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Companhia Paulista e paternalismo.
Reflexos no futebol de Rio Claro, SP

Companhia Paulista y paternalismo. Reflexiones sobre el fútbol de Río Claro, SP

Companhia Paulista and paternalism. Reflections on the soccer of Rio Claro, SP

 

Mestrando em Mudança Social e Participação Política na Escola de Artes, Ciências e Humanidades

da Universidade de São Paulo. Membro do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas sobre Futebol
e Modalidades Lúdicas e PISE (Pesquisas Interdisciplinares em Sociologia do Esporte)

**Possui doutorado em Sociologia do Lazer pela Unicamp. Pós-doutorado em Sociologia do Esporte

pela Universidade do Porto e atualmente é Professor Associado da Escola de Artes, Ciências

e Humanidades da Universidade de São Paulo

Renan Vidal Mina*

rvidalmina@gmail.com

Marco Antonio Bettine de Almeida**

marcobettine@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O objetivo do estudo foi analisar que a Companhia Paulista, inserida no quadro paternalista do funcionamento industrial, preocupou-se em manter os ferroviários distantes dos movimentos operários de contestação. A empresa utilizou o futebol como um instrumento para alcançar tal fim e exerceu grande influência desde a origem até a profissionalização do Rio Claro Futebol Clube. Deste modo, visa-se compreender, também, que a trajetória histórica da referida agremiação manteve-se envolta por aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos mais amplos.

          Unitermos: Companhia Paulista. Paternalismo. Futebol. Rio Claro Futebol Clube.

 

Abstract

          The aim of the study was to analyze that Companhia Paulista, inserted in the paternalistic context of industrial functioning, bothered to keep the railway workers distant of the workmen movements of contestation. The company used soccer as a tool to achieve that end and has exercised a great influence from the origin to the professionalization of Rio Claro Futebol Clube. Thus, the aim is to understand, too, that the historical trajectory of that club remained surrounded by social, cultural, political and economic broader aspects.

          Keywords: Companhia Paulista. Paternalism. Soccer. Rio Claro Futebol Clube.

 

Recepção: 25/04/2015 - Aceitação: 01/06/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 20 - Nº 205 - Junio de 2015. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A proposta deste estudo é analisar a prática do paternalismo pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro e seus reflexos no contexto do futebol do interior do Estado de São Paulo, focalizando a origem e a profissionalização do Rio Claro Futebol Clube. Ressalta-se que este processo não foi espontâneo e possui laços estreitos com as transformações sociais, culturais, políticas e econômicas vivenciadas pelo Brasil e, principalmente, pela cidade de São Paulo, entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX.

    Para iniciar a compreensão desse percurso histórico, é relevante considerar que a substituição da cana-de-açúcar como cultivo principal pelo café em meados dos anos 1850 representou um importante marco para a sucessão de mudanças na cidade de Rio Claro. A marcha do café pelo Oeste Paulista vincula-se ao período em que os países europeus e os Estados Unidos deixarem de ser simples consumidores do açúcar proveniente dos trópicos e transformaram-se em produtores ao conseguir extrair o referido produto da beterraba.

    Segundo Prado Júnior (1981), se por um lado o desenvolvimento do mercado norte-americano contribuiu para a instalação de uma crise nos países que monopolizavam a produção de açúcar oriundo da cana, por outro ele foi fundamental para estimular a produção de outra commodity aqui no Brasil: o café. Os EUA, que eram grandes consumidores deste produto, deram preferência para novos produtores que fossem mais livres da dominação britânica. Favorecido por sua posição geográfica, clima e solo, não tardou para que o Brasil assumisse a posição de principal produtor internacional de café, atraindo várias atividades ligadas à exportação da commodity, como as ferrovias, por exemplo. Nesse sentido, acentua-se que o estabelecimento das linhas férreas no território nacional a partir da segunda metade do século XIX possui relações com o sistema hegemônico da época. Depois da primeira fase da industrialização britânica baseada nos têxteis chegar ao limite, os ingleses direcionaram suas atenções para um industrialismo que fosse capaz de produzir uma maior acumulação de capitais, optando, assim, pelo uso do carvão e do ferro. Com o advento da “era da construção ferroviária”, a Inglaterra priorizou a ampliação de seu mercado consumidor e passou a defender o fim da escravidão. Em 1850, a pressão surtiu efeito e efetivou-se a abolição do tráfico internacional de escravos, restando aos fazendeiros paulistas a missão de procurar novas alternativas para solucionar a “falta de braços” nos cafezais.

