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Esporte contemporâneo: o espaço urbano como perspectiva de análise

El deporte contemporáneo: el espacio urbano como perspectiva de análisis

Contemporary sport: space as an analysis category

 

*Mestre em Educação Física (Lazer e Sociedade) pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade

Estadual de Campinas (2009), instituição pela qual é também Licenciado e Bacharel na mesma

área (2006 e 2009, respectivamente). Foi professor pesquisador visitante na Universitat

de Barcelona (2008-2009) e atualmente é Professor Assistente II e Diretor de Cultura e Esporte

na Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Itajubá. Desenvolve pesquisas dentro

do Grupo de Estudos de Política Pública, Esporte e Lazer (Unicamp)

e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ciências Humanas (GEPE - Unifei)

**Docente na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) no curso de Ciências do Esporte da Universidade

Estadual de Campinas (UNICAMP). Doutora (2010) e Mestre (2006) em Educação Física

pela Universidade Estadual de Campinas (FEF/UNICAMP). Concluiu Especialização

em Pedagogia do Esporte Escolar (2005), Bacharelado (2002) e Licenciatura

em Educação Física (2004), todos pela FEF/UNICAMP

Atualmente é membro líder do Grupo de Estudos em Pedagogia do Esporte (GEPESP)

da FEF/UNICAMP e desenvolve estudos de Doutoramento na Facultad de Ciencias

del Deporte y Educación Física da Universidade da Coruña (UDC - Espanha), onde obteve

em 2010 o "Diploma de Estudios Avanzados", onde também

é pesquisadora do Grupo de "Investigación y Análisis en los Deportes de Equipo" (IADE)

Paulo Cezar Nunes Junior*

Larissa Galatti**

paulonunes@unifei.edu.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O esporte contemporâneo é um dos fenômenos mais presente na vida das pessoas em todo o mundo, caracterizando-se como uma manifestação sócio-cultural de variados sentidos, cenários e personagens, que dão vida a cada vez mais diversificados espaços para a prática de diferentes modalidades esportivas, seja elas tradicionais ou emergentes. A partir de referências e experiências do Brasil e da Espanha, o artigo discute a importância da versatilidade dos espaços, bem como a necessidade de usos multifacetados que se deve fazer dos mesmos, tanto para abranger as diferentes modalidades quanto para facilitar o acesso de diferentes grupos a estas práticas.

          Unitermos: Esporte. Atividades de lazer. Espaço urbano.

 

Abstract

          The sport is one of more present in people's lives contemporary phenomena around the world, characterized as a manifestation of various socio-cultural meanings, scenarios and characters that give life to increasingly diverse spaces for the practice of different modalities sports, being they traditional or emerging. From references and experiences of Brazil and Spain, this article will discuss the importance of the versatility of the spaces, as well as the need for multifaceted uses that should do the same, both to cover the different modalities and to facilitate access to these different groups practices.

          Keywords: Sport. Leisure activities. Urban space.

 

Recepção: 11/11/2014 - Aceitação: 25/11/2014.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 199, Diciembre de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Um grupo de quatro crianças faz arremessos e improvisam jogos em uma cesta de basquetebol no parque urbano de Poublenou, na cidade de Barcelona. Ao lado, o trânsito de corredores e ciclistas na pista de concreto é ininterrupto e, um pouco mais adiante, alguns jovens divertem-se jogando futebol, em uma quadra com marcações não formais. Este cenário, observado na tarde de um sábado dia 28 de fevereiro de 2009, ilustra de modo interessante o tema que iremos discutir neste trabalho, qual seja, a importância de espaços urbanos versáteis para a prática do esporte.

    Na atualidade, o esporte configura-se como um fenômeno sócio-cultural heterogêneo de múltiplas possibilidades (STIGGER, 2002), presente cada vez mais na vida das pessoas, tanto naqueles que são espectadores do espetáculo esportivo quanto nos praticantes, profissionais ou não, em diversificados contextos e espaços. Este é um dos traços característicos do esporte contemporâneo: a multiplicidade de personagens, cenários e significados que pode abranger (PAES, 2002).

    Entretanto, esta perspectiva nem sempre prevaleceu. No século passado, a compreensão do esporte – então denominado moderno – estava fortemente vinculado à performance obrigatória e à conquista de resultados, sendo outras formas de envolvimento com o fenômeno pouco valorizadas, o que gerou uma compreensão reduzida do potencial social que o esporte apresenta.

