Análise da prática de orientação e mobilidade em deficiente visual: um estudo de caso Estudio de la práctica de orientación y movilidad en un discapacitado visual: informe de caso |
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*Graduada em Educação Física Especialista em Educação Especial e Educação Inclusiva Docente da Rede Municipal de Ipatinga-MG **Mestre em Ciências da Reabilitação Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional, Fisiologia e biomecânica do movimento, ciências da motricidade humana Graduada em Educação Física. Orientadora de especialização da UFJF Docente da UNIPAC Vale do Aço - MG Docente da Rede Municipal de Ipatinga-MG |
Fabrícia Geórgia Almeida Florindo de Alcantara* Vanderléia Maria de Faria** (Brasil) |
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Resumo A presente pesquisa é um estudo de caso que teve como objetivo analisar as práticas técnico-metodológicas utilizadas na orientação e mobilidade de uma aluna com baixa visão, da rede municipal de ensino da cidade de Ipatinga-MG. O programa de orientação e mobilidade conta com aquisição de conceitos espaciais, estimulação dos sentidos remanescentes, técnicas de autoproteção, técnicas com guia vidente e com bengala longa. Após o processo de intervenção no período de quatro meses, a aluna já estabelece pontos de referência com o corpo, já explora ativamente o ambiente interno fazendo uso das percepções sensoriais e locomove-se com mais segurança utilizando a técnica de guia vidente e autoproteção. Contudo conclui-se que o treinamento de orientação e mobilidade é essencial para a criança com deficiência visual, pois contribui de maneira significativa na estimulação sensorial, favorecendo a exploração do ambiente, desenvolvendo conceitos, possibilitando autonomia na locomoção, através das técnicas de autoproteção e uso da bengala nos locais que freqüenta. Unitermos: Deficiência visual. Estimulação. Orientação. Mobilidade.
Recepção: 15/11/2014 - Aceitação: 29/12/2014
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 200, Enero de 2015. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Orientação, como enuncia Fellipe e Fellipe (1997), é a habilidade do indivíduo para perceber o ambiente que o cerca, estabelecendo as relações corporais, espaciais e temporais com esse ambiente, através dos sentidos remanescentes. A mobilidade é a capacidade ou estado inato do indivíduo de se mover reagindo a estímulos internos ou externos, em equilíbrio estático ou dinâmico.
A orientação e mobilidade proporcionam ao deficiente visual, autonomia na locomoção, autoconfiança, aumento da autoestima e independência, elementos estes facilitadores na sua integração social (BRASIL, 2006).
Esta é fundamental para o deslocamento no ambiente, é essencial para o desenvolvimento integral da criança. Muitas vezes a movimentação da criança pequena com deficiência visual, pode ser complicada e não acontecer de forma espontânea (ABRAHAMSSON, 2004).
A visão é grande motivadora para o movimento no ambiente e através dela, a criança, desde pequena, aprende sobre o mundo à sua volta. Movimentando-se, as crianças cegas ou com baixa visão são capazes de interagir com o ambiente e desenvolver a compreensão de conceitos que levam ao desenvolvimento de forma integral (ABRAHAMSSON, 2004).
Para Domingues (2010), a função visual é aprendida e, por isso, quanto mais oportunidades de contato com as pessoas e objetos do meio, melhor a criança com baixa visão desempenhará atividades e desenvolverá habilidades e capacidades para explorar o meio ambiente, conhecer e aprender. Pois a orientação é componente cognitivo do movimento intencional, ou seja, um movimento na direção da meta desejada. Este movimento deve acontecer da melhor forma possível, favorecendo seu desenvolvimento e habilidade física.
O programa de orientação e mobilidade ocupa um preponderante papel no desenvolvimento pleno do aluno com deficiência visual, e caracteriza-se como mediador para sua interação nos grupos sociais, contribuindo para a inclusão na escola, principalmente porque possibilita desenvolver condições favoráveis à locomoção com independência e autonomia.
Contudo o presente estudo teve como objetivo analisar as práticas técnico-metodológicas utilizadas na orientação e mobilidade de uma aluna com baixa visão da rede municipal de ensino da cidade de Ipatinga-MG.
Metodologia
O sujeito do estudo é S.G.C.G., 7 anos, do sexo feminino, estudante de uma escola da rede pública de Ipatinga-MG. Esta aluna é atendida na Sala de Recursos (AEE) no contra turno, onde é realizado o trabalho de orientação e mobilidade com a mesma.
O Programa de Orientação e Mobilidade iniciou em fevereiro de 2014, momento do ingresso da aluna na instituição e conta com aquisição de conceitos espaciais, estimulação dos sentidos remanescentes, técnicas de autoproteção, técnicas com guia vidente e com bengala longa.
Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram observações descritivas do processo metodológico da Orientação e Mobilidade. As observações para a coleta de dados foram desenvolvidas na sala de aula com o intuito de desenvolver o ensino e reestruturação de planejamento de aula com a mesma.
Quando a criança iniciou no AEE, foi realizada uma avaliação funcional da visão, que serviu de parâmetro para estabelecer os objetivos educacionais e os procedimentos a serem adotados.
