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A contribuição da Educação Física para o modelo 

de saúde da Residência Multiprofissional

El aporte de la Educación Física al modelo de salud de la Residencia Multiprofesional

 

Professor de Educação Física residente no programa de Residência Multiprofissional

em Saúde do Adulto e Idoso do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes

da Universidade Federal de Alagoas HUPAA/UFAL

Péricles Delano Sousa

pericles.delano@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O estudo almeja Identificar a forma de trabalho integrada do profissional saúde proposta pela Residência Multiprofissional em Saúde (RMS), sob a perspectiva do modelo de saúde da RMS. Através de uma revisão de literatura, pesquisa encontrou a organização do trabalho em equipe disposto em 4 níveis distintos: multi, pluri, inter e transprofissional. Sendo este último o modelo desejado pelo SUS. A contribuição da EF se percebe nas 3 esferas de atenção, sendo a atenção básica o baluarte de suas ações, principalmente voltada às doenças crônicas, combate a violência e exclusão social. As demais esferas contam com uma incipiente, porém crescente inserção. A participação da EF no SUS se justifica na orientação das novas políticas de saúde e na ação conjunta e integrada de todas as profissões de saúde.

          Unitermos: Residência Multiprofissional em Saúde. Educação Física.

 

Recepção: 07/10/2014 - Aceitação: 08/01/2015

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 201, Febrero de 2015. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    A Residência Multiprofissional em Saúde (RMS) é fruto de várias décadas de discussões e experiências no modo de se pensar e fazer a saúde no Brasil.

    É um programa de pós-graduação latu sensu voltado para a formação em serviço no Sistema Único de Saúde (SUS), englobando todas as profissões de saúde, excetuando-se a médica.

    A RMS, em consonância aos princípios de Universalidade, Equidade e Integralidade que pautam o SUS, visa avançar sobre a lógica do modelo de saúde biomédico hospitalocêntrico e curativo, focando no trabalho em equipe integrado e holístico dos profissionais do SUS, privilegiando a prevenção de doenças, promoção e reestabelecimento de saúde (HADDAD et al, 2006).

    O trabalho multiprofissional se encontra em 4 diferentes níveis, multi, pluri, inter e transdisciplinar. A disposição dessa forma de trabalho se dá necessariamente nessa ordem, exigindo-se bastante tempo, e comprometimento dos atores para se chegar ao último patamar desejado, a criação de uma equipe transprofissional.

    A proposta de trabalho multiprofissional encontra resistência por parte de alguns gestores e profissionais para se firmar como modus operandi das equipes de saúde em todos os níveis de atenção pelo país. Entretanto, as políticas de saúde brasileira contemplam a mudança de paradigma.

    O conceito ampliado de saúde, não fragmenta a saúde do sujeito, portanto o planejamento de ações integradas entre os vários envolvidos neste cenário é a alternativa ideal para maximizar as chances de sucesso da proposta.

    A Educação Física, está inserida no contexto da saúde pública, com papel fundamental na prevenção e tratamento de doenças. Com uma vocação histórica para o trabalho com populações, a profissão tem grande afinidade com a atenção básica, e se percebe avanços na inserção destes profissionais na atenção secundária e terciária.

    A Educação Física como profissão da saúde não isola seu modo de pensar a saúde no seu campo disciplinar. Portanto, dialoga com as demais instâncias da saúde acerca da formação de seus profissionais para a atuação e transformação da realidade da saúde pública brasileira.

    Para a realização deste artigo, a metodologia empregada foi uma revisão de literatura. A pesquisa foi realizada em livros, bases de dados e indexadores de busca eletrônicos, do Scielo, PubMed, Lilacs, Bireme, Portal da Capes e Google Acadêmico.

Objetivo

  • Identificar a forma de trabalho integrada do profissional de saúde brasileiro proposta pela Residência Multiprofissional em Saúde.

Método

    A pesquisa bibliográfica é respaldada na literatura científica disponível na forma de livros e artigos sobre o tema pesquisado (GIL, 2006).O presente estudo é uma revisão de literatura acerca da construção e evolução do trabalho em equipe na saúde pública brasileira. De forma a ressaltar a contribuição do Profissional de Educação Física para essa forma de trabalho na saúde pública do país. A referida pesquisa objetiva recolher, analisar e interpretar as contribuições dos autores que versaram acerca do tema escolhido (BARROS, 1986). Realizou-se a pesquisa em livros, bases de dados e indexadores de busca eletrônicos, do Scielo, PUbMed, Lilacs, Bireme, Portal da Capes e Google Acadêmico. Foram elencados os estudos em duas categorias, os que versavam sobre o trabalho multiprofissional em saúde, e os estudos sobre a educação física no contexto da saúde pública no Brasil.

