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Recuperação no contexto esportivo: aspectos psicológicos

La recuperación en el contexto deportivo: los aspectos psicológicos

Recovery in the sporting context: psychological aspects

 

*Laboratório de Psicologia do Esporte

Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG

**In memoriam

(Brasil)

Gabriel Resende Quinan*

Rauno Álvaro de Paula Simola*

André Henrique de Oliveira Cordeiro*

Eduardo Macedo Penna*

Dietmar Martin Samulski* **

grquinan@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Nas últimas décadas, atletas, treinadores e cientistas do esporte têm buscado novos métodos para aprimorar a qualidade e quantidade do treinamento esportivo. Muita atenção é despendida ao treinamento e pouca investigação está relacionada aos processos de recuperação. Contudo, atletas passam a maior parte do seu tempo em períodos de recuperação do que em treinamento efetivo. Assim, a carga de treinamento e o processo de recuperação devem ser bem equilibrados. A literatura apresenta várias estratégias fisiológicas de recuperação, entretanto pouca importância é dada aos aspectos psicológicos associados à recuperação e não se encontra com freqüência estudos que associem técnicas de treinamento psicológico a recuperação. Assim, este artigo vem sugerir uma nova perspectiva, que seria a utilização de algumas estratégias e técnicas para se otimizar a recuperação no contexto psicológico, como o debriefing, o mental toughness e a autoconversa. Além de sugerir o monitoramento deste processo por meio do instrumento psicométrico RESTQ-Sport um questionário que avalia a percepção do indivíduo quanto à relação entre estresse e recuperação.

          Unitermos: Recuperação. Overtraining. RESTQ-sport.

 

Abstract

          In recent decades, athletes, coaches and sport scientists have been interested to seek new methods to enhance the quality and quantity of sports training. Thus, much attention is spent on training and little research is related to the recovery processes. However, athletes spend most of their time in recovery periods than in effective training. Thus, the training load and recovery process should be well balanced. The literature presents various physiological strategies of recovery, however little importance is given to the psychological aspects associated with the recovery and it is not commonly found studies involving psychological training techniques for recovery. Considering that, this article suggests a new perspective, that would be useful for certain strategies and techniques to optimize recovery in psychological context, as the debriefing, the mental toughness and the self talk. Moreover, this present study suggests the monitoring of this process through psychometric instrument RESTQ-Sport, a questionnaire that assesses the individual's perception regarding the relationship between stress and recovery.

          Keywords: Recovery. Overtraining. RESTQ-sport.

 

Recepção: 17/04/2015 - Aceitação: 12/05/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 20 - Nº 204 - Mayo de 2015. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Nas últimas décadas, atletas, treinadores e cientistas do esporte têm se entusiasmado em buscar novos métodos para aprimorar a qualidade e quantidade do treinamento esportivo (Kellmann, 2010). Muita atenção é despendida ao treinamento e pouca investigação está relacionada aos processos de recuperação. Contudo, atletas passam a maior parte do seu tempo em períodos de recuperação do que em treinamento efetivo (Bishop et al., 2008).

    Elevados níveis de desempenho físico exigem altas cargas de treinamento (Hynynen et al., 2006). Entretanto, a carga de treinamento e o processo de recuperação devem ser bem equilibrados, ou seja, quanto maior a carga de treinamento, mais atenção deve ser atribuída à recuperação (Budgett, 1998). Caso os processos de recuperação não compensem adequadamente as demandas fisiológicas e psicológicas impostas pela carga de treinamento e demais situações estressantes extra-treinamento, o desempenho esportivo e várias funções fisiológicas e psicológicas podem ser prejudicadas. Esse quadro é definido na literatura como overtraining (Kellmann, 2010; Hynynen et al., 2006; Costa; Samulski, 2005b; O’Toole, 1998; Lehmann; Foster; Keul, 1993).

