Análise biomecânica da posição do ciclista na bicicleta Análisis biomecánico de la posición del ciclista sobre la bicicleta |
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*Escola Superior de Desporto de Rio Maior, Instituto Politécnico de Santarém **Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano, CIDESD, Vila Real (Portugal) |
Vitor Milheiro* Hugo Louro* ** Marco Branco* marcobranco@esdrm.ipsantarem.pt Ana Conceição* ** |
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Resumo O objetivo deste estudo consistiu em analisar a relação entre variáveis cinemáticas que afetam a posição do ciclista na bicicleta com a distribuição do peso corporal pelo selim e pelo guiador no ciclista. A amostra foi constituída por 23 indivíduos do sexo masculino, praticantes de BTT não competitivo, com idades compreendidas entre os 35 e os 50 anos e os dados foram recolhidos durante um passeio de BTT. Os ciclistas utilizaram as suas próprias bicicletas e através de videografia digital bidimensional foram recolhidas imagens no plano sagital do lado direito do ciclista. Através da digitalização e posterior processamento, através do sistema de processamento cinemétrico de imagens APAS (Ariel Performance Analysis), foram analisados as seguintes variáveis: ângulo do tronco com a horizontal, ângulo do tronco com os membros superiores, distância horizontal do selim ao guiador, diferença entre as alturas do selim e do guiador e posição do centro de gravidade do conjunto cabeça, tronco e membros superiores. O cálculo do peso distribuído pelo guiador e pelo selim foi realizado através de somação vetorial, tendo como referência a posição do centro de gravidade. Os resultados mostraram valores médios da distribuição do peso do ciclista pelo selim de 63.47% ± 4.2 e pelo guiador de 36.52% ± 4.2. Não se verificou que os atletas com mais peso no guiador obtinham: o tronco mais inclinado á frente, um maior ângulo do tronco com os membros superiores, uma maior diferença entre a altura do selim e a altura do guiador e uma maior diferença entre a altura do guiador e do selim. Assim, através deste estudo verificou-se que a posição do ciclista na bicicleta é afetada simultaneamente por um conjunto de variáveis biomecânicas, que pelo facto de interagirem num sistema fechado, com vários graus de liberdade, onde as extremidades estão fixas, qualquer mudança numa ou mais variáveis afeta as restantes duma forma por vezes pouco previsível. Unitermos: Ciclismo. Centro de gravidade. Peso corporal.
Abstract The aim of this study was to analyze the relationship between kinematic variables affecting the cyclists position on the bike with the distribution of body weight by the saddle and the handlebars of the cyclist. The sample consisted by 23 males, uncompetitive cycling practitioners, aged between 35 and 50 years and the data were collected for a mountain bike ride. Cyclists used their own bikes and through two-dimensional digital videography were collected images in the sagittal plane on the right side of the rider. Through digitization and subsequent processing through cinemetric processing system APAS images (Ariel Performance Analysis), the following variables were analyzed: Trunk angle in the horizontal, trunk angle with the upper limbs, horizontal distance from the saddle to the handlebar, difference between the heights of the saddle and handlebar and position the center of gravity of the whole head, trunk and upper limbs. The calculation of the weight distributed in the saddle and the handlebars was performed by vector summation, with reference to the center of gravity position. The results showed average values of the distribution of the cyclists weight by the seat of 63.47% ± 4.2 and the handlebar of 36.52% ± 4.2%. It was not showed that the cyclists with more weight on the handlebars obtained: the more inclined trunk ahead, a greater angle of the trunk with their arms, a greater difference between the height of the saddle and handlebar height and a greater difference between the height the handlebars and the seat. This study demonstrated that the cyclists position on the bike is affected simultaneously by a number of biomechanical variables, which interact in that a closed system with several degrees of freedom, where the ends are fixed, any change in one or more variable affects the other in a way sometimes little predictable. Keywords: Cycling. Center of gravity. Body weight.
Recepção: 25/03/2015 - Aceitação: 07/05/2015
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 20 - Nº 204 - Mayo de 2015. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A influência da postura na bicicleta no conforto, o rendimento e a prevenção de lesões no ciclismo tem sido temáticas estudadas na última década (Rodano et al., 2002; Salai et al.,1999; Diefenthaeler et al., 2008; Potter et al., 2008; Bressel et al., 2005; Akuthota et al., 2005).
