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O tecido aéreo no Circo do SESC São Carlos:
compartilhando aprendizagens

Tela acrobática en el Circo del SESC Sao Carlos: compartir el aprendizaje

Aerial silk in Circus of SESC Sao Carlos: sharing learning

 

*Licenciatura em Educação Física pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Mestranda em Educação (UFSCar)

Membro do NEPEFI (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Física Infantil - CNPq)

**Licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista (UNESP - Rio Claro)

Mestrado em Ciências da Motricidade – área de Pedagogia

da Motricidade Humana (UNESP - Rio Claro). Doutorado em Educação Escolar (UNESP - Araraquara)

Docente do Departamento de Educação Física e Motricidade Humana

da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos

Coordenador do NEPEFI (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Educação Física Infantil - CNPq)

Gabriela Dias Sartori*

bisartori@hotmail.com

Fernando Donizete Alves**

alves.sommer@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente artigo tem como objetivo estudar e identificar quais as contribuições do tecido aéreo nas práticas de Circo no SESC de São Carlos. A coleta de dados foi feita a partir de notas de campo registradas no diário de campo das inserções, que foram realizadas por meio da observação participante no espaço do Circo no SESC. Os sujeitos da pesquisa foram o grupo que compartilhava o tecido, com oito pessoas, duas crianças de dez e doze anos e seis adultos. Os resultados permitem concluir que o momento com o tecido se caracteriza como uma prática social e que por meio dessa, processos educativos são construídos, se revelando uma prática humanizadora.

          Unitermos: Circo. Tecido aéreo. Processos educativos.

 

Abstract

          This paper aims to study and identify what are the contributions of the aerial silk practices at SESC Circus, at São Carlos city. The field notes were taken in the ambient of SESC Circus through participant observation of the researcher, and the data was organized in a field diary. Eight individual (two children with ten and twelve years-old, and six adults) form the group of the investigation participants that shared the aerial silk. The results allows to conclude that this moment is characterized as a social practice in which educational processes are build, revealing itself a humanizing practice.

          Keywords: Circus. Aerial silk. Educative processes.

 

Recepção: 23/04/2015 - Aceitação: 21/05/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 20 - Nº 204 - Mayo de 2015. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo (Freire, 1987, p.39).

    Este artigo refere-se a um estudo realizado a partir da inserção em campo com observações participantes em um grupo de atividades circences no SESC de São Carlos, com pessoas de diferentes idades, totalizando sete participantes, dentre elas duas crianças acompanhadas de suas mães.

    Estabeleceu-se como pergunta de pesquisa: Que processos educativos permeiam a vivência de atividades circenses, particularmente o Tecido Aéreo? O objetivo deste estudo foi identificar processos educativos construídos na prática social do circo, especificamente no tecido aéreo. Este estudo realizou-se a partir de observações participantes, anotações em notas de campo, diários de campo e foto dos espaços.

    O SESC é um lugar onde são desenvolvidas diversas atividades nas áreas de Educação, Saúde, Cultura e Lazer. É uma entidade que objetiva proporcionar o bem-estar e qualidade de vida do comerciário, de sua família e da sociedade. Oferece diversos programas relacionados à: saúde, educação ambiental, turismo social, programas especiais para crianças e terceira idade. O acesso a unidade é livre, todos podem entrar, conhecer os espaços e inclusive participar de atividades que são oferecidas à comunidade. Algumas são específicas para associados e outras são para todos. Quando dizemos “todos” queremos ressaltar que o SESC oferece programações para todas as idades. É possível encontras unidades em todos os estados brasileiros.

    O lugar da pesquisa é nomeado na programação do SESC por Circo. É um espaço para a prática de modalidades circences como acrobacias de solo, malabares, perna de pau, tecido aéreo, trapézio, monociclo e outras. As atividades são voltadas para o público de 13 à 29 anos e conta com a ajuda e orientação de instrutores/professores do SESC.

    As atividades do Circo ocorrem na entrada do ginásio. É um espaço aberto, onde temos contato visual com a rua, com os carros, partes verdes e com o céu. Entrando no ginásio está o tecido aéreo, que fica entre as duas escadas/arquibancadas. Algumas vezes, quando necessário a vivência pode acontecer em uma metade do ginásio, se esse não estiver sendo utilizado ou também em um espaço chamado de galpão.

    Compreendemos a atividade Circo oferecida pelo SESC como uma prática social em que as pessoas se reúnem intencionalmente para vivenciar diferentes modalidades circenses como é o caso do Tecido Aéreo. Segundo Oliveira et al (2014, p.33), “práticas sociais decorrem de e geram interações entre os indivíduos e entre eles e os ambientes, natural, social, cultural em que vivem.”