    Várias estratégias fisiológicas de recuperação têm sido relatadas, tais como massagem (Weerapong et al., 2005; Dawson et al., 2004; Robertson et al., 2004), recuperação ativa (Barnett, 2006; Dupont et al., 2003; Toubekis et al., 2008), crioterapia (Parouty et al., 2010; Ingram et al., 2009) e eletroestimulação (Heyman et al., 2009; Barnett 2006). Além de estratégias fisiológicas, de acordo com Rieder et al. (1988), existem importantes aspectos psicológicos associados à recuperação. Contudo, menos se sabe sobre esses processos. Apesar de alguns destes serem citados na literatura (Hatzigeorgiadis et al., 2004; Hogg, 2002; Connaughton et al., 2008; Birrer e Morgan, 2010), não se encontram com freqüência estudos que associem técnicas de treinamento psicológico a recuperação.

    Assim, este artigo vem sugerir uma nova perspectiva, que seria a utilização de algumas estratégias e técnicas para se otimizar a recuperação no contexto psicológico, como o debriefing (Hogg, 2002), o mental toughness (Connaughton et al., 2008; Jones et al., 2007), a autoconversa (Hatzigeorgiadis et al., 2004; Hackfort; Schwenkmezger, 1993). Além disto, esta revisão tem como objetivo sugerir o monitoramento deste processo por meio do instrumento psicométrico RESTQ-Sport (Costa; Samulski, 2005a; Kellman et al., 2009) um questionário que avalia a percepção do indivíduo quanto à relação entre estresse e recuperação.

Estresse

    O estresse pode ser entendido como um estado de desestabilização psicológica e/ou fisiológica ou uma perturbação do equilíbrio entre a pessoa e o meio ambiente (SELYE, 1981; Samulski et al., 2009). Devido a essa interação entre pessoa e meio ambiente, para uma análise mais detalhada do processo de origem e gerenciamento do estresse, é necessário analisar esse fenômeno de maneira tridimensional. Isto é, aspectos biológicos, psíquicos e sociais devem ser considerados (Nitsch, 1981).

    Aumentos da carga de treinamento, competições esportivas importantes cada vez mais freqüentes, índices de classificação cada vez mais difíceis de serem alcançados, além de pressões externas, como cobrança de patrocinadores, mudança dos padrões estéticos e vários outros, precipitam o surgimento e evolução do estresse em atletas competitivos e amadores (Costa e Samulski, 2005b).

    O estresse ainda sofre influência das condições internas e externas. Segundo Nitsch (1981), o meio ambiente (condições externas) indica a probabilidade do surgimento do estresse. Contudo, sob condições iguais (mesmo ambiente), pessoas diferentes podem reagir de formas diferentes, assim como em condições distintas, diferentes indivíduos podem apresentar o mesmo tipo de comportamento. Isto está relacionado ao processo de avaliação subjetiva de cada indivíduo em relação à situação a ser enfrentada (condições internas).

    Samulski et al. (2009) relatam que a ação humana seria resultante de um processo consciente, intencional, dinâmico, motivado, dirigido a uma meta, regulado e direcionado psiquicamente bem como realizado por meio de diferentes formas de comportamento em um determinado contexto.

    Samulski (2009) descreve que as interações são constantes entre pessoa, a tarefa e o meio ambiente e que a avaliação através da percepção subjetiva do indivíduo sobre os acontecimentos pode causar benefícios, como a melhora do desempenho no âmbito esportivo ou malefícios de cunho biológico, psicológico e social como as conseqüências negativas do estresse.

Recuperação

    Geralmente a recuperação é definida apenas como um processo de compensação de déficit orgânico gerado pela atividade realizada anteriormente (Kellmann et al., 2009; Kellmann e Kallus, 2001).

    Contudo, segundo Kellmann (2010), Kellmann et al. (2009), Kellmann e Kallus (2001) a recuperação é um processo mais complexo, baseado nas seguintes características:

    Baseado nas características acima, Kellmann e Kallus (2001) definiram recuperação como um processo intra e interindividual de vários níveis (psicológico, fisiológico e social), que ocorre ao longo do tempo com o objetivo de restabelecer a capacidade funcional. A recuperação ainda inclui um componente orientado à própria ação (recuperação pró-ativa). Assim, o sujeito deveria se conscientizar da importância das suas ações e por isso, fazer parte de forma ativa e sistemática do planejamento e da execução de suas atividades de recuperação. Desta forma, é possível otimizar as situações cotidianas para criar e restabelecer suas reservas energéticas.

