Interação e criação no jogo barra-bandeira: aprendizagem na perspectiva parlebasiana e winnicottiana Interacción y creación en el juego del robo de la bandera: el aprendizaje en la perspectiva de Parlebas y Winnicott Interaction and creation in the game barra-bandeira: learning from the perspective parlebasiana and winnicottiana |
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*Graduado em Educação Física – Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Mestre em Educação – Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação – LEPEC/UFPB **Graduado em Educação Física – Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Especialista em Educação Física Escolar (CINTEP) Membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação – LEPEC/UFPB ***Graduado em Educação Física – Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Mestre em Educação – Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Doutorando em Educação – Universidade Federal da Paraíba (UFPB) ****Graduado em Educação Física – Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Corporeidade, Cultura e Educação – LEPEC/UFPB *****Graduada em Educação Física – Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Mestre em Educação Física – Universidade de Pernambuco (UPE) Universidade Federal da Paraíba (UFPB) ******Licenciado em Educação Física, pela Universidade Federal de Santa Maria Mestre em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas Doutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas Pós-doutor pelo Institut Nacional dÉducació Fisica de Catalunya *******Licenciado em Educação Física pela Centro de Ensino de João Pessoa – UNIPÊ Bacharel em Teologia pelo Instituto Teológico Cultural de Ensino - Faculdade de Teologia Avançada de São Paulo Licenciado em Pedagogia pela Universidade Federal da Paraíba-UFPB Mestre em Educação pela UFPB. Mestre em Teologia pela Faculdade de Ciências Teológicas do Rio de Janeiro. Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte |
Rodrigo Wanderley de Sousa Cruz* George de Paiva Farias** Djavan Anterio*** Leys Eduardo Santos Soares**** Danielle Menezes de Oliveira***** João Francisco Magno Ribas****** Pierre Normando Gomes-da-Silva******* (Brasil) |
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Resumo Este artigo versa sobre as aprendizagens interativas e criativas no jogo de Barra-Bandeira. De maneira mais específica, analisa as ações dos brincantes durante o jogo. Consideraram-se as relações comunicativas (cooperação) e contracomunicativas (oposição) durante o jogo, analisando, pela Praxiologia Motriz, idealizada por Parlebas; e observando pelo Espaço Potencial (criatividade), proposta por Winnicott. O estudo se caracteriza como uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa dos dados, do tipo observacional. Objetivou-se refletir nas ações dos sujeitos, e o que delas se sobressaem quanto aos elementos previamente estabelecidos para análise, isto é, partindo em defesa da importância do jogo na construção do sujeito ativo, que se permite adentrar num contexto de competição, porém também de satisfação e de brincadeira. Buscando configurar momentos específicos de análise, explorou-se posicionamentos e observações das equipes, as passagens individuais aleatórias dos sujeitos brincantes (jogadores) e as passagens estratégicas. Por conseguinte, mapeou-se o movimentar-se dos jogadores e a dinâmica que se estabelecia, tendo como ótica, princípios da criatividade e interatividade no contexto do jogo em questão. Concluímos que, intervindo diretamente na maneira de ser, entender e praticar um jogo, é possível colher repercussões que podem ser moldadas e devolvidas aos sujeitos produtores da própria ação. Unitermos: Aprendizagem. Interação. Criatividade. Jogo.
Abstract Keywords: Learning. Interaction. Creativity. Game.
Recepção: 05/12/2014 - Aceitação: 13/01/2015
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 201, Febrero de 2015. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Entendendo o jogo como uma prática de linguagem (GOMES-DA-SILVA, 2011), produtora de significados para quem o vivencia, ancoramo-nos em seu conceito que se sustenta na manifestação relevante e presente em diversos contextos (escola, praças, clubes, campos, praias, etc.). Por este entendimento, o jogo configura-se como possibilidade educativa em diversos âmbitos sociais, principalmente àqueles que, direta ou indiretamente, se fazem presentes na prática. Dito isso, nossa compreensão de jogo, sobretudo como caráter educativo, é subsidiada por um olhar diferente do que exacerbadamente conhecemos: o jogar pelo jogar em detrimento à riqueza comunicativa do mesmo (ROSERO, 2014; GOMES-DA-SILVA et al, 2014; MARIN e RIBAS, 2013; MARIN et al, 2012; GOMES-DA-SILVA, 2011; 2012; RIBAS, 2008; SOARES; GOMES-DA-SILVA; RIBAS, 2012; SOUSA CRUZ; ANTERIO, 2012).
