Neuroimagem funcional e o
desempenho Neuroimagen funcional y el rendimiento de la memoria en la Enfermedad de Alzheimer |
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*Neuropsicóloga, Mestre e Doutoranda em Ciências da Saúde-Neurociências pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) **Psicóloga, Mestre em Ciências da Saúde-Neurociências pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) |
Gabriela Pereyra Tizeli* Roberta de Figueiredo Gomes** (Brasil) |
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Resumo A prevalência da Doença de Alzheimer tem aumentado de forma contundente em concordância com a mudança demográfica que vem ocorrendo desde a segunda metade do século passado. Atualmente, o conhecimento da consolidada literatura sobre os achados dos métodos de neuroimagem funcional em relação a aspectos neuropatológicos da doença, exclusivamente, é insuficiente. Assim, este artigo pretende revisar a literatura sobre os achados dos estudos de neuroimagem funcional e o desempenho em memória de pacientes com Doença de Alzheimer. Para tanto, realizou-se uma busca na base de dados Medline por artigos publicados nos últimos anos. De forma geral, constatou-se que, nos pacientes com Doença de Alzheimer, a ativação do lobo temporal medial durante tarefas de memória tem se apresentado de forma inconsistente, porém com tendência a apresentar uma atividade aumentada relacionada à memória no córtex pré-frontal, indicando a presença de mecanismos compensatórios frente ao déficit progressivo de memória. Unitermos: Neuroimagem. Memória. Demência. Doença de Alzheimer.
Recepção: 16/09/2014 - Aceitação: 30/10/2014.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 198, Noviembre de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Com o aumento da expectativa de vida no mundo, o número de indivíduos idosos sob risco para o desenvolvimento de demência tem crescido rapidamente, e a Doença de Alzheimer (DA) apresenta-se como a causa mais comum da síndrome demencial em todos os grupos etários.
A principal característica clínica da DA é a perda da memória episódica com uma aparente preservação da memória procedural (JACOBS et al., 1995). A neuropatologia da doença inclui perda progressiva de neurônios associada ao desenvolvimento de emaranhados neurofibrilares e placas amilóides. Essas mudanças patológicas ocorrem inicialmente e com maior intensidade nas estruturas do lobo temporal medial, incluindo o hipocampo e o giro parahipocampal, regiões amplamente conhecidas pelo papel nos processos de memória episódica (ARRIAGADA et al., 1992; SQUIRE; ZOLA-MORGAN, 1991).
As anormalidades do lobo temporal medial nas fases iniciais da DA têm sido confirmadas in vivo, nas últimas três décadas, por estudos de ressonância magnética, os quais reportam, na maioria das vezes, um grau de atrofia da região hipocampal diretamente relacionado ao desempenho de memória desses pacientes (PETERSEN et al., 2000).
O’Brien (1995) comparou os resultados de 10 estudos que utilizaram a técnica de ressonância magnética (RM) para investigar a presença de alterações no lobo temporal de pacientes com DA. O autor concluiu que medidas de RM do lobo temporal permitem separar mesmo pacientes com DA leve de sujeitos controles normais, com sensibilidade e especificidade de 85,0% a 90,0%.
Em outro estudo realizado, foram comparados 41 sujeitos com DA leve/ moderada e 20 controles idosos saudáveis. Verificou-se que a combinação das medidas da amígdala e hipocampo classificaram corretamente 88,1% dos sujeitos avaliados com 89,7% de sensibilidade e 85,0% de especificidade (BOTTINO et al., 1998).
Técnicas de imagem funcional também têm sido utilizadas para comparar pacientes com DA com sujeitos controles saudáveis, incluindo medidas de metabolismo da glicose no cérebro por tomografia por emissão de pósitrons (PET) ou da tomografia por emissão de fóton único (SPECT) (RAPOPORT et al., 1991; HOLMAN et al., 1992). O achado característico desses estudos refere-se, principalmente, a um padrão de hipoatividade nos córtices temporal e parietal. Estudos mais recentes utilizando métodos de análise automática de imagens, que permitem a quantificação de anormalidades em exames radiológicos no nível do voxel, como o Statistical Parametric Mapping (SPM), também têm sido capazes de documentar padrões de atividade reduzida no lobo temporal medial de pacientes com DA em fases iniciais da doença, bem como em outras regiões cerebrais como o giro cingulado posterior (KOGURE et al., 2000; MATSUDA, 2001).