Companhia Paulista, industrialização e paternalismo: conexões com o futebol e o desenvolvimento do Rio Claro Futebol Clube

    A partir da construção da ferrovia São Paulo Railway, ligando Santos à Jundiaí, a cidade de São Paulo confirmou sua centralização política e econômica no Estado, sendo esta localidade uma intermediária natural entre a riqueza gerada pelo café no Oeste Paulista e o porto de Santos. Diante do cenário em tela, tornava-se necessário agilizar a circulação do café para evitar a desvalorização do produto e a diminuição do lucro, bem como suprir a carência de mão-de-obra nas lavouras. Logo, os cafeicultores mobilizaram-se e concentraram esforços no prolongamento das ferrovias pelo interior paulista e na contratação de trabalhadores imigrantes. Em geral, os estrangeiros provinham da Europa e desembarcavam no Estado de São Paulo com o intuito de se estabelecer no ambiente urbano-industrial que se formava na capital ou de servir como mão-de-obra nos cafezais do interior. Perante este quadro de expansão das linhas férreas, fazendeiros e capitalistas implementaram, em 1968, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Os trilhos da empresa chegaram a Rio Claro em 1876 e a cidade assumiu a condição de “ponta de trilho”. Em 1892 a empresa ferroviária buscou amplificar sua influência na região e instalou a sede de suas oficinas na referida localidade, tornando a cidade de Rio Claro um importante “centro ferroviário” do Estado. A cidade defrontou-se com os processos de industrialização e urbanização, e passou a atrair mais e mais “forasteiros”.

    Além das transformações sociais e econômicas, Mascarenhas (2014) enfatiza que o plano cultural de São Paulo e de outras cidades que concentraram imigrantes (especialmente os ingleses) e descendentes, foi impactado. Nos momentos de lazer, estes agentes reproduziam ao ar livre algumas práticas socioculturais que até então estavam em maior evidência na Europa, como o futebol, por exemplo. Segundo Franco Júnior (2007), estando visível à comunidade local, esta modalidade esportiva chamou a atenção dos “nativos” e foi sendo assimilada aos poucos. Mesmo assim, deve-se considerar que se não fosse a iniciativa e a insistência do jovem estudante paulista Charles Miller, talvez o futebol não tivesse adquirido tamanha magnitude no país. De acordo com Gambeta (2013, p. 8), após passar um período de estudos na Inglaterra, Miller retornou ao Brasil e desembarcou no porto de Santos, “trazendo na bagagem duas bolas de couro, uma bomba de ar para enchê-las, um par de chuteiras, duas camisas de times que ele defendera na Inglaterra e um livro de regras da association football”. Em seguida, Miller ensinou os fundamentos do futebol para seus amigos do clube da colônia inglesa, o São Paulo Athletic Club, e logo depois, estes organizaram treinos na várzea do Carmo, próximo ao Gasômetro, os quais também contaram com a presença de funcionários da São Paulo Gas Company, do London Bank e da São Paulo Railway.

    Assim como ocorrido na Inglaterra, também é possível traçar no Brasil um paralelo entre o processo de industrialização e a formação de clubes de futebol. Visando acalmar os ânimos inflamados da emergente classe operária, o empresariado fabril nacional adotou um caráter paternalista e concentrou-se na busca de instrumentos que viessem a controlá-los. O crescente interesse dos operários pelo futebol fez com que a classe empresarial visualizasse nesse esporte a presença de importantes elementos que eram comuns à organização burocrática da fábrica: ênfase na velocidade; especialização nas tarefas (habilidades); obediência às regras; submissão ao cronômetro; e trabalho em equipe.

    Em Rio Claro, a junção das ideologias dos migrantes nacionais e imigrantes europeus que se fixaram na cidade, contribuiu para a organização de um movimento operário. Diante disto, buscando evitar que os ferroviários utilizassem os momentos de lazer para aproximarem-se de qualquer movimento contestatório, a Companhia Paulista baseou-se nos princípios paternalistas e em 1896 fundou o Grêmio Recreativo dos Empregados da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Oficialmente, divulgava-se que o clube dos ferroviários tinha a finalidade de proporcionar aos associados, festivais de música, dança e arte, e difundir a prática de esportes amadores em geral. Porém, no fundo, a Companhia Paulista enxergou na criação do Grêmio a possibilidade de desenvolver mecanismos para controlar seus funcionários além dos muros da empresa. Desde o início, o estatuto do clube já deixava claro que seus associados estavam proibidos de promover e/ou participar de manifestações de caráter político ou religioso.

    Na seqüência desse período marcado pela mobilização do operariado local, observa-se no contexto esportivo de Rio Claro, o prosseguimento de eventos que de certa forma incidiram no tempo livre da população. O mais significativo ocorreu em 9 de maio de 1909, quando o professor Joaquim Arnold e os ferroviários do alto escalão da Companhia Paulista, Bento Estevam de Siqueira, Constantino Carrocine e João Lambach fundaram o Rio Claro Foot-Ball Club, cujo nome foi aportuguesado em seguida para Rio Claro Futebol Clube. Os fundadores desempenhavam profissões de prestígio na sociedade e também eram praticantes do futebol. Joaquim Arnold, por exemplo, foi campeão paulista em 1906 pelo Germânia, clube da elite de São Paulo que era composto por imigrantes alemães e descendentes.