Partimos em defesa da importância do jogo desde o momento em que ele é vivido interativa e criativamente. Quando os jogadores interagem com companheiros e adversários, criando novas soluções para os problemas surgidos dentro da esfera do jogo, emergem-se uma diversidade de aspectos e fatores que se aglutinam e se relacionam, caracterizando um contexto especifico e peculiar. Daí a questão de interagir criativamente não ser apenas saber da existência de companheiros e adversários, mas, nas possibilidades de tomar decisões criativas em momentos específicos, reconhecendo a importância do outro no jogo, seja ele companheiro ou adversário.
Pierre Parlebás idealizou, nos anos 60, a Teoria da Ação Motriz, que busca compreender a lógica interna do jogo, ou seja, suas minúcias internas, seu funcionamento, independentemente dos jogadores envolvidos. Por meio da Praxiologia Motriz, ele criou um sistema de classificação que nos ajuda a entender o jogo, esporte ou qualquer prática motriz e suas interações. Ancorando-nos em Parlebas (2001), principalmente no que se refere à interação, nos detemos às interações comunicativas (entre companheiros) e contracomunicativas (adversários). Isso implica dizer que num jogo como o Barra-Bandeira (que consiste em duas equipes almejarem pegar a bandeira adversária sem ser “congelado”, invadindo o campo oposto e protegendo sua bandeira), existe companheiros e adversários. Com isso, as interações ocorrem tanto na esfera da comunicação/cooperação, como na contracomunicação/oposição.
No tocante à criatividade, baseamo-nos em Donald Woods Winnicott, médico, especializado em pediatria e psicanalista. Ele desenvolveu uma teoria abrangente sobre o desenvolvimento infantil, tendo como temas o brincar em todas suas formas, o relacionamento da vida individual à vida grupal, social e cultural, dentre outros. Ao descrever sobre as experiências transicionais da infância em direção à criatividade, Winnicott (1975) entende que a vida é “experienciada”, evita categorias rígidas e sugere sempre que a vida é movimento. Acreditava que cada ser humano possui um potencial específico que o leva ao amadurecimento. No entanto seu desenvolvimento vai depender de um ambiente facilitador, ambiente este que pode determinar a construção de um “eu saudável”.
Com isso, corroboramos com Oliveira e Gomes-da-Silva (2013, p.75) no que concerne à aprendizagem, pensando no brincar durante o jogo, “as situações de aprendizagem precisam ser qualitativamente elaboradas para oferecer um conhecimento do mundo, possibilitar a construção de diferentes linguagens e ampliar a diversidade de relações”. E é por esse viés que damos relevância a este estudo, nas interações criativas durante o jogo de barra-bandeira e o quanto o brincante aprende jogando a partir dessas relações (comunicativas e/ou contracomunicativas) e nas ações inventivas. A interação comunicativa ou de cooperação ocorre com pelo menos um companheiro tratando de ajudar para atingir o mesmo objetivo. A interação contracomunicativa ou de oposição acontece se realiza diante um adversário que se opõe às suas ações motrizes. A ação inventiva se propõe a criar ações dentro do jogo para um ser mais, se conhecendo e conhecendo o outro, ser menos repetitivo nos gestos, se velando (para os companheiros) e desvelando (para os adversários). Com isso, tentamos responder a seguinte questão-problema: Quais as aprendizagens interativas e criativas que podem ocorrer no jogo de Barra-Bandeira?Dessa forma, objetivamos analisar as ações interativas e criativas dos jogadores num jogo tradicional como o Barra-Bandeira.