A forma de trabalho da Residência Multiprofissional em Saúde

    Segundo Diniz e Lopes (2010) e Haddad et al (2006), em 1976 foi criada no estado do Rio Grande do Sul a Residência em Medicina Comunitária. É a primeira experiência documentada pela literatura científica sobre uma proposta de trabalho de saúde integrada, entre as saúdes clínica, mental e pública, com perfil crítico e humanista. Em 1978 ela se torna multiprofissional.

    De acordo com Haddad et al (2006) e Ramos et al (2006), na década de 80, o país vivia o auge da ditadura militar. O debate acerca da democratização e acesso aos serviços de saúde fervilhava na sociedade civil e nos movimentos sociais. Impulsionada pelo Movimento de Reforma Sanitária, que resistia ao modelo médico hospitalocêntrico, altamente fragmentado e especializado, em detrimento de uma visão de saúde holística.

    As discussões continuavam país afora, fato este que instigou o surgimento das Conferências Nacionais de Saúde, que dentre outras contribuições, em sua oitava realização, gerou o texto constitucional originário ao SUS.

    Para Diniz e Lopes (2010) e Haddad et al (2006) passaram-se décadas até que as lutas surtissem o efeito desejado para o fomento de políticas públicas, vindas principalmente dos ministérios da Educação e da Saúde. Ferreira, Varga e Silva (2009) também vislumbraram a necessidade das equipes de saúde reorganizarem suas formas de trabalho para atender aos preceitos do SUS.

    Diniz e Lopes (2010) e Ramos et al (2006) observaram que durante a década de 90, a atenção básica contribuiu bastante para a implementação do conceito ampliado de saúde. Permeada pela criação do Programa de Saúde da família (PSF) em 1993, reacendeu-se o debate sobre as Residências Multiprofissionais e a integralidade em saúde. As lutas e discussões vigentes à época ganharam o reforço a posteriori da Política Nacional de Promoção da Saúde que tinha como objetivo aproximar os princípios da universalidade, equidade e integralidade. Desse esforço, tendo em vista o fortalecimento do PSF, foram criados os Núcleos de Apoio à Saúde da Família ou NASF (FLORINDO, 2009). Portanto, Haddad et al (2006) elucida que em 2002 o Ministério da Saúde concebeu 19 programas de residências multiprofissionais, voltando-se ao trabalho integrado.

    Com a promulgação da Lei n. 11.129/2005, foi instaurada a Comissão Nacional de Residência Multiprofissional, que alicerça o programa como hoje é conhecido (HADDAD, 2009). Para Ramos et al (2006), é na residência que acontece a transformação dos profissionais de saúde para o modelo de trabalho referenciado na integralidade como princípio das ações interdisciplinares. Segundo Gil (2005) é objetivo da RMS proporcionar um ambiente em que as trocas de saberes e práticas possam acontecer. Logo, percebe-se a contribuição para a atuação integrada entre os profissionais de saúde.

    A construção da atuação multiprofissional se dá em vários e diferentes níveis de interação. Entender e evoluir as práticas e saberes coletivos em saúde demanda tempo e dedicação de toda a equipe envolvida (NASCIMENTO E OLIVERA, 2010).

    Em conformidade com os estudos de Iribarry (2003), Ferreira, Varga e Silva (2009) e Mendes, Lewgoy e Silveira (2008), os modos de interação de trabalho multiprofissional se dão em 4 níveis.

    O primeiro nível é o Multidisciplinar, onde há uma proposta de agrupamento de várias disciplinas num mesmo campo, porém, não há interação entre elas (IRIBARRY 2003). Extrapolando-se esse conceito para um local de trabalho, isso significa dizer que os profissionais são colocados num mesmo local para trabalhar, mas não há articulações entre as ações. Entretanto, não é excluída a possibilidade de relações entre essas pessoas (FERREIRA, VARGA E SILVA 2008).

    O segundo nível é o pluridisciplinar, que acontece quando há várias disciplinas de mesmo nível hierárquico trabalhando em prol de um mesmo objetivo. Há relações de cunho cooperativo entre os profissionais, porém, não há uma instância maior que coordene o trabalho (IRIBARRY 2003). Por exemplo, um médico ortopedista trata a dor lombar de um sujeito, em seguida, o encaminha aos cuidados de um professor de educação física para que se faça o fortalecimento da musculatura afetada. Assim, Iribarry (2003) observa a existência de cooperação entre as ações, os profissionais entram em contato, porém, isso não acontece de forma automática e não há coordenação.

