Intervenções educacionais com as
pessoas com síndrome de Down: considerações sobre a prática
pedagógica Intervenciones educativas con
personas con síndrome de Down: Educational interventions with
Down syndrome people: |
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*Mestranda em Ciências – Escola Paulista de Medicina – Departamento de Cardiologia **Mestre em Educação Física – Docente da UNINOVE (Universidade Nove de Julho) Membro do Grupo de estudos sobre o Comportamento Motor (GECOM) ***Doutor em Educação Física – Docente da UNICID (Universidade Cidade de São Paulo)/UNINOVE (Universidade Nove de Julho) – Líder do Grupo de Estudos sobre o Comportamento Motor (GECOM) – Docente e Pesquisador do Programa de Mestrado em Educação da UNICID |
Stella de Sousa Vieira* Dalton Lustosa de Oliveira** Roberto Gimenez*** (Brasil) |
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Resumo A Síndrome de Down é caracterizada por um desequilíbrio na constituição cromossômica – em pelo menos 95% dos casos - e possui uma série de características genéticas e fenotípicas particulares. Indiscutivelmente, a inserção da criança com esta síndrome no contexto escolar é de fundamental importância para o seu desenvolvimento, e o professor desempenha um papel fundamental neste processo. No presente ensaio são discutidas relevantes investigações sobre esta população como a interface entre o determinismo genético e as possíveis intervenções do professor de educação física. Em especial atribui-se ênfase à necessidade de se revistar estilos de ensino muito consolidados no contexto da área da Educação Física. Unitermos: Síndrome de Down. Educação Física. Intervenção pedagógica. Educação Especial.
Abstract Down syndrome is characterized by disequilibrium in the chromosomical constitution - in at least 95% of the cases - and it presents various genetical and phenotypic characteristics. Unquestionably, insertion of Down syndrome child in the school context is crucial for its development, and the teacher plays a basic role in this process. In the present text are discussed relevant investigations on this population like the interface between the genetic determinism and the possible interventions of the physical education teacher. In special, an emphasis is attributed to the necessity in revisiting traditional teaching styles very consolidated in the context of the area of the Physical Education. Keywords: Down syndrome. Physical Education. Pedagogical intervention. Special education.
Recepção: 22/09/2014 - Aceitação: 29/10/2014.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 198, Noviembre de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A adequação de conteúdos e estratégias às potencialidades da pessoa com a Síndrome de Down é fundamental para assegurar a sua inclusão nas aulas de educação física. Silva & Ferreira (2001), por exemplo, por meio de um estudo com crianças com síndrome de Down com idade entre seis e dez anos, argumentam sobre a possibilidade de progresso significativo dessas crianças em vários parâmetros indicadores do nível de desenvolvimento motor, diante da utilização de metodologias de ensino que assegurem o envolvimento do aluno. No entanto, ainda caminha-se no sentido de esclarecer diversas dúvidas em relação à deficiência intelectual e as suas possíveis interações com a educação física, o que torna difícil a tarefa de propor estratégias de intervenção adequadas em se tratando desta população (GIMENEZ, 2013). Assim, reforça-se a importância do conhecimento das características do grupo a ser ensinado, bem como, da realização de uma análise mais detalhada das diferentes metodologias de ensino utilizadas pela área para se propor estratégias de intervenção orientadas a esses indivíduos. Este corresponde ao objetivo do presente ensaio.
Algumas considerações sobre a síndrome de Down
A Síndrome de Down é considerada uma particularidade genética causada pela triplicação do gene da banda cromossômica 21 que resulta em diversas complicações clínicas e acarretam num déficit no desenvolvimento global do indivíduo (BISSOTO, 2005). Suas causas ainda não são conhecidas, porém fortes evidências indicam que sua incidência provém de três diferentes anomalias genéticas: a mais comum é aquela onde ocorre uma não disjunção cromossômica total, e todas as células, durante o desenvolvimento do feto, assumem o cromossomo 21 extra (MOREIRA, EL-HANI & GUSMÃO, 2000; BISSOTO, 2005; BRITO, 2008). Genericamente, o indivíduo com síndrome de Down apresenta maior possibilidade de apresentar disfunções no sistema nervoso, identificadas por anomalias estruturais e funcionais. É recorrente também o problema da hipotonia muscular e suas eventuais consequências – frouxidão ligamentar, articulações instáveis, entre outras (SCHWARTZMAN, 1999; MOREIRA, EL-HANI, GUSMÃO, 2000; SILVA & FEREIRA, 2001; SILVA & DESSEN, 2002; BISSOTO, 2005; SILVA & KLEINHANS, 2006; MENDONÇA & PEREIRA; 2008).