Metodologia de estudo
Ao adentrarmos no jogo de barra-bandeira na perspectiva parlebasiana (interação) e winnicottiana (criatividade), a pesquisa se caracteriza como descritiva, com abordagem qualitativa dos dados, do tipo observacional. Dessa forma, pudemos descrever as possíveis interações criativas, os pormenores das ações comunicativas e contracomunicativas; e as criações de novas ações a partir do funcionamento do jogo nas estratégias dos brincantes. Com isso, tomamos a Praxiologia Motriz (PARLEBAS, 2001) para análise das interações e o Espaço Potencial (WINNICOTT, 1975) para observação da criatividade.
Participaram da análise, 20 crianças e adolescentes, sendo 12 meninos e 8 meninas, na faixa etária entre 12 e 13 anos, participantes do Projeto “Brincando nas Férias”, realizado pelo Serviço Social do Comércio (SESC), no período de 01 a 05 de Julho de 2013. Esse é um projeto que visa, desde 2005, na sua retomada de atividades (o projeto tem mais de 20 anos), favorecer crianças e adolescentes a uma pluralidade de experiências durante as férias escolares com vistas em novas aprendizagens e vivências. O projeto conta com oficinas de aventura esportiva, ginástica artística, recreação aquática, recreação esportiva, teatro, dança, cinema, passeios, corrida de orientação e jogos tradicionais, divididos por diferentes grupos de idades (vermelho – 5 a 6 anos; laranja – 7 anos; azul – 8 a 9 anos; amarelo – 10 a 11 anos e verde 12 a 13 anos. Escolhemos para observação e análise a oficina de jogos tradicionais na manhã do dia 01/07/2013 com o Grupo Verde, faixa etária mais avançada do projeto, haja vista, que o jogo, nessa faixa etária, está bem claro no que concerne as suas regras e funcionamento (CHATEAU, 1987; PIAGET, 1994), já vivido na escola, na rua e, precisamente, o jogo do Barra-Bandeira. Isso se justifica por ser um jogo de invasão (oposição) e de proteção (cooperação), ou seja, um jogo em que está presente a relação de companheiros e adversários, com possibilidades de desdobramentos de interações criativas.
Posteriormente, decidimos pelo enfoque da observação e análise do jogo no quesito passagem, como parte relevante e fundamental para o funcionamento do jogo e questão, sendo o momento em que se inicia, o mantém e o finaliza. Não desprezamos as demais ações (“congelar”, pegar a bandeira, proteger), porém, para uma melhor descrição e condições mais acessíveis para captação das imagens (ações), optamos por esse recorte no jogo. Para a captação das imagens durante a prática, com duração de 20 minutos, utilizamos duas câmeras semi-profissionais, sob dois ângulos: um captando o plano geral, priorizando o campo aonde se dava o jogo; outro mais próximo, com planos mais fechados, específicos, captando detalhes (olhares, acenos, falas, deslocamentos, direções) dos brincantes com vistas para a análise interativa e criativa.
Dessa forma, percebemos três formas de passagem no barra-bandeira: (i) passagem para buscar a bandeira; (ii) passagem para salvar o companheiro e (iii) passagem para voltar com a bandeira. Essas três maneiras de passar dentro do jogo envolveram diversas interações, repetidas e inventivas, que ajudam numa análise minuciosa do jogo e das ações dos brincantes. Essas formas de passagem culminaram em três momentos mais detalhados e que serviram de base para análise e discussão no jogo observado: (a) cautela na passagem, referindo-se ao buscar a bandeira, salvar o companheiro e voltar com a bandeira; (b) passagem aleatória, correspondendo às ações repetidas; ausência de combinações e decodificações na passagem, sem criações; e (c) passagens com estratégias antecipações nas ações, criação de estratégias, tomadas de decisão diante um problema no jogo.
Foram divididas duas equipes mistas de 10 jogadores, distribuídos em uma quadra de areia com aproximadamente 30x15m de dimensão. Esse espaço de jogo é rodeado de muitas árvores frutíferas, campo de futebol, quadra de basquete, pavilhão, parquinho e bancos de concreto. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética, na Plataforma Brasil e autorizada pelo parecer n.708.172.