    O terceiro nível é o interdisciplinar, definido por Ferreira, Varga e Silva (2009) como a reunião de várias disciplinas ligadas entre si, obedecendo a hierarquia de um grupo ou disciplina imediatamente superior. Tomando como exemplo, uma Academia da Cidade onde há a presença de professores de educação física, nutricionistas, enfermeiros, médicos e psicólogos, prevalecendo o saber da educação física, caberão a estes profissionais a coordenação da equipe.

    O quarto nível é a transdisciplinar, que é caracterizada pela alta qualidade de integração de planejamento e ações da equipe. Aqui a organização se baseia no compartilhamento do poder e responsabilidades, onde todos tem a mesma força. Para ser alcançado, é preciso tempo, humildade e dedicação dos profissionais.

    É importante encontrar uma forma de expor aos demais suas ferramentas de trabalho e também assimilar as dos colegas. Isso leva a um novo entendimento do processo de trabalho e da magnitude do impacto causado pelas ações em saúde, porque agora não cabe a fragmentação do problema para determinado profissional encontrar a “cura”. Propõe-se uma ação integrada de modo a abranger o âmbito biopsicossocial dos sujeitos.

    Este quarto nível deve ser visto como uma meta a ser alcançada gradativamente pela equipe, inclusive como forma de evitar a centralização do poder (FERREIRA, VARGA E SILVA 2008). Pode-se tomar como exemplo um ambulatório multiprofissional de doenças infectocontagiosas configurado pela presença de psicólogo, enfermeiro, médico, professor de educação física, nutricionista, farmacêutico e assistente social. Com a chegada do usuário ao serviço, todos ofertam escuta, fazem a avaliação pertinente e conjuntamente formulam um plano terapêutico.

    Apesar da proposta de trabalho multiprofissional ser encorajada pelas novas políticas de saúde do país, ainda se percebe o dano que a falta de articulação e debates com as equipes de saúde de todos os níveis de atenção exerce na consolidação da forma de se fazer saúde proposta pelo SUS e RMS.

    Segundo Feuerwerker (2009) há grande resistência por parte dos profissionais de saúde, incluindo o médico em aceitar a proposta de trabalho da RMS. Em alguns lugares o programa de RMS é visto como uma maneira de contratar mão-de-obra barata para os serviços de saúde.

    Problemas dessa grandeza não são raros, todavia, há experiências bastante positivas país afora, onde a RMS é percebida como estratégia fundamental para consubstanciar a proposta do SUS (FERREIRA, VARGA E SILVA 2008; RAMOS et al 2006).

A atuação do Profissional de Educação Física

    Em 1997 o Ministério da Saúde reconhece a Educação Física (EF) como uma das profissões de nível superior da área da saúde, um passo importante para a inserção desses profissionais nas políticas de saúde pública.

    Aliada à portaria 1.065 de 4 de julho de 2005 do Ministério da Saúde (MS) que implementa os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família, elenca a atividade física como uma modalidade de ação em saúde (SANTOS 2008). Em acordo com a Política Nacional de Promoção da Saúde, o MS definiu como prioridades do Pacto em Defesa da Vida (2005) a ênfase na promoção de hábitos saudáveis de alimentação e atividade física (NETO, 2006).

    Para Florindo (2009) a criação dos NASF foi um grande avanço para fixar o Profissional de Educação Física (PEF) no contexto da saúde pública. Segundo Anjos e Duarte (2009) o PEF deve voltar suas ações de forma a minimizar agravos e riscos a saúde e violência, promover saúde e inclusão social através do esporte, práticas corporais conciliados a apreciação de espaços públicos de convivência.

    O ambiente hospitalar também é cenário de prática para o PEF, podendo ser classifica em duas vertentes, Educação Física Clínica ou Coletiva.

    Educação Física Clínica: Caracteriza-se pelo atendimento individualizado. Geralmente em enfermarias, com pacientes de alto comprometimento, ou seja, com indivíduos que requerem um atendimento especial.

    Educação Física Coletiva ou Totale - Definida pelo atendimento a mais de um paciente, onde o objetivo do tratamento pode ser geral ou específico, diferenciando-se ou não de um para outro. MATARUNA DOS SANTOS 2000. p.1).

    Mataruna dos Santos (2000) destaca a importância da forma de trabalho do PEF situar-se nas perspectivas multi, inter e transprofissionais. De acordo com Ceccim e Bilibio (2007), o PEF deve contribuir, junto aos demais profissionais, para a superação do modelo biomédico hegemônico, apropriando-se e produzindo cuidado à saúde no seu processo de trabalho.