    A partir da década de 1990, com mudanças sociais mais amplas – queda de regimes autoritaristas, ascensão da democracia, globalização, valorização das manifestações pessoais – o esporte ganha novas dimensões. É fortemente inserido nos meios de comunicação, condição que causou o crescimento do interesse das pessoas em torno deste fenômeno, tanto no seu aspecto performático, espetacularizado, como também na prática informal, como forma de divertimento e lazer (COAKLEY, 1998).

    Diante dessas mudanças, emergiu a pluralização do esporte já sinalizada por Cagigal (1981), denominando-o com o adjetivo “contemporâneo”. Para este autor, o esporte se fortalece em duas frentes. A primeira é a do Esporte Espetáculo, que é marcado pela alta competição, movido pela mídia, com tendência ao profissionalismo. Por estas características, exige maior sensacionalismo, evoca a presença de heróis, e é determinado pela ciência e tecnologia. A segunda frente é denominada como Esporte Práxis, o qual é determinado pela prática consciente e equilibrada para o cidadão comum. Pode ser praticado em qualquer espaço e é aberto a todos (BALBINO, 2005).

    Esta última característica, que menciona o uso de qualquer espaço para a prática esportiva, é justamente o foco deste estudo, e as dimensões levantadas por Cagigal (1981) serão discutidas a partir da temática do espaço como perspectiva de análise para o esporte contemporâneo. Levando-se ainda em consideração que o esporte atua como parte do estilo de vida de grupos distintos, pode ainda fomentar o desenvolvimento integral de crianças, jovens, adultos e idosos, homens ou mulheres, uma vez que em seus diversificados contextos pode criar ambientes de aprendizagem social constante. (GALATTI, 2006; LEONARDI, GALATTI, PAES; 2009). 

Análise

    Ao exemplo apresentado no início da introdução deste texto, poderiam somar-se outros tantos, observados diariamente em nossos parques urbanos, escolas, clubes, e até mesmo nas ruas e outros lugares a princípio não destinados às práticas de esporte e lazer, demonstrando a importância destes de outros espaços vazios (DE PELLEGRIN, 1999) no ambiente urbano.

    Isso faz com que concordemos com Stigger (2002), quando o autor fala das mudanças de um esporte concebido como homogêneo, institucionalizado e formalizado segundo regras específicas e destinado a apenas alguns grupos; para um esporte mais heterogêneo, com sentidos e significados próprios do grupo praticante, aberto a novas regras, espaços e formas de apropriação ainda não instituídas.

    Corroborando com esta idéia, as observações feitas por Nunes Junior (2009) em sua pesquisa de campo no Parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo, comprovaram que vários dos espaços livres daquele lugar eram apropriados por práticas esportivas de forma improvisada e distinta do formato oficial com o qual estamos acostumados. O piso liso do vão coberto da marquise do Parque do Ibirapuera, por exemplo, se convertia em uma pista para esportes radicais aos finais de semana: patins, skates e bicicletas, além de eventuais partidas de hóquei durante a noite (NUNES JUNIOR, 2009).

    Estes usos específicos observados no Parque do Ibirapuera podem fornecer pistas sobre um determinado contexto, neste caso, as práticas de lazer de grupos da cidade de São Paulo. A partir disso, podemos levantar que a apropriação e os usos dos espaços pelo esporte e demais práticas corporais guardam relação com o modo de organização social de cada época. As regras morais, as formas de organização das cidades, e a concepção de corpo e de espaço público, por exemplo, são fundamentais para a eleição das formas de como movimentar-se.

    Em sentido oposto, as mudanças na concepção do esporte sugerem mudanças no estilo de vida das pessoas. Após períodos de guerra e governos opressores, emergiram sociedades de consumo com tendência a condutas mais individualizadas, observadas mais comumente no mundo ocidental (RODRIGUEZ DÍAZ, 2008). Segundo este autor, essa tendência se observa também no esporte: os clubes e ginásios deixam de ser o único ambiente de prática e organizações comerciais observam no fenômeno um produto em potencial. Bem valorizado socialmente, e fascinante pela imprevisibilidade inerente à disputa esportiva, os meios de comunicação integram à sua grade a transmissão esportiva, multiplicando os produtos relacionados ao esporte.

    Como parte da vida das pessoas, surgem novas formas de se praticar uma mesma modalidade ou novas modalidades esportivas, dinamizando as possibilidades de interação com o fenômeno. Neste movimento, os mais diversos espaços públicos tornam-se também espaços para a prática esportiva, popularizada e direcionada aos interesses individuais de cada sujeito que a pratica.