Resultados e discussão
Ao optarmos em analisar as aprendizagens interativas e criativas que podem ocorrer no jogo Barra-Bandeira, nos atentamos para as relações constantes presentes durante o jogo. Isto significa considerar, de forma mais minuciosa, os gestos e táticas nas comunicações (entre companheiros) e contracomunicativas (entre adversários) sob a ótica parlebasiana e como o espaço potencial culmina em novas invenções nas ações dos brincantes em busca do sucesso na jogada, resultando em movimentos criativos, pela seara winnicottiana.
Para substanciar nosso estudo, recorremos a um arcabouço teórico que sustenta e se complementa conceitualmente, fortalecendo as perspectivas aqui discutidas. Dentre eles, citamos: Gomes-da-Silva et al (2014); Gomes-da-Silva e Oliveira (2013); Marin e Ribas (2013); Sousa Cruz e Antério (2012); Soares; Gomes-da-Silva; Ribas (2012); e Ribas (2008; 2005). De certa forma, todos entendem o movimento dentro do jogo como comunicação, que se dá na relação com o outro e o quanto esse movimento resulta em aprendizagens, pois interage com o espaço do jogo, os objetos utilizados e com os jogadores, corroborando com os ideais e teoria de Parlebas (2001) e Winnicott (1975). Além disso, percebem o jogar como um facilitador de ações inventivas, que torna o brincante um sujeito pleno em significado, um partícipe ativo no jogo, capaz de resolver problemas, de tomar decisões mais inteligentes, de perceber o outro no jogo, se desvelando (se mostrando) para seus companheiros e se velando (enganando) para seus adversários.
Com isso, observamos o barra-bandeira de maneira singular. Não nos preocupamos com a destreza técnica ou as habilidades motoras presentes, apesar de compreendermos sua relevância. Enfocamos as interações ocorridas, nas leituras das ações, dentro do jogo e a potencialidade do espaço, tornando o jogo, um ambiente de aprendizado constante. Dessa forma, categorizamos três momentos do jogo em que observamos as aprendizagens dos brincantes no decorrer do jogo, principalmente, no que tange às três formas de passagens anteriormente apresentadas. Esses momentos se divergem em algumas situações, mas, se tornam necessários para uma convergência posterior no próprio jogo, em que os brincantes são levados a observarem e agirem de acordo com a necessidade que o jogo se apresentava, ora na dificuldade de passar, ora na facilidade; por vezes em passagens aleatórias, por vezes em passagens estratégicas.
Quadro 1. Tipos de passagens e momentos principais durante o jogo
1º Momento do Jogo: posicionamento e observação das equipes
Os animadores socioculturais explicaram a atividade (objetivo do jogo, funções, pontuação), mesmo para aqueles que já conheciam o jogo. Em seguida, o espaço da bandeira foi delimitado semelhante ao de uma área do goleiro de futebol, próximo a trave de gol. Uma variação que foi inserida para o início do jogo. Ao invés da tradicional bandeira, foram inseridas duas bolas de borracha de cor branca e amarela. As equipes se espalharam no campo de jogo e, ao sinal dos animadores socioculturais, com palmas e assobios, deu-se início o jogo.
Neste primeiro momento a preocupação era oferecer o melhor ambiente possível, um ambiente que deixasse as crianças bem à vontade. Pois o ambiente, na perspectiva Winnicottiana (1975), é determinante na construção de um eu “saudável” e significativo, de uma existência verdadeira, de um viver criativo. Isso significa que as ações dos brincantes também dependem de um espaço que potencialize as mesmas, dêem condições para tal. Parlebas (2001), sob a ótica praxiológica, classifica o ambiente em domesticado (estável) e selvagem (instável), ou seja, um ambiente definido ou incerto. Nesse caso, o ambiente do jogo de barra-bandeira, além de estar numa situação favorável, se encontrava numa condição estável, ou seja, sem interferência, o espaço era conhecido e os participantes se organizaram em função desse meio. Oportunizar um ambiente saudável e do conhecimento dos jogadores, implica numa segurança das ações, na confiança e numa pluralidade de interações no jogo.