Em especial, essas particularidades estruturais poderiam resultar em entraves ao processo de desenvolvimento motor, como a aquisição da posição ereta e da marcha (SILVA & FERREIRA, 2001; APARÍCIO & BALÃNA, 2003; LIFANTE, 2009). O problema da hipotonia poderia resultar também em dificuldades na aquisição de habilidades motoras. Isto aconteceria em virtude de um déficit no mecanismo proprioceptivo que, por sua vez, dificultaria o feedback extrínseco, essencial no processo de formação de programas motores (GIMENEZ, MANOEL, LUSTOSA DE OLIVEIRA & BASSO, 2004).
Considerando-se que uma das principais formas de interação entre o ser humano e o meio é feita pelo movimento e que a motricidade é seriamente prejudicada nas pessoas com síndrome de Down, especula-se que essas crianças perderiam a oportunidade de aprender requisitos fundamentais para o seu desenvolvimento global (SILVA & KLEINHANS, 2006). As implicações deste “empobrecimento” nas experiências motoras remetem, inexoravelmente, a uma discussão acerca das estratégias pedagógicas utilizadas junto a estes indivíduos (ZITTEL & WILSON, 2004).
Embora a literatura disponha de relativa discussão acerca das possibilidades de inclusão desta população no contexto escolar, evidencia-se a escassez de trabalhos orientados especificamente a metodologias de ensino da educação física orientadas a este grupo. Em muitos casos, a discussão pauta-se exclusivamente em referencial da alfabetização e letramento, desconsiderando as particularidades da educação física. Além disso, quando esta discussão acontece, os argumentos não são orientados às metodologias de ensino.
Tal fato contribui para que a intervenção, em muitas ocasiões, seja marcada por práticas pedagógicas norteadas pelo ideal de normalidade. Essas práticas seriam caracterizadas pelo desenvolvimento de propostas similares àquelas utilizadas juntos aos indivíduos sem deficiência, porém, de forma facilitada. Em face destas constatações, a discussão mais aprofundada sobre metodologias de ensino para alunos com síndrome de Down seria de grande valia para a intervenção pedagógica voltada para esta população e para ampliar o entendimento acerca da natureza das metodologias de ensino utilizadas no âmbito da educação física adaptada ou inclusiva.
Teoria dos Estilos de Ensino: relações com a intervenção pedagógica sobre populações com síndrome de Down
Com a finalidade de contribuir com as intervenções pedagógicas dos profissionais de educação física, Muska Mosston propôs uma série de novas propostas metodológicas, baseadas em quem toma a decisão e o momento em que ela ocorre (GOZZI & RUETTE, 2006; GOZZI & RUY, 2008). A metodologia consiste em onze estruturas distintas:
A – Comando - é caracterizado pela relação estímulo-reposta. Neste estilo o conteúdo é aprendido pela memória imediata e por meio de execuções repetidas. O professor corresponde ao centro do processo de aprendizagem. Em geral, caberiam a ele decisões sobre “o que fazer”, “quando fazer” e “como fazer”.
B – Tarefa - há a transferência de certas decisões do professor para o aluno, oportunizando novos relacionamentos. Percebe-se ainda grande tendência de centralização dos processos decisórios da aula na figura do professor. Contudo, o professor compartilha com seus alunos algumas alternativas, sobretudo aquelas associadas a “como fazer”.
C – Recíproco – marcado pelas relações sociais entre pessoas e a retroalimentação imediata, por meio da participação dos alunos em duplas ou pequenos grupos em que um é executante e outro observador, estando este responsável por fornecer o feedback da ação do outro. Desse modo, a figura do professor não seria mais o centro, embora ainda sejam identificadas tendências de reprodução de solução por meio de referenciais presentes nos integrantes do grupo.
D - Auto-checagem - é proporcionado mais poder ao aluno, alterando a realidade anterior na relação professor - aluno. O próprio indivíduo se retroalimenta, tornando-se mais independente. O papel do professor seria fornecer dicas ao aluno sobre aspectos de sua execução que mereceriam mais atenção. Contudo, os objetivos a serem alcançados, bem como, as tarefas a serem desenvolvidas são definidos a priori pelo professor.
E - Inclusão - baseado no conceito de planejamento de tarefa, a partir do qual se pode atingir vários níveis de performance, e os alunos decidem qual o nível mais adequado para iniciarem no processo. Mais especificamente, percebe-se a existência de flexibilidade, sobretudo no que tange ao alcance de metas e aos mecanismos de avaliação.
