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Teorizando o processo de construção do conhecimento

prático do professor... de Educação Física Escolar

Teorizando sobre el proceso de construcción del conocimiento práctico del profesor… de Educación Física Escolar

Theorizing the construction process of practical knowledge of teacher... of Physical Education School

 

Doutor em Educação (UNICAMP/UFSM)

Doutor em Ciências do Movimento Humano (UFSM)

Professor do Departamento de Metodologia do Ensino (UFSM)

Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação Física (UFSM)

Hugo Norberto Krug

hnkrug@bol.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este ensaio teve como objetivo teorizar sobre o processo de construção do conhecimento prático do professor de Educação Física Escolar. A teorização fundamentou-se no ensino reflexivo. Desta forma, a partir do referencial teórico que considera o professor como prático reflexivo, aborda-se a existência do conhecimento prático, a sua descrição, os aspectos que o influenciam e a sua organização (utilização) pelos professores. Neste sentido, os professores devem ser entendidos como sujeitos com capacidades de construir conhecimentos.

          Unitermos: Educação Física. Ensino reflexivo. Conhecimento prático.

 

Resumen

          Este ensayo pretende teorizar sobre el proceso de construcción del conocimiento práctico pedagógico de Educación Física. La teoría se basa en la enseñanza reflexiva. Así, a partir del marco teórico que considera al profesor como práctico reflexivo, se aborda la existencia del conocimiento práctico, su descripción, los aspectos que influyen en su organización (uso) por parte los profesores. En este sentido, los profesores deben ser vistos como individuos con la capacidad de construir conocimiento.

          Palabras clave: Educación Física. Enseñanza reflexiva. Conocimiento práctico.

 

Abstract

          This trial aimed to theorize about the process of building the knowledge of Physical Education teacher. The theory was based on reflective teaching. Thus, from the theoretical framework that considers the teacher as reflective practitioner, addresses the existence of practical knowledge, its description, the aspects that influence the organization and its (use) by teachers. In this sense, teachers should be seen as individuals with capacity to build knowledge.

          Keywords: Physical Education. Reflective teaching. Knowledge.

 

          Artigo publicado como capítulo livro denominado “Educação Física: Formação e Práticas Pedagógicas”, organizado por Hugo Norberto Krug, Flávio Medeiros Pereira e Mariângela da Rosa Afonso e editado pela Gráfica Universitária da UFPel em novembro de 2009

 

Recepção: 26/03/2015 - Aceitação: 28/04/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 20 - Nº 204 - Mayo de 2015. http://www.efdeportes.com/

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1.     Considerações iniciais a respeito da existência do conhecimento prático do professor... de Educação Física Escolar

    Sabemos que a prática do professor... de Educação Física Escolar abarca ações que nem sempre podem ser descritas em livros e que tampouco podem ser descritas em manuais, pois em face dos inúmeros problemas que enfrenta no seu dia-a-dia de trabalho, diante de tantas decisões que precisa tomar e para as quais o caráter de ineditismo impede que se prescreva uma receita a ser aplicada, tem-se a evidência de que existe um conhecimento que se constrói no fazer.

    Assim, vários autores (Garcia, 1992; Nóvoa, 1992; Schön, 1992; Mclaren, 1997) admitem a existência de um conhecimento prático dos professores, e que este conhecimento é um tipo de "saber fazer" que é produzido no interior da profissão, que para Lawson (1993) é denominado de conhecimento de trabalho ou conhecimento operacional. Já Betti (1996) denomina de conhecimento útil e Nóvoa (1992) de conhecimento na ação.

    Para McLaren (1997) conhecimento prático é definido como o conhecimento que auxilia os indivíduos a modelar as suas ações diárias no mundo. Assim, considerando esta definição, e em função da variabilidade do contexto, os professores constróem sua própria visão de conhecimento.

    Betti (1996) coloca que este conhecimento de trabalho é um tipo de conhecimento tácito (não se exprime por palavras, está implícito, de algum modo se deduz), que resulta do processo de socialização no interior da profissão, pois um professor aprende com outros colegas, aprende por tentativa e erro, adapta suas ações às demandas institucionais, às aspirações da comunidade, etc. Neste processo, seleciona e adapta conteúdos e estratégias de ensino, aprendidas na sua formação acadêmica e despreza outros.

    Lawson (1993) ressalta que este conhecimento de trabalho é um conhecimento heurístico (envolve um conjunto de regras e métodos que conduzem à descoberta, à invenção e à resolução de problemas), orientado segundo uma lógica interna própria.

