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Preconceito, um obstáculo à reinserção social de ex-apenados

El prejuicio, un obstáculo para la reinserción social de los ex-convictos

 

*Unicruz, Mestrado em Práticas Socio-Culturais e Desenvolvimento Social

**Prof. Dr. do Programa de Mestrado em Práticas Socio-Culturais

e Desenvolvimento Social

(Brasil)

Eduardo Muller Reck*

edureck@hotmail.com

Melvin Chiochetta*

melvin_adv@yahoo.com.br

Vaneza Cauduro Peranzoni**

vaneza.cauduro@terra.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O presente artigo tem o intuito de discutir as causas do fenômeno do preconceito contra o ex-apenado, utilizando-se, majoritariamente, dos conceitos ensinados por Crochik (1997) neste sentido, bem como traçar diretrizes para o enfrentamento deste problema social.

          Unitermos: Preconceito. Reinserção. Apenados. Sistema Prisional.

 

Abstract

          This article aims to discuss the causes of the phenomenon of prejudice against ex-convicteds, using, mostly, the concepts taught by Crochik (1997) in this direction, as well as set guidelines for tackling this social problem.

          Keywords: Prejudice. Reintegration. Convicts. Prison System.

 

Recepção: 13/11/2014 - Aceitação: 03/12/2014.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 199, Diciembre de 2014. http://www.efdeportes.com/

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1.     Metodologia

    O trabalho desenvolvido seguiu os preceitos do estudo exploratório, por meio de uma pesquisa bibliográfica, que segundo Gil (2008, p.50), “é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído de livros e artigos científicos”.

2.     O sistema prisional e seus objetivos

    A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, ao art. 137, determina que a política penitenciária do Estado deve ter como objetivo a reeducação, a reintegração social e a ressocialização do preso. A Lei 7.210/84, também denominada Lei de Execução Penal (LEP), ao art. 10, dispõe que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”.

    Estes são apenas dois curtos pedaços de lei vigente que denotam a ampla legislação existente dispondo sobre e regulando o sistema prisional brasileiro, bem como, em específico, ao que se propõe a discutir o presente artigo, sobre a função da pena de ressocialização do preso.

    Este tema, deveras complexo, deve ser analisado em conjunto, para sua melhor compreensão, com a realidade do sistema prisional nacional, o qual é composto, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, de junho de 2014, por uma população de 563.526 encarcerados efetivamente em estabelecimentos prisionais, além de outros 147.937 que se encontram sob o regime da prisão domiciliar, bem como, ainda, existem 373.991 mandados de prisão em aberto no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), totalizando, entre estas três categorias, 1.085,454 cidadãos que se encontram ou deveriam encontrar-se cumprindo alguma forma de pena privativa de liberdade. Isto num sistema prisional com capacidade para 357.219 pessoas1.

    Ainda, segundo dados do Departamento de Segurança e Execução Penal (SUSEPE), no que concerne ao sistema prisional do Rio Grande do Sul, dos 29.121 apenados no estado, 19.813 destes são reincidentes, atingindo incríveis 68,04%.2

    Faz-se necessário destacar, ora, a quase inexistência de levantamento de dados acerca dos índices de reincidência dos presidiários encarcerados, o que torna impossível um relato minucioso acerca das ocorrências. Ressalta-se, ainda, que em tais levantamentos deveria constar, para uma melhor compreensão da real situação, a gravidade da reincidência, se se trata de reincidência em crime de igual gravidade, ou em crime de gravidade superior ou inferior ao anteriormente praticado. Reincidência penal entende-se como a ocorrência repetida de crime de igual gravidade. Entretanto, as poucas estatísticas existentes não inferem se observaram este critério. Tornou-se senso comum afirmar que o índice médio de reincidência dos presos, no Brasil, é de 70%.

    Entretanto, apesar da imprecisão dos dados acerca da reincidência, pode-se inferir com base nos demais que a incapacidade da lei penal em gerir um sistema prisional capaz de abrigar todos os condenados, de reprimir a prática de crimes e/ou de ressocializar o apenado é latente.

