Análise da Futebolização na Copa do Mundo 2014 Análisis de la Futbolización en la Copa del Mundo 2014 Analysis of Footballisation in the World Cup 2014 |
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Professor assistente da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) Graduado em Educação Física, pós-graduado em Administração e Marketing Esportivo Mestre em Educação/Estudos Culturais. Coordenador do curso de Pedagogia (Unidade da Uergs em São Francisco de Paula) |
Rodrigo Koch (Brasil) |
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Resumo Este ensaio pretende discutir a futebolização – processo globalizador através do futebol com evidências a partir da década de 1990 – na Copa do Mundo FIFA 2014, apontando quais são as nações mais futebolizadas que participaram do evento. Para a contextualização dos dados foram consideradas algumas variáveis, como o número de jogadores que atuam fora do país, atletas naturalizados convocados e número de estrangeiros atuando no campeonato nacional, entre outras. As análises concluem que a Espanha é o país que mais difundiu seus valores através do futebol nos últimos anos, seguida pela Alemanha, Itália, França e Inglaterra. Neste ensaio também são feitas observações sobre a condição contemporânea do futebol brasileiro, sede do campeonato mundial. Unitermos: Futebolização. Copa do Mundo de Futebol. Contemporaneidade.
Abstract Keywords: Footballisation. World Cup Soccer. Contemporary.
Recepção: 27/11/2014 - Aceitação: 16/12/2014.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 199, Diciembre de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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O Processo de Futebolização
A futebolização (KOCH 2012), processo globalizador através do futebol pelo qual passa a sociedade pós-moderna, implica conceitos de ‘hibridação’, ‘globalização’, e ‘sociedade do espetáculo’; e esta também produz uma nova linguagem e também é consequência desta. Archetti (apud GUEDES 2009) caracteriza o esporte como um local de ‘zona livre’: “(...) nas sociedades modernas, o esporte, os jogos e a dança são lugares privilegiados para a análise da liberdade e da criatividade culturais”. (GUEDES 2009, p.456)
O futebol aparece como modalidade centralizadora desses processos culturais híbridos, principalmente após a criação das zonas de livre comércio tanto na Europa como nas Américas, inclusive permitindo que atletas se naturalizem e defendam as cores de outra nação que não seja sua pátria de nascimento. Ora, o futebol pode muito bem explicar e se encaixar no processo de hibridação com exemplos de jogadores que adotaram novas nacionalidades após transferências de seus clubes de origem para terras longínquas, além das verdadeiras babilônias étnicas e culturais em que se transformaram as grandes equipes do cenário internacional. Os melhores exemplos atuais são os principais times que fizeram os jogos finais da Champions League (Liga dos Campeões da UEFA1) nos últimos anos: Barcelona, Bayern Munique, Manchester United, Internazionale, Chelsea, Milan e Real Madrid, que contam em seus plantéis com jogadores de inúmeras nacionalidades e formam o bloco dos clubes de futebol mais ricos do planeta. “Essa competição é a encarnação do mercado único europeu, uma densa rede de talento. As equipes na Liga dos Campeões podem buscar talentos em qualquer lugar do mundo” (KUPER; SZYMANSKI 2010, p.32). “Sendo multinacionais que recrutam trabalhadores em vários países, (...), tais clubes propõem um futebol sem fronteiras”. (FRANCO JÚNIOR 2007, p.95) Kuper & Szymanski (2010) defendem que o multiculturalismo é salutar para as atividades profissionais como o futebol atual. De acordo com os autores “quando você reduz a oferta de talento, limita o desenvolvimento de habilidades. Quanto maior o grupo de pessoas a serem selecionadas, mais provavelmente surgirão novas ideias” (p.24). Portanto, a presença de várias nacionalidades em um time de futebol contribui para a melhora técnica do mesmo.