    Convém clarificar que a ação prática do professor não é desligada de conhecimentos teóricos. Pelo contrário, é na interação entre o conhecimento teórico e o conhecimento da prática que se constrói o conhecimento de trabalho (Infante; Silva; Alarcão, 1996).

    Esta forma de abordagem do conhecimento tem sua inspiração numa corrente teórica ainda pouco conhecida no Brasil, que teve seu início com o livro "The reflective practitioner", de Donald Schön, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em 1983, e, posteriormente, com outro livro "Educating the reflective practitioner", em 1987.

    Schön (1987; 1992) argumenta que a racionalidade técnica (epistemologia da prática, herdada do positivismo) dominante nos currículos de formação de professores, cuja intenção é resolver problemas da prática através da aplicação de teorias derivadas da investigação científica, revela-se insuficiente em situações de confusão e de incerteza que os professores enfrentam no desempenho de suas atividades. Explica que num primeiro momento, os problemas parecem passíveis de serem solucionados graças à aplicação de teorias e técnicas baseadas na investigação, mas, numa segunda análise, os problemas mais complexos desafiam a solução técnica.

    Nóvoa (1992) salienta que a racionalidade técnica tende a legitimar a razão instrumental, pois os esforços de racionalização do ensino não se concretizam a partir dos conhecimentos de que os professores são portadores, mas sim através de um esforço para impor novos conhecimentos ditos científicos (aquele que é obtido pelo método científico e que pode continuamente ser submetido à prova, enriquecer-se, reformular-se ou até mesmo superar-se mediante o mesmo método). Desta forma, a lógica da racionalidade técnica opõe-se sempre ao desenvolvimento de uma práxis (visão de unidade entre atividade teórica e atividade prática) reflexiva.

    Na prática reflexiva o ensino é encarado como uma forma de investigação e experimentação, adquirindo os conhecimentos práticos dos professores uma legitimidade que lhes é negada pelo ponto de vista dominante da ciência aplicada (Zeichner, 1992).

    A teorização e as propostas de implementação do ensino reflexivo variam de autor para autor (destacam-se o Movimento de Desenvolvimento Profissional de Donald Schön e o Eixo de Desenvolvimento Profissional de Antônio Nóvoa), mas o ponto comum entre elas é a formação com base na prática da reflexão sobre o ensino. O resultado seria um professor que refletisse antes, durante e após a ação de ensinar (Schön, 1992), pois ao refletir sobre a sua prática, ao identificar e diagnosticar problemas surgidos, ao planejar intencionalmente a possibilidade de intervir em determinada situação, utilizando metodologias apropriadas, desenvolve sua profissionalidade e competência epistemológica (Xavier, 1996).

    Este modelo do ensino reflexivo investe na possibilidade de construção de um conhecimento docente onde o professor é um agente criativo, reflexivo, questionador, crítico e investigador de sua própria prática (Zeichner, 1992). Assim, este mesmo autor diz que é preciso investir nos conhecimentos práticos de que o professor é portador.

    Então, baseando-nos nestas premissas objetivamos com este ensaio teorizar sobre o processo de construção do conhecimento prático do professor... de Educação Física Escolar.

2.     A descrição do processo de construção do conhecimento prático do professor... de Educação Física Escolar

    O conhecimento prático do professor, segundo Nóvoa (1995), não existe antes de ser dito. A sua formulação depende de um esforço de explicitação e de comunicação, e é por isso que ele é reconhecido, sobretudo, através do modo como é contado aos outros.

    O autor ressalta que no campo educativo o conhecimento não pré-existe à palavra (dita ou escrita) e por isso os conhecimentos de que os professores são portadores tendem a ser desvalorizados do ponto de vista social e científico.

    Para McLaren (1997, p.203) o conhecimento prático é aquele que:

    Auxilia os indivíduos a modelar suas ações diárias no mundo. É, geralmente, adquirido através da descrição e análise histórica ou desenvolvimentalista de situações sociais, e é gerado com o objetivo de ajudar os indivíduos a entenderem eventos sociais que são contínuos e situacionais. Este tipo de conhecimento, geralmente, não é produzido numericamente ou através de submissão de dados a algum tipo de instrumento estatístico.

    Desta forma, o processo de construção dos conhecimentos práticos do professor é obra de um pensamento ativo, que se desloca do imediato a um conceito, isto é, da prática espontânea à prática reflexiva, da experiência sensível à ação racional, exigindo um nível de abstração que tem como base o concreto.

    Assim, os conhecimentos práticos do professor são sempre um reflexo da realidade objetiva, mas, também, sempre são um reflexo de natureza subjetiva, pois operam em determinados professores, cujas características individuais determinam o seu caráter; além disso, realizam-se sempre em uma dada linguagem, cujos conteúdos de pensamentos, ligados às experiências sociais, determinam também o seu caráter.