    A prisão, como a conhecemos hoje, segundo lição de Bitencourt (2004, p. 460), surgiu a partir dos ideais de duas modalidades criadas no fim do século XVIII, a prisão de Estado e a prisão eclesiástica: a primeira apresentava-se com duas finalidades, a prisão-custódia, onde ficavam os réus à espera da execução da verdadeira pena a ser aplicada, ou a detenção perpétua ou temporal, tendo esta como exemplos a Torre de Londres, a Bastilha de Paris, entre outras; a segunda destinava-se aos clérigos rebeldes e dava ao internamento um sentido de penitência e meditação, para que se arrependessem do mal causado.

    Estas duas modalidades tiveram como influência os ideais humanistas do século XVIII, advindos da Revolução Francesa, e acabaram por influenciar nosso modelo atual, onde o indivíduo, acusado por algum tipo de crime, é condenado a cumprir pena privativa de liberdade, em substituição às antigas penas de banimento e aos suplícios.

    A pena de prisão foi, segundo Dotti (1998, p. 105), desde o seu surgimento

    a esperança das estruturas formais do direito para combater o processo de criminalidade. Ela constitui a espinha dorsal dos sistema penais de feição clássica. É tão marcante a sua influência em todos os setores das reações criminais que passou a funcionar como centro de gravidade dos programas destinados a prevenir e reprimir os atentados mais ou menos graves aos direitos da personalidade e aos interesses da comunidade e do Estado.

    Entretanto, é perfeitamente aceitável e indubitável afirmar que este sistema carcerário, se um dia foi suficiente para trazer sentimento de justiça à sociedade e ressocializar o preso, não mais o é.

    Ainda, é de pleno conhecimento que o condenado, ao passar a cumprir pena privativa de liberdade, é forçadamente imerso em uma nova realidade, onde existem limitações espaciais, mas não existem limitações morais. É perversamente “dobrado” a viver do modo como aqueles que de fato comandam o presídio determinam. E quando cumpre sua pena, ao retornar à sociedade, possui imensas dificuldades em readaptar-se a um modo de vida mais regrado e moral.

    Considerada a porcentagem estimada de reincidência dos apenados no Brasil, qual seja, de 70%, pode-se afirmar, inclusive, que a ressocialiazação do preso é a exceção, sendo a marginalização e a desmoralização a regra de um caminho sem volta.

3.     Preconceito ao ex-apenado, causas e efeitos

    Assis (2007, p.75) aponta que o alto índice de reincidência é resultado não apenas do tratamento que o condenado é submetido durante a prisão, mas também ressalta que o preconceito existente com os ex-detentos é um fator determinante da marginalização dos mesmos, visto que em função da falta de oportunidades muitos voltam a delinquir:

    Essa realidade é um reflexo direto do tratamento e das condições a que o condenado foi submetido no ambiente prisional durante o seu encarceramento, aliada ainda ao sentimento de rejeição e de indiferença sob o qual ele é tratado pela sociedade e pelo próprio Estado ao readquirir sua liberdade. O estigma de ex-detento e o total desamparo pelas autoridades faz com que o egresso do sistema carcerário torne-se marginalizado no meio social, o que acaba o levando de volta ao mundo do crime, por não ter melhores opções.

    A realidade do egresso brasileiro é muito difícil, além de lutar contra o fator dessocializante da pena, ele luta como todos os outros brasileiros para conseguir uma oportunidade no mercado de trabalho e além de muitas vezes possuírem baixa escolaridade e pouca qualificação profissional, ainda enfrentam o estigma de ex-presidiário, sendo que ao solicitar no cartório uma certidão negativa de antecedentes criminais, (que na verdade sai positiva em função do delito cometido) tem de apresentar esse documento ao empregador, e acabam sendo rejeitados por causa de seus antecedentes.

    Sem oportunidade no mercado de trabalho, o ex-presidiário não consegue se manter e acaba sendo empurrado novamente para o mundo do crime, que por sua vez, está sempre aberto, e torna-se sua única alternativa de subsistência. Desta forma o preconceito da sociedade acaba se voltando contra ela mesma, formando um terrível círculo vicioso, que parece não ter fim.