Os eventos esportivos – como a Copa do Mundo de Futebol – são hoje o campo onde se dá a grande ebulição da produção e consumo midiáticos. São eventos completamente planejados, do pontapé inicial até a entrega do troféu, onde e quando naqueles trinta dias surgem vilões, heróis e histórias emocionantes dessas personagens. É o momento de selecionar as imagens que traduzem a saga da glória e que ficarão marcadas na memória da sociedade. O espetáculo ocupa totalmente a vida social e se torna uma mercadoria da mídia. Não só a Copa do Mundo de Futebol, mas diversos torneios e campeonatos do esporte mais popular do planeta penetram os lares das mais diversas nações – até aquelas que não estão envolvidas na competição – difundindo seus modelos, fórmulas, valores e ideais.
Pós-modernidade e futebol
A futebolização pode ser considerada um dos processos da condição pós-moderna, que ganha força a partir da década de 1990, atuando como agente de globalização à medida que ocupa lugar de esporte e entretenimento de massa ao mesmo tempo nas sociedades contemporâneas. Para exemplificarmos esta situação, podemos usar o caso do Chelsea, clube da Inglaterra. “Mais que qualquer outro clube do mundo, o Chelsea foi transformado pela globalização e pela renovação arquitetônica da cidade. Passou de clube mais intimamente identificado com o hooliganismo dos anos 1980 àquele que mais se identifica com o cosmopolitismo de década de 1990. (...) o Chelsea teve a distinção de ser o primeiro clube da Inglaterra a montar um time sem nenhum inglês”. (FOER 2005, p.87) O futebol representa uma linguagem universal nas sociedades contemporâneas ocidentais, pois qualquer pessoa de qualquer etnia é capaz de entender seus movimentos, se identificando com este ou aquele time, ou melhor, com os atores do espetáculo. Portanto, o futebol se transformou nas últimas décadas em um veículo de comunicação e difusão de novos conceitos, valores e mercadorias. Em outras palavras, sem saber, o futebol aos poucos se transformou em uma commodity, inclusive com a transformação da linguagem esportiva, onde a palavra “patrocinador” foi posta de lado para dar lugar a um termo mais simpático: “parceiro”. No entanto, nesse processo de transformação do futebol também há a crítica. Fiengo (2003) defende que “as partidas de futebol na era pós-moderna seriam fenômenos exclusivamente televisivos, ou seja, eventos reais que só podem ser experimentados por meio das telas” (pág. 266), afastando as classes menos privilegiadas do entretenimento direto, e/ou impondo os valores dos mercados econômicos mais fortalecidos. Com as alterações arquitetônicas que os estádios estão sofrendo, se transformando em arenas de entretenimento e consequentemente elevando o preço dos ingressos é natural que o torcedor menos favorecido economicamente seja ‘convidado a se afastar’ do espetáculo in loco. Suas possibilidades de aquisição estão começando a ficar restritas aos canais de tevê a cabo. Para os clubes não há mais interesse no torcedor que apenas compra o bilhete, pois há uma série de produtos que circulam no futebol, prontos para serem adquiridos por ávidos consumidores.
A futebolização vem ocorrendo em escala mundial há cerca de vinte anos, com efeitos mais notórios desde a virada do milênio, nos países identificados como terceiro-mundistas. Trata-se de um processo globalizador pelo qual as sociedades locais são influenciadas através da mídia pelo esporte mais popular do mundo: o futebol, que passa a instituir valores culturais e comerciais em uma constante luta de poder. Inevitavelmente há uma futebolização mercantilizada do que vem do exterior para a sociedade local, que ‘acolhe e consome’ os novos costumes e mercadorias. Se apropriar de roupas/símbolos de outras culturas, gera uma nova cultura: uma cultura local modificada.