    Votre (1998) destaca que a apropriação do conhecimento prático é um processo do pensamento, do qual resulta uma descrição da realidade. Esse processo está indissociavelmente ligado à prática, é realizado através da linguagem, um sistema de símbolos, que fixa e transmite a experiência e o saber das gerações passadas, ao mesmo tempo que a linguagem é uma prática condensada, influenciadora de nosso modo de percepção da realidade. O processo de construção do conhecimento prático está intimamente vinculado à prática pedagógica. Resulta, basicamente, da disposição de refletir sobre o fazer.

    Uma das ideias principais do "ensino reflexivo" proposto por Schön é que há uma perspectiva construtivista de conhecimento. Esta perspectiva pode ser explicada da seguinte maneira: quando o professor reflete na e sobre a ação, ele consegue analisar e refletir sobre seus pensamentos e atos, construindo novas possibilidades de encaminhamento, pois neste momento, o professor utiliza o fazer, as experiências, para extrair os significados que se mostram. Experenciar é atuar a fim de observar o que ocorre. Assim, o processo contínuo de investigação favorece ao professor a elaboração de uma visão particularizada e ao mesmo tempo coletiva das situações que se apresentam, permitindo uma maior compreensão das mesmas e uma atuação mais segura e responsável por parte do professor.

    Segundo Grillo et al. (1998) a valorização da reflexão do professor sobre a sua prática apóia-se no pressuposto de que a docência é fonte de conhecimento, por se tratar de uma forma de investigação e de experimentação. O professor enquanto prático reflexivo constrói uma teoria própria, explicativa da ação pedagógica, contribuindo para a sistematização de novos conhecimentos.

    Para Mercado (1999) o conhecimento prático está fundamentado no pensamento prático ou reflexivo: no conhecimento na ação; na reflexão na ação; e na reflexão sobre a ação e reflexão na ação.

    Assim, é no espaço da escola, isto é no contexto do trabalho docente, que se torna possível a reflexão sobre a prática do real, a discussão, a troca, a busca de soluções para os problemas do cotidiano, que podem constituir um importante instrumento de construção do conhecimento prático do professor.

    Desta forma, consideramos que o processo de construção dos conhecimentos práticos do professor está relacionado com a resolução de situações problemáticas enfrentadas em suas aulas, que, segundo Lalanda e Abrantes (1996), são aquelas em que ficamos em dúvida de como resolvê-las.

    De acordo com Schön (1987) as situações problemáticas originam-se nas zonas indeterminadas da prática que se manifestam em aula, pois quando mostramo-nos surpreendidos por algum acontecimento não previsto e manifestamos uma situação de confusão é que reconhecemos que estamos diante de uma situação problemática.

    Pérez Gómez (1992) destaca que as zonas indeterminadas da prática são: a) complexidade - quando notamos que na aula vários acontecimentos são simultâneos; b) incerteza - quando notamos que não temos certeza de como serão os acontecimentos da aula, isto é, mesmo planejando, não temos absoluta certeza de que tudo o que previmos irá acontecer; c) instabilidade - quando notamos que a qualquer momento os acontecimentos da aula poderão ser modificados; d) singularidade - quando notamos que os acontecimentos não se repetem, não são iguais, no máximo são semelhantes; e, d) conflito de valores - é relativo às situações de conflito entre os participantes da aula.

    É pertinente salientar que a resolução de cada situação problemática ocorrida durante a aula, isto é, o “como” o professor procede, será sempre resultante da "reflexão na ação". Segundo Zeichner (1992) a reflexão na ação refere-se aos processos de pensamento que se realizam no decorrer da ação, sempre que os professores têm necessidade de resolver uma situação problemática, surgida a partir da ação, desenvolvendo experiências para conseguir respostas mais adequadas.

    Segundo Infante; Silva e Alarcão (1996) o conhecimento prático do professor está ligado a sua ação em aula e é influenciado pelo seu modo de pensar sobre o assunto, pois o que cada professor pensa, é parcialmente derivado de ter agido e reagido face aos acontecimentos da aula.

    Para explicar melhor esta ação e reação pelo professor aos acontecimentos da aula reportamo-nos a Lalanda e Abrantes (1996) as quais dizem que, no início, quando nos encontramos perante uma situação problemática que nos cria perturbação e embaraços, sentimos que a confusão está instalada, e desta forma, nos encontramos numa situação pré-reflexiva. A situação oposta, aquela em que o problema foi resolvido e os dados e as ideias correlacionados no sentido de atingir a conclusão ou solução, denominamos de pós-reflexiva.

