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Introdução

    Existe consenso de que o formato multiprofissional patrocina a obtenção de impactos sobre os diferentes fatores que interferem no processo saúde-doença. É considerada a melhor forma de abordagem aos pacientes em virtude da potência terapêutica que essa integração pode alcançar considerando a complexidade cada vez maior dos cuidados (Macedo, 2007).

    Segundo Peduzzi (2009), a ação Multiprofissional é diferente do “trabalho em equipe”. Envolve relações mais complexas entre os integrantes de uma equipe, superando o agrupamento de profissionais que participam da mesma situação de trabalho; fortalece o desenvolvimento do trabalho e a troca de saberes para a construção de novos conhecimentos que são originados na interface dos diferentes campos de trabalho profissional (Ferreira; Varga e Silva, 2009); garante a interação entre vários conhecimentos técnicos e específicos resultando em soluções ou propostas de intervenção, as quais não poderiam ser produzidas por nenhum profissional de forma isolada (Feuerwerker, Sena-Chompré apud Salvador, Medeiros, Cavalcanti e Carvalho, 2010).

    O Sistema Único de Saúde (SUS) aponta o trabalho multiprofissional como uma estratégia para otimizar a integração e a qualidade da assistência aos usuários. Este formato de atenção à saúde adquire importância no trabalho em equipe na Estratégia Saúde da Família (ESF) pelo aspecto de integralidade nos cuidados de saúde como um dos princípios doutrinários do SUS. A integralidade no atendimento é facilitada pela soma dos olhares de diversos profissionais que compõem a equipe.

    As evidências empíricas voltadas ao trabalho multiprofissional apontam que apesar de ser um modelo de ação importante para a conquista da integralidade no atendimento a saúde, trata-se também de um modelo difícil de ser implementado (Saar e Trevizan, 2007; Ferreira; Varga e Silva, 2009). Uma das principais dificuldades neste processo reside no rompimento com a lógica que orienta predominantemente os processos de trabalho e a organização do serviço no Brasil, orientada pelo modelo biomédico e instrumental tecnocientífico na atenção a saúde (Peduzzi, 2011). Neste contexto, a predisposição ao diálogo e o investimento na relação interativa entre os trabalhadores parecem ser os pontos de partida para o enfrentamento das dificuldades. Estes fatores são fundamentais para a formatação de ações integradas, dando origem a comportamentos que privilegiam o formato multiprofissional. Nesse sentido, configura-se uma nova lógica de agir dos profissionais (Araújo e Rocha, 2007): a lógica da integralidade e do cuidado em saúde.

    A multiprofissionalidade é uma prática construída de forma compartilhada entre seus integrantes e ancorada no projeto de trabalho do serviço (Peduzzi, 2011). Deve ser encarada como meta a ser alcançada e nunca como algo pronto (Ferreira; Varga e Silva, 2009).

Contextualização

    No biênio 2008/2010 a Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR) realizou o curso de Especialização Lato Sensu em Residência Multiprofissional em Saúde da Família (RMSF), O curso visou promover a construção e aprofundamento de conhecimentos e técnicas de trabalho na ESF, formando especialistas multiprofissionais. Teve como objetivo capacitar os profissionais para atuarem na ESF, de forma interdisciplinar e resolutiva, além de fornecer subsídios para a realização de pesquisas no âmbito do SUS, desenvolvendo capacidades de analisar e propor ações, visando alcançar a integralidade, a universalidade e a equidade na atenção à saúde com participação social.

    Dentre os módulos ofertados, inseriu-se “Atenção à saúde em todos os ciclos da vida”, com o tema “Exercício físico no período gravídico”, ministrado por profissionais de Educação Física da instituição que ofereceu o curso. Os docentes organizaram suas intervenções partindo do princípio de que a inserção de novos profissionais na ESF através dos Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF’s) é um fenômeno recente, portanto merecedor de reflexão no contexto da multiprofissionalidade.

    O relato de caso aqui apresentado, é resultado de atividades pedagógicas utilizadas para o aprendizado de como agir em situações legítimas, apesar da experiência ter sido realizada em situação que se aproximou da realidade. A estratégia de ensino desenvolvida junto à turma de residentes objetivou atender aos seguintes objetivos:

Objetivo Geral

• Contribuir para a formação de uma prática integral no contexto da atenção básica a saúde, oportunizando aos residentes a percepção e valorização da importância do papel profissional desempenhado pelos diferentes integrantes da equipe e a relação que se estabelece com o seu próprio papel na análise de problemas e tomada de decisões.