Identidades no futebol pós-moderno
O futebol parece ser um dos melhores exemplos para se discutir identidades locais, regionais e nacionais na pós-modernidade. É possível identificar, através das manifestações culturais produzidas pelo esporte mais popular do mundo, grupos extremamente ligados por valores semelhantes e que se comportam de maneira similar mesmo à distância, sem que nunca tenham tido contato direto. O futebol também produz “comunidades imaginadas” e metamórficas, com seguidores especificamente de ídolos. Esses trocam constantemente de camiseta, mas continuam intimamente ligados ao futebol e a tudo que é produzido pelo seu ícone. Também há aqueles que se identificam com o clube do momento, ou seja, a equipe que está conquistando mais títulos e que está em maior exposição midiática. Uma parte, depois de criar vínculo, segue torcendo e acompanhando tal agremiação, mas a maioria dos jovens migra para o próximo time que estará em evidência seja pelo seu conjunto ou por seus valores individuais. As inúmeras camisetas do Barcelona que já circularam pelas ruas recentemente podem ser em pouco tempo substituídas pelas de outros times/clubes que comecem a vencer campeonatos e aparecer destacadamente na mídia. A efemeridade dos ícones e a volatilidade das fontes de inspiração identitárias estão presentes no processo de futebolização da cultura entre crianças e jovens contemporâneos.
O jogador de futebol pós-moderno
Para discutir alguns pontos que envolvem o jogador de futebol na pós-modernidade, é interessante utilizar os aportes de Zygmunt Bauman. Segundo Bauman, “a vida líquida é uma vida de consumo. Projeta o mundo e todos os seus fragmentos animados e inanimados como objetos de consumo, ou seja, objetos que perdem a utilidade enquanto são usados” (2007, pp. 16-17). O que pode nos assustar é quando percebemos que estes objetos são os próprios cidadãos. “É um pensamento reconfortante – mas também prenhe de sofrimento quando as ‘coisas’ a serem consumidas pelos consumidores são outros seres humanos” (2007, p. 140).
Trazendo a temática para o futebol, mais precisamente para o jogador de futebol, não há nada melhor para um atleta da pós-modernidade do que estar desprendido de emoções sólidas que marquem ou determinem sua permanência em um lugar, ou seja, sua fixação a uma cidade ou a um clube. Esta relação modificada, do futebolista como ‘mercadoria’, teve seu marco em 1995 com a criação da Lei Bosman2 na Europa. Para o jogador de futebol dos tempos atuais – caracterizado pelo individualismo – o ideal é ser independente e flexível. O autor também argumenta que o empregado ideal é aquele sem vínculos, compromissos ou emoções anteriores. As características do profissional pós-moderno apontadas por Bauman, ou líquido como prefere o autor, se encaixam perfeitamente na maioria dos jogadores de futebol que percorrem durante suas curtas carreiras – que poucas vezes ultrapassam os 15 anos ou no máximo 20 anos de profissão – diversas equipes, cidades, países e continentes. Não há mais tempo para criar vínculos duradouros. A necessidade do mercado faz com que tenham que buscar novas identidades a cada momento, possibilitando casos e situações inimagináveis há menos de trinta anos atrás, como ver negros africanos nos Cárpatos russos, ou representantes das classes pobres sul-americanas adquirindo mansões e fazendo fortuna em meses de atuação na Europa, ou ainda as verdadeiras ‘Torres de Babel’ do futebol, instituídas nas principais equipes do cenário mundial da modalidade. “O futebol está mudando e está se tornando mais um mercado livre, (...). Os melhores jogadores estão mais livres para passar de um clube ao outro praticamente quando querem” (KUPER; SZYMANSKI 2010, p.154).
Alguns atletas, em geral jovens apostas que prometem se tornar craques no futuro e que integram as seleções de base de seus países na América Latina e África, deixam suas origens quando ainda são muito novos e, por vontade e orientação de seus empresários (tutores), passam a percorrer inúmeros países da Europa, normalmente fazendo o caminho do leste para o ocidente e do sul para o hemisfério norte. Invariavelmente migram de clubes médios em seus países para pequenas equipes da segunda linha do futebol europeu, onde devem se adaptar às condições do novo mundo. Vivem em um constante transbordamento de expectativas e variáveis emoções, que giram desde a alegria, passando pela aflição, tristeza e ódio. São levados para lá e para cá como qualquer mercadoria.