    No ambiente deste estudo se encontram diferentes pessoas, portanto diferentes subjetividades que compartilham do espaço-tempo e da intencionalidade em torno do circo. Nesse coletivo, pensam, refletem, discutem, se movem, buscam reconhecimento, respeito, valorizações das culturas, repassam conhecimentos, tradições, valores, enfim, ensinam e aprendem sobre o circo e sobre a vida. As práticas socias

    [...] se constroem em “relações que se estabelecem entre as pessoas, pessoas e comunidades nas quais se inserem, pessoas e grupos, grupos entre si, grupos e sociedade mais ampla, num contexto histórico [..] e dessa forma nos encaminham para a criação de nossas identidades (Oliveira et al, 2014, p.33).

    Ao me encontrar com o espaço, com as pessoas e com os materiais conheci um pouco de cada parte que constrói aquele espaço; o conversar, olhar, me colocar como próxima e interessada foram as formas que me coloquei e me apresentei ao espaço. Segundo Bosi (2000) é preciso refletir sobre como iremos construir nossa relação com as pessoas que farão parte da nossa pesquisa. Nossa aproximação precisa ser com calma, compreensão e respeito, pois cada pessoa pode apresentar seu tempo de pensar, falar, se expressar, calar e entender.

    Nessa prática social (Circo), optamos por observar o momento em que as pessoas usam o tecido aéreo. Ele tem esse nome porque é um longo tecido que fica preso a um ponto fixo no teto do ginásio. As pessoas tentam subir; algumas conseguem, fazem movimentos no tecido aéreo com níveis de dificuldades diferentes, variando de pessoa para pessoa; contam com a ajuda de quem está próximo com orientações, estimulando e auxiliando com o corpo quando precisam.

    O encontro com os objetos do Circo proporciona também um encontro com o corpo de cada um e cada uma. As pessoas que realizam as atividades circences se esforçam, no sentido de experimentar e colocar suas forças, buscam se entender e se respeitam diante o que conseguem ou não nos movimentos a serem realizados no tecido. Conhecer o corpo é conhecer uma grande parte de si, é importante se perceber fisicamente, como são, como lidam com o próprio corpo e com o corpo do outro. Segundo Stevaux e Rodrigues (2012, p.4):

    [...] observar o movimento do corpo é observar as suas relações com o mundo em sua trajetória, as vivências e experiências que o torna cúmplice de seus momentos, pois o corpo carrega sua historicidade, repleta de significados próprios para o sujeito observado. Esse movimento pode traduzir importantes informações sobre o ser, pois é uma forma de comunicar-se, de manifestar desejos, sentimentos, é a expressão não falada, não dita.

    Durante as observações e participações percebemos que foram frequêntes alguns temas; cuidados, trocas de saberes, o contato físico, respeito aos limites, o encontro com o próprio corpo e com o corpo do outro, espaços e materiais que nos aproximam. Todos os assuntos serão apresentados na parte do Desenvolvimento da pesquisa que está seguinte aos Procedimentos Metodológicos.

Procedimentos metodológicos

    A pesquisa é um ato e uma forma de pronunciar o mundo (Brandão e Streck, 2006, p.259).

    Essa pesquisa se caracteriza como uma pesquisa qualitativa, onde ocorre o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e/ou situação investigada, apresenta como características, a diversidade e a flexibilidade, não admitindo regras precisas e aplicáveis a uma ampla gama de casos (Mazzotti e Gewandsznajder, 1999). O pesquisador nesse trajeto se propoe a não restringir o campo de observações, considerando como importante todos os dados que forem apresentados.

    Foi realizada no Circo do SESC de São Carlos, lugar que é parte da programação da unidade, onde são realizadas diferentes atividades circenses, entre elas o tecido aéreo. Os encontros ocorreram aos sábados, das 10 às 12 horas, semanalmente, durante os meses de abril à junho de 2014.

    Importante ressaltar que no local havia outros grupos de pessoas compartilhando de outros materiais, como malabares, pernas de pau, trapézio, monociclo, entre outros, mas essa pesquisa delimitou-se à 8 pessoas que constituíam o grupo do tecido aéreo. O grupo era composto por uma mãe e seus dois filhos, três garotas maiores de 20 anos e dois instrutores/professores do SESC que acompanham as atividades.

