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Treinamento de longo prazo e desenvolvimento

humano: interfaces bioecológicas no esporte

Treinamento de largo plazo y el desarrollo humano: las relaciones bioecológicos en el deporte

 

*Mestre em Ambiente e Desenvolvimento

**Doutora em Antropologia

Univates – Centro Universitário, Lajeado, RS

(Brasil)

Rodrigo Lara Rother*

rodrigorother@univates.br

Margarita Rosa Gaviria Mejia**

margaritarosagaviria@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo tem caráter interdisciplinar e objetiva compreender quais são, no esporte, os elementos propulsores do surgimento e desenvolvimento de atletas, utilizando as concepções do Desenvolvimento Humano para qualificar ainda mais a abordagem do modelo de Treinamento de Longo Prazo (TLP). Para tanto, foi utilizada como metodologia uma revisão da literatura relevante no cenário nacional e internacional em ambas as áreas. Os resultados obtidos apontam para um modelo sistemático de TLP, evidenciando as fases de detecção, formação, seleção e promoção. Cada etapa mostrou também coerência e concordância com os elementos da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano. Conclui-se que os elementos subjacentes a referida teoria, quando usados como modelo de estudo, podem auxiliar na compreensão e qualificação da formação de atletas, ainda mais em países como o Brasil, que não tem uma sistemática no seu trabalho de TLP.

          Unitermos: Iniciação esportiva. Desenvolvimento Humano. Esporte. Bioecologia.

 

Recepção: 14/01/2015 - Aceitação: 26/02/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 202, Marzo de 2015. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    O conceito e delineamento da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano e a análise da sua aplicabilidade na área esportiva tem sido tema atual no cenário científico. A sua compatibilidade com o período de formação dos jovens atletas tem trazido uma compreensão de quais são, no esporte, os elementos propulsores do surgimento e desenvolvimento dos atletas, o que qualifica ainda mais a abrangência da perspectiva sobre esse tema.

    Na literatura da área esportiva, a pessoa que demonstra aptidão para um desempenho de alto rendimento é chamado de Talento Esportivo e o processo sistemático de desenvolvimento deste indivíduo ao longo do tempo é chamado de Treinamento de Longo Prazo, ou TLP. Devido a quantidade e a profundidade dos estudos realizados sobre este tema, tanto na literatura nacional como internacional, não se espera aqui esgotar o assunto, mas apresentá-lo demonstrando sua compatibilidade com o modelo bioecológico PPCT (Pessoa, Processo, Contexto e Temo) associando a referida teoria e o campo esportivo: o talento corresponde à pessoa, o esporte ao contexto, o treinamento ao processo e o longo prazo ao tempo.

    Desta forma, o objetivo do presente estudo é compreender quais são, no esporte, os elementos propulsores do surgimento e desenvolvimento de atletas e utilizar a as concepções do Desenvolvimento Humano para qualificar ainda mais a abordagem a esse tema.

2.     Procedimentos metodológicos

    Como metodologia será realizada uma revisão bibliográfica com os principais autores nacionais e internacionais sobre os temas Treinamento de Longo Prazo e Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, buscando as aproximações entre os modelos de estudo e suas concepções teóricas.

3.     Referencial teórico

    A partir das publicações encontradas na literatura nacional e internacional, estão descritos a seguir os conceitos e as correlações existentes entre os referidos modelos teóricos, na busca da ampliação das perspectivas e da qualificação dos conhecimentos sobre a formação de atletas.