    No começo, o Rio Claro F. C. buscava realizar amistosos contra adversários de cidades em que havia conexão por meio da ferrovia. Isto possibilitou ao Rio Claro F. C. disputar partidas contra importantes clubes da capital paulista, tais como: Sport Club Germania, Club Athletico Paulistano, Sport Club Corinthians Paulista e Palestra Itália (atual Sociedade Esportiva Palmeiras).

    Tonini (2014) acrescenta que o Rio Claro F. C. obteve alguns privilégios por ser dirigido por funcionários de confiança da Companhia Paulista. Em 29 de abril de 1914, os diretores do Rio Claro F. C. solicitaram ao Grêmio a autorização para treinarem e jogarem no campo do “clube dos ferroviários”, e a associação acatou o pedido. Os laços que foram sendo construídos com o Grêmio permitem constatar que o Rio Claro F. C. era uma espécie de extensão do “clube dos ferroviários”, sendo que a agremiação era a única da cidade que tinha passe livre da ferrovia para se deslocar até outros municípios. Os dirigentes da empresa ajudavam na compra do material esportivo e até liberavam os ferroviários de alguns de seus serviços nas oficinas para jogarem as partidas de futebol.

    Nota-se que desde muito o cedo o Rio Claro F. C. esteve permeado por questões e interesses mais complexos que surdiam conforme o desenvolvimento da sociedade. E isto se intensificou na década de 1930, quando eclodiu no país um forte momento de instabilidade política. O descontentamento com a política do café com leite (alternância de paulistas e mineiros no poder) e a situação econômica do pós-guerra foram o estopim para a ocorrência do golpe que gerou a remoção da oligarquia paulista do centro do poder. Getúlio Vargas assumiu a presidência e tentou atenuar a onda de desavenças político-sociais, inspirando-se nas perspectivas de modernização e industrialização, e no regime de regulação social denominado Welfare State (Estado de Bem-Estar Social), criado nos EUA para inibir os efeitos da crise de 1929 e da Revolução Soviética. Através deste ideário, o presidente ampliou a inserção das camadas subalternas urbanas no universo da política nacional e do futebol, transformando esta modalidade esportiva em um dos principais alicerces do processo de construção da nacionalidade brasileira.

    Visto que o futebol ganhava maiores proporções no cenário esportivo, os diretores do Rio Claro F. C. decidiram construir um estádio mais imponente para o clube. A expansão do futebol em escala nacional exigiu de nossas cidades, novos espaços, e o Rio Claro F. C. conseguiu seu moderno estádio em 1931, construído em estilo inglês por intermédio do senhor Francisco Penteado Júnior, membro de tradicional família local e presidente do clube na época. E foi justamente nos anos 30, que o Rio Claro F. C. começou a exibir os primeiros indícios de que a agremiação também estava se enquadrando no processo nacional de alargamento da base social do futebol tal como proclamado por Getúlio Vargas. Especificamente em 1937, a equipe do Rio Claro F. C. (formada só por jogadores brancos) disputou uma partida em seu estádio contra um selecionado de negros do interior paulista, cujo evento correspondia a uma homenagem ao decatleta rioclarense João Rehder Neto, até então o maior destaque do Brasil na modalidade nos X Jogos Sul Americanos de Atletismo (Figura 1).

Figura 1. Partida disputada entre o Rio Claro F. C. e a seleção de negros do interior paulista em 1937 na cidade de Rio Claro

Fonte: Arquivo pessoal de José Carlos Arnosti

    Posteriormente, evidenciado seu crescimento e aproveitando-se da emersão da década de 1940 que findou a popularização do futebol com a inauguração do estádio do Pacaembú, em São Paulo, o Rio Claro F. C. seguiu a tendência que se propagava em nosso país e se profissionalizou em 1948, comunicando sua adesão à Federação Paulista nessa categoria em 26 de janeiro do referido ano.

Considerações finais

    No decorrer do texto, procuramos demonstrar que o Rio Claro F. C. representa um exemplo concreto de um clube de futebol que se desenvolveu a partir da política paternalista da Companhia Paulista. Nesse sentido, observamos que a história do futebol na cidade de Rio Claro possui como plano de fundo uma complexa teia de interesses e relações mais abrangentes que ultrapassam o âmbito do esporte.

Bibliografia

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Lecturas: Educación Física y Deportes - ISSN 1514-3465 - © 1997-2015 Derechos reservados