    Ressaltam que entre as situações pré e pós-reflexivas podem ser identificadas até cinco fases e estas se relacionam com os diferentes estágios em que o pensamento reflexivo vai evoluindo. São elas: 1ª fase) Surgimento, embora vagamente, de uma sugestão, uma ideia de como sair da situação problemática; 2ª fase) É o desenvolvimento da sugestão, desta ideia, mediante o raciocínio, isto é a intelectualização do problema; 3ª fase) É a experiência e a observação, pois se trata de provar as várias hipóteses formuladas, eventualmente de lhes revelar a inadequação; 4ª fase) É a reelaboração intelectual das primeiras sugestões ou hipóteses de partida. É a formulação de novas ideias; e, 5ª fase) É a aplicação prática ou simplesmente em novas experimentações e observações probatórias.

    As autoras salientam que as fases do pensamento reflexivo não são estanques e podem não surgir exatamente por esta ordem, podendo sobrepor-se umas às outras em alguns casos e, com situações problemáticas mais complicadas, poderá surgir a necessidade de ampliá-las ou de criar subfases. Devemos entender esta divisão como meramente acadêmica e sem regras fixas.

    Ainda colocam que a sugestão de solução para a situação problemática depende sempre da experiência passada. Ela não surge do nada. Assim, a reflexão abrange uma importante referência ao passado. Os bons hábitos de inter-relacionar conhecimentos adquiridos conduzirão as resoluções das situações problemáticas pelos caminhos adequados da reflexão.

    Lalanda e Abrantes (1996) colocam que os dados e as ideias são as pedras basilares do processo reflexivo, porque será da interação entre eles que há de surgir uma solução ou conclusão. Esta solução ou conclusão, situada na fase pós-reflexiva, indica que a dúvida inicial foi dissipada.

    Entretanto, pode surgir uma pergunta muito importante: Será que a solução ou conclusão será sempre satisfatória?

    Recorremos ainda a Lalanda e Abrantes (1996) para responder esta pergunta. As autoras colocam que não, isto é, que nem sempre a solução ou conclusão do problema é satisfatória, mas ressaltam que no caso negativo, não retira nenhum valor do processo reflexivo.

    Justificam este caso explicando que existem bons e maus juízos (julgar é selecionar, pesar e medir as conseqüências dos fatos e das sugestões como se apresentam) e quando os dados nos chegam às mãos não vêm rotulados de forma que possamos considerá-los de imediato pertinentes significativos ou insignificantes, daí que a seleção de que nos interessa tenha de efetuar-se por tentativas, de forma a pormos de lado os aspectos considerados distratores.

    Salientam que não basta estarmos na posse de uma grande quantidade de informações para termos a garantia de formular bons juízos. Existem três características inerentes ao ato de julgar: a) a dúvida ou controvérsia inicial, b) o processo de discernimento dos fatos; e, c) a decisão final, julgamento ou conclusão.

    Também as autoras destacam que a inferência é um elemento do pensamento reflexivo, situada ao nível da conjuntura ou mesmo da imaginação.

    Desta forma, parece óbvio existir uma ligação entre a inferência e o juízo, pois o objetivo da inferência é alcançar um juízo adequado de uma situação e o processo da inferência passa por uma série de juízos parciais e tentativos.

    As autoras consideram que o "bom senso" tem um papel preponderante e que em parte se nasce com certo instinto para obter julgamentos acertados. Entretanto, esta capacidade inata não será suficiente. É necessário que o "bom pensador" seja familiarizado com tais operações mentais, e quanto mais experiências tiver tido no passado, mais capacidade revelará para formular "bons juízos" no presente.

    Neste sentido, há qualidades que são necessárias ao "bom juiz", dentre as quais se destacam a vigilância, a flexibilidade e a curiosidade.

    Já, Garcia (1992) coloca que para se chegar a boas soluções ou conclusões dos problemas enfrentados, os professores devem dominar um conjunto de destrezas ou habilidades. São elas: 1) Destrezas empíricas – tem a ver com a capacidade de diagnóstico tanto à nível de aula como da escola. Implicam capacidades de compilar dados, descrever situações, processos, causas e efeitos. Requerem dados objetivos e subjetivos (sentimentos, afetos); 2) Destrezas analíticas – necessárias para analisar os dados descritivos compilados e, a partir deles, construir uma teoria; 3) Destrezas avaliativas – as que se prendem com o processo de valoração, de emissão de juízos sobre as conseqüências educativas dos projetos e com a importância dos resultados alcançados; 4) Destrezas estratégicas – dizem respeito ao planejamento da ação, à antecipação de sua implantação seguindo a análise realizada; 5) Destrezas práticas – capacidade de relacionar a análise com à prática, com os fins e com os meios, para obter um efeito satisfatório; e, 6) Destrezas de comunicação – dizem respeito a necessidade de comunicar e partilhar as suas idéias com outros colegas, o que denota a importância das atividades de trabalho e de discussão em grupo.