A postura corporal, os movimentos da pedalada e as características anatómicas da pelve influenciam a forma como o ciclista distribui o seu peso corporal pelo selim, pelo guiador e pelos pedais levando a situações de desconforto ou lesão.
No ciclismo de competição, entre 30 e 40% do peso corporal total do ciclista está apoiado no selim (Rodano et al., 2002)
Os principais fatores que influenciam a pressão sobre a zona perineal são a posição do tronco, o tipo de selim e a sua inclinação (Rodano et al., 2002;Salai et al.,1999; Diefenthaeler et al., 2008; Potter et al., 2008; Bressel et al., 2005). Rodano et al. (2002) ao investigar a pressão em vários tipos de selim, verificou que os selins de superfície plana e com gel permitiam uma melhor distribuição da pressão, enquanto nos selins com buraco a pressão aumentou em áreas críticas, afetando a circulação sanguínea e a função erétil.
A incidência do ângulo do selim nas dores nas costas foi estudada por Salai et al. (1999), que apurou uma diminuição nas dores nas costas em resultado de um ajuste do ângulo do selim com uma ligeira inclinação à frente. Diefenthaeler et al. (2008) analisou os efeitos de diferentes posicionamentos do selim no padrão de ativação elétrica durante a pedalada, ao qual concluiu que pequenos ajustes na posição do selim afetam os padrões de ativação elétrica e a técnica de pedalada. A influência da potência, posição das mãos e largura da tuberosidade isquial sobre a pressão no selim foi estudada por Potter et al. (2008), o qual encontrou diferenças significativas entre homens e mulheres quando pedalavam com as mãos na posição inferior do guiador. Também Bressel & Cronin (2005) relacionaram a posição na bicicleta com a pressão no selim, no guiador e nos pedais, observando que homens e mulheres respondem de forma diferente aos ajustes destes fatores.
A pressão no guiador e as dores nas mãos e nos pulsos dos ciclistas também tem sido objeto de vários estudos. Akukota et al. (2005), Slane et al. (2011) e Richmond et al. (1994) verificaram que as consequências da pressão prolongada no guiador no ciclismo de longa distância e identificaram neuropatias no nervo ulnar distal, tendinites no pulso e no pescoço. Existindo uma concordância entre autores, relativamente a que a maior parte destes problemas podem ser prevenidos ou superados através de um correto ajuste da posição na bicicleta, mudando a posição das mãos e usando luvas e punhos do guiador com amortecimento. Slane et al. (2011) utilizou um tapete de pressões para avaliar quantitativamente os efeitos da posição das mãos no guiador e do tipo de luvas usado sobre a pressão no nervo ulnar e verificou que as luvas podem reduzir a pressão entre 10 a 28%.
O objetivo deste estudo consistiu em analisar a relação entre variáveis cinemáticas que afetam a posição do ciclista na bicicleta com a distribuição do peso corporal pelo selim e pelo guiador no ciclista.
Métodos
Caracterização da amostra
A amostra foi constituída por 23 indivíduos do sexo masculino, praticantes de BTT não competitivo, com idades compreendidas entre os 35 e os 50 anos, com um peso médio de 77.1kg ± 5,96kg e uma altura média de 1.74m ± 0.05m. Os dados foram recolhidos durante um passeio de BTT em que os sujeitos da amostra utilizaram as suas próprias bicicletas.
Procedimentos
Para o registo da imagem utilizou-se uma câmara de vídeo Casio Exilim, com a gravação em tempo real, estando colocada perpendicularmente e a 6 metros do plano do movimento dos ciclistas e que permitiu o registo de 125 imagens por segundo. O sistema de captação de imagens encontrava-se dentro de um volume de calibração com 3.50 m x 1.62 m, para posterior digitalização.
Todas as características cinemáticas foram determinadas a partir da digitalização e posterior processamento, através do sistema de processamento cinemétrico de imagens APAS (Ariel Performance Analysis).
A digitalização das imagens integrou a definição de um modelo espacial antropométrico, representativo do corpo do ciclista e de outros possíveis pontos de referência, além dos definidos pelo próprio modelo (Figura 1).