Saldanha (2009) avaliou questões comportamentais dos jogadores de futebol relacionadas ao mercado consumidor pós-moderno. “Além de talento dentro de campo, os jogadores modernos têm de demonstrar desenvoltura em estúdios, e intimidade com câmeras e flashes. (...) Desvinculados de seus clubes, livres de qualquer rejeição por rivalidade, eles se transformam em grandes estrelas, cada vez mais requisitadas para esse tipo de serviço. Não por acaso, temos a impressão de que alguns atletas conciliam o futebol com a carreira de modelo. (...) A capacidade de agradar patrocinadores e alavancar a venda de produtos com sua marca pessoal se torna, muitas vezes, mais importante para o atleta do que suas conquistas dentro de campo”. (SALDANHA 2009, pp.81-84)
O jogador de futebol pode ser considerado uma engrenagem fundamental desta máquina consumidora pós-moderna a que Bauman tem se referido como sociedade de consumidores. Dentro do mercado dos ‘pés de obra’ e da mercantilização do jogo, são eles as principais ferramentas para gerar receitas aos clubes, investidores, patrocinadores e empresários; contudo, não possuem instrumentos suficientes para administrarem suas próprias carreiras, tornando-se assim reféns da sociedade de consumidores. São bens, produtos e mercadorias que perdem o valor facilmente. Uma lesão, uma temporada ruim, um técnico exigente e antipático ao atleta, um clube distante, a idade que avança, além de tantas outras variáveis, e tudo poderá estar perdido. São todos aspectos ligados à adaptação do atleta. “As representações simbólicas de uma nova cultura emergem por todos os lados nas vidas desses jogadores; eles precisam aprender uma língua desconhecida, experimentar uma culinária diferente, se adequar a novos regimes morais” (PALMIÉRI 2009, p.99). O fracasso está sempre à espreita e há necessidade de lutar contra isso diariamente. O atleta pós-moderno não deve adquirir sentimentos sólidos por nenhum clube, deve estar disponível para enfrentar qualquer adversidade e mudança repentina e, principalmente, deve estar preparado para o inevitável final abrupto de sua carreira.
Um dos fenômenos mais recente da futebolização é o ítalo-ganês Mario Balotelli, destaque da Eurocopa 2012, disputada na Polônia e Ucrânia. Filho de imigrantes ganeses, o futebolista nasceu em Palermo e foi abandonado pelos pais em um hospital de Brescia, onde viveu sob cuidados médicos até os dois anos de idade, sendo então entregue para a adoção. A nova família, de origem judaica, batizou o menino com o sobrenome Balotelli, mas sua nova nacionalidade só foi concedida quando completou 18 anos de idade. Antes, o jovem Mario era considerado um cidadão do mundo, “sem identidade”. Defendendo o Manchester City (Inglaterra)3, clube revigorado pelos investimentos do petróleo árabe, Balotelli se configurou no maior ícone da luta contra o racismo no futebol. Ganês de origem, italiano por adoção, com traços culturais judaicos4, e também inglês e árabe por força do mercado futebolístico.
A Futebolização da Copa do Mundo 2014
A Copa do Mundo FIFA 2014, no Brasil, me parece o cenário ideal para analisarmos as consequências e produtividades da futebolização na contemporaneidade. Verificar como foram constituídas as seleções que disputaram o torneio, ou seja, onde nasceram e onde atuam estes futebolistas, pode nos dar indicativos dos mercados mais fortes do futebol na atualidade. Foram avaliadas todas as seleções e seus convocados.