3.1.     Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano

    Dentro da concepção do Desenvolvimento Humano, toda a pessoa é considerada um ser em desenvolvimento. A partir desta premissa, associando a definição de bioecologia para a interdependência e trocas de influências recíprocas entre a pessoa e o meio em que vive, um dos principais nomes desta área de estudo, Urie Bronfenbrenner, criou a primeira versão da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, no início dos anos 70. Esta teoria foi sendo aprimorada com especificações e avanços na compreensão de cada um dos elementos que a compõem, até chegar ao modelo de estudo hoje vigente, chamado de PPCT - Processo, Pessoa, Contexto e Tempo (SWATOWISKI, 2011). Bronfenbrenner (2011) explica que a Pessoa é o ser em desenvolvimento, que interage com outras pessoas e com o ambiente; o Processo representa todas as atividades geradoras de desenvolvimento as quais a pessoa é submetida ou participa; o Contexto refere-se ao ambiente onde ocorrem os processos e as interações das pessoas; já o Tempo considera os eventos históricos da vida e a sua duração. Koller (2004) reforça a importância da teoria afirmando que todos os elementos são considerados e inter-relacionados de forma indissociável, mas isso não impede que algum deles seja estudado de forma mais aprofundada do que os outros conforme o interesse do pesquisador.

    Diversos autores já investigaram a aplicabilidade da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano para o estudo do esporte, como Krebs et al. (2008), Krebs et al. (2001), Ramadas et al. (2012) e Fontes e Brandão (2013), que chegaram a conclusão que é uma possibilidade que amplia a discussão sobre o esporte, considerando o objeto investigado de forma completa e contextualizada. Nestes estudos foram encontradas também relações diretas entre os elementos estudados no esporte e os que compõem a referida teoria, como poderemos ver a seguir.

3.2.     O “Talento” para o esporte e a “Pessoa” para Bronfenbrenner

    Na área do esporte de desempenho1 utiliza-se o termo talento esportivo para designar aquelas pessoas que possuem um potencial, uma habilidade especial ou uma grande aptidão para o desempenho esportivo (BOHME, 2007). Kiss et al. (2004, p.91) ratifica esta definição e acrescenta uma “condição em determinado instante especial” para o desempenho esportivo, já indicando uma idéia de temporalidade ou localidade dentro da detecção deste talento. Esta concepção de Kiss et al. (2004) denota que a condição de talento pode ser atribuída para uma pessoa em um momento da vida em que apresenta rendimentos significativos ao esporte, o que não quer dizer que esta condição perdurará para o resto de sua vida. Neste momento o talento deverá se descoberto e submetido a um processo de preparação para a prática esportiva na busca por um maior desempenho no futuro.

    Seguindo a ótica de Bronfenbrenner, Tudge (2008), argumenta que o talento se enquadra no elemento Pessoa do modelo PPCT. Este apresenta condições biológicas, genéticas e sociais, mas em um grau de desenvolvimento superior aos demais, diferenciando-o dos seus pares. Krebs (2010) cita características da Pessoa como disposições (psicológicas), recursos (físicas e motoras) e demandas (sociais), que são exatamente o que definem e diferenciam um talento esportivo.

    Para Martin et al. (2000), talento esportivo é o resultado individual de um processo, que depende das relações temporais existentes entre as disposições genéticas, a idade relacionada com a fase do seu desenvolvimento, as exigências de desempenho esportivo no treinamento e as qualidades psicológicas. Estas variáveis, de acordo com os autores, verificam-se na manifestação de uma capacidade individual acima da média observada nas tarefas esportivo-motoras, em testes de aptidão ou em competições.

    Na definição de Martin et al. (2000) percebem-se semelhanças com as categorias apresentadas pelo modelo PPCT, que possibilitam uma analogia e até mesmo a identificação de termos idênticos. Assim, está o talento como pessoa, encaminhado a um local ou contexto apropriado para o seu desenvolvimento, que passa por um processo de treinamento e tem relações temporais entre suas disposições genéticas, idade, fase de desenvolvimento e qualidades psicológicas.