    Ainda conforme o que foi citado percebe-se que a recuperação, assim como o estresse, depende de interações entre a pessoa, tarefa e ambiente (social, esportivo e familiar), o que significa que podemos entendê-la por meio da Teoria da Ação (Samulski, 2009).

Estratégias psicológicas de otimização da recuperação

    Investigações acerca da eficiência de estratégias psicológicas de otimização da recuperação são escassas quando comparadas às medidas fisiológicas.

    Na presente revisão, são propostas algumas estratégias de recuperação, baseadas em técnicas psicológicas, já utilizadas em outras perspectivas (Hatzigeorgiadis et al., 2004; Hogg, 2002; Connaughton et al., 2008; Birrer e Morgan, 2010).

Autoconversa

    A autoconversa pode ser entendida de acordo com Hackfort e Schwenkmezger, (1993), como um diálogo interno, no qual os indivíduos interpretam sentimentos e percepções, regulam e alteram avaliações e convicções, bem como fornecem para si mesmos instruções e reforço. Dessa forma, a autoconversa poderia ser utilizada durante a recuperação imediata, na qual, de acordo com a interpretação e percepção do movimento, o indivíduo faz ajustes de forma a realizar o movimento seguinte buscando um melhor desempenho (ex. durante a fase não propulsiva da braçada de um nadador no nado crawl, o individuo utilizaria a autoconversa com o objetivo de melhorar a eficiência da braçada). Hatzigeorgiadis et al. (2004), encontraram uma melhora de precisão e força em jogadores de pólo aquático que utilizaram a autoconversa para instrução e motivação durante a execução da atividade.

Debriefing

    Segundo Hogg (2002), muitos técnicos e atletas consideram o debriefing parte fundamental do desempenho e essencial para a recuperação. Tal processo é considerado crítico pelo autor para a recuperação mental e emocional. Segundo o mesmo autor, o debriefing seria uma avaliação do desempenho, na qual se faz uma análise das informações responsáveis pelo evento. Assim, caso o indivíduo não realize uma auto-reflexão sincera sobre seus sentimentos e pensamentos perturbadores, aumentam as probabilidades de uma recuperação incompleta.

    A importância do debriefing está não somente na avaliação do resultado do evento, mas também no auxílio que o mesmo pode proporcionar, ao identificar as deficiências e ao enfatizar os pontos fortes no processo de planejamento de um novo evento (Fourie, 2010).

    A recuperação, no sentido mental, implica em um rápido e eficiente retorno aos estados psicológicos e emocionais normais após um treino intenso ou competição (Hogg, 2002). Um feedback positivo e construtivo é vital para a completa recuperação física e mental. A avaliação do feedback no aspecto de preparação mental minora frustrações e fornece aos atletas novas motivações intrínsecas. Técnicos são excessivamente preocupados com resultados negativos e acabam impondo sentimentos de culpa. Nessas situações, a recuperação estará comprometida. Ao utilizar ambas as fontes de feedback, interno (individuo) e externo (treinador), o debriefing aprimora a recuperação mental proporcionando ao atleta os sentimentos de excitação, re-energização e renovação (Hogg, 2002). Esta técnica poderia ser utilizada na recuperação de curto prazo, entre sessões de treinamento e competições, no tapering e na fase de transição.