    Entretanto, devemos considerar que de acordo com Infante; Silva e Alarcão (1996) a resolução dos mesmos problemas difere de professor para professor e a resolução adequada a um professor pode ser desadequada para outros.

    Desta forma, seguramente, podemos afirmar que podem existir elementos semelhantes e elementos diferentes no processo de construção do conhecimento prático dos professores.

    Também é importante afirmar que um fato, indubitavelmente, parece ser semelhante com todos os professores, é a improvisação em algum momento da aula.

    São as zonas indeterminadas da prática que se manifestam durante as aulas, pois de algum modo os professores vivem a inconstância do tempo, do espaço, do material, das interrupções, das trocas de atividades em função das solicitações dos alunos ou de situações que exijam uma postura que não havia sido elaborada antecipadamente tais como, diante de brigas, discussões, desinteresse, formação de subgrupos, discriminações, alegria, vibração, etc.

    Nestes momentos é que aparece a capacidade artística do professor, isto é, a sua capacidade de improvisação criativa.

    A dimensão ou capacidade artística é a habilidade do professor para improvisar, ou sair de uma situação não prevista. Esta improvisação é vista como um ato criativo.

    Segundo Woods (1992, p.12) o ato criativo é importante porque “ele sempre traz mudanças, mudam os alunos, os professores e às situações, o que exige um constante feedback por parte dos envolvidos no sentido de redefinir caminhos, prioridades e estratégias”.

    Já, Schön (1987) diz que é esta improvisação que permite ao professor agir em contextos instáveis, indeterminados e complexos, caracterizados pelas zonas indeterminadas da prática que de cada situação fazem uma novidade a exigir uma reflexão e uma atenção dialogante com a própria realidade que lhe fala.

    Segundo Garcia (1992) no processo de reflexão na ação o professor resolve problemas, improvisa, enfim, dá resposta aos eventos imprevistos da prática.

    Desta forma, é preciso entender que a improvisação faz parte da prática do professor, que ela pode ser cega ou regulada, ou seja, que ela pode ou não estar articulada com a proposta de trabalho do próprio professor.

    Perrenoud (1993) coloca que os problemas diante dos quais o professor precisa posicionar-se, contribuem para que este desenvolva mecanismos de ação, formas de agir, que requerem uma cota de improvisação e de habilidade pessoal, bem como capacidade de buscar a superação de situações mais ou menos variáveis e transitórias.

    Segundo Tardif e Lahaye (1991) a improvisação pode fixar-se em um estilo, em “macetes”, em traços da personalidade profissional, expressando um “saber ser” e um “saber fazer” pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano.

3.     Os aspectos que influenciam o processo de construção do conhecimento prático do professor... de Educação Física Escolar

    Segundo André (1995) as interações da aula ocorrem sempre num contexto permeado por uma multiplicidade de significados, que por sua vez fazem parte de um universo sócio-cultural.

    Assim, podem ser diversos os aspectos que influenciam o processo de construção do conhecimento prático do professor, entretanto, estes estão sempre relacionados aos condicionantes macro e microsociais.

    Desta forma, a multiplicidade de influências proporciona um contexto particular onde acontecem às aulas e também onde se constroem os conhecimentos práticos. Assim, é notório que os conhecimentos práticos dos professores se desenvolvem de forma diferente entre si, já que os problemas que enfrentam na rotina de trabalho são também diferentes.

    Destacamos que as influências podem agir simultaneamente e causar uma sensação de impotência no professor que o leva a diminuir a sua vontade de interferir junto ao aluno, com efeitos imediatos na qualidade do seu trabalho.

    De acordo com Caparroz (1999) o professor não consegue operar mudanças substantivas em sua prática pedagógica, pois, além de estar inserido num contexto sócio-político desfavorável a exercer uma prática pedagógica com um mínimo de dignidade humana, também não consegue pensar sua prática para além dos manuais de ensino.

    Às mudanças, às transformações, às inovações ficam, então, circunscritas, de certa forma, apenas ao discurso, às teorias, às novas propostas curriculares. Se, por um lado, o imaginário social da comunidade escolar revela o desejo de transformar à prática educativa; por outro, evidencia também que essa mesma prática continua eivada de vícios das propostas passadas ou, o que talvez seja ainda pior, envolta por certa imobilidade que não permite avançar na construção de uma prática educativa em que o professor se reconheça como um profissional reflexivo que transforma essa prática na perspectiva educacional de formar cidadãos reflexivos e ativos que venham a lutar pela construção de uma ordem e democracia que supere e extirpe às injustiças econômicas, políticas e sociais dentro e fora da escola.