Em um artigo de revisão, Matsuda (2001) enfoca os principais progressos da neuroimagem funcional na DA, desde o início da sua utilização como método descritivo, até os dias atuais. De forma particular, o autor refere o poder das técnicas de PET e SPECT em (1) realizar diagnóstico precoce da patologia, (2) predizer a progressão do comprometimento cognitivo leve (CCL) para a DA, (3) realizar diagnóstico diferencial entre doença com corpos de Lewy e (4) verificar os efeitos do tratamento farmacológico.
Uma abordagem de pesquisa envolvendo técnicas de imagem funcional e DA é a investigação dos padrões de atividade cerebral durante a realização de paradigmas de ativação da memória. Estudos com esse objetivo, utilizando PET, SPECT ou ressonância magnética funcional (fMRI), têm empregado tarefas que demandam processos de recordação da memória episódica que, em indivíduos saudáveis, são suportadas por uma rede de regiões cerebrais incluindo o lobo temporal medial, os córtices pré-frontal e parietal, o giro cingulado e o cerebelo (CABEZA; NYBERG, 2000).
Uma vez que a prevalência da DA tem aumentado de forma contundente em concordância com a mudança demográfica que vem ocorrendo desde a segunda metade do século passado, e que seu tratamento desperta o interesse de diferentes áreas das ciências da saúde, desde o diagnóstico até a reabilitação, o conhecimento da já consolidada literatura sobre os achados dos métodos de neuroimagem funcional em relação a aspectos neuropatológicos da doença, exclusivamente, não é suficiente.
Processamento da memória na Doença de Alzheimer
Em um dos primeiros estudos a investigar mudanças cerebrais pré-clínicas da DA utilizando fMRI, Smith et al. (1999) compararam os padrões de ativação cerebral de adultos de meia idade com e sem história familiar da doença durante a realização de tarefas de nomeação de objetos e fluência verbal. Ambos os grupos tiverem bom desempenho nos dois testes, porém os padrões de ativação em cada uma das tarefas para cada um dos grupos foi diferente. O grupo de risco para desenvolvimento de DA apresentou uma diminuída ativação das regiões posteriores e inferiores do lobo temporal, bilateralmente.
Bookheimer et al. (2000), no entanto, verificou que durante um teste de recordação de palavras, sujeitos que não apresentavam demência, mas que eram portadores de polimorfismos no gene da apolipoproteína E tiveram um padrão de ativação maior na região pré-frontal esquerda, orbitofrontal bilateral, temporal superior e em regiões inferiores e superiores do lobo temporal, quando comparados à sujeitos controles. Os autores afirmam que este padrão anormal de ativação parece refletir uma resposta funcional compensatória, ou seja, o uso de regiões cerebrais adicionais para realizar a tarefa.
Roumbouts et al. (2000) avaliou padrões de ativação cerebral com fRMI em 12 pacientes com DA leve e moderada durante a fase de codificação da memória para estímulos novos. Os autores verificaram um decréscimo na ativação das regiões do lobo temporal medial dos pacientes com demência em relação a indivíduos idosos controles.
De acordo com Twanley et al. (2006) e Becker et al. (1996), os estudos de Smith et al. (1999) e Bookheimer et al. (2000) sugerem que mecanismos compensatórios na atividade cerebral em fases pré-clinicas da DA podem existir antes das manifestações cognitivas e da perda da capacidade funcional características da doença.
Buscando examinar as interações funcionais entre regiões pré-frontais e temporais durante em tarefa de memória de faces, Grady et al. (2001) comparou pacientes com DA e idosos saudáveis utilizando PET. Uma atividade aumentada do córtex pré-frontal direito esteve associada à melhor desempenho de memória em ambos os grupos, enquanto ativação da amigdala esquerda correlacionou-se positivamente com o desempenho dos pacientes. Segundo os autores, este último achado sugere que os pacientes com DA podem ter feito uso do conteúdo emocional das faces em maior grau quando comparado aos sujeitos controles, indicando o uso de mecanismos compensatórios para o processamento da memória.
Para investigar os substratos neurais das alterações de memória autobiográfica de pacientes com DA, Eustache et al. (2004) utilizaram uma abordagem de correlação entre medidas de PET e índices de memória. Os autores avaliaram a memória autobiográfica referente a três diferentes momentos da vida de 17 pacientes com DA: informações dos últimos 5 anos, questões relacionadas à meia-idade (