A mulher atleta: feminilidade e desvalorização. Uma breve revisão La mujer deportista: femineidad y desvalorización. Una breve revisión |
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Nutricionista, Mestre em Medicina: Ciências Médicas Doutoranda em Ciências do Movimento Humano – UFRGS (Brasil) |
Carolina de Ávila Rodrigues |
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Resumo Apesar do papel da mulher, principalmente da mulher atleta, dentro da sociedade ter se modificado ao longo dos anos, ainda existem preconceitos em relação à sua feminilidade e persiste uma desvalorização da mulher atleta quando comparada ao sexo masculino. Objetivo: Revisar e abordar alguns temas relacionados à questão da mulher atleta, feminilidade e esporte na atualidade. Metodologia: Foram selecionados artigos publicados entre 2004 e 2014 que contivessem, pelo menos dois dos seguintes descritores em seu título: feminilidade, gênero, mulher e esporte. Resultados: Fizeram parte desta revisão nove artigos. Entre os principais achados estão a diferença na percepção de feminilidade das pessoas sedentárias em contraponto aos atletas, o preconceito por parte de mulheres atletas tanto em modalidades distintas como praticantes da mesma modalidade, porém com opções sexuais díspares. Também a desvalorização, em geral da mulher atleta, com baixo incentivo ao esporte, pouco investimento monetário e reconhecimento profissional, quando comparada ao homem atleta. Considerações finais: As mulheres têm menor incentivo ao esporte, valorização de suas conquistas e menores oportunidades de profissionalização, além de sofrerem preconceitos em relação à sua feminilidade. Portanto, ainda existem diversos aspectos a serem modificados para que as mulheres sejam vistas e valorizadas da mesma forma do que os homens atletas. Unitermos: Mulher. Esporte. Gênero. Feminilidade.
Recepção: 18/12/2014 - Aceitação: 29/01/2015
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 201, Febrero de 2015. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Mesmo que tenhamos evoluído ao longo dos séculos, a heteronormatividade ainda está presente em nossa sociedade. Quando falamos em mulher, logo associamos ao sexo frágil, ao sexo desprotegido característico da era Vitoriana (ADELMAN, 2003). De acordo com Adelman (2003), para a mulher ter a "verdadeira feminilidade", ela deve ser meiga, gentil e fisicamente frágil ou amorosa, sensível e delicada (MELO; GIAVONI; TRÓCCOLI, 2004). Atributos estes da típica dona de casa e fiel esposa. Assim, esportes violentos deveriam passar longe das experiências de sociabilização de meninas e moças, visto que a feminilidade normativa ainda se associava à maternidade (GOELLNER, 2005). Portanto, a prática esportiva entre as mulheres era mal vista perante os olhos da sociedade, já que era sinônimo de homossexualismo ou "coisa" de homem (FARIAS, 2011). Além da questão da feminilidade, ainda existe a desvalorização da mulher como atleta. Usualmente não se tem o mesmo reconhecimento frente a um bom resultado; a remuneração é diferente entre atletas do sexo feminino em relação ao sexo masculino, mesmo praticando a mesma modalidade como ocorre no futebol de campo, em que as atletas muitas vezes além de treinarem ainda têm que trabalhar para complementar a sua renda. Portanto, este artigo teve como objetivo revisar e abordar alguns temas relacionados à questão da mulher atleta, feminilidade e esporte na atualidade.
Metodologia
Para a busca dos artigos foi utilizada a base de dados Scielo e foram selecionados artigos que contivessem, pelo menos dois dos seguintes descritores em seu título: feminilidade, gênero, mulher e esporte. Assim, foram alocados seis artigos publicados entre os anos de 2004 e 2014. Para incrementar o rol de referências e ampliar o conhecimento, nova busca foi realizada no Google, utilizando os mesmos descritores e adicionando novo critério de inclusão. Os documentos deveriam estar disponíveis em formato PDF. Com esta nova abordagem foram selecionados mais três documentos, totalizando nove referências para confecção desta breve revisão.
Revisão
Feminilidade
Apesar de as mulheres atletas não serem mais vistas como homens ou homossexuais, a questão da feminilidade continua ainda muito presente. O esporte de alto rendimento exige um desempenho ligado à condição física levando à incorporação de força física e musculosidade que não condiz com a feminilidade convencional (SILVEIRA; VAZ, 2014).
