadilha e Miguens (2013), e em situações vividas no cotidiano da docência da Educação Física escolar, iniciou com a apresentação das principais indagações e teses da Filosofia da Acção. Em seguida, apresentou as duas principais propostas – a causalista e a volicionista – com o fim de nortear o entendimento de como se constituem e se materializam (ou não) as ações. Tendo como referência essa primeira parte, posteriormente apresentou uma reflexão e uma proposta a respeito dos tipos de ação motora presentes na Educação Física escolar.
Concluiu-se que, ao encontrar-se em situações de imprevisibilidade, as ações são sempre imprevisíveis. Também acredita-se que, por dar-se num contexto situado, no qual há outros sujeitos e existe uma comunicação, todas as ações são comunicativas. Além disso, se fizer-se uma consideração baseada na proposta volicionista, tem-se o entendimento de que as ações podem ser ocultas. Ademais, as ações são racionais, na medida em que se constituem via razão, visando atender alguma demanda que suscita no ambiente. Justamente por este motivo, as ações são também reativas, na medida em que existem para reagir a alguma causa ambiental originária.
Bibliografia
Cadilha, Susana; Miguens, Sofia (2013). Filosofia da Acção. In: P. Galvão, (Org.). Filosofia: uma introdução por disciplinas. Lisboa: Editora 70, p. 357-384.
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