Primeiramente, se ainda buscamos algo ‘puro’ neste espaço de lutas sociais constantes que é o futebol, vamos apontar quais as seleções que não tiveram a necessidade de se valer de algum elemento ‘externo’ ou ‘estrangeiro’. São poucas as nações que tiveram este privilégio na última edição da Copa do Mundo. Argentina, Brasil, Coréia do Sul, Equador, Honduras, Inglaterra, México e Uruguai foram os países que contaram com técnico e todos os convocados da nacionalidade de seus próprios países, mas vale lembrar que muitos destes atletas tiveram sua formação em equipes europeias, caso notório do argentino Lionel Messi entre outros. Este conjunto de nações representa 25% dos participantes no torneio, mas vejam que a maioria destes países é do continente americano e, com o detalhe de que os atletas destas nações em sua grande maioria estão atuando fora de seus países de origem como veremos mais adiante. Apenas uma seleção é europeia, a Inglaterra – principal mercado do futebol nos últimos anos, tendo aberto suas fronteiras para o investimento dos árabes e russos. Na outra ponta deste cenário, encontramos o oposto, ou seja, países que contrataram técnicos estrangeiros e também nacionalizaram atletas para compor as seleções que disputaram a Copa do Mundo FIFA 2014. Os casos mais extremos são da Suíça, da Bósnia-Herzegovina e da Argélia. Os suíços, que adotaram um técnico alemão, tiveram apenas 17 jogadores nascidos no país convocados para o torneio. Outros dois eram macedônios, dois iugoslavos, um de Cabo Verde, e outro marfinense. Portanto, foi uma seleção suíça com traços eslavos e africanos. Já a Bósnia-Herzegovina, depois do esfacelamento da antiga Iugoslávia, contou com um técnico e 17 atletas nascidos neste país desmantelado pelas inúmeras etnias e religiões que o compunham até a década de 1990. Também foram chamados três alemães, um croata, um suíço e, ainda, outros oito bósnios para formar a seleção que estreou em Copas do Mundo, no Brasil em 2014. E a Argélia se valeu de vinte atletas nascidos na França que, por suas origens, foram naturalizados ou adquiriram cidadania argelina5. Fizeram parte deste grupo de seleções (quase 20% do total), Chile (técnico argentino e um jogador sueco), Austrália (técnico grego e um jogador iugoslavo), e Grécia (técnico português, um jogador tcheco e um jogador alemão).
Quase 25% das seleções que participaram do mundial optaram por contar com um técnico estrangeiro para comandar seus atletas. Foram os casos de Camarões (técnico alemão), Colômbia (técnico argentino), Costa do Marfim (técnico francês), Costa Rica (técnico colombiano), Estados Unidos (técnico alemão), Irã (técnico português), Japão (técnico italiano), e Rússia (técnico italiano). Grande parte destes países são africanos ou asiáticos, o que nos faz acreditar que na contemporaneidade estas nações não dispõem ou não apostam na qualidade de seus técnicos locais, ou ainda, que sofrem influência do passado colonial quando se pensava que somente a intelectualidade europeia era capaz de comandar as novas terras (nações) descobertas. Também é curioso analisar que alguns países que contam com técnicos estrangeiros, têm profissionais atuando em outras seleções. Neste mercado, o maior fornecedor de ‘mão de obra’ na Copa 2014 foi a Alemanha, com quatro técnicos no torneio, seguida por Argentina, Itália e Portugal com três cada.