    Outra definição de Talento Esportivo que merece menção por considerar os aspectos inerentes a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano é a de Joch (1994, apud BOHME, 2007) em sua revisão bibliográfica da literatura internacional. Este autor considera dois componentes na conceituação de talento: o estático e o dinâmico. Para ele, o componente estático compreende: a) a disponibilidade e a disposição, ou seja, o poder e a vontade do praticante em realizar e se submeter a um treinamento com vistas a desenvolver o seu potencial esportivo; b) as possibilidades reais do ambiente onde está inserido, onde estão incluídas as condições de treinamento em longo prazo oferecidas ou não pelo sistema social em que vive; e c) a apresentação de resultados adequados conforme a etapa do TLP.

    Já o componente dinâmico relaciona-se com os processos ativos de mudanças bio-psico-sociais pelos quais o talento passa em decorrência do seu desenvolvimento. Ainda segundo o mesmo autor, estes processos ativos de mudança devem ser conduzidos através de treinamento e competição, de acordo com princípios e métodos pedagógicos adequados.

    Sobre o caráter estático e dinâmico, Bohme (2007, p. 121) acrescenta que:

    Essas conceituações de talento esportivo [...] levando em consideração as características fenotípicas, as condições de treinamento (volume, intensidade e especificidade), a idade biológica de desenvolvimento, as capacidades motoras, a técnica, a constituição corporal, os componentes psicológicos, isto é, a motivação, a disponibilidade para o desempenho, esforço e estabilidade psicológica, assim como o suporte social (família, escola, clube, a organização da modalidade esportiva).

    Assim como Bronfenbrenner (1996), Joch (1994, apud BOHME, 2007) ressalta a importância das relações biológicas, psicológicas e sociais, e ambos autores tratam dos processos de desenvolvimento aos quais o talento passa. Bohme (2000) inclui os microsistemas família, escola, clube e a entidade organizadora esportiva, o que ressalta o elemento contexto.

3.3.     TLP como um modelo de desenvolvimento

    A formação de um atleta de alto nível de desempenho é um processo sistemático e requer uma série de ações e orientações em várias dimensões e de forma longitudinal, ou seja, com a duração de muitos anos. Este processo sistemático que detém uma atenção ao longo da vida do talento esportivo é chamado de Treinamento de Longo Prazo, ou simplesmente TLP. Bojikian et al. (2007) dizem que o TLP deve se apoiar em um planejamento que acompanhe o atleta desde a iniciação até a chegada no esporte de alto nível. Esta trajetória Bohme (2007, p. 119) classifica em quatro etapas:

    A detecção, formação, seleção e promoção do talento esportivo estão diretamente relacionados com o processo de treinamento a longo prazo – TLP, o qual se realizado de forma planejada e sistemática, desempenha um papel fundamental na formação de futuras gerações de atletas talentosos para o esporte de rendimento nas diversas modalidades e níveis de competição esportiva.

    As etapas apresentadas por Bohme (2007) são referência para o caminho do desenvolvimento de um talento esportivo. A detecção de talentos refere-se aos canais utilizados para encontrar um número suficiente de pessoas, normalmente crianças, dispostas e prontas para aceder à admissão em um programa de formação esportiva geral básica. A formação busca desenvolver as qualidades do talento com profissionais capacitados e métodos pedagógicos de treinamento adequados. Seleção são os meios utilizados para determinar quais destes talentos possuem condições de encaminhamento a níveis mais altos de treinamento e desempenho. Já a promoção de talentos esportivos envolve a utilização dos procedimentos de treinamento e demais recursos necessários para elevar o desempenho dos talentos selecionados. Segundo Bohme (2007), o alto desempenho se atinge com condições de treinamento adequadas, treinadores capacitados, bem como a situação social favorável, desde os microssistemas família, escola e comunidade onde o jovem talento reside.

    Cada uma das etapas apresentadas (detecção, formação, seleção e promoção) são seguidas dentro de um modelo de planejamento de prognóstico do TLP, acerca do qual Montagner e Silva (2003, p.189) afirmam ter “critérios objetivos e sistemáticos, com margem tolerável de erro”, e realizado por um período que vai de seis a dez anos de duração, como se vê a seguir.