F- Descoberta guiada – o professor estimula no aluno a descoberta do conceito para a construção de uma resposta, sem fornecê-la. Trata-se de um estilo de ensino recorrentemente utilizado nos contextos de aprendizagem orientados à dimensão atitudinal dos alunos.
G - Solução de problemas (convergente) - o professor apresenta um problema, que possui apenas uma solução, algo que converge sempre ao objetivo, sem a possibilidade de outras respostas.
H - Solução de problemas (divergente) - de forma semelhante ao estilo G, diferencia-se pela premissa de que um determinado problema poder ter respostas múltiplas e divergentes. O pressuposto é o de que o processo de aprendizagem seria facilitado pela identificação dos contrastes entre as alternativas para a solução de um problema.
I - Individual - o aluno torna-se mais independente, porém ainda vinculado à ação do professor e de suas decisões. Reconhecidamente, o professor assume a posição de um facilitador no processo de aprendizagem. O seu papel estaria associado a definir em conjunto com o aluno, metas gerais de aprendizagem, cabendo ao aprendiz definir os caminhos a serem utilizados no seu percurso acadêmico.
J - Iniciado pelo aluno - O aluno, de forma independente do professor, define suas metas de aprendizagem, cabendo ao professor ampará-lo pontualmente em alguns caminhos para o alcance dessas metas.
K - Auto-ensino - dispensaria a atuação do professor. O aluno é suficientemente autônomo para conduzir o processo.
Vale ressaltar a existência de uma linha tênue para diferenciar esses estilos de ensino, bem como, a existência de características comuns a todos eles, sobretudo, quando se leva em consideração a complexidade de relações e de variáveis intervenientes nos contextos de aprendizagem (GOZZI & RUETE, 2006). Desse modo, uma alternativa seria a divisão dos estilos de ensino em três grandes categorias (Agrupamento de A-D); (Agrupamento E-H); (Agrupamento I-K).
O agrupamento A-D, mais diretivo em sua essência, é caracterizado pela reprodução do conhecimento e identificado pelo protagonismo docente. Uma das vantagens destes estilos é o engajamento do aluno em realizar operações cognitivas como memória, identificação e classificação de conhecimentos. O grupo E-H está relacionado à descoberta de novos conceitos e produção de novos conhecimentos. Genericamente, os estilos que pertencem a este agrupamento são marcados pela figura de um professor facilitador, mediador durante o processo de aprendizagem de seus alunos.
Finalmente, no agrupamento, I-K, identificado por estilos de ensino menos diretivos em relação aos anteriores, prevalece a valorização da descoberta, criatividade, e autonomia, impulsionando o aluno a ir além das informações já disponíveis. Um dos pressupostos é o de que ao assumir uma posição mais ou menos diretiva, o professor exerceria influência direta no processo de aprendizagem dos alunos. No que diz respeito aos estilos de ensino mais diretivos, num primeiro momento, seria possível especular que os balizados na reprodução de um conceito (Agrupamento A-D) tornar-se-iam interessantes, na medida em que estimulam situações que favorecem a organização do grupo, controle da turma em contextos de aula.
Genericamente seria possível assumir que eles seriam viáveis considerando-se o fato de que favorecem a memorização do conteúdo. Diversos professores, geralmente ligados à iniciação esportiva, utilizam de métodos centralizados em si como forma de memorização e assimilação de um conteúdo. McGown (1991), por exemplo, baliza sua teoria de ensino de técnica desportiva em um método totalmente diretivo, com ampla utilização de instruções-chave e demonstrações. É possível afirmar também que um método que favorece a memorização pode ser interessante, visto que neste aspecto, pessoas com síndrome de Down possuem déficits consideráveis e o uso de dicas relevantes poderia favorecer a atenção seletiva, seria prejudicada nesses indivíduos (BISSOTO,2005; SILVA & KLENHANS, 2006; CALDAS & GIMENEZ, 2009). Além disso, reconhecidamente, estes estilos de ensino têm sido amplamente utilizados justamente por criarem facilidades na perspectiva organizacional de um grupo de alunos, em que pese sua heterogeneidade. Porém, não se pode deixar de analisar o contexto em que este tipo de prática geralmente se insere (ensino da técnica desportiva). Contextualizando ainda a prática de memorização, Ronca (1980) relata que a tarefa é apresentada de forma arbitrária, ou seja, o conteúdo acaba sendo relacionado com a estrutura cognitiva de forma “casual”. Para o autor, esta forma de intervenção acarretaria uma retenção na memória por um curto período, tornando a informação aprendida vulnerável a menos que haja um posterior uso contínuo desta. Ou seja, se o conteúdo apresentado não estiver presente no contexto onde o indivíduo está inserido, pouco valerá o estímulo à memória. Baseando-se nos fatores supracitados, seria possível concluir que a prática pedagógica diretiva resultaria em vantagens em determinados aspectos, porém sua aplicação é intimamente ligada a fatores que se tornam obstáculos, em face da especificidade da população com síndrome de Down, como a própria dificuldade em corresponder a um padrão de excelência estabelecido previamente a um grupo.