As grandes escolas europeias do futebol, apesar de em 2014 manterem técnicos locais, há anos já não conseguem mais evitar a presença de atletas de outras nacionalidades entre seus convocados. Os campeões mundiais Itália, Alemanha, França e Espanha e, as boas seleções de Holanda e Portugal, além da Croácia e da Bélgica, chamaram jogadores estrangeiros naturalizados para disputar a Copa do Mundo. Os italianos – tetracampeões mundiais – contaram com dois brasileiros (Thiago Motta e Rômulo) e um ítalo-ganês (o já citado Mario Balotelli); a Alemanha – agora, quatro vezes campeã – chamou novamente os poloneses Lukas Podolski e Miroslav Klose, este último tendo se tornado o maior goleador em Copas do Mundo em 2014; a França – campeã do mundo em 1998 – teve o angolano Eliaquim Mangala entre os convocados; e a Espanha – vencedora na África em 2010 – utilizou o brasileiro Diego Costa e o ítalo-brasileiro Thiago Alcântara. A Holanda contou com um atleta português, a Croácia com seis iugoslavos e dois brasileiros6 e, a Bélgica com um atleta nascido no Zaire. O caso que chama mais atenção é da seleção de Portugal, que apesar de não ser a nação que mais atletas estrangeiros convocou, era o país com mais diversidade étnica na Copa do Mundo. Eram 17 portugueses (sendo o principal deles – Cristiano Ronaldo – natural da Ilha da Madeira), dois atletas de Cabo Verde, um brasileiro7, um angolano, um de Guiné-Bissau e um francês. Entre os países que mais forneceram atletas para outras nações estão a extinta Iugoslávia, França, Brasil e Alemanha. Países africanos com pouca tradição futebolística chamaram atenção, como Cabo Verde e Angola, que ‘emprestaram’ três e dois atletas respectivamente para outras seleções.
Mas os aspectos do processo de futebolização na Copa do Mundo FIFA 2014 não são só estes. Há ainda outras análises que podem ser feitas. Onde atuam (em que clubes/países) estes jogadores? Quais seleções têm mais e menos atletas jogando em seus próprios países? O futebol inglês aparece no topo da lista dos campeonatos nacionais que mais tiveram atletas chamados para o torneio mundial. Quase 15% dos convocados pelas 32 seleções que disputaram a Copa do Mundo defendiam clubes ingleses. No segundo posto estão os campeonatos de Itália e Alemanha, seguidos por Espanha, França e Rússia. Este bloco europeu inicial totaliza mais da metade (aproximadamente 56%) dos atletas que disputaram o mundial. Entre os países da América, o México lidera, com os Estados Unidos em segundo e o Brasil em terceiro8. Apontado como o país do futebol, os clubes do Brasil tiveram apenas 16 jogadores convocados para a Copa, ou seja, menos de 2% do total. Estes números comprovam que a Europa continua – ou está cada vez mais – concentrando o capital futebolístico do planeta, não somente financeiramente, mas também tecnicamente. Cerca de 75% dos grandes jogadores de futebol atuam no continente europeu. Nas Américas são apenas 14%; e os restantes se dividem entre a Ásia, a África e a Oceania. Os maiores fornecedores de atletas para outras nações são os países sul-americanos e africanos. A grande maioria dos argentinos, brasileiros, colombianos, e uruguaios jogam em clubes europeus. Apenas seis atletas que atuavam no Brasil, cinco na Argentina, três na Colômbia e um no Uruguai foram convocados9 pelas suas seleções. Entre os africanos o cenário é ainda pior. Camarões e Costa do Marfim tiveram apenas dois jogadores convocados que atuavam nos países; Argélia e Nigéria cinco, e Gana apenas um. A situação é diferente entre os asiáticos, pois devido às barreiras diplomáticas e de idiomas muitos são obrigados a permanecerem em seus países como são os casos de Irã e Japão.
Destaque para a Turquia como destino dos futebolistas, já que a seleção local não conquistou vaga para a Copa do Mundo FIFA 2014 e, participou poucas vezes do torneio em edições anteriores, mas se tornou um mercado lucrativo após a virada do milênio, aparecendo entre os dez principais da atualidade. Entre os países que disputaram o mundial 2014 e que conseguiram manter a maior parte dos seus atletas atuando em seu campeonato nacional estão a Rússia, a Itália, a Alemanha, a Inglaterra e o Irã na lista do maior para o menor. Na ordem inversa aparecem Gana, Uruguai, Costa do Marfim, Camarões e Bósnia-Herzegovina como os que mais perderam jogadores de suas seleções para o mercado internacional da bola nos últimos anos.