Estudo de caso
O caso estudado refere-se a uma aluna com baixa acuidade visual, com exame sugestivo de degeneração macular bilateral, tipo Stargardt. A deficiência visual foi diagnosticada pelo oftalmologista em outubro de 2013. O médico ao examinar a criança, relatou que se a mesma houvesse feito o teste do olhinho no primeiro mês de vida, já poderia ter detectado a doença ocular. A mãe sentiu necessidade de levar a criança ao oftalmologista, após queixas das professoras e devido a constantes quedas.
A aluna iniciou sua vida escolar aos quatro meses em uma creche. Estudou sempre em escola pública. A mesma foi encaminhada por uma neuropediatra em 2013 para o atendimento com a Terapeuta Ocupacional, onde participou por quatro meses, sendo atendida uma vez por semana. Devido ao baixo desempenho escolar a criança teve que repetir o 1º ano do Ensino Fundamental em 2014. A família da referida aluna é composta da mãe, padrasto e de dois irmãos, sendo um de dois anos e o outro de quatro anos. A família está em processo de aceitação sobre a deficiência da criança.
A mesma freqüenta o 1º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública do município de Ipatinga- MG, e no contra turno tem duas vezes por semana, com duração de quatro horas por dia o Atendimento Educacional Especializado, na área de Orientação e Mobilidade, Braille e Acompanhamento Pedagógico.
Avaliação funcional da visão e da criança estudada
A aluna possui perda do campo visual central, onde a visão de cores foi afetada. A sua visão periférica não estava sendo bem aproveitada e o seu deslocamento no ambiente escolar bastante limitado.
Como suas capacidades perceptivas (tato ativo, audição, a cinestesia e olfato) não estavam desenvolvidas, a criança não conseguia captar as informações do meio ambiente através de suas percepções sensoriais. Com isso a mesma não conseguia se localizar dentro do espaço, nem tão pouco utilizar pontos de referência com o corpo. Esbarrava em móveis, em pessoas, não tinha habilidade para identificar aclives, declives, escadas, obstáculos de qualquer espécie durante a sua mobilidade. Devido a isso, a criança machucava-se bastante em conseqüências das várias quedas.
Segundo Barraga (1991) apud Brasil (2006) é necessário que o educador faça uma avaliação funcional da criança com baixa visão, para que seja observada a capacidade e o desempenho visual. Os conceitos perceptuais são adquiridos através de experiências concretas e enriquecedoras (DOMINGUES, 2010).
Processo metodológico aplicado
A estimulação aplicada nesta criança foi de acordo com Bueno e Bueno (2003), Felippe e Felippe (1997) e Giacomini (2010), seguindo os tópicos abaixo:
1. Treinamento dos conceitos espaciais
Vivenciar relações espaciais com o próprio corpo e com objetos: entrar e sair de pneus, caixas, minhocão, permitindo a criança avaliar a altura, largura e profundidade.
Passar por baixo das mesas, enrolar o corpo como uma bola, passar por dentro de arcos, de cima para baixo, ou de baixo para cima.
Explorar o ambiente da sala de aula e outras zonas da escola, tocando com as mãos nas portas, janelas e móveis (descobrindo tamanhos, larguras, materiais de que são feitos).
Orientar-se em relação a um objeto: colocar-se ao lado, dentro, fora, atrás, em cima, por baixo.
2. Estimulação dos sentidos remanescentes
Treinamento da percepção auditiva
Atividades em que a aluna possa distinguir ruídos, começando dentro da sua própria casa, com o barulho da geladeira, de um aparelho eletrodoméstico, a campainha da entrada da casa, etc. Depois identificar os ruídos dentro da escola, como o telefone, uma porta que bate, uma pessoa caminhando, uma torneira aberta, uma bola sendo quicada no chão.
Jogos de sons.
Levar a aluna a locais externos onde existam diversos sons, para que ela possa discriminá-los.
Caminhar de encontro a uma fonte sonora.
Treinamento da percepção tátil-cinestésico
O treinamento pode ser feito através de jogos como: Dominó tátil de textura, dominó tátil de formas e jogos de encaixe de letras e formas.
Atividades com bolas de tamanhos e pesos variados.
Andar de várias maneiras (de frente, na lateral, cruzando as pernas) sobre uma corda.
Identificar e contar nós ao andar sobre uma corda no chão.
Identificar através do tato: frutas, verduras, legumes.
Detectar e descrever texturas no espaço interior e exterior da escola.
Treinamento da percepção olfativa e gustativa
Estimular a aluna a identificar em diversos ambientes os odores existentes.
Apresentar para a criança produtos comuns com odores fortes. Exemplo: cera, álcool, desinfetante, gasolina. Pedir que discrimine. Depois apresentar os odores suaves, como por exemplo: sabonete, talco, batom e etc.
Apresentar para a aluna frutas, verduras e legumes e esta deve reconhecer e identificar os sabores de doce, amargo, salgado e ácido.
3. Ensino das técnicas com a utilização do guia vidente
Ensinar a aluna a acompanhar um guia. Sendo esta aluna uma criança, ela será instruída a segurar no pulso, e manterá uma distância de um passo atrás do educador.