Em contrapartida, estilos de ensino pertencentes ao agrupamento (E-H) propõem a produção do conhecimento, e menos memorização e vão ao encontro de novas perspectivas para o ensino, balizadas na resolução de problemas. A premissa é a de que “o que o aluno aprende na escola ele leva para a vida”. As metodologias indiretivas são essencialmente fundamentadas nas interações sociais e no contexto em que o indivíduo vive, partindo do conhecimento prévio que ele possui. Tratando-se especificamente da população com síndrome de Down, Silva & Dessen (2002) contextualizam o seu desenvolvimento como essencialmente ligado ao contexto social. De acordo com as autoras, a possibilidade de construir seus próprios sistemas e sua relação com o seu ambiente é fator importante na construção da identidade deste grupo. Desse modo, o trabalho em grupos diferentes, exaltado pelas metodologias indiretivas, facilitaria estas relações.
No entanto, torna-se necessário que o professor auxilie a criança a criar associações entre os conhecimentos antigos e o novo conhecimento. Partindo-se do pressuposto de que uma das características das pessoas com deficiência intelectual é possuir dificuldade em estabelecer associações entre os conceitos ou fatos novos e antigos (GIMENEZ, 2008), os estilos de ensino deste grupo viriam ao encontro da necessidade de se explorar e desenvolver esta competência nestes indivíduos, dado o seu incentivo à descoberta e valorização da experiência prévia do aluno.
Pode-se citar também como característica desta população peculiaridades associadas ao córtex pré-frontal que poderiam resultar em mecanismos decisórios prejudicados (ROWE, LAVENDER & TURK, 2006). Este fator seria agravado pela relação que se estabelece com estes indivíduos nos contextos cotidianos no âmbito domiciliar e escolar. Ballaben (2001), por exemplo, afirma que a pessoa com a síndrome de Down torna-se passiva em determinadas situações, em meio às atividades cotidianas e típicas do âmbito escolar. Estas atitudes podem ser oriundas de uma frequente rotulação que a sociedade impõe às pessoas com deficiência intelectual, a idéia de “incapaz”. Wishart (2001) corrobora esta premissa ao discutir que a criança com síndrome de Down pode, ao longo do tempo, mudar de atitude, deixando de ser ativa e possível solucionadora de problemas para tornar-se passiva, à medida que os déficits motivacionais causados pela manipulação da sociedade em relação a ela tornam-se prejudiciais no seu desenvolvimento. Neste sentido, poder-se-ia especular que caberia ao professor adotar uma prática pedagógica indiretiva, tendo em vista tornar-se um mediador de conhecimentos capaz de incentivar a independência do educando a fim de que este possa superar as barreiras sociais e familiares que, em muitas ocasiões, contribuem para que ele seja passivo e desmotivado.
Blascovi-Assis (1991), por meio de atividades de caráter lúdico realizadas em duplas identificou ganhos pronunciados no esquema corporal das crianças. As constatações deste estudo remetem à eficácia de estratégias de intervenção de solução de problemas com esta população. A partir das afirmações supracitadas é possível pressupor que a utilização de estratégias pedagógicas indiretivas, como aquelas típicas do agrupamento E-H, enfocando o contexto de grupos, constituir-se-ia numa alternativa na intervenção com pessoas com síndrome de Down.
Em relação à quantidade de prática, Gimenez, Manoel & Basso (2006) sugerem que a população com a síndrome de Down necessita de uma prática mais extensa e diversificada. O entendimento desses autores é o de que ampliação do repertório motor resultante do contato com a novidade assegurariam melhores de inserção social, notadamente um dos principais desafios da escola. Uma das possíveis implicações deste olhar seria aumentar os níveis também de aptidão física, pela maior possibilidade de participação. Fundamentalmente espera-se que, em face de uma possibilidade de exercício da autonomia e da percepção subjetiva de competência o aluno sentir-se-ia motivado a participar de práticas corporais (p.e SPESSATO, GABBARD & VALENTINI, 2013).