    Combater esse preconceito não é tarefa fácil, pois ele está ligado não só a questões individuais, mas também sociais “é um fenômeno que não se localiza somente no indivíduo que o contém e na sua vítima em potencial ou real, mas também na sociedade que pode inibi-lo ou suscitá-lo” (CROCHIK, 1997, p.42)

    De acordo com Lebedeff (2005, p. 271) o preconceito pode ser individual ou social, “O homem pode estar tão carregado de preconceitos com relação a uma pessoa ou instituição concreta que não lhe faz falta saber a fonte social do conteúdo dos preconceitos”

    Crochik (1997, p.44) aponta a cultura como uma das principais responsáveis pela origem dos preconceitos:

    A violência sutil ou manifesta exercida pelo preconceituoso é a resposta a uma violência sutil ou manifesta gerada inicialmente pela cultura. Este argumento não deve responsabilizar o preconceituoso de seus atos, mas auxiliar a entender a sua gênese.

    Se a sociedade já possui uma série de preconceitos sociais, raciais, religiosos e etc... muitos dos quais poderíamos classificar como totalmente injustificáveis do ponto de vista racional, isso se intensifica muito no caso do ex-presidiário a medida que ele possuiu uma responsabilidade direta pela sua condição.

    Além disso, as estatísticas apontam uma alta taxa de reincidência criminal e são comuns as notícias de apenados que deixam as suas celas por terem cumprido a sua pena, ou ganham o direito de visitar seus familiares em épocas festivas, e acabam cometendo novos crimes. Esses fatos deixam a sociedade receosa em oferecer empregos para ex-presidiários. O trauma da sociedade é realmente grande quanto a tudo isso, especialmente para aqueles que perderam pessoas queridas em atos de violência.

    Entretanto, ainda que possamos apresentar motivos aparentemente coerentes para essa rejeição, “no preconceito não deixa de estar presente a racionalização expressada por uma argumentação coerente que oculta a sua verdadeira motivação”. (CROCHIK, 1997, p.49)

    Se formos pensar de forma meramente racional, a manutenção do preconceito não resolve o problema, mas somente o agrava, uma vez que negando aos egressos a oportunidade de inserção no mercado de trabalho estarão dificultando sua integração e levando-os a reincidência, o que trará novos riscos e prejuízos a sociedade. Logo, podemos supor que existem outros motivos que levam a formação e manutenção destes preconceitos.

    Lebedeff, (2005, p.271) aponta o preconceito como uma forma de escape da responsabilidade no enfrentamento da realidade:

    crer em preconceitos é cômodo porque protege de conflitos, permite o isolamento aparente do problema, inibe as escolhas, confirma as ações preconcebidas e joga para fora do individual o compromisso social e com a vida

    De acordo com Jahoda e Ackerman (1996, p.26) “todos nós prejulgamos continuamente, a respeito de muitos assuntos, e essas generalizações redundam em uma economia de esforço intelectual.” Essa economia de esforço intelectual acontece através da criação de estereótipos por meio dos quais não precisamos conhecer ou entender as características individuais de cada pessoa, ou seja, se o sujeito é um ex-apenado, logo é um criminoso em potencial.

    Segundo Lebedeff (2005, p. 271) “Construído os preconceitos, a tendência é a sua generalização, dificultando a leitura da realidade individual do ser humano, da sua singularidade” e ainda “o preconceito formado impede que sejam reveladas as demais propriedades e qualidades do indivíduo.”

    Para Crochik (1997, p.49) o preconceito também está ligado à idéia de auto-preservação como um “mecanismo desenvolvido pelo indivíduo para poder se defender de ameaças imaginárias” e também como uma forma de diferenciação na tentativa de negar a nosso própria capacidade de praticar atitudes negativas atribuídas aos sujeitos, aos quais não queremos ser identificados (1997, p.22):