Objetivos específicos

• Oportunizar a análise de problemas e tomada de decisões nas situações de ensino;

• Estimular a iniciativa para buscar informações sobre o caso, relacioná-los de forma multidisciplinar, discutir a aplicação em situações reais e contextualizá-los;

• Simular um ambiente real de atendimento à usuária grávida e planejar ações para atendimento na perspectiva de trabalho multiprofissional;

• Fomentar a atenção básica como espaço coletivo de discussão e pactuação de mecanismos de acompanhamento de uma equipe multiprofissional.

Descrição do caso

    A experiência ocorreu no curso RMSF, biênio 2008/2010. A clientela do curso foi formada por 12 profissionais de distintas áreas, sendo 5 Enfermeiros, 2 Odontólogos, 2 Nutricionistas, 1 Bioquímico e 2 Educadores Físicos.

    O trabalho de ensino foi realizado no contexto do SUS pertinente aos princípios de promoção e prevenção em saúde. A proposta encontrou ressonância e fundamentação em algumas referências tais como: atenção à saúde pública no Brasil; estudo de caso como instrumento pedagógico e multiprofissionalidade.

Desenvolvimento da atividade

1. Nivelamento Teórico: objetivou dar consistência teórico-metodológica a proposta de trabalho. Nesta etapa foram discutidos alguns elementos teóricos, com maior ênfase nos princípios e fatores do atendimento multiprofissional considerando fundamental a articulação de competências comuns da equipe, por um lado, e de competências específicas, por outro;

2. Organização dos grupos e definição das tarefas. Os integrantes foram organizados em 4 (quatro) grupos. A cada grupo foi destinada uma paciente grávida (com declaração de voluntariado através do TCLE). Cada grupo deveria elaborar um Plano de Ação que primasse pela reflexão e busca de soluções de problemas orientados pela interlocução dialogal de profissionais das distintas áreas integrantes da equipe. Tema do Plano de ação: Atenção integral a mulher em período gravídico no contexto multiprofissional;

3. Exposição do Plano de Ação. A partir de informações das usuárias, presentes em sala de aula, cada grupo apresentou de forma oral, diagnóstico e proposta de acompanhamento/intervenção.

4. Avaliação teórico-metodológica da atividade: Relatos verbais individuais

Plano de ação

    Aqui será relatado apenas o resultado do trabalho de uma equipe, composta por integrantes das áreas de Enfermagem, Odontologia, Psicologia e Educação Física.

1.     Apresentação

    O grupo destacou que a atuação multiprofissional com gestantes deve abarcar a interação de muitos fatores (história pessoal, antecedentes ginecológicos e obstétricos, momento histórico da gravidez, características sociais, culturais e econômicas vigentes entre outros). A assistência integral deve ser capaz de proporcionar a mulher e ao bebê um período satisfatório de bem-estar e fortalecimento do vínculo mãe-feto. Considerou-se importante a presença do companheiro/a da grávida e/ou pai do bebê nos momentos de atenção a saúde da usuária e em outras ocasiões. No caso daquela voluntária, não havia acompanhante/s.

2.     Diagnóstico. Roteiro das informações consideradas importantes a serem obtidas

    Entrevista com a usuária para elucidar os diferentes pontos de vista sobre o caso, reflexões e detalhes da história do caso. Esta atividade foi realizada simultaneamente entre todos os integrantes da equipe, entretanto, as perguntas mais específicas de uma determinada área de conhecimento foram formuladas por profissional de outra área, ainda que complementada pelo especialista. Esta estratégia objetivou estimular o envolvimento dos integrantes da equipe nos diversos campos de trabalho profissional fortalecendo a valorização das diversas áreas e propiciando a troca de saberes para a construção de novos conhecimentos

3.     Síntese do caso

• Caracterização geral: Mãe primípara, 19 semanas de gravidez, 30 anos, freqüentou 2 (duas) consultas de pré-natal, exame físico-ginecológico normal; sobrepeso pré gestacional e ganho de peso semanal excessivo;