O modelo antropométrico que utilizámos no presente estudo foi o modelo de Zatsiorsky-Seluyanov, adaptado por de Leva et al. (2006), representativo do corpo do ciclista em 8 segmentos. Sendo o estudo realizado bidimensional, apenas digitalizámos um lado do corpo do ciclista. A opção de digitalizar o lado direito do ciclista esteve relacionada com as marcações que foram feitas no lado direito do corpo do ciclista, que era aquele que estava direcionado para as câmaras.
Os pontos digitalizados foram os seguintes: região cárpica; região em torno do olecrâneo do cúbito; projeção cutânea do centro articular da articulação escapulo-umeral; o trocanter femoral; o côndilo femoral; região tíbio-társica; extremidade distal do 5º metatarso do pé; sétima vértebra cervical e o vértex da cabeça.
Após a realização da digitalização das imagens, procedeu-se à transformação e conversão de todos os dados para uma escala real a duas dimensões, mediante o algoritmo “DLT” (Abdel-Aziz et al., 1971)
O processo de suavização pressupõe a realização de uma filtragem ao nível das coordenadas da imagem, no sentido de eliminar os pequenos erros aleatórios da digitalização. Para o efeito, utilizámos o filtro digital, com frequências de corte de 5 Hz.
As variáveis cinemáticas analisadas foram: ângulo do tronco com a horizontal, ângulo do tronco com os membros superiores, ângulo do joelho com o pedal em baixo, distância horizontal do selim ao guiador, diferença entre as alturas do selim e do guiador e posição do centro de gravidade do conjunto cabeça, tronco e membros superiores. O cálculo do peso distribuído pelo guiador e pelo selim foi realizado através de somação vetorial, tendo como referência a posição do centro de gravidade. Para o tratamento estatístico utilizámos a estatística descritiva e o coeficiente de correlação de Pearson ( p< 0.01).
Figura 1. Exemplo de digitalização dos segmentos corporais de um ciclista da amostra
Resultados
No que se refere à distribuição do peso do ciclista, os resultados mostraram valores médios de 64.61% ± 2.34% no selim e de 35.37% ± 2.34% no guiador (Tabela 1).
Tabela 1. Resultados percentuais da distribuição do peso corporal
dos ciclistas pelo selim (PC Selim) e pelo guiador (PC Guiador)
Para uma melhor interpretação dos resultados ordenámos os atletas em função do peso relativo no guiador e verificámos uma grande variabilidade entre os atletas relativamente aos ângulos estudados (Figura 1).
Figura 2. Relação entre o peso relativo no guiador (%) e os ângulos tronco-horizontal, tronco-membros superiores e
coxa-perna (cm) (os atletas foram ordenados do maior para o menor peso no guiador), o peso relativo (%) e os ângulos em graus
Ao correlacionarmos o peso relativo no guiador com as variáveis cinemáticas estudadas, apenas foi encontrada correlação (r= -0.583) entre os resultados do peso relativo no guiador e o ângulo de tronco com a horizontal, confirmando que a inclinação do tronco à frente é uma variável fortemente associada com o peso no guiador.
Não foram significativas as correlações entre o peso relativo no guiador e o ângulo tronco-membros superiores (r=0.097) nem entre o peso relativo no guiador e o ângulo do joelho (r= 0.316) (Figura 2). Também não foi encontrada correlação significativa (r= 0.330) entre as variáveis peso relativo no guiador e diferença de altura entre o selim e o guiador (Figura 3). Apesar da correlação não ser estatisticamente significativa, verificámos que vários ciclistas com o guiador mais baixo em relação ao selim, estavam entre os que tinham mais peso relativo no selim.
Figura 3. Relação entre o peso relativo no guiador (%) e a diferença de altura entre o selim e o guiador (cm)
Entre o ângulo do joelho e o ângulo tronco horizontal não foi encontrada correlação estatisticamente significativa (r= -0.391) embora os resultados mostrem em vários ciclistas uma tendência para uma relação inversa entre estas duas variáveis (Figura 4).