    A educação física através de práticas corporais visa (re)habilitar o outro, valendo-se da subjetividade e dos hábitos do outro. Dessa forma, enquanto oferece escuta e examina a pessoa, o PEF passa a interpretar pelo que diz o corpo e a mente do outro, diminuindo o espaço entre eles.

    Entretanto, devido às limitações de toda prática profissional ou pela doença apresentada, nem sempre será possível ofertar ao outro proteção ou reestabelecimento de sua vitalidade.

    Ademais, como advoga Ceccim e Bilibio (2007) talvez o caminho não passe necessariamente pela Academia ou enfermaria, mas procurar construir subjetividades, para sentir, exercer e vivenciar necessidades de saúde. Isto se faz possível quando o profissional toma consciência da composição do seu trabalho e permite abrir novas aprendizagens sobre ele.

    Merhy (2002) apud Ceccim e Bilibio (2007) elucida muito bem a composição do trabalho, através da dicotomização entre a manifestação do trabalho morto e vivo.

    O trabalho morto é a dimensão relacionada à matéria prima, às ferramentas para a construção de um trabalho, ou tecnologias duras, como por exemplo o cronômetro, a fita antropométrica e os manuais de avaliação física.

    O trabalho vivo é pautado pelas tecnologias leve e leve-duras, sensível, está relacionado ao “saber-fazer”, ou seja, ao esforço intelectual de um profissional que se apropria de seus instrumentos e estudos para modificar uma realidade. Pode-se citar como exemplos, a elaboração de uma avaliação física, o planejamento de um programa, ou o tempo de execução de cada exercício.

    É precisamente no trabalho vivo que pode-se romper com um modelo antigo e dar lugar a experimentação de novas práticas, centradas no cuidado. O trabalho vivo só pode acontecer quando há o encontro com o outro. Substanciados nos momentos de fala, de escuta, de elaboração das proposições que pode-se instituir acolhimento ou não.

    De acordo com o autor, é importante que o PEF tenha precisão ao dosar a promoção e execução de sua prática em si, com a utilização de recursos tecnológicos que visem a educação em saúde, de forma a não criar um demasiado distanciamento entre essas duas faces do trabalho.

    Pois, é dever da EF pode colocar o sujeito em contato com sua corporeidade, estimulando-o a entrar em contato consigo mesmo, experimentar, sentir-se em sintonia com os seus desejos, mobilizando não somente um corpo feito de músculos, mas também de afetos.

    Para atingir esse patamar, o PEF deve atuar integrado com a equipe de saúde, dessa forma, é imprescindível que os profissionais situem-se no mesmo campo e permitam-se conhecer e interessar-se pelos espaços, aprendizados e histórias dos outros profissionais de saúde e usuários do sistema de saúde. Como afirma Ceccim e Bilibio (2007, p.59) “A população está aí comunicando com o corpo o sofrimento, não para ser higienizada, moralizada ou curada unilateralmente, mas cuidada e acolhida em relações intercessoras.”

Considerações

    A Residência Multiprofissional é o resultado de décadas de trabalho para se modernizar a forma de pensar e produzir a saúde no Brasil. Percebe-se o programa como fundamental para a consolidação da integralização do serviço de saúde nos três níveis de atenção do SUS.

    Portanto a forma de trabalho multiprofissional se baseia na alta qualidade de inter-relações, planejamento e ações de equipe. Espera-se que haja evolução no modo de organização da equipe. Tendo como objetivo a maior abrangência e resolutividade para as questões de saúde da população.

    Dificuldade para implementar a proposta ainda é um problema recorrente. Em alguns lugares a residência é vista como uma forma de contratação de mão-de-obra barata. Em outros lugares, percebe-se a dificuldade imposta aos residentes, pelos gestores e demais atores envolvidos por tentar suprir a falta de conhecimento da filosofia da RMS, retalhando a residência em campos disciplinares muito distantes.

    Entende-se a construção de uma equipe multiprofissional como algo elementar. Entretanto, é missão da residência fornecer os subsídios para que os profissionais possam evoluir para os demais níveis tendo como meta a composição de equipes transprofissionais. E este processo demanda muito tempo, envolvimento e dedicação de todos os envolvidos.

    A construção de equipes transprofissionais se traduz na melhor alternativa para o sucesso na mudança do paradigma de organização do trabalho integrado em saúde para as equipes dos serviços do país.

    A EF como profissão da saúde, se insere no debate da formação dos profissionais alicerçados no conceito da saúde ampliada, e no processo de construção de equipes transprofissionais visando a transformação da realidade da saúde pública brasileira.

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