    O estereótipo do criminoso como um indivíduo de alta periculosidade, intratável, mau-caráter, auxilia na caracterização que o indivíduo ‘saudável’ deve ter, e contribui para saber como agir quando se defrontar com aquele, ao mesmo tempo em que impede sua identificação com ele. Quanto mais distintos julgarmos que somos dele, mais protegidos nos sentimos dos impulsos hostis que nos pertencem. Nesse sentido, os estereótipos evitam termos de pensar como as condições sociais nas quais vivemos e que fortalecemos contribuem para o crime, e o quanto nós próprios, nessas condições poderíamos cometê-lo. Em outras palavras evitam a reflexão sobre o mundo social e sobre nós mesmos

    Entretanto, não devemos também inverter os papéis, transformando a sociedade em vilã e o criminoso em vítima. É comum a idéia de que qualquer indivíduo deve ser devidamente responsabilizado por seus atos, e punido quando age de forma ilícita, transgredindo as leis estabelecidas pelo Estado. O que queremos destacar é que “deve haver uma proporção entre os delitos e as penas”, conforme salienta Beccaria (2005, p. 50).

    Com base nesse princípio, o Sistema Judiciário procura aplicar uma punição que seja justa ao infrator, e uma vez cumprida essa pena, o mesmo quitou sua dívida com a sociedade. Mas infelizmente, não é isso que ocorre na prática, pois o estigma de ex-presidiário não sai do sujeito, e ele tem de carregar consigo esse peso para o resto da sua vida. Assim, essa pretensão de proporcionalidade da pena fica prejudicada pois mesmo que o Juiz se esforce em delimitar e aplicar uma pena justa, a mesma se tornará desproporcional a medida que o sujeito continuará a sofrer os seus efeitos, mesmo após ter cumprido o que lhe foi determinado.

4.     Conclusão

    Dessa forma, podemos concluir que o caso da Inclusão do ex-presidiário é um dos mais difíceis de acontecer na prática, mas também deve ser o caso que se faz mais urgente e necessário. É preciso uma conjugação de esforços entre o governo e a sociedade civil para enfrentar essa realidade.

    O Estado precisam avançar em políticas públicas de reinserção, inclusive com incentivos fiscais a empresas que proporcionarem oportunidades de trabalho a quem já esteve preso. Além disso, precisa investir na educação, na qualificação profissional, e na manutenção de uma qualidade de vida digna aqueles que se encontram no regime privativo de liberdade.

    A sociedade, por sua vez, precisa acreditar na capacidade de reabilitação do sujeito, e estar disposta a oferecer oportunidades de emprego, aqueles que já cumpriram a sua pena, ainda que em alguns casos isso possa oferecer algum tipo de risco. Devemos lutar para eliminar ou ao menos minimizar o preconceito, e conscientizar a todos sobre a necessidade de reinserção social dos apenados.

    Ainda que, mesmo com uma nova oportunidade de trabalho, exista a possibilidade do ex-detento voltar à prática de crimes, caso ele não encontre essa oportunidade a reincidência é praticamente certa.

Notas

  1. Link disponível em: http://www.cnj.jus.br/gestao-e-planejamento/metas/metas-prioritarias-de-2010/526-rodape/acoes-e-programas/programas-de-a-a-z/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira

  2. Link disponível em: http://www.susepe.rs.gov.br/conteudo.php?cod_menu=39

Referências

  • ASSIS, Rafael Damasceno de. A Realidade Atual do Sistema Penitenciário Brasileiro. Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 39, p. 74-78, out./dez. 2007.

  • BECCARIA, Césare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

  • BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2004.

  • BRASIL, Lei nº 7.210, de 11 de Julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.

  • CROCHIK, José Leon. Preconceito: indivíduo e cultura. São Paulo: Robe Editorial, 1997.

  • DOTTI, René Ariel. Bases alternativas para o sistema de penas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.

  • Gil, A.C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6º ed. São Paulo: Atlas, 2008.

  • RIO GRANDE DO SUL. Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, de 3 de outubro de 1989.

  • JAHODA, M. e ACKERMAN, N. Distúrbios emocionais e anti-semitismo. Trad. de A. Guzic, T. L. Peixoto, G. G. Souza. São Paulo: Perspectiva, 1969.

  • LEBEDEFF, Tatiana Bolivar e PEREIRA, Isabella Lima e Silva (org.) Educaçao Especial olhares Interdisciplinares. Passo Fundo: UPF, 2005.

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