Figura 4. Relação entre o ângulo do joelho e o ângulo do tronco com a horizontal
Ao analisar a relação entre a altura do tronco e a distância do guiador ao selim (Figura 5) verificámos que embora a correlação não tenha sido estatisticamente significativa (r=0.360), identificámos vários casos em que os ciclistas com o tronco mais comprido eram os que tinham uma maior distância horizontal entre o selim e o guiador. O ciclista 4 foi uma exceção pois apesar do tronco mais curto é dos que tem uma maior distância entre e guiador, é dos que tem menos peso no guiador, pesar de ter um dos maiores ângulo tronco membros superiores. Uma das explicações poderá estar no ângulo do joelho que apresenta um dos valores mais baixos. No caso do ciclista 22 aconteceu o oposto, pois tendo um dos troncos mais compridos, usa uma bicicleta com uma menor distância entre selim e guiador.
Figura 5. Relação entre a altura do tronco (cm) e a distância horizontal (cm) entre o selim e o guiador
Ao analisar separadamente os atletas com maior diferença de altura entre o guiador e o selim verificámos que a maioria estava no grupo que apresentou mais peso relativo no guiador, um menor ângulo do tronco com a horizontal, um maior ângulo do tronco com os membros superiores e também foram os que apresentaram um maior ângulo do joelho com o pedal em baixo. O atleta 14 foi exceção, pois apesar de ter uma grande diferença de altura entre o selim e o guiador e de ser um dos atletas com o tronco mais inclinado á frente, atrasa a posição do centro de gravidade em relação ao guiador à custa de um menor ângulo do tronco com os membros superiores. Também o atleta 18 foi exceção compensando um menor ângulo do tronco com os membros superiores, com um menor ângulo do joelho.
Relativamente aos atletas com menor diferença de altura entre o guiador e o selim, a maioria apresentou um comportamento oposto tronco, com o tronco mais curto e menor inclinação à frente. A exceção foi o ciclista 2 que fazendo parte do grupo com mais peso relativo no guiador, tinha um tronco mais comprido, mas também um maior ângulo do tronco com os membros superiores.
Conclusão
Os resultados obtidos mostraram a não existência de correlação significativa entre a maioria das variáveis. A única correlação estatisticamente significativa foi entre o peso no guiador e o ângulo do tronco com a horizontal. Atendendo a que os ciclistas utilizaram a sua própria bicicleta e foi da sua responsabilidade a posição na bicicleta, isso explica a variabilidade de resultados, uma vez que não pudemos controlar variáveis fundamentais relativas à geometria da bicicleta, nomeadamente a altura do selim, a altura do guiador e o comprimento da bicicleta.
Assim, podemos concluir que a posição do ciclista na bicicleta é afetada simultaneamente por um conjunto de variáveis biomecânicas, que pelo facto de interagirem num sistema fechado, com vários graus de liberdade, onde as extremidades estão fixas, qualquer mudança numa ou mais variáveis afeta as restantes duma forma por vezes pouco previsível.
Bibliografia
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Akuthota, V., Plastaras, C., Lindberg, K., Tobey, J., Press, J., Garvan, C. (2005). The effect of long-distance bicycling on ulnar and median nerves: an electrophysiologic evaluation of cyclist palsy. American Journal of Sports Medicine, 33(8), 1224-1230.
Bressel, E., Cronin, J. (2005). Bicycle seat interface pressure: reliability, validity, and influence of hand position and workload. Journal of Biomechanics, 38, 1325–31.
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Diefenthaeler, F., R.R. Bini, R.R., Karolczak, A.P., Carpes, F.P. (2008). Muscle activation during pedaling in different saddle position, Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano, 10 (2), 161-169.
Potter, J.J, Sauer, J. L., Weisshaar, C.L., Thelen, D.G., Ploeg, H.L. (2008). Gender Differences in Bicycle Saddle Pressure Distribution during Seated Cycling, Medicine and Science and Sports Exercise, 40(6), 1126–1134.
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Rodano, R., Squadrone, R., Sacchi, M., Marzegan, A. (2002). Saddle pressure distribution in cycling: comparison among saddles of different design and materials. Caceres, Spain: In International Symposium on Biomechanics in Sports, pp. 606–609.
Salai, M., Brosh, T., Blankstein, A., Oran, A., Chechik, A. (1999). Effect of changing the saddle angle on the incidence of low back pain in recreational bicyclists. British Journal of Sports Medicine. 33(6), 398-400.
Slane, J., Timmerman, M., Ploeg, H.L., Thelen, D.G. (2011). The influence of glove and hand position on pressure over the ulnar nerve during cycling, Clinical Biomechanics, 26(6), 642-648.
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