    Segundo André (1999, p.77):

    “O que acontece na aula de Educação Física é muito mais resultado da cadeia de relações que constrói o dia-a-dia do professor, do aluno e do conhecimento e muito menos a atitude e a decisão isolada de um desses elementos. Os anéis dessa cadeia ligam-se de várias maneiras aos anéis que compõem o todo institucional, o qual se articula de muitas maneiras com as várias esferas do social mais amplo. À análise da prática escolar cotidiana não pode, portanto, desconhecer essas múltiplas articulações, sob pena de se tornar limitada, incompleta”.

    Entretanto, apesar de entender que qualquer análise das influências centrada num único elemento do todo pedagógico vai se apresentar inevitavelmente incompleta, faltosa, inacabada, devido à complexidade da prática educativa, ressaltamos que o processo de construção dos conhecimentos práticos do professor mesmo sendo influenciado por diversos condicionantes sociais, tanto internos quanto externos às suas práticas pedagógicas, é, sem dúvida, mais diretamente influenciado pelas concepções de ensino deste professor.

    Para confirmar esta afirmativa reportamo-nos a Xavier (1995) que diz que qualquer decisão do professor, quanto ao ensino, depende de sua concepção do que vem a ser homem, realidade, educação, concepções estas que fundamentam a prática educativa.

    Desta forma, sendo a educação um processo histórico, isto é, situada no tempo e no espaço, voltada, primordialmente para o homem, para a sua plena realização, acreditamos que seja importante que o professor esteja constantemente analisando e posicionando-se em relação aos fins e valores que norteiam a sua ação pedagógica, pois, segundo Feil (1995), o professor age condicionado por sua formação, sua utopia e convicções. Aí, então, afirmamos com segurança que o professor, enquanto medeia um conhecimento, denuncia suas concepções pedagógicas, as quais ajudam, ou perturbam, ou até impedem o processo de construção de conhecimentos.

4.     A organização do processo de construção do conhecimento prático do professor... de Educação Física Escolar

    Segundo Carreiro da Costa et al. (1992) os professores estruturam a sua atividade pedagógica a partir das representações que formulam dos fenômenos em que estão envolvidos, dos significados que lhes atribuem e dos valores que defendem.

    De acordo com Infante; Silva e Alarcão (1996) quando os professores enfrentam às situações problemáticas de suas aulas, originadas pelas zonas indeterminadas da prática, desenvolvem um conhecimento prático que está diretamente ligado a sua ação em aula e que influencia o seu modo de pensar sobre o assunto. O que cada professor pensa é parcialmente derivado do ter agido e reagido face aos acontecimentos da aula.

    Para Betti (1996) não há garantia que o conhecimento prático produzido pela teoria do ensino reflexivo seja generalizável para os vários cenários onde ocorre à prática profissional, pois o contexto da prática é incerto, complexo e variável.

    Entretanto, a organização do conhecimento prático do professor acontece pela incorporação de alternativas de ações que resolveram determinadas situações problemáticas semelhantes.

    Para Ribas e Carvalho (1996) o professor reflexivo deve ser sensível à apreensão de possibilidades alternativas e deve ter consciência de que ele, também, é passível de erros nas suas concepções mais profundas, uma vez que continuamente está examinando as suas ações.

    De acordo com Infante; Silva e Alarcão (1996) embora a resolução de um problema numa dada situação não seja linearmente transferível para uma nova situação, exatamente porque dificilmente às situações se repetem e o fato dos professores sucessivamente as resolverem desenvolve neles um conhecimento profissional que cada vez se manifesta com mais espontaneidade.

    Se dificilmente às situações se repetem é preciso explicar como um professor pode usar o que já sabe em uma situação considerada única?

    Segundo Schön (2000) o professor não pode aplicar uma regra formada pela experiência passada porque estaria ignorando a singularidade da situação e tratando-a como um exemplo de uma classe de aspectos familiares.

    Quando um professor consegue entender uma situação que percebe como única, ele a vê como algo já presente em seu repertório. Ver este local como aquele não é colocar o primeiro sob uma categoria ou regra. É, ao invés disso, ver a situação não-familiar tanto como semelhante quanto como diferente da familiar, sem ser capaz, em princípio, de dizer familiar ou diferente a respeito disso ou daquilo. A situação familiar funciona como um precedente, ou uma metáfora, ou ainda, um exemplo para a situação não-familiar.