De acordo com Goellner, (1999), atribui-se características viris ao corpo feminino excessivamente transformado pelo exercício físico ou pelo treinamento que acabam por questionar sua feminilidade, beleza e mesmo seu sexo. Pesquisa realizada com homens e mulheres divididos em três grupos para avaliação dos níveis de masculinidade e feminilidade - grupo 1: mulheres e homens atletas, grupo 2: mulheres e homens praticantes de atividade física e grupo 3: mulheres e homens sedentários - verificou que os grupos 2 e 3 perceberam as mulheres atletas como mais masculinas do que femininas o que não ocorreu no grupo 1. O grupo 3, igualmente identificou as atletas como menos sensuais, atraentes, elegantes, vaidosas e simpáticas, diferindo do grupo 1 em que isso não foi observado (MELO; GIAVONI; TRÓCCOLI, 2004). Os resultados desta pesquisa nos mostram que quem é atleta percebe de forma diferente a feminilidade da mulher atleta comparado a pessoas sedentárias.
Este fenômeno está arraigado à identidade do grupo pertencente. Fisiculturistas considerarão o padrão de beleza das fisiculturistas mesmo as da categoria physique (as com maior volume muscular) belas, assim como praticantes de crossfit considerarão os braços, trapézio e pernas musculosos de suas praticantes "interessantes" em um contexto de sex appeal. Da mesma forma, ciclistas e corredores de velocidade com grande probabilidade não verão de forma masculinizada, o maior volume muscular do quadríceps de atletas destas modalidades. O que queremos dizer é que a forma como atletas ou pessoas sedentárias enxergam as mulheres atletas depende em grande parte do contexto em que estes se inserem.
Entretanto, as diferenças na percepção da feminilidade de mulheres atletas não se restringe, apenas a atletas e sedentários. Quando quem opina pratica outra modalidade, as impressões também são diferentes. Atletas de vôlei se consideram femininas e vaidosas. Todavia, avaliam as atletas de basquete como masculinizadas já que o uniforme utilizado em quadra não é ajustado ao corpo como o delas (ADELMAN, 2003).
Ainda o preconceito não surge apenas quando falamos de modalidades diferentes, esse fato pode ser observado mesmo dentro de um time, como é o caso das jogadoras de futsal. Algumas atletas desaprovam a masculinidade hegemônica que outras atletas adotam pela sua orientação sexual. Segundo elas, se a atleta é uma mulher, ela deve ser feminina e vestir-se como tal (SILVEIRA; STIGGER, 2013), não importando se a atleta concorda com essa visão.
Como consequência e com o intuito de mostrar que acima de tudo, atletas são mulheres, frequentemente observamos nas modalidades em que o desenvolvimento muscular e força se sobressaem, pode ser observado o uso de indumentária, acessórios e penteados diferenciados como forma de atratividade sexual (SILVEIRA; VAZ, 2014). Mulheres fisiculturistas se consideram femininas, se preocupam e mantém sua feminilidade. Isso pode ser observado nos campeonatos em que as atletas se maquiam, fazem penteados e manicure para ficarem mais belas frente aos juízes (JAEGER; GOELLNER, 2011).
Portanto, mulheres atletas, independente do esporte, são femininas e vaidosas. Cabe, apenas à sociedade aceitá-las com as características que possuem.
Desvalorização da mulher atleta
Como já descrito, possuímos em nossa sociedade a heteronormatividade como algo até então indelével. Os homens são o sexo forte; as mulheres o sexo frágil. Um exemplo bem descrito está no hipismo, em que amazonas relatam que quando crianças não conseguiam evoluir no esporte, já que no momento em que atingiam uma determinada altura significativa para saltar o obstáculo, seus pais optavam por trocá-las para um esporte menos violento como o balé ou o jazz, pois ficavam apreensivos com o fato de que suas filhas poderiam cair do cavalo e se machucarem. Ao contrário dos meninos, em que se caírem não existirá problemas; no máximo ficarão com uma cicatriz (ADELMAN, 2003). Outros relatos que ainda surgem: "pega leve, ela é menina e não está muito bem hoje", já para eles o discurso é sempre outro: "pode puxar, ele aguenta" (ADELMAN, 2003).
No futsal, apesar de se considerarem desvalorizadas em relação aos jogadores de futsal masculino, as jogadoras inconscientemente fazem comparações ao jogo masculino ou mesmo concordam com seus pais ou treinadores alegando que deveriam ter nascido homens. Um relato como este nos remete ao fato de que jogam tão bem quanto os homens, e que talvez tivessem maiores oportunidades de crescimento na carreira esportiva se tivessem nascido com o sexo oposto (SILVEIRA; STIGGER, 2013). Mas por que isso deveria ser assim? Será que o simples fato de jogarem bem não é suficiente?