3.4.     Duração e procedimentos realizados no TLP

    Antes da apresentação da possível duração e dos procedimentos realizados no TLP, Kiss et al. (2004) fazem uma consideração sobre este tempo e demais padronizações apresentadas na literatura, lembrando que:

    O atleta [...] é um estado físico no espaço-tempo, resultante de seu embasamento genético expresso através das condições física e psico-emocional, o qual é modulado na sua expressão por diferentes variáveis ambientais, das quais o treinamento físico é uma delas, outras sendo: condição de saúde, entendida como ausência de lesão, de fadiga crônica e de drogas, nutrição adequada, além de condições sócio culturais favoráveis (KISS et al., 2004, p. 89).

    Desta forma, as etapas e a duração do TLP, conforme a literatura são difíceis de precisar com exatidão porque são influenciadas por diversas variáveis. Além das condições intervenientes no desenvolvimento do atleta apontadas por Kiss et al. (2004), Bojikian (2005) traz em seus estudos sobre jovens esportistas que a diferença entre a idade cronológica e a idade biológica também interfere fundamentalmente na predição do talento. Esta condição, caso não seja considerada, pode causar uma especialização precoce ou até mesmo o descarte de um possível talento em um programa esportivo. A preocupação de Bojikian (2005) é reforçada pela teoria de Bronfenbrenner (2011), quando o autor afirma que um modelo de desenvolvimento deve ser contextualizado e considerar as individualidades da pessoa, além do processo pelo qual passa e do tempo que leva em cada um.

    Assim, considerando as particularidades e características individuais dos talentos ingressos no TLP, Bohme (2000) apresenta-o como um período que compreende aproximadamente de 6 a 10 anos de desenvolvimento, desde o ingresso do talento esportivo ao programa até a chegada ao alto nível. A autora faz também uma condensação de vários modelos de TLP referenciados, como de Barbanti (2000), Platonov (2008), Joch (1994, apud BOHME, 2007), Martin et al. (2000), Zakharov e Gomes (1992) e Weineck (1996), para chegar a uma padronização que contemple um formato único, dividindo-o em três níveis de acordo com as características de desempenho e a idade do participante. As etapas do modelo TLP podem ser vistas no Quadro 1.

Quadro 1. Padronização das etapas do TLP

Fonte: Do autor (2014), adaptado de Bohme (2000) e Dantas (1995)

    A primeira etapa deste modelo condensado é a Formação Básica Geral, que compreende principalmente o desenvolvimento nas crianças das capacidades coordenativas, tendo como objetivos a melhoria geral do desempenho esportivo, o despertar do interesse por treinos e competições e o conhecimento do esporte escolhido. Dantas (1995) acredita que esta etapa deva compreender crianças de aproximadamente 6 a 9 anos. Neste período o autor propõe estímulos que desenvolvam um amplo repertório motor, aumento das capacidades coordenativas, vivências motoras de forma simples e combinadas e utilização da maior variabilidade possível de materiais. Bohme (2000) afirma que a escola tem papel preponderante neste momento, tanto nas atividades curriculares dentro da Educação Física, como nas extra-curriculares em conjunto com outras entidades de prática esportiva, como clubes, academias, centros esportivos e “Escolinhas”2.

    A segunda etapa é o Treinamento Específico, que objetiva a melhora do desempenho esportivo específico a longo prazo dentro da modalidade que é definida nesta etapa. Além disso, busca-se aqui o aumento gradativo do treinamento até a chegada ao alto nível, estabilizando a motivação para o desempenho e criando participações bem sucedidas nas categorias competitivas de idade e desempenho semelhantes (BOHME, 2000). Esta segunda etapa, que segundo Dantas (1995) abrange crianças aproximadamente dos 10 aos 17 anos, é subdividida por Bohme (2000) em três etapas que se complementam na busca pelo alto nível: Treinamento Básico ou de Iniciantes; Treinamento de Síntese ou de Adiantados; e Treinamento de Transição.