    Vendo esta situação como aquela, o professor também pode agir nesta situação como naquela. Da mesma forma que vê o problema como uma variação do antigo, seu comportamento novo para resolver o problema será uma variação do antigo. Da mesma forma que não consegue em princípio, articular às diferenças e às semelhanças dos problemas, ele é incapaz, em primeiro momento, de articular às diferenças e às semelhanças de seus procedimentos para resolver estes problemas. Na verdade, todo o processo de "ver como" e "fazer como" pode ir adiante sem uma articulação consciente.

    Todavia, o professor poderá refletir sobre as semelhanças e às diferenças que ele percebeu ou experimentou. Pode fazê-lo comparando conscientemente as duas situações ou descrevendo à situação atual à luz de uma referência tácita à outra. As descrições posteriores da situação são reflexões e elaborações da primeira, percepções desarticuladas de semelhança e diferença.

    É a nossa capacidade de ver situações não-familiares, e de proceder nas primeiras como já o fizemos nas anteriores, que nos habilita a associar uma experiência passada ao caso único. É nossa capacidade de “ver como” e “fazer como” que nos permite dar um sentido a problemas que não se encaixam em regras existentes.

    O talento artístico de um professor depende da variedade do repertório que ele traz para situações não-familiares. Por ser capaz de entender sua singularidade, ele não precisa reduzí-la a exemplos de categorias padronizadas.

    Além disso, cada experiência nova de reflexão na ação enriquece seu repertório. A reflexão na ação em um caso único pode ser generalizada para outros casos, não trazendo à tona princípios gerais, mas contribuindo para o repertório de temas exemplares do professor, a partir dos quais, em casos posteriores de sua prática, ele poderá compor novas variações.

    Entretanto, quando o professor vê uma situação nova como um elemento de seu repertório, ele tem uma maneira nova de ver e uma nova possibilidade de agir, mas a adequação e a utilidade dessa nova visão ainda poderá ser descoberta na ação. A reflexão na ação envolve, necessariamente, experimento.

    Na verdade, o professor conduz uma conversação reflexiva com sua situação, que é um experimento de reconstrução da concepção. A partir de seu repertório de exemplos, imagens e descrições, ele deduz (através do “ver como”) uma forma de conceber à situação atual e única e avalia todo o processo através de critérios estabelecidos por ele mesmo.

    Sob condições da prática profissional cotidiana, as normas do experimento controlado podem ser atingidas apenas de uma forma muito limitada. Normalmente, o professor não consegue proteger seus experimentos dos efeitos das mudanças no ambiente que possam confundi-lo. À situação prática, muitas vezes, muda rapidamente e pode mudar a partir do experimento. Às variáveis, muitas vezes, estão escondidas umas nas outras, de forma que o professor não pode separá-las. À situação prática, muitas vezes, é incerta, no sentido de que não se sabe quais são as variáveis relevantes. É o próprio ato de experimentar, muitas vezes, é arriscado.

    Em que sentido, se é que há algum, podemos ver a reflexão na ação como experimentação rigorosa?

    O ato de testar hipóteses é apenas um dos vários tipos de experimentos, cada um com sua lógica e seus critérios próprios de sucesso e fracasso. Na prática, vários tipos de experimentos estão misturados.

    No sentido mais genérico, experimentar é agir para ver o que deriva da ação.

    Quando a ação acontece apenas para ver o que dela deriva, sem que a acompanhem previsões ou expectativas é chamada de exploratória. O experimento exploratório é a atividade investigativa e lúdica, pela qual somos capazes de obter uma impressão das coisas. Ela é bem-sucedida quando leva a alguma descoberta.

    Há uma outra maneira de fazermos algo para produzir uma mudança desejada. São os experimentos para teste de ações. Qualquer atitude deliberada tomada com uma finalidade em mente é, nesse sentido, um experimento. No caso simples, em que não há resultados pretendidos e apenas se obtém ou não a conseqüência desejada, a ação é afirmada, pois produz aquilo para o que foi destinada e é negada quando não produz. Em casos mais complicados, no entanto, as ações produzem efeitos que vão além daqueles pretendidos.

    Existe um terceiro tipo de experimento, o teste de hipóteses. O experimento para teste de hipótese é bem-sucedido quando se consegue, através dele, uma diferenciação de hipóteses conflitantes. Se as conseqüências previstas com base em uma hipótese dada, H, estão de acordo com o que é observado, e as previsões resultantes de hipóteses alternativas não estão, então H foi confirmada através de tentativas e as outras não-confirmadas.

    O que é, então, diferenciado no experimento que acontece na prática?