A desvalorização da mulher comparativamente aos homens não se limita apenas às oportunidades de profissionalização. Usualmente, a mulher abre mão da carreira de atleta ou mesmo de uma prática esportiva em prol da família. Isso é visto com menos frequência no sexo masculino: homens que se dispõe a ficar em casa aos sábados e aos domingos com os filhos para que suas esposas possam treinar para uma competição importante, portanto, sabemos que essas mulheres são minoria. A maior parte da população feminina está tão adaptada à nossa heteronormatividade que não se importa ou não considera um problema abrir mão de alguns interesses pessoais para priorizar a família.
Entretanto, seria justo que homens e mulheres tivessem direitos iguais quando se fala em prática esportiva e incentivo ao esporte. No caso dos homens, especialmente no futebol, basta ser homem que o esporte tem um fim lucrativo. No caso das mulheres além de serem boas atletas, elas ainda tem que ser "atletas boas" ou belas (GOELLNER, 2005), sendo a beleza melhor valorizada do que seu desempenho esportivo.
Existe um assédio moral e sexual, erotizando o modo como se referem às atletas e subvalorizando o esporte como sua ocupação profissional (GOELLNER, 2012). No alto rendimento, as premiações, os patrocínios e os salários são restritos; a visibilidade nos meios midiáticos também é pequena e a ocupação de cargos importantes em órgãos esportivos é ínfima (GOELLNER, 2012). Isso sem falar que os projetos sociais de esporte e lazer travam uma batalha por causa da violência e do uso de drogas presente em diversas regiões (GOELLNER, 2012), como se isso não fosse observado também entre os homens. Ainda temos muito a evoluir neste quesito, e esperamos que as mudanças venham em breve.
Considerações finais
Embora grande parte da população imagine que tenhamos uma sociedade igualitária quando o assunto é homens, mulheres e esporte, ainda estamos muito distantes disto. Conforme discutido ao longo desta revisão, as mulheres têm menor incentivo ao esporte, menor valorização de suas conquistas e menor oportunidades de profissionalização, além de sofrerem preconceitos em relação à sua feminilidade. Aquelas que conseguem se destacar, ainda devem lidar com a questão de terem que ser femininas, delicadas, fisicamente frágeis e amorosas, nos remetendo às mulheres de décadas passadas em que a mulher era criada para servir ao marido e constituir uma mãe dedicada e boa dona de casa. Portanto, ainda existem inúmeros aspectos a serem modificados para que um dia as mulheres possam ser valorizadas e respeitadas da mesma forma do que os homens no esporte.
Referências
ADELMAN, M. Mulheres atletas: re-significações da corporalidade feminina. Revista Estudos Feministas, v. 11, n. 2, dez. 2003.
FARIAS, C. M. DE. Superando barreiras e preconceitos: trajetórias, narrativas e memórias de atletas negras. Revista Estudos Feministas, v. 19, n. 3, p. 911–930, dez. 2011.
GOELLNER, S. V. Imperativos do ser mulher. MOTRIZ - Volume 5, Número 1, Junho/1999.
GOELLNER, S. V. Na “Pátria das Chuteiras” as mulheres não têm vez, 2005. Disponível em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/7/artigos/S/Silvana_Vilodre_Goellner_21.pdf. Acesso em: 7 nov. 2014
GOELLNER, S. V. Mulheres e esporte: sobre conquistas e desafios. Revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero, Ano II, número 4, Brasília 2012.
JAEGER, A. A.; GOELLNER, S. V. O músculo estraga a mulher? a produção de feminilidades no fisiculturismo. Revista Estudos Feministas, v. 19, n. 3, p. 955–976, dez. 2011.
MELO, G. F. DE; GIAVONI, A.; TRÓCCOLI, B. T. Estereótipos de gênero aplicados a mulheres atletas. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 20, n. 3, dez. 2004.
SILVEIRA, R. DA; STIGGER, M. P. Jogando com as feminilidades: um estudo etnográfico em um time de futsal feminino de Porto Alegre. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 35, n. 1, p. 179–194, mar. 2013.
SILVEIRA, V. T.; VAZ, A. F. Doping e controle de feminilidade no esporte. Cadernos Pagu, n. 42, p. 447–475, jun. 2014.
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