    A multiplicidade de usos para os espaços de esporte e lazer também traz benefícios no que tange à temática da multiplicidade cultural na cidade. A vida de uma cidade está diretamente relacionada à diversidade de usos que seus espaços podem contar. Trata-se de dotá-la de urbanidade (JACOBS, 2001), do encontro do sujeito com lugar, de grupos diferentes, de experiências enriquecedoras e fatos inesperados no cotidiano urbano.

    A partir disso, sinalizamos que o espaço, assim como a própria prática esportiva, pode ser criado pelo sujeito, em que pese os condicionamentos propostos pela arquitetura do lugar e regras sociais impostas. Por este trajeto, na medida em que as práticas são estabelecidas, o espaço se torna único para cada pessoa (HENDERSON, FRELKE; 2000), motivo pelo qual devemos estar atentos para que uma suposta homogeneização de marcas e dimensões de regras não prive os que praticam o esporte de experiências satisfatórias e criativas que podem vivenciar.

    Um outro aspecto a ser abordado relaciona-se ao tema da multifuncionalidade do espaço para o esporte, para o qual o estudo de Willcocks (2008) traz contribuições importantes. O autor analisou a função e a importância de sinalizações para esporte em espaços públicos, bem como a infra-estrutura básica que permita tal prática. Segundo ele, um espaço que apresente códigos visuais para diferentes modalidades esportivas pode se tornar interessante tanto para os aspectos esportivos quanto para os sociais. Nas palavras do próprio autor:

    “[...] Não há motivos para um espaço ser desenhado a somente uma prática esportiva, porque estimula apenas os membros de alguns mapas sociais determinados. Não obstante, os espaços que oferecem uma diversidade de códigos visuais a usuários diferentes, inclusive a potenciais praticantes de esportes específicos, trazem resultados tanto nos aspectos esportivos quanto nos aspectos sociais”. (WILLCOCKS, 2008, p. 18). (Tradução livre).

    Estas apropriações informais do espaço estão presentes para as mais diversas práticas de esporte e de lazer: futebol, skate, voleibol, basquete, patins, além de outras modalidades esportivas e jogos populares. Camino (2008), por exemplo, estuda o exemplo do skate nas ruas de Barcelona e os efeitos que esta manifestação gera na apropriação do espaço urbano. Segundo o autor, esta prática é responsável por dar significado ao desenho físico de escadas, rampas e outros espaços que antes do skate eram apenas aglomerados de concreto. Além de atribuir significado ao espaço material, esta modalidade urbana dota os espaços onde é praticada de determinadas sociabilidades, sujeitos, gírias, encontros, formas de se relacionar e de se vivenciar o espaço urbano que acabam desenhando mapas sociais (WILLCOCKS, 2008) específicos em cada canto da cidade.

    Um segundo ponto que justifica a atenção que deve ser colocada no assunto da adaptação de espaços para as possibilidades que o esporte pode abranger é o fato de que grande parte de sua prática ocorre em espaços públicos sem o formato oficial, com marcações e cores convencionais. Segundo uma pesquisa de 2003 realizada pela Prefeitura de Barcelona, 75% das pessoas que fazem esportes nesta cidade se utiliza habitualmente de espaços públicos para esta finalidade (39,8% rua, 22,8% parques, 9,9% praia, 5% porto-mar) (AJUNTAMENTO DE BARCELONA, 2003). Os números indicam que os sujeitos têm grande possibilidade de apropriarem-se dos espaços segundo suas próprias demandas e interesses.

    No Brasil, um exemplo ilustrativo da apropriação de espaços urbanos públicos e não especializados para a prática esportiva ocorre com o atletismo, modalidade atualmente popularizada pela prática das corridas de rua. De fácil acesso, o atletismo não exige nenhum tipo de implemento nem instalações específicas para sua prática, evidências que ajudam a explicar o crescente interesse pela atividade, tanto de maneira informal, como através da participação de atletas amadores e profissionais em competições e em clubes de corrida.

    Conforme levantamento apresentado por Romanini (2009) na edição de 24 de junho de 2009 na revista Veja, os clubes de corrida tinham mil associados em 1998, e hoje contam com cem mil membros. As provas de corrida de rua atraíram quatorze mil inscritos em 1998, este número hoje gira em torno de cento e trinta e dois mil inscritos. Outro dado apresentado pela revista é a faixa etária que mais têm atraído corredores nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro: em primeiro lugar é aquela composta por pessoas acima de cinqüenta anos e, em segundo lugar, aquelas entre trinta e cinco e quarenta e nove anos. Além de diversificar e ampliar o público que tem a corrida como esporte, a popularização desta prática fez com que outros espaços precisassem ser tomados como esportivos, neste caso as ruas e avenidas dos grandes centros urbanos.