Nesse momento, três grupos de funções dentro do jogo se formam: protetor, pegador e passador. O protetor, protege a bandeira; pegador, pega os invasores; e, por fim, os passadores, que objetivam invadir o campo adversário e “roubar” a bandeira. Os olhares dos passadores se cruzam frontalmente e lateralmente, de ambas equipes. As defesas se mantem estáticas, nenhum movimento é realizado, apenas observam. Os pegadores caminham e correm lateralmente em pequenas distâncias, alguns simulam passar, tentam ludibriar o adversário. De repente, uma passagem é realizada, mas, interrompida por dois pegadores. Concomitantemente diversas passagens ocorrem, a relação de cooperação e oposição fica evidente no jogo. O ambiente de jogo se tornou propício para tal interação: duas equipes, diversas ações e condutas, dentro de uma situação.
Foi possível perceber que o ambiente criado estava aberto à brincadeira. À luz do que defende Winnicott (1975), entendemos que o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde, conduzindo os indivíduos aos relacionamentos grupais. Dialogando com Parlebas (2001), o barra-bandeira se caracteriza como um jogo sociomotriz, em que a interação se torna essência do jogo. De acordo com a classificação praxiológica, é um jogo de companheiros e adversários num ambiente estável (CA) numa rede de interação comunicativa (cooperação) e contracomunicativa (oposição).
2º Momento do Jogo: passagens individuais aleatórias
Após o primeiro momento, de muita observação e delimitação das funções dentro do jogo por parte dos jogadores, o barra-bandeira toma outra dimensão. As passagens passaram a ser constantes, porém, aleatórias. Isso significou em passagens sem combinações prévias e sem a decodificação das ações adversárias, resultando em inúmeros “congelamentos” em face de tentativas individuais que se desdobraram em insucessos na passagem. Retomando a questão interativa, Parlebas (2001) suscita uma melhor compreensão do jogo sociomotriz (barra-bandeira) a partir dos dois tipos de interação: companheiro e adversário. Os processos de comunicação e contracomunicação acontecem simultaneamente, pois os jogadores precisam agir no jogo mediante atenção nas tomadas de decisão dos companheiros e adversários, algo mais complexo. Emergem então questionamentos inerentes a prática do jogo: Passar para pegar a bandeira? Proteger a minha bandeira? Salvar meu companheiro? Congelar meu adversário?
Diante desse cenário, o jogo ganha mais movimentação. Acentuam-se muitas passagens; muitos “congelamentos”; muita volta da bandeira à sua área; mãos dadas para puxar o adversário para seu campo, congelando-o; a brincadeira não desaparece; as crianças se sentem motivadas desafiando e sendo desafiadas por seus adversários. Considerando o que nos traz Winnicott (1975, p.75), as crianças brincam com mais facilidade quando a outra pessoa pode e está livre para ser brincalhona. Culmina-se num enfrentamento divertido, numa tentativa de dominar o jogo pelo toque, pelo olhar disfarçado e movimentos dissimuladores. Em seguida, o jogo passa por um processo reorganizador, o jogo volta, por pouco tempo, a uma fase de observação e cautela de ambas as equipes. Primeiras conversas esboçam surgir. Era um sinal de que algo precisava mudar, as passagens necessitavam de novas estratégias, os problemas dentro do jogo, precisavam de outras soluções.
3º Momento do Jogo: passagens estratégicas
Os dois primeiros momentos foram importantes para os brincantes do jogo. Isso porque, tiveram a oportunidade de se atentarem à importância da atenção e concentração durante o jogo. Estar atento e concentrado é estar envolvido no jogo, junto de seu entorno, diante o espaço que lhe é disponibilizado, em relação aos implementos utilizados e no tocante aos jogadores participantes, seja companheiro, seja adversário (GOMES-DA-SILVA, 2011; 2012).
O primeiro momento serviu para a não precipitação na passagem e na observação do oponente, da clareza das funções de cada jogador. O segundo momento, apesar de caracterizarmos como passagens individuais aleatórias, teve sua relevância, pois, através dele que os erros foram detectados, e precisavam ser corrigidos.