• Epidemiologia, antecedentes familiares, pessoais, ginecológicos e obstétricos: Não diabética ou hipertensa (a mãe e avó materna sim), vacinas atualizadas, inclusive de gripe, contraiu varíola e catapora na infância, nenhuma outra patologia significativa, há 4 ou 5 anos que não vai ao odontólogo (não sente nenhum incômodo ou dor bucal, após a gravidez às vezes sangra a gengiva, prefere fazer a escovação com escova de dente do tipo dura, não tem hábito de usar fio dental), tem medo de ir ao dentista; histórico de constipação intestinal mesmo antes da gravidez, gravidez desejada embora não planejada; nenhuma queixa de problemas de saúde ou incômodo.

• Estilo de vida: sedentária (verificado através de instrumento específico para este fim) a mais de cinco anos (foi atleta de natação); consume álcool socialmente (1 ou 2 latinhas de cerveja em um final de semana ou outro), não fumante, nunca consumiu drogas ilícitas, dorme cerca de 10 horas diárias (sente muito sono). Consumo alimentar: consumo excessivo de carboidratos, frituras e lipídios (carne com gordura); consumo de frutas e hortaliças, abaixo do recomendado pela OMS para a população em geral, consume muito café para controlar o sono, risco de resultados gestacionais adversos pelo sobrepeso/obesidade, consumo diário de líquido insuficiente;

• Aspectos socioeconômicos: casada com o pai do bebê há um ano e meio; ambos são funcionários públicos, ela assistente administrativo e ele motorista, renda mensal da família em torno de 3 salários mínimos, têm casa própria, ambos usuários do SUS (não têm Plano de Saúde);

• Exames laboratoriais; Dentro da normalidade com pequeno nível de anemia ferropriva.

4.     Planejamento das ações (Esta etapa exige processo contínuo de reconstrução)

    Ações integradas – discussão do caso e indicação de solução de problemas:

• Definir estratégias para que a paciente se sinta tranqüila e confortável junto à equipe, fortalecimento psicológico e emocional para adesão ao tratamento odontológico e adoção de estilo de vida mais saudável (atividade física, consumo de líquidos, reeducação alimentar, horas de sono);

• Definir estratégias de sensibilização para a usuária participar do grupo de grávidas da Unidade Básica de Saúde/UBS (temáticas: consumo alimentar, importância da ingesta diária de líquido, uso de filtro solar, controle e prevenção na saúde bucal, importância do controle do peso corporal e orientação nutricional). Inserção de integrantes da equipe no planejamento e execução das oficinas;

• Tipos de atividades físicas mais indicadas (aquelas desenvolvidas em meio aquática meio aquático e aeróbicas). Ênfase na prevenção de dores nas costas e manutenção da postura corporal, melhoria do tônus muscular pélvico e abdominal para facilitar a expulsão do bebê na hora do parto e do bolo fecal;

• Inserção de nutricionista à equipe para orientação técnica sobre a ingesta de nutrientes importantes no período gravídico (em especial superação da anemia, da constipação intestinal e orientação sobre alimentos que favorecem o aparecimento de manchas na pele);

• Inserir nas atividades físicas exercícios que facilitem o processo digestivo sem investir no fortalecimento do abdome. Discutir a oferta de atividades físicas que não exponham a paciente a raios solares (cuidar das manchas na pele). Convidar dermatologista para fazer parte da equipe;

• Necessidade de consumo de alimentos que não acelerem a gengivite e as cáries: diminuir consumo de doces e carboidratos;

    Ações específicas de cada profissional segundo a área de conhecimento, entretanto, com definição de estratégias para que os demais integrantes da equipe acompanhem os processos especializados de intervenção:

• Enfermagem: Exame físico e ginecológico, Orientar sobre os exames solicitados pelo médico, aplicação de vacinas, oferta de teste de HIV, verificação de batimentos cardíacos fetais e da mãe; aferição de PA, identificação manchas na pela (cloasmas no rosto, colo e braços).

• Odontologia: Conhecer situação odontológica (gengivite devido a placas bacterianas e presença de cáries); realizar tratamento odontológico.

• Educação Física: Planejamento das atividades físicas.

• Psicologia: Identificar alterações psicológicas e emocionais; nível de ansiedade entre outros aspectos psico-afetivos.