    O esporte contemporâneo se caracteriza pela diversidade, pelo surgimento de novas modalidades e pela horizontalização da prática em diferentes grupos sociais (STIGGER, 2002): os espaços tradicionais, como ginásios poliesportivos, tatames, pistas de corrida e natação interagem no cenário urbano atual com práticas que emergem da maior liberdade de expressão individual, condição que pode originar novas modalidades esportivas (RODRÍGUEZ DÍAZ, 2008).

    Além disso, a prática informal ganha espaço com a perspectiva do esporte como parte do estilo de vida atual, não apenas como algo adequado apenas a atletas altamente preparados, condicionados e aptos ao máximo rendimento, mas também a pessoas interessadas na prática não profissional e institucionalizada (GALATTI, 2010). Assim, apesar destes tipos de prática ocorrerem a partir do esporte, elas acabam abrindo espaço para a criação de novas regras, demarcações e equipamentos adaptados para os diversos grupos que se proliferam na prática esportiva informal.

    Também nos ambientes formais de treinamento ou ensino, vivência e aprendizagem do esporte a adaptação é uma tendência, seja para adequar a modalidade às condições de prática ou como procedimento pedagógico para facilitar ou dificultar atividades que venham a contribuir para melhor convívio com as diversificadas modalidades esportivas, com objetivos profissionais, de lazer, de saúde, etc. (GALATTI, FERREIRA et al.; 2008).

    Aliado ao tema da ressignificação dos espaços para o esporte,é preciso também considerar o espaço da escola como lugar propício para este tipo de prática. Rechia (2006) avalia as relações presentes nos usos que as crianças fazem do espaço no âmbito escolar. A autora discute a composição entre planejamento dos espaços e sua ligação com as experiências do jogar como forma de manifestação lúdica em algumas instituições de ensino da cidade de Curitiba. Colocando ênfase na ação criadora das crianças, ela vai afirmar que “mesmo que os espaços sejam pensados para serem utilizados de determinada maneira, como as quadras poliesportivas ou quadras de cimento, os sujeitos podem (re)significá-lo.” (Rechia, 2006 p. 99).

    Ou seja, é preciso que haja um diálogo entre o professor/treinador com as crianças e com as atividades desenvolvidas na aula ou no treino, de modo que os sujeitos envolvidos no processo estejam atentos para as demandas de cada um e para os resultados obtidos em cada atividade proposta. Certamente a boa percepção e a readequação dos espaços aos interesses do grupo farão com que a as atividades se tornem mais integradoras e interessantes, proporcionando benefícios para todas as partes envolvidas na prática. Além disso, a atenção ao espaço no processo formal de ensino, vivência e aprendizagem do esporte, tanto nas escolas como em outras instituições, farão com que as pessoas tenham mais acesso ao esporte, na medida em que sejam capazes de interagir com os espaços disponíveis e deles se apropriarem de modo adequado e criativo (POL, 2006) no processo de fruição da prática esportiva.

    Defendemos que, tal qual os espaços convencionais (quadras, campos ou piscinas oficiais, entre outros), os não convencionais (um gramado ou um pátio aberto, por exemplo) podem fomentar o acesso ao esporte e, por vezes, dar ainda mais vazão à criatividade e abertura às relações interpessoais. Um primeiro motivo deve-se ao fato de que neste caso é o próprio grupo que estabelecerá as regras do jogo: áreas, tamanho da meta, tempo da partida, comprimento do percurso, etc. O segundo motivo relaciona-se com a versatilidade que estes tipos de espaços não específicos podem conter, e com a diversidade de grupos (de diferentes interesses esportivos e de diferentes faixas etárias) que podem vir a apropriar-se dele. Não seria exagero então inferir que parâmetros como percepção do tempo, estado de ânimo e motivação influenciam e são influenciados ao mesmo tempo pela altura da tabela, largura do gol ou dimensão total da área de jogo.