Este pressuposto contraria argumentos utilizados na área da educação física da década de 70, que propunham a utilização de estilos de ensino diretivos para o aprimoramento de capacidades físicas. Além disso, este argumento remete à necessidade de revisão das metodologias de ensino para o desenvolvimento de capacidades físicas motoras, uma vez que as últimas são substancialmente defasadas nas pessoas com síndrome de Down (MAIA 2002; LATASH, 2007; LIFANTE, 2009).
Finalmente, no que diz respeito aos estilos de ensino do grupo I-K, reconhecidamente marcados pelo protagonismo discente, seria salutar estabelecer algumas considerações. Em primeiro lugar, o exercício da autonomia pressupõe uma maturidade intelectual que, frequentemente não é encontrada nem mesmo em pessoas sem deficiência, problema que se ressaltaria em se tratando da problemática que acompanha as pessoas com síndrome de Down (RICH, 2004). Gimenez (2001), por exemplo, relativiza as possibilidades das aulas de educação física nas dimensões do fazer, e ter. Para o autor um dos pressupostos é o de que, dependendo do grau de comprometimento cognitivo que acompanha a deficiência intelectual, a intervenção pedagógica marcada pelo cultivo da autonomia, voltada para a plena aplicação dos conhecimentos adquiridos no ciclo de vida, torna-se-ia consideravelmente reduzida. Para o exercício deste protagonismo, o aluno dependeria de um contexto familiar e de escola consideravelmente articulados, bem como, de um projeto pedagógico na escola de educação básica orientado a esta preocupação. É possível destacar que, esta demanda não seria atendida apenas no âmbito de uma disciplina isolada, mas dependeria de um conjunto de ações. Em face destas constatações, poder-se-ia pressupor a existência de uma grande dificuldade para a utilização de estilos de ensino categorizados no agrupamento I-K junto a alunos com síndrome de Down.
Considerações finais
Considerando a velocidade e a dimensão em que as propostas de inclusão escolar são propostas, evidencia-se a necessidade de que os diferentes programas de intervenção atendam às necessidades de determinados grupos baseando-se em métodos adequados às suas efetivas potencialidades. Reconhecidamente os estilos de ensino diretivos, historicamente utilizados pelos professores de educação física, representam estratégias relativamente eficazes em se tratando de populações sem deficiência, sobretudo no que tange às propostas voltadas ao aprimoramento de capacidades físicas e motoras. Pela forma em que o conteúdo é vivenciado, eles seriam vantajosos na medida em que estimulam a execução intensa das tarefas e resultam na maximização da participação de alguns indivíduos nas aulas de educação física. No entanto, o pressuposto do presente ensaio é o de que os métodos indiretivos seriam mais inclusivos, tendo em vista que eles propiciam diferentes níveis de dificuldade para cada tarefa apresentada e contribuiriam para o desenvolvimento da sua capacidade de resolução de problemas.
Com base nos argumentos anteriores, pode-se sugerir o emprego de estilos de ensino indiretivos com pessoas com síndrome de Down. Porém, a adoção destes estilos deve ser baseada no conhecimento das principais características dos indivíduos e da influência que esta exerce sobre as diferentes dimensões da sua aprendizagem. A análise de vários trabalhos possibilita formular uma hipótese que aponta para uma nova postura do professor frente ao desafio de educar a pessoa com a síndrome de Down. A prática pedagógica indiretiva que tem como base a experiência prévia da população pode trazer, ao longo do tempo, uma nova perspectiva em relação às potencialidades de cada aluno, e contribuir na construção de novos conceitos e habilidades nesta população.
Um dos pressupostos é que as tomadas de decisões por parte do aluno também tornariam-se fundamentais no processo de ensino. Ao adotar estratégias de ensino absolutamente indiretivas, o professor esbarra, dentre outros fatores, na possibilidade de exercício de autonomia, o que pode ser uma dificuldade em se tratando de alunos com síndrome de Down.
O pressuposto é o de que diversas metodologias criam condições para o desenvolvimento da pessoa com síndrome de Down, e estas são facilitadas quando são balizadas por um modelo teórico consistente. A teoria de Muska Mosston pode auxiliar nas estratégias pedagógicas utilizadas pelos professores de Educação Física e proporcionar subsídios para a intervenção junto às pessoas com síndrome de Down, sobretudo diante das atuais demandas associadas à educação inclusiva.
Referências
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