5.     Avaliação

• As voluntárias em roda de conversa verbalizaram seus sentimentos relativos à vivência. Prevaleceu o sentimento de acolhimento sendo considerado mais eficiente o amparo propiciado na sala de aula (durante a experiência metodológica) do que aquele desenvolvido nas UBS's;

• Os residentes avaliaram os aspectos teóricos e metodológico, resumidos na figura 1.

Figura 1. Síntese da avaliação realizada pelos residentes sobre a atividade realizada

Conquistas		Limitações
Pela metodologia utilizada	Pelo trabalho multiprofissional	Pela metodologia	Pelo trabalho multiprofissional
Percepção de outras dimensões relevantes no atendimento da usuária	Prática da atenção multiprofissional como exercício de reflexão e aprendizagem continua sobre atenção a saúde	Funcional do ponto de vista acadêmico, mas de difícil aplicação frente à cultura enraizada dos processos de trabalho e a organização do serviço em saúde no Brasil,	Depende da realidade do serviço: instalações físicas, materiais e equipamentos, clientela, número de profissionais disponíveis, entre outros.
Transformações significativas na forma de pensar o trabalho em equipe	Favorece o diálogo e a interação do grupo em outras dimensões relacionais que extrapola o serviço		Favorece conflito entre ações compartilhadas e especialidades, além de desafiar a hierarquia fortemente cristalizada no atendimento a saúde no Brasil
Promoção de situações concretas da prática, criando condições favoráveis à aprendizagem de ações não recorrentes.	Permite a visualização do paciente na sua totalidade, portanto alcança com eficiência no que determina o SUS sobre a atenção integrada.		O tempo necessário para realização da proposta vai além daquele utilizado para o atendimento tradicional
Percepção de que é possível o planejamento e a execução de ações em saúde na atenção básica na perspectiva multiprofissional			Dificuldade em superar condutas de desânimo e acomodação de alguns profissionais que resistem a este modelo de trabalho
Participação de todos os integrantes do grupo na atividade

Conclusões

    A metodologia de ensino utilizada atendeu aos objetivos propostos de favorecer vivência sobre a prática da atenção multiprofissional como exercício reflexivo desta modalidade de atenção a saúde; criou condições favoráveis a aprendizagem e adoção deste modelo de atenção.

    Os pontos favoráveis e as limitações teórico-metodológicas apontadas pelos residentes acompanham aquelas sinalizadas na literatura atual sobre o tema. Em especial destaca-se que a adesão dos atores envolvidos neste formato de trabalho, passa necessariamente pelo compromisso moral dos mesmos e na formação em nível de graduação.

Bibliografia

• Araújo, M.B.S. e Rocha, P.M. (2007). Trabalho em equipe: um desafio para a consolidação da estratégia de saúde da família. Ciência & Saúde Coletiva, 12(2):455-464, 2007.

• Ferreira, R.C; Varga, C.R.R.; Silva, R.F. (2009). Trabalho em equipe multiprofissional: a perspectiva dos residentes médicos em saúde da família. Rev. Ciênc. saúde coletiva vol.14 supl.1 Rio de Janeiro Sept./Oct.

• Macedo, P.C.M. (2007). Desafios atuais no trabalho multiprofissional em saúde. Rev. SBPH, v.10 n.2 Rio de Janeiro dez.

• Peduzzi, M. Trabalho em equipe de saúde no horizonte normativo da integralidade, do cuidado e da democratização das relações de trabalho. Disponível em http://formsus.datasus.gov.br/novoimgarq/10973/1488992_134647.pdf. Acesso em: 05 Fev 2009.

• Saar, S.R.C. e Trevizan, M.A. (2007). Papéis profissionais de uma equipe de saúde: visão de seus integrantes. Rev Latino-am Enfermagem, janeiro-fevereiro; 15(1).

• Salvador, A.; Medeiros, C.; Cavalcanti, P. B. e Carvalho, R.N. (2011). Construindo a Multiprofissionalidade: um Olhar sobre a Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade. Revista Brasileira de Ciências da Saúde. Vol. 15, n. 3.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 20 · N° 203 | Buenos Aires, Abril de 2015 Lecturas: Educación Física y Deportes - ISSN 1514-3465 - © 1997-2015 Derechos reservados