    Os instrumentos utilizados a cada encontro foram: observação participante, diários de campo e algumas fotos do espaço da pesquisa. Uma vez reconhecido o grupo, buscamos aproximação e, consequente inserção, num conviver pautado na interação e na confiança (Oliveira et al, 2014). A inserção configura a tentativa de assumir o lugar de um integrante do grupo e isso, somente é possível, na medida em que o pesquisador é acolhido, mas também se dispõe acolher, com a intenção de compreender e não julgar.

    A dinâmica de aproximação e inserção no grupo de Tecido Aéreo seguiu o caminho proposto por Oliveira et al (2014, p. 40): “[...] Apresentando-se as pessoas do grupo em que se insere, apresentando a pesquisa e as questões e dando-se a conhecer. Colocando-se disponível, pedindo permissão para estar junto, participar”. Participar significou vivenciar o tecido aéreo, compartilhar das conversas, interagir, estar com, na perspectiva de compreender os processos educativos desencadeados nessa atividade desde dentro do grupo.

    A pesquisa seguiu preceitos éticos, recorrendo aos participantes e responsáveis com o termo de consentimento livre e esclarecido, assim como o uso de nomes fictícios, preservando a identidade dos sujeitos participantes.

Subir no tecido aéreo: compartilhando experiências

    A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (Larrosa Bondía, 2002, p. 24).

    O trecho acima revela a forma que nos colocamos nas inserções no Circo. Com o corpo disposto, a cabeça calma, o olhar paciente, o ouvido e os olhos abertos para a experiência, para o encontro com os outros. Colocamos em suspensão nossos saberes para abrir espaço ao que estava por vir, por sentir e conhecer.

    Fomos, aos poucos, entrando no espaço, experimentando algumas atividades e, dessa forma buscando aproximação com os participantes e elementos que fazem parte do momento do circo. Percebemos que o tecido aéreo e as atividades realizadas nele se revelaram meio para a aproximação das pessoas.

    As pessoas se esforçam, buscam se entender e se respeitam diante o que conseguem ou não no movimento a ser realizado. O corpo carrega memórias de nossas vivências, o significado dos acontecimentos, das doenças, dos cuidados, medos, alegrias, prazeres. Cada acontecimento vivido, durante a infância e também na vida adulta, “deixa no corpo sua marca profunda” (Leloup, 1998, p.15). Conhecer o corpo é conhecer uma grande parte de si, é importante se perceber fisicamente, como as pessoas que ali estão lidam com o corpo do outro.

    Pude ajudar Lara a explicar um movimento para uma menina nova no espaço, ela explicava para a menina e enrolava suas pernas enquanto eu a ajudava a se manter de cabeça para baixo, no tecido. Segurei a menina ao redor de seu abdomem e ombros. A menina que nunca tinha me visto acreditou, confiou em mim e na Lara e com facilidade realizou aquele movimento. (DC 07/06/2014)

    As inserções foram se revelando um momento de encontro e trocas com nosso próprio corpo e com o corpo das pessoas que faziam parte do espaço do circo. Concordamos com Freire (2011), quando afirma que estamos em permanente procura de si mesmo, tomando distância de si mesmo e por estarmos sendo esse ser dado a aventura e ao gosto de conhecer e dessa forma estamos sendo.

    [...] disse que estava com pouca força mais elas insistiram e disseram que me ajudariam. Então me coloquei, peguei o tecido e a Lara me deu o apoio para os pés para a primeira subida, continuou dando apoio até a metade e então meus braços e pernas começaram a doer e precisei descer. (DC 07/06/2014)

    O contato físico ocorre de forma tranquila, as pessoas que fazem parte daquele espaço entendem que o toque do outro é importante para desenvolver alguns movimentos e para entende-los. O toque se apresenta como parte do caminho: o corpo precisa sentir, precisa entender como deve estar para se organizar e aproveitar da melhor forma o movimento que estiver realizando. O toque é um gesto, uma ação, comum no espaço, todas as pessoas se mostram receptivas ao contato com o outro.

    Em alguns momentos é importante a mão do outro para dar impulso, para passar o tecido entre braços, pernas e barriga e enquanto isso alguém pode ajudar segurando as pernas, as costas ou outras partes do corpo e esse toque já faz parte daquele momento. (DC 31/05/2014)

    Diante os movimentos no tecido aéreo ocorre o contato com o corpo do outro, a ajuda física, às vezes um empurrão, uma elevação de quadril, o apoio para os pés de quem está subindo, e principalmente, as orientações verbais diante como o tecido deve ser “enrolado/passado” ao redor do corpo para diferentes posições.