Mental toughness

    Mental toughness é um dos termos mais utilizados, porém um dos menos entendidos na psicologia do esporte (Jones et al., 2002). Segundo Jones et al. (2007) esse construto é definido como nato ou desenvolvido, no qual os indivíduos são mais fortes mentalmente e lidam com as demandas do treinamento e competição melhor que seus adversários. Esses indivíduos especificamente são superiores e mais consistentes que seus adversários em permanecerem focados, determinados, confiantes e possuem maior controle sob situações de pressão (Connaughton et al., 2008). Connaughton et al., (2008) relatam ainda que tais indivíduos apresentam um desejo e motivação para o sucesso insaciável e internalizada. Além disso, contam com uma rede de suporte que inclui pessoas ligadas ou não ao esporte e utilizam habilidades psicológicas básicas e avançadas.

    Na comunidade científica e entre treinadores, o mental toughness é reconhecido como um dos atributos mais importantes para alcançar a excelência do desempenho (Gucciardi et al., 2008). Uma característica importante do mental toughness seria quanto ao poder de recuperação. O seu uso seria útil para reverter uma situação de adversidade (ex. quando o indivíduo se encontra em uma situação desfavorável, desgastado por problemas de lesões, não escalação e demais dificuldades no contexto esportivo). Esta característica auxiliaria na manutenção ou restabelecimento da autoconfiança, auto-motivação, atitudes positivas e treinos de qualidade (Coulter et al., 2010).

Monitoramento do processo de recuperação

    Variáveis bioquímicas e fisiológicas como cortisol, testosterona, economia de corrida, limiar anaeróbio, entre outras, têm sido utilizadas no monitoramento do processo de recuperação (Bresciani et al., 2011; Coutts et al., 2007; Maestu et al., 2006). Entretanto, poucas variáveis são capazes de avaliar o processo de recuperação de uma forma pratica e considerando toda sua complexidade.

Questionário de estresse e recuperação para atletas (RESTQ-Sport)

    A percepção de estresse e recuperação indica a extensão na qual o indivíduo está estressado física e/ou mentalmente, assim como, se seria capaz de utilizar suas estratégias individuais para recuperação, além de quais destas estratégias poderiam ser utilizadas (Kelmmann e Günther, 2000). O questionário RESTQ-Sport avalia a ocorrência de eventos potencialmente estressantes e tranqüilizantes, além de suas conseqüências subjetivas nos últimos três dias/noites (Kelmmann e Günther, 2000). Para Kenttä e Hassmén (1998) o RESTQ-Sport é um dos poucos instrumentos psicométricos que se propõe a avaliar as complexidades dos processos de estresse e recuperação. Além disso, ele tem sido utilizado em várias pesquisas sobre monitoramento do overtraining e respostas psicofisiológicas a diferentes cargas de treinamento (Kellmann, 2010, Kellmann et al., 2009, Coutts et al., 2007; Simola et al., 2011; Simola et al., 2007)

    Alves (2005) constatou que ao longo do treinamento de nadadores infanto-juvenis, com a aproximação de uma competição, as escalas Estresse Emocional e Recuperação Física se alteraram. Foi observado também redução nas escalas Fadiga e Auto-Regulação após a competição, em relação à semana que antecedia a competição. Isso significa que as pressões do treinamento e competição foram reduzidas após a competição.

    Simola (2008) analisou a percepção de estresse e recuperação, bem como o comportamento de algumas variáveis fisiológicas de nadadores finalistas de competições nacionais em três momentos distintos de uma temporada esportiva. Foram observadas reduções significativas nas escalas Fadiga e Falta de Energia na fase tapering em relação à fase inicial da pesquisa. Além disso, reduções significativas foram observadas nas escalas Fadiga, Falta de Energia e Perturbações nos Intervalos quando comparadas as fases tapering e a fase de altas cargas de treino. Entretanto, a melhora do estado de estresse e recuperação não foi acompanhada por determinadas alterações fisiológicas.

Considerações finais e perspectivas futuras

    Técnicas psicológicas como a autoconversa, debriefing e mental toughness devem ser utilizadas no contexto da recuperação psicológica.

    Sugerimos a sistematização de programas de recuperação psicológica baseados nas técnicas supracitadas O monitoramento desses programas por meio de instrumentos psicométricos, como o RESTQ-Sport, é de fundamental importância na tentativa de entender e promover uma recuperação adequada.

Bibliografia

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