Considerações sobre a Futebolização Contemporânea
As consequencias e produtividades da futebolização evidenciadas na Copa do Mundo FIFA 2014, no Brasil, expõe um cenário onde o futebol se transformou em uma commodity e o jogador de futebol em sua principal mercadoria. Para tentarmos apontar entre os países que participaram do último mundial qual é o mais e o menos futebolizado deveremos levar em conta algumas variáveis, como o número de atletas convocados que atuam fora do país, a presença de um técnico estrangeiro no comando da seleção ou não, o número de atletas cedidos para outras seleções, e o número de atletas estrangeiros convocados que atuam em seu campeonato nacional, entre outras.
Nesta equação, podemos chegar à conclusão que na última temporada – que antecedeu a Copa do Mundo FIFA 2014, no Brasil – os países que mais difundiram seus valores através do processo de futebolização foram Espanha, Alemanha, Itália, França e Inglaterra, ou seja, os principais mercados do futebol internacional. Os espanhóis, naturalmente, ocupam o primeiro posto pelos altos investimentos em contratações e marketing nas últimas décadas das duas principais equipes do país, Real Madrid e Barcelona, contando com as duas maiores estrelas do futebol mundial – o português Cristiano Ronaldo e o argentino Lionel Messi –, apesar destes não serem espanhóis. O título mundial da Espanha na Copa do Mundo 2010 é consequencia disto e, isto também leva o futebol espanhol ao primeiro lugar no ranking da futebolização. A última final da Liga dos Campeões, entre os dois clubes da capital Madrid, sacramenta este cenário. A Alemanha está hoje na segunda posição por contar com uma equipe cosmopolita – o Bayern de Munique – e além disso importar e exportar talentos, tanto para seu campeonato nacional como para outros campeonatos europeus e seleções diversas. O título de 2014 poderá colocar os alemães, momentaneamente, no primeiro posto em breve, pois vários de seus atletas campeões estão sendo exportados e novos técnicos devem ser contratados por outras seleções durante o próximo quadriênio. A Itália se mantém entre os três principais, adotando a mesma estratégia que criou na década de 1980. Eles foram os primeiros a derrubar as fronteiras do futebol de uma forma mais agressiva, importando os principais atletas do mundo e, tentando manter o maior número de jogadores da squadra azurra no seu campeonato nacional. Além disto, sempre foram ávidos na arte de naturalizar atletas para utilizar em sua própria seleção. A França aparece como o emergente deste quadro, pois recentemente abriu as portas para os investimentos árabes, algo que os ingleses já fazem há mais tempo – não só com os árabes mais também com os russos – e, que trouxe investimentos decisivos para a transformação do futebol bretão, afundado em uma crise de violência e descrédito até o início dos anos 1990. A Inglaterra se orgulha de hoje ter novamente um campeonato competitivo e atrativo. E o Brasil?
Neste espaço do futebol globalizado, ou da futebolização, o Brasil ocupa a décima terceira posição entre os países que disputaram a Copa do Mundo. Atualmente, estamos atrás de nações com – teoricamente – menos tradição no futebol do que nós, como Rússia, Japão, Grécia e Suíça e, é bem provável que estejamos ainda atrás de outras como a Turquia. Os investimentos no futebol brasileiro ficam muito aquém dos valores praticados na Europa e também na Ásia. São poucos os atletas da seleção que optam por permanecer ou retornar ao futebol local, não só pela questão financeira mas também por outros aspectos da profissão. Apesar de ‘emprestarmos’ alguns valores para outras seleções, deixamos de exportar técnicos – algo que em outros momentos era bastante comum. Outro ponto, é que os atletas estrangeiros convocados por outras seleções que atuam no Brasil são poucos, e ainda, todos do continente sulamericano. A maioria são chilenos e uruguaios, nações que também estão em posições distantes no ranking da futebolização. O desafio do Brasil é encontrar sua própria fórmula para voltar ou entrar no mercado contemporâneo do futebol. Caso contrário estaremos condenados a ver cada vez mais camisetas de equipes e seleções europeias circulando pelas ruas das cidades, sejam estas grandes metrópoles ou municípios do interior do Brasil. Não é buscando estratégias internacionais que resolveremos nosso caso. Cada país tem suas culturas, idiossincrasias, e (pre)conceitos. Será que somos ainda o país do futebol? Evidências do que aconteceu tecnicamente na Copa do Mundo FIFA 2014 nos mostram que não. Antes da última edição do mundial, quando o país ainda se preparava para a ‘grande festa’, não imaginávamos que teríamos tanta dificuldade para passar pela seleção chilena em uma fase de oitavas-de-final e, muito menos que seríamos goleados de forma humilhante por Alemanha e Holanda nas fases decisivas do torneio. As dificuldades enfrentadas por outras seleções no chamado ‘mata-mata’ também corroboram para a solidificação do processo de futebolização. Em épocas passadas ninguém acreditaria que Alemanha, Argentina e Holanda enfrentariam problemas para superar Argélia, Suíça e Costa Rica respectivamente. O novo cenário do futebol mundial apresenta condições que ainda merecem novos estudos sócio-político-culturais.