    Algumas pessoas sobem e não precisam de ajuda para nada, mas todos que estão esperando também para subir observam e aconselham; dobre mais o joelho, falta passar uma volta do tecido, suba um pouco mais, e assim quem está no tecido se arruma, se coloca melhor no tecido [...]. (DC 03/05/2014)

    Todos participam com muita atenção e ajudam quem está realizando o movimento. Desde o mais habilidoso até o que está ali pela primeira vez, recebe orientações, dicas e cuidados nas práticas que estão realizando ou que irão iniciar. Por meio da convivência o grupo constrói a confiança, a vontade de fazer parte da prática, o diálogo e as trocas de saberes. Assim, convivendo, se apropriam dos saberes contruídos no grupo, diante a atividade de subir no tecido aéreo.

    No Circo do SESC as pessoas contam com a ajuda e o saber do outro, com o saber feito, saber da experiência de cada um. Cada pessoa, com suas histórias, possuem saberes que podem ser compartilhados, gerando um caminho de aprender com o outro e pelo outro. Nesse sentido, é que podemos fazer o movimento de nos deslocar de um ponto conhecido e superá-lo, ampliando nossos conhecimentos (Freire, 2011).

    Chegou ao nosso lado uma menina que estava ali pela primeira vez e então a Fernanda começou a explicar para ela sobre como era aquele espaço. Ela disse que gostava muito e que ali todos se ensinavam o que sabiam, que aquele espaço não havia um professor em específico. A reação da menina foi de muita alegria e disse; “Nossa que legal, esse espaço ser sem professor, muito legal mesmo”. (DC 24/05/2014)

    Pudemos perceber que Fernanda não identifica o Daniel e o Pedro como professores, pois considera que no espaço do Circo, todos ensinam e aprendem juntos com o que sentem vontade de conhecer, quem sabe um pouco ensina e dessa forma as pessoas vão se conhecendo, trocando saberes, se cuidando e experimentando formas de movimentos. Segundo Freire (1983,p.46):

    A educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas um encontro de sujeiros interlocutores que buscam a significação dos significados

    Esse contexto de ensino e de aprendizagem possibilitado pela experiência com o tecido aéreo nos chama a refletir como colocamos as relações de ensinar e aprender exclusivamente ao cenário escolar, esquecendo que para além da escola, muitos são os espaços que vivemos mergulhados em situações de aprendizado e de ensino, sejam eles bons ou ruins, nos formamos nas ruas, na padaria, nas praças, padarias, festas, bares, etc. Oliveira et al (2014), afirmam que ao identificar e valorizar os processos educativos em práticas sociais percebemos que os lugares e as formas de educar e educar-se são multiplas, “os sujeitos interconectam o aprendido em uma prática com outra”, assim elas se encontram e transitam entre os espaços (p.38).

    Pensar e participar em espaços como esse do Circo, onde as trocas acontecem de forma tranquila e igual, independente da idade, sexo, formação acadêmica ou profissional é parte de um processo que ao mesmo tempo é individual e coletivo. Se revela como momentos humanizadores.

    [...] a Lara me chamou e disse que me ensinaria a ficar sem os pés no chão, apoiando apenas minhas mãos e minha cabeça no chão. A minha primeira sensação foi o medo, depois a vergonha e depois a entrega. Medo de cair, vergonha de perceberem que não tenho força ou que não sou tão leve e em seguida me veio a reação de expressar e dizer tudo; “gente vou precisar da ajuda de vocês, eu não lembro quando foi a última vez que fiz isso, tenho medo de cair e mesmo porque não sou tão leve” (DC 03/05/2014)

    Ao refletir sobre sensações, medo, vontade e entrega, buscamos em Freire (2011) a ideia de que carregamos conosco a memória de muitas tramas, o corpo molhado de nossas histórias, de nossa cultura, a memória, de ruas da infância, a lembrança de algo distante, um gesto tímido, a mão que se apertou, um sorriso, uma frase. Com clareza e suavidade, percebemos que nossa história constrói nosso corpo, nosso ser humano interno e externo com os momentos.

    Quando fico olhando as pessoas no tecido, me pergunto de onde vem esse prazer de subir em um tecido? Porque fazer tamanha força para subir? Porque se enrolar e depois se desenrolar? E ao mesmo tempo sinto as respostas, o meu querer continuar e melhorar a ponto de subir sozinha e fazer os movimentos lá de cima, só aumenta, quero também sentir o gosto de me equilibrar nos enroscos que posso fazer/elaborar no tecido. Para mim o prazer esta no que ainda não domino, no que ainda me dá muito trabalho e me demanda muita força. Ver diferentes pessoas, com seus tamanhos e pesos me estimulam a querer mais, a querer também conseguir aqueles movimentos que são tão bonitos de ver. Com isso me pego refletindo, a vida também se dá dessa forma, nos enrolamos em tecidos, elaboramos, temos dificuldade e facilidades que só vivendo, tentando, se esforçando, podemos subir, descer, nos enrolar, elaborar bonitas posições, sentir o prazer dessas, poder contar com a ajuda de outras pessoas, estar próximo, ser tocado e tocar, cuidar e ser cuidado, ensinar algo e também aprender... depois descer, dar um tempo e tentar outros movimentos. É nesse movimento que vivemos, de subir, tentar, errar, descer, insistir, subir novamente e se arriscar a coseguir ou errar novamente. (DC 03/05/2014)