    O contexto prático é diferente do contexto de pesquisa de várias e importantes maneiras, todas vinculadas ao relacionamento entre mudar as coisas e entendê-las. O professor tem um interesse em mudar a situação do que ela é para algo que mais lhe agrade. Ele também tem um interesse em compreender a situação, mas a serviço de seu interesse na mudança.

    Quando o professor reflete na ação, em um caso que ele percebe como único, prestando atenção ao fenômeno e fazendo vir à tona sua compreensão intuitiva dele, sua experimentação é, ao mesmo tempo, exploratória, teste de ações e teste de hipóteses. As três funções são preenchidas pelas mesmas ações. E desse fato deriva o caráter distintivo da experimentação na prática.

    Ao comparar à racionalidade técnica e a reflexão na ação podemos dizer que a racionalidade técnica baseia-se em três dicotomias. Dada a separação entre meios e fins, a solução instrumental de problemas pode ser vista como um problema técnico a ser medido por sua eficácia em atingir um objetivo pré-estabelecido. Dada a separação entre pesquisa e prática, à prática rigorosa pode ser vista como a aplicação de problemas instrumentais das teorias e técnicas baseadas na pesquisa, cuja objetividade e generalidade derivam do método do experimento controlado. Dada à separação do fazer e do conhecer, a ação é apenas uma implementação e um teste de decisão técnica.

    Na conversação reflexiva tais dicotomias não se sustentam. Aí à prática assemelha-se à pesquisa. Meios e fins são concebidos de forma interdependente em seu problema. E sua investigação é uma transação com à situação, na qual conhecer e fazer são inseparáveis.

    Em uma concepção reflexiva, os valores de controle, o distanciamento e objetividade – centrais à racionalidade técnica – assumem novos significados. O professor tenta, dentro dos limites de seu mundo virtual, controlar as variáveis em nome do experimento de teste de hipóteses. Porém suas hipóteses referem-se ao potencial da situação para a transformação, e, ao mesmo tempo, ele inevitavelmente entra na situação. Ele produz um conhecimento que é objetivo no sentido de que ele pode descobrir o erro – por exemplo, que ele não produziu à mudança que pretendia, mas seu conhecimento também é pessoal; sua validade é relativa a seus compromissos com um sistema apreciativo particular ou uma teoria geral. Seus resultados serão significativos apenas para aqueles que compartilham de seus compromissos.

    Desta forma, pode haver diferenças entre a organização (utilização) do conhecimento prático dos professores. Segundo Alarcão (1996) o que distingue o conhecimento prático de um professor para outro não é tanto a quantidade deste conhecimento, mas a sua qualidade, a capacidade de relacionar, selecionar, ajustar, adaptar ao contexto, prever, pôr em ação a sua flexibilidade cognitiva e fazê-lo com rapidez, espontaneamente e sem esforço.

5.     Considerações finais a respeito do processo de construção do conhecimento prático do professor... de Educação Física Escolar

    A partir do exposto anteriormente, faz-se necessário ressaltar que o conhecimento prático é um tipo particular de informações e aprendizagens que a prática proporciona e que vão se consolidando como um corpo de conhecimentos a partir do qual os professores descrevem e justificam a sua ação.

    Desta forma, reconhecer e conceituar o conhecimento prático dos professores é uma forma de ressaltar e assegurar o status profissional destes.

    Também é importante considerar que ao acontecer à organização do conhecimento prático dos professores pela incorporação de alternativas de ações que resolveram determinadas situações problemáticas semelhantes, é pertinente destacar que estas são transferíveis de uma situação para outra, mas que são dificilmente transferíveis a outrem. E ainda se as alternativas de ação são sempre substituídas por outras, assim os conhecimentos práticos não podem possuir uma conotação de prontos, acabados e, sobretudo, verdadeiros no sentido absoluto.

    Cabe também chamarmos à atenção de que a atividade do professor ao acontecer dentro de uma instituição está influenciada pelo contexto, tanto escolar quanto social, e assim, fica claro que o conhecimento prático do professor é pessoal e plural, porque está constituído de vários outros conhecimentos que são elaborados ao longo da docência, isto é, abrange a experiência, interesses, necessidades, resistências, dificuldades técnicas e habilidades para trabalhar em aula.

    Finalmente, destacamos que o conhecimento prático do professor serve para guiar o seu trabalho e ajuda, em parte, a gerar um grau de consistência em sua prática, pois o tipo solução assumida pelo professor para o enfrentamento das situações problemáticas surgidas durante a sua prática é que formam a base do conhecimento prático dos mesmos.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 20 · N° 204 | Buenos Aires, Mayo de 2015  
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