Nesse instante, o jogo consolida-se numa especifica perspectiva: o da aprendizagem. Os jogadores aprenderam que precisavam observar melhor o jogo, seu espaço, seus objetos, a cooperar com seus companheiros e a “enganar” seus adversários, ou seja, precisam criar novas estratégias. Com isso, às vistas de Winnicott (1975, p.88), “é no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança ou o adulto fruem sua liberdade de criação”. Dessa forma, o brincante pode ser criativo no jogo, e sendo criativo, ele desenvolve o eu, integralmente, partícipe ativo do jogo.
De que forma isso foi possível entre os brincantes no jogo do barra-bandeira? Para tal questão, apresentamos três possíveis compreensões. A primeira é que, se antecipando às ações, o sujeito percebe melhor as intenções de passagem do adversário, bem como as falhas na marcação do mesmo. A segunda se sustenta na decodificação dos gestos, dos olhares disfarçados, dos acenos, da manipulação das bandeiras. Por fim, criando novas formas de passar em grupo, diante uma marcação com número inferior de adversários, com uma bandeira, com duas, combinando estratégias coletivas. Sobre essas aprendizagens gestuais e táticas, Parlebas (2001) se refere à comunicação práxica indireta: Gestemas e Praxemas. Essas comunicações práxicas indiretas orientam, facilitam e preparam a comunicação práxica direta (comunicação e contracomunicação motriz). Gestemas são formas de comunicação gestual que facilitam as ações de relação entre os jogadores (mímicas, atitudes, gestos, acenos, etc.) e Praxemas estabelecem um tipo de comunicação tática mediante a execução de ações de deslocamento, tomadas de decisão, antecipação na jogada.
Por meio desses três momentos, os brincantes aprenderam a tomar decisões menos precipitadas, mais inteligentes, diante os problemas oriundos das inúmeras situações no Barra-Bandeira, como, por exemplo, a melhor hora de passar, aproveitar as situações, passar para salvar o companheiro, percebendo-o no jogo, entendendo o tempo de jogo, em que ora está com menos bandeiras, ora com mais bandeiras, e no que isso pode implicar na condução e no resultado do jogo. Aprenderam a criar situações de interação vivendo o jogo, na observação e conduta de si e do outro. É o jogo se tornando rico pela interação e criação.
Considerações finais
O estudo em questão apresentou perspectivas que navegaram por conceitos peculiares acerca do jogo. Por meio de um entendimento mais subjetivo, priorizou-se o entendimento de jogo como uma prática de linguagem, que produz significados, que repercute de forma reflexiva na ação: Para quem passar a bandeira? De que forma conseguirei chegar até a bandeira? Como posso salvar meu companheiro? Que estratégia adotar para proteger meu espaço e minha bandeira?
A intenção foi refletir nas ações dos sujeitos, e o que delas se sobressaem quanto aos elementos previamente estabelecidos para análise, isto é, partindo em defesa da importância do jogo na construção do sujeito ativo, que se permite adentrar num contexto de competição, porém também de satisfação e de brincadeira. Daí a relevância em considerarmos a vivência através da interatividade e da criativamente. Conscientes de tais benefícios e das repercussões que naturalmente se emergem, posicionamo-nos em defesa do jogo criativo, estimulante, lúdico e prazeroso.
A busca foi pela configuração de momentos específicos de análise. Exploramos os posicionamentos e observações das equipes, as passagens individuais aleatórias dos sujeitos brincantes (jogadores) e as passagens estratégicas. A intenção foi mapear, comportamentalmente, o movimentar-se dos jogadores e a dinâmica que se estabelecia, tendo como ótica, princípios da Praxiologia Motriz, idealizada por Parlebas; e Espaço Potencial para análise da criatividade, proposta por Winnicott.
Concluímos que, intervindo diretamente na maneira de ser, entender e praticar um jogo, é possível colher repercussões que podem ser moldadas e devolvidas aos sujeitos produtores da própria ação. Isso é, o universo do jogo é moldado, sobretudo, pela dinâmica relacional (social, corporal) dos sujeitos participantes. Estes, por sua vez, devem ser considerados e fomentados como sujeitos de intervenção, que interferem e contribuem na configuração do jogo.
Referências
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