    O trecho é bastante reflexivo e aproxima o ato de subir no tecido com momentos e situações que vivemos, que tentamos, temos medo, arriscamos e nos colocamos novamente a tentar. Verdade que durante os processos educativos que ocorreram no tecido e ao seu redor, as conversas que ocorriam eram diversas, sobre o cotidiano, sobre a prática do tecido aéreo ou sobre outros momentos.

    [...] uma menina que estava ao meu lado e me perguntou se eu tinha ido à usina Itaipu, se eu tinha visto as Cataratas do Iguaçu, porque eu usava uma camiseta que ganhei lá, e então disse que sim, ela então começou a me contar que morou quatro anos lá e que gostava muito da cidade. (DC 26/04/2014)

    Nossas formas de ser humamo existe de maneira ampla, passamos por diferentes experiências, contextos, gostos, histórias, alegrias e tristesas, vontades e prazeres distintos, que no momento da prática social se encontram e se revelam por meio da palavra, do diálogo, do corpo, das expressões. Mostramos e manifestamos como estamos sendo no mundo e com o mundo.

Considerações finais

    Acho que uma das melhores coisas que podemos experimentar na vida, homem ou mulher, é a boniteza em nossas relações (Freire, 2011, p.89)

    Diante a pesquisa se mostrou possível reconhecer e descrever alguns dos tantos processos educativos que ocorrem durante a prática social de subir no tecido aéreo. Foram eles; os cuidados com o corpo do outro, as trocas de saberes diante o falar, olhar, escutar e fazer circence, o contato físico com o corpo do outro, a percepção do próprio corpo, o respeito e incentivo aos limites dados à ele, os espaços e materias como parte da aproximação das pessoas e as conversas relacionadas ou não ao tecido.

    Partilhando da ideia de que como seres inconclusos ‘estamos sendo’ nos encontros, nas conversas, nas facilidades e dificuldades, nas trocas de experiências, no respeito ao outro e a si, educando e nos educando no convívio com o outro. Pautando-se nas ideias de Freire (1983), convivemos com outras pessoas e também com a corporeidade que nas ações se fazem presente. Poder ter experiências em grupo e sentir como nosso corpo se coloca e vive cada situação é valioso para nosso ser no mundo e com o próprio ser.

    Para concluir, concordamos com Oliveira et al (2014) quando dizem que todas as práticas sociais geram processos educativos, que possuem potencial para humanizar e para desumanizar, dependendo do contexto e sujeitos que participam.

Bibliografia

  • Bosi, E. (2000) Sugestões para um jovem pesquisador. In:______. O tempo vivido da memória: ensaios de psicologia social (pp. 59-67). São Paulo: Atêlie.

  • Brandão, C. R., Streck, D. R. (2006). Pesquisa participante: a partilha do saber. Aparecida, SP: Idéias & Letras.

  • Freire, P. (1983). Extensão ou comunicação? 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

  • Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

  • Freire, P. (2011). Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 17ª ed. São Paulo: Paz e Terra.

  • Larrosa Bondía, J. (2002). Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, nº19, 20-28.

  • Leloup, J. Y. (1998). O corpo e seus símbolos: uma antropologia essencial. Petrópolis, RJ: Vozes.

  • Mazzoti, A. J. A.; Gewandznajder, F. (1999). O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira.

  • Oliveira, M. V.; Silva, P.B.G.; Gonçalves Junior, L.; Montrone, A.V.G.; Joly, I.Z.L. (2014). Processos Educativos em práticas sociais: reflexões teóricas e metodológicas sobre pesquisa educacional em espaços sociais. In: Oliveira, M. W.; Sousa, F. R. Processos educativos em práticas sociais: pesquisas em educação (pp. 29-46). São Carlos: EDUFSCar.

  • Stevaux, R. P. ; Rodrigues, C. (2012). Com-vivência, educação e lazer: construindo processos educativos a partir da diversidade cultural. In: Anais do VI Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade (pp. 1-11). São Cristóvão-SE.

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