Notas
Union Européenne de Football Association. Entidade que administra o futebol europeu; o equivalente para a CBF no futebol brasileiro.
Jean-Marc Bosman insatisfeito com a oferta salarial do seu clube (Liége, Bélgica) reivindicou o passe livre e o direito de escolher onde desejava trabalhar, ou melhor, atuar como jogador de futebol. A justiça européia concedeu ganho de causa ao atleta, e a partir de então foi extinto o passe e liberado o número de jogadores estrangeiros em clubes dos países da Comunidade Européia.
Balotelli defendeu o Manchester City entre 2010-2012 e, atualmente, está no Liverpool (Inglaterra).
Os avós adotivos de Balotelli foram executados em campos de concentração na Polônia.
De 1848 até a independência (1962), toda a região mediterrânea da Argélia foi administrada como parte integrante da França.
Sammir e Eduardo Silva.
Pepe.
O México é o 7º colocado, os Estados Unidos estão em 14º lugar e o Brasil aparece na 15ª posição no geral.
Chile e Equador tiveram a maioria de atletas convocados atuando em seus países.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
FIENGO, Sergio Villena. Gol-balización, identidades nacionales y fútbol. In: ALABARCES, Pablo (org.). Futbologias: Fútbol, Identidad y violencia en América Latina. Buenos Aires: Clacso, 2003.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A dança dos deuses: futebol, cultura, sociedade. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
FOER, Franklin. Como o futebol explica o mundo: um olhar inesperado sobre a globalização. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
GUEDES, Simoni Lahud. Futebol e identidade nacional: reflexões sobre o Brasil. In: DEL PRIORE, Mary; MELO, Victor Andrade de (orgs.). História do Esporte no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo: Editora UNESP, 2009.
KOCH, Rodrigo. Marcas da futebolização na cultura e na educação brasileira. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação – ULBRA, 2012.
KUPER, Simon; SZYMANSKI, Stefan. Soccernomics: porque a Inglaterra perde, a Alemanha e o Brasil ganham, e os Estados Unidos, o Japão, a Austrália, a Turquia – e até mesmo o Iraque – podem se tornar os reis do esporte mais popular do mundo. Tradução de Alexandre Martins. Rio de Janeiro: Tinta Negra Bazar Editorial, 2010.
MANZENREITER, Wolfram & HORNE, John. Levando o jogo pós-fordista ao extremo oriente: a futebolização da China, do Japão e da Coréia do Sul. Análise Social. Portugal, vol. XLI, p. 499-518, 2006.
PALMIÉRI, Júlio César Jatobá. Futebol e basquete made in Brazil: uma análise antropológica do fluxo de jogadores para o exterior. In: TOLEDO, Luiz Henrique de; COSTA, Carlos Eduardo. Visão de jogo: antropologia das práticas esportivas. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2009.
SALDANHA, Renato Machado. Placar e a produção de uma representação de futebol moderno. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano – UFRGS, 2009.
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