Corpo, esporte e identidade social Cuerpo, deporte e identidad social |
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Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Programa de Pós-Graduação em Educação Física Membro do Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento – GEPEC |
Maria Isabel Brandão de Souza Mendes (Brasil) |
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Resumo O presente artigo tem como objetivo refletir sobre relações entre corpo, esporte e identidade social. Este estudo se fundamentou nos estudos de Elias e Dunning (1992), Lipovetsky (2005), Mauss (1974), Lucena (2001) e Soares (2001). Unitermos: Corpo. Esporte. Sociedade.
Recepción: 11/02/2015 - Aceptación: 07/03/2015
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 202, Marzo de 2015. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Considerando-se que o esporte é um fenômeno complexo e que é estudado por vários pensadores com enfoques diferenciados, ressalto a necessidade de escolher alguns referenciais que contribuam com a reflexão sobre relações entre corpo, esporte e identidade social.
Diante da necessidade de escolhas, me direciono para o final do século XIX e início do XX no Brasil, por ser esse o contexto em que o esporte é introduzido no nosso país. Esse direcionamento ocorreu com base na idéia de que pensar sobre o presente tendo como base o passado, requer a compreensão de que a história é um processo descontínuo. Cada época possui a sua peculiaridade e apresenta avanços e retrocessos, rupturas e continuidades.
O esporte e suas interfaces
Nesse sentido, o estudo de Lucena (2001) é emblemático para refletirmos sobre a introdução do esporte no Brasil e buscarmos interfaces com as relações sociais e com os novos usos do corpo que se configuraram no referido período.
Esse autor se baseia na sociologia das emoções e revela o processo civilizatório brasileiro, por meio da análise do esporte, tendo como principal interlocutor Norbert Elias.
O sociólogo Norbert Elias destaca-se no estudo sobre o esporte moderno, por contrapor-se à tradição ocidental dualista que por abarcar uma visão reducionista contribuiu para que sociólogos ignorassem o estudo desse fenômeno, por o reconhecerem como algo negativo associado ao corpo e não à mente. Norbert Elias, então, instigado pela participação da sociedade em passatempos desportivizados, investiga a origem do esporte moderno na Europa e aponta diferenciações de práticas existentes na França e na Inglaterra (ELIAS e DUNNING, 1992).
No Brasil, Lucena (2001), ao se direcionar ao final do século XIX e início do XX apresenta transformações na cidade do Rio de Janeiro que favoreceram a introdução de formas diferenciadas de passatempo, em especial os esportes.
Nesse contexto, com a abolição dos escravos e a crescente imigração, a República brasileira é marcada pelo desejo de ir ao encontro do “moderno” e do tempo acelerado. Essas transformações se refletiram na estrutura familiar e nas inter-relações. Do interior das casas para as ruas, para as praças e para os clubes da cidade surgiram diferentes esportes que favoreceram o contato entre as pessoas e a construção de uma identidade social. Símbolo da civilização, o esporte é considerado por Lucena (2001) como componente de ascensão social e educação e como espaço de sociabilidades.
É interessante perceber ainda como as práticas esportivas contribuíram com a instauração do controle dos gestos. Mas ao mesmo tempo em que existia a necessidade de autocontrole, existia a possibilidade de vivenciar emoções e divertimentos em espaços estipulados para a prática esportiva. O uso de novas roupas, o contato do corpo com o ar livre nos espaços da rua também são algumas modificações encontradas.
Desse modo, percebemos que o esporte é extremamente relevante para refletirmos sobre os usos do corpo na sociedade brasileira no final do século XIX e início do XX. Como destaca Mauss (1974), determinados usos do corpo podem ser permitidos em um lugar e em outro pode ser proibido, o que contribui para demonstrar os símbolos morais da sociedade em que estão inseridas.
Num período em que os preceitos da Higiene Moderna ditavam modelos de saúde e regras de conduta, como podemos observar no estudo de Soares (2001), os esportes encontraram dificuldades para serem aceitos pelos defensores da Ginástica Científica.
Cabe aqui destacar que o futebol no Brasil sofreu várias críticas dos higienistas, pedagogos, escritores e inclusive de Fernando de Azevedo, um dos defensores da Educação Física. Para esses pensadores, o futebol era visto como vício de desocupados, mesmo tendo origem num país reconhecido como civilizado, como a Inglaterra. O que ocorria é que eles não atribuíram a esse esporte a prática ideal para o melhoramento da raça (LUCENA, 2001).
Mesmo com essas críticas, o futebol no Brasil em sua origem não se resumiu aos imigrantes ingleses e seus descendentes. Essa prática esportiva se alastrou pelas ruas, praças e clubes. O futebol contribuiu com o contato entre corpos diversificados e com a construção de uma identidade social. É interessante perceber no estudo de Lucena (2001), que mesmo ocorrendo um intercâmbio com a Inglaterra, o povo brasileiro imprimiu uma gestualidade própria que caracterizava a identidade social do brasileiro. Diferentemente do futebol praticado na Inglaterra, o futebol brasileiro no final do século XIX e início do XX incorporou o molejo dos negros expresso na plasticidade corporal de seus esportistas e visualizado nesse espetáculo esportivo.
O futebol reconhecido como uma construção cultural é reconstruído pela sociedade que o vivencia e contribui com a comunicação entre diferentes culturas, o que permite que as manifestações culturais atravessem fronteiras, como destaca Baitello Júnior (1999). As construções culturais são recriadas através de novas descobertas e novas interpretações dos indivíduos e das sociedades.
Considerações finais
Diante do exposto, percebemos concepções e valores que se manifestam conforme os limites e as expectativas do final do século XIX e início do XX. Desse modo, torna-se necessário ressaltar que reconstruir o passado é relevante tanto para conhecermos a memória de uma sociedade, quanto para refletirmos sobre problemas presentes na atualidade.
O texto apresentado instiga pensarmos nas rupturas e continuidades das práticas esportivas na contemporaneidade. Diante do que Lipovetsky (2005) denomina de sociedade pós-moralista, uma sociedade permeada por uma cultura narcisista e consumista e pela busca de uma felicidade individual, elenco alguns questionamentos para pensarmos no presente:
Como as práticas esportivas têm contribuído com novos usos do corpo e com a configuração de uma identidade social?
Como se estabelecem novas gestualidades e novas sensações por meio das práticas esportivas na atualidade?
Questões que ficam abertas para futuras investigações.
Referências
BAITELLO JÚNIOR, N. O animal que parou os relógios: ensaios sobre comunicação, cultura e mídia. São Paulo: Annablume, 1999.
ELIAS, N.; DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1992.
LIPOVETSKY, G. A sociedade pós-moralista. São Paulo: Manole, 2005.
LUCENA, R. O esporte na cidade. São Paulo: Autores Associados, 2001.
MAUSS, M. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Edusp, 1974.
SOARES, C. L. Educação física: raízes européias e Brasil. São Paulo: Autores Associados, 2001.
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