Percorrer vários ambientes com a criança.
4. Ensino das técnicas de autoproteção
Ensinar a aluna a proteger o corpo, colocando o braço em extensão na diagonal na frente do corpo, com a mão para baixo e o dorso da mesma voltada para frente, ao centro da região mais baixa do abdômen (proteção inferior).
Ensinar a aluna a proteger a parte superior do corpo (altura do tórax e rosto), flexionando o cotovelo, elevando-o até a altura do ombro, com a palma da mão voltada para frente e os dedos levemente flexionados (proteção superior). Fazer com que a criança caminhe empregando as técnicas. Colocar alguns obstáculos no caminho para que a criança possa encontrar, utilizando as técnicas.
Utilizar a técnica de rastreamento com o dorso da mão.
Fazer o rastreamento da parede da escola (sala de aula, banheiro, quadra).
5. Ensino das técnicas com a bengala longa
Andar dentro da escola utilizando uma pré-bengala (carrinho de supermercado de brinquedo adaptado).
Andar empurrando um arco.
Conhecer a bengala.
Usar a técnica de toque constante (adaptação da técnica de deslizamento).
Experimentar a bengala como pára-choques, utilizando alguns pneus no percurso, que servirão de obstáculos.
Experimentar a bengala em diferentes espaços e ambientes, fazendo a criança perceber as diferenças de pisos.
Avaliação após intervenção
Após a aplicação do programa de orientação e mobilidade com a duração de quatro meses, a criança já passou a explorar ativamente o ambiente interno da escola utilizando o corpo todo, pois já consegue perceber o espaço físico utilizando o resíduo visual e as pistas: auditivas (uma torneira aberta, ventilador ligado, sons característicos da cozinha, do banheiro e outros), tátil-cinestésica (aclives, declives, as texturas da parede e os tipos de piso) e olfativa (odores característicos da cozinha, sanitários e jardins).
Com relação a sua orientação espaço-temporal e a consciência corporal, a aluna passou a estabelecer relações espaciais e pontos de referência com o corpo e conseguir orientar-se espacialmente em relação aos objetos, pessoas e som.
A aluna passou a descolar com mais segurança utilizando a técnica de guia vidente: subir e descer escadas, localizar mesas, cadeiras e portas e fazer rastreamento em linha guia. Dentro do espaço escolar a criança adquiriu uma independência para ir e vir (rotas simples): de uma sala para outra, ir ao banheiro sozinha e tomar água. Mas ainda está em processo de treinamento quanto à utilização da bengala, pois necessita de mais atividades práticas de manipulação da mesma, utilizando as técnicas de toque, deslize, varredura e de exploração de objetos com a bengala como enuncia Brasil (2003).
Considerações finais
O treinamento de orientação e mobilidade é essencial para a criança com deficiência visual, porque contribui de maneira significativa na estimulação de seus sentidos remanescentes, permitindo à mesma utilizar o tato, a audição, o olfato e seu resíduo visual de forma eficiente em todas as atividades, garantindo a organização do seu conhecimento e o deslocamento dentro do espaço que a rodeia.
Os benefícios trazidos para a aluna através deste programa puderam ser observados, no dia a dia, dentro da escola e também foi relatado pela mãe a melhora da filha quanto à realização de atividades de rotina dentro de casa e a diminuição das quedas durante a sua mobilidade.
Vale ressaltar a necessidade de iniciar um programa de orientação e mobilidade na infância, e este deve atender às demandas da criança, favorecendo a exploração do ambiente, desenvolvendo conceitos, possibilitando autonomia na locomoção através das técnicas de autoproteção e uso da bengala nos locais que freqüenta.
Assim, verifica-se que o processo metodológico aplicado foi importante para garantir uma estimulação sensorial adequada e conseqüentemente na aplicação de técnicas de guia vidente e com bengala longa.
Contudo, será realizada outra avaliação da criança no final do ano para que se possam verificar tais avanços em um tempo maior de estimulação. Assim, sugerem-se novos estudos em um tempo maior, para aplicação do programa.
Referências
ABRAHAMSSON, R. A autonomia para movimentação no ambiente e a independência para ir e vir: orientação e mobilidade para a criança pré-escolar cega ou com baixa visão. São Paulo: Laramara, 2004.
BRASIL. Inclusão. Revista da Educação Especial. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2006.
BRASIL. Orientação e Mobilidade: Conhecimentos básicos para a inclusão do deficiente visual. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2003.
BRASIL. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos cegos e de alunos com baixa visão. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2006.
BUENO, M. M.; BUENO, S. T. Deficiência visual: aspectos psicoevolutivos e educativos. São Paulo: Santos, 2003.
DOMINGUES, Celma dos Anjos. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar: os alunos com deficiência visual - baixa visão e cegueira. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial; Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2010.
FELIPPE, J.A. de M.; FELIPPE, V.L.R. Orientação e Mobilidade. São Paulo: Laramara, 1997.
GIACOMINI, L. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar: orientação e mobilidade, adequação postural e acessibilidade espacial. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial; Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2010.
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