    A terceira etapa é o Treinamento de Alto Nível. Os objetivos desta etapa são o alcance do alto desempenho individual, o aumento otimizado do volume e intensidade de treinamento, variabilidade dos métodos e conteúdos específicos de treinamento, busca da perfeição, estabilização e disponibilidade máxima da técnica esportiva, melhoria e manutenção da mais alta capacidade de desempenho pelo maior período de tempo possível.

    Martin (1999, apud BOHME, 2000), atenta para o fato de que a seqüência apresentada no “Quadro 1” é um plano teórico dito ideal em uma projeção de planejamento ao longo prazo para a trajetória esportiva de um talento, mas que no plano real, o TLP pode apresentar diferenças quanto a este modelo. O autor afirma que em casos onde o talento é descoberto e inicia seu TLP de forma tardia, as etapas podem se sobrepor, como ilustra a “Figura 2” a seguir. Neste caso, Bohme (2000) sugere que o responsável pelo treinamento deve procurar meios e estratégias para compensar as deficiências existentes na formação esportiva dos jovens atletas que não tiveram a oportunidade de vivenciar cada etapa adequadamente.

Figura 2. Plano de projeção Ideal x Real de TLP

Fonte: Bohme (2000), modificado de Martin (1999)

    Montagner e Silva (2003) afirmam que mesmo que um programa de TLP seja de boa qualidade, ele está sujeito a influencias de diversos elementos de natureza complexa, que poderão modificar de forma positiva ou negativa o desenvolvimento do talento. Entre estas variáveis os autores citam a prioridade política, as características culturais da sociedade, o baixo nível econômico do local onde é realizado, o talento esportivo ser submetido a padrões nutricionais abaixo do recomendado, a precipitação na análise dos resultados obtidos pelo talento ou pelo programa de treinamento, a carência de modelos estatísticos eficientes e práticos e a falta de testes específicos para detecção, formação, seleção e promoção, que possibilitem melhores condições de desempenho.

3.5.     A assistemática do TLP no Brasil

    Dentre as variáveis citadas por Montagner e Silva (2003) como influenciadoras sobre a realização de um TLP, a falta de prioridade em tratar o esporte como política pública evidencia-se quando comparada a realidade do Brasil com os países esportivamente mais desenvolvidos no mundo. O TLP é objeto de pesquisa em todos os países, inclusive no Brasil, mas somente onde o governo tem como filosofia o apoio e a valorização do esporte, os resultados das investigações são utilizados em prol do seu desenvolvimento e as propostas viram realidade.

    No cenário internacional, o talento e o processo ao qual é submetido até chegar aos mais altos escalões da elite esportiva são alvo de inúmeras pesquisas. Para ter-se um exemplo, em somente um mesmo estudo, Kiss et al. (2004) citam como referências pesquisas realizadas por 18 laboratórios de desempenho humano em esportes espalhados pelo mundo, além de sistemas de sucesso que promovem os talentos em países como Alemanha, Grã-Bretanha, Cuba, Rússia, EUA, entre outros. As autoras apresentam neste mesmo trabalho várias investigações significativas realizadas também no Brasil, embora nenhuma delas tenha se transformado em um sistema nacional para formação de atletas.

    Peres e Lovisolo (2006) também referenciam iniciativas nacionais que desenvolveram produção científica de qualidade a respeito do tema, mas afirmam que o Brasil tem adotado uma política de desenvolvimento esportivo habitualmente caracterizada como errática, a qual parece estar sempre recomeçando a partir do ingresso de cada nova governança no país. A grande diferença do que é apresentado em modelos de outros países é que neles o esporte não é um projeto de governo, mas sim, uma política nacional.