    Outro ponto a ser considerado é com relação aos aspectos sociais que a prática esportiva envolve, e como estes podem se relacionar com o uso do espaço. Para este assunto, a pesquisa de Camino, Puig e Maza (2008) traz informações interessantes. Estes autores cunharam a categoria dos mapas sociais (familiares, entre jovens e adultos, de amizade, de idosos) e a apropriação dos espaços para o esporte. Por meio do levantamento das redes e tipos de atividades praticadas, eles chegaram a encontrar formação de redes e de grupos de interesse comum que tinham como canal de sociabilidade o esporte em espaços públicos na cidade de Barcelona. Nestes lugares, os tipos de mobilidade e a apropriação dos lugares pelas pessoas a espaços variados se apresentaram como autênticos locais de encontro, enquanto outros mais esvaziados mostraram-se fragilizados, com relações esporádicas e passageiras. (CAMINO; PUIG; MAZA, 2008).

    Contrapondo-se à condição de fragilidade, os espaços que podem ser mais facilmente apropriados pelos sujeitos tem relação estreita com o conceito de urbanidade, de relação próxima entre a pessoa que pratica determinada modalidade esportiva e a cidade. Conforme as advertências de Jacobs (2001), uma cidade viva e repleta de usos deve fomentar uma economia do lugar próprio, formas e atitudes que promovam a integração do sujeito com o espaço no qual ele vive.

    Assim, ao observar as crianças jogando junto às cestas de basquete no Parque Poublenou, em Barcelona, pudemos enxergar além da brincadeira e as ações motoras ali envolvidas. Trata-se de uma prática que dota aquele espaço de significados, ao mesmo tempo em que fomenta a iniciação esportiva de maneira criativa e integradora. Além disso, é possível que inúmeros mapas sociais (CAMINO; PUIG; MAZA, 2008) estejam imbuídos nesta ou em outras atividades praticadas próximas dali, reelaborando os significados do esporte nos espaços públicos da cidade (PUIG; MAZA, 2008).

    Deste modo, consideramos de grande importância abordar a perspectiva de espaços dinâmicos como uma tendência que se ajusta às múltiplas manifestações do esporte contemporâneo, fenômeno cada vez mais presente na vida das pessoas, ramificando-se no tecido social e no espaço urbano, de forma a gerar significados que extrapolam o resultado competitivo: “La pràctica esportiva en els espais públics contribueix a convertir-los en un lloc de trovada i convivència, al mateix temps que incideix positivament en la qualitat de vida de ciutadans i ciutadanes” (Ajuntamento de Barcelona, 2003, p.7).1

Discussão

    Como a discussão em torno deste assunto no Brasil ainda é incipiente, entendemos que estas primeiras aproximações do tema espaço e esporte podem contribuir para desnaturalizar a idéia de que a prática esportiva só é possível em determinados espaços designados para tal. Entendemos que áreas não previstas para exercer determinada modalidade podem ser apropriadas e transformadas em espaços legítimos de uso pelas práticas esportivas, com regras adaptadas e condições que promovam a participação de todos.

    Esta certa relativização do conceito do que seria um espaço adequado a estes tipos de prática esportiva segue a tendência à abertura que o esporte vem passando nas últimas décadas.

    Em um nível mais macroscópico, estas reflexões incorporam o papel das políticas públicas na proposição de formas de acessibilizar as práticas de esporte e lazer aos diferentes grupos e interesses. A partir do uso de espaços distintos, institucionais ou não, o fenômeno do esporte pode ser fomentado de modo a garantir as características de democratização e abertura que ele vem adquirindo nos últimos tempos. Deste modo, a prática esportiva não será desenvolvida apenas em quadras, campos oficiais ou equipamentos específicos construídos segundo regras e métricas de determinadas modalidades. Áreas como parques urbanos, praças públicas, escolas, centros comunitários, clubes, espaços vazios (DE PELLEGRIN, 1999) entre outros podem adquirir usos significativos para o esporte, condição que potencializa a relação do sujeito com os espaços públicos da cidade, privilegiando novas formas de urbanidade.

    Tanto o conceito de espaços esportivos quanto a concepção de outros parâmetros ligados a este fenômeno (regras, amadorismo, clubes, etc.) precisam ser revistos e ampliados na contemporaneidade, na medida em que o esporte está acessível a grupos sociais diferentes, designando inúmeros significados e ampliando, ainda mais, a dimensão social que o esporte vem abrangendo ao final desta década.

Nota

  1. A prática esportiva em espaços públicos contribue a transformá-los em locais de encontro e convívio, e ao mesmo tempo incide positivamente na qualidade de vida do cidadão (tradução livre).

Referências

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