    Como no Brasil não há uma sistematização para detectar, formar, selecionar e promover os talentos como orientado por Bohme (2007), nem uma estrutura organizada e adequada para seu desenvolvimento, cada modalidade esportiva acaba por realizar seus processos da forma que julga mais adequado (BOJIKIAN et al., 2007).

    Montagner e Silva (2003) criticam o fato do futebol brasileiro utilizar como principal forma de seleção de talentos as “peneiras”, expressão popular para o momentos onde os observadores dos clubes, que não necessariamente tenham algum tipo de preparação para isso e que normalmente são ex-jogadores, avaliem os atletas durante jogos organizados para captação e revelação de novos talentos para clubes formais. Os autores definem este processo como uma seleção natural assistemática e baseada em métodos empíricos e estendem sua crítica a outras modalidades que adotam este processo seletivo.

    No voleibol, Bojikian e Bohme (2008) afirmam ser um paradoxo o sucesso da modalidade, quando comparadas as realidades da iniciação esportiva no país com a dos países do primeiro mundo. Entretanto os autores afirmam que os processos nesta modalidade tornaram-se mais criteriosos, cuidadosos e baseados no conhecimento das características principais necessárias a um atleta de destaque na modalidade. Além disso, o processo é amparado, segundo eles, em profissionais atuantes na área do TLP.

    Ademais, Peres e Lovisolo (2006) destacam que, apesar da realidade nacional não estar adequada aos modelos de TLP apontados na literatura, o Brasil tem tido êxito relativo em várias modalidades como futebol, voleibol, natação, vela, hipismo e outros. Mesmo sem o sistema resultante da ação política continuada, seja ela de origem pública ou privada, estes autores reconhecem que o esporte brasileiro tem encontrado soluções, embora parciais e talvez precárias, que possibilitaram a conquista de resultados expressivos mesmo sem as condições necessárias para tanto.

4.     Conclusões

    O modelo de Treinamento de Longo Prazo compreende um grande período da vida do atleta, incluindo fases fundamentais do seu desenvolvimento, como a infância e a adolescência. Os aspectos paralelos ao desenvolvimento técnico do atleta devem ser considerados, sabendo que ocorrem de forma concomitante a ele e influenciam no sucesso do seu desenvolvimento esportivo, como são os casos das relações interpessoais com amigos e familiares, condição econômica e social da família, dificuldades em conciliar o esporte e a escola ou até mesmo os costumes e a cultura local de onde o jovem talento está inserido.

    Sabendo ainda que em muitos casos, como ocorre no Brasil, há ausência de trabalho sistematizado e com acompanhamento profissional durante a maior parte da trajetória esportiva dos atletas iniciantes, a importância da consideração dos elementos subjacentes ao modelo bioecológico ganham ainda mais valor.

    Por contextualizar o processo formativo do atleta, a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano dá uma conotação importante a toda esta variabilidade de aspectos de influência recíproca e utiliza seus elementos como modelo de estudo, auxiliando numa melhor compreensão do modelo de Treinamento a Longo Prazo e qualificando o olhar sobre a detecção, formação, seleção e promoção dos jovens talentos do esporte.

Notas

  1. Esporte que manifesta a busca pela performance. Caracterizado por obedecer códigos e regras estabelecidos por entidades internacionais. Objetiva resultados, vitórias, recordes, títulos esportivos, projeções na mídia e prêmios financeiros. Os dois princípios do Esporte de Desempenho são: a Superação e o Desenvolvimento Esportivo (TUBINO, 2007).

  2. Montagner e Silva (2003) chamam a atenção para a diferenciação das “Escolas Esportivas” existentes no Canadá, EUA e Rússia, por exemplo, onde são reunidos vários talentos esportivos com o intuito de desenvolvê-los em um TLP geral, para as “Escolinhas Esportivas” existentes no Brasil, abertas para todos e que oferecem iniciação esportiva em uma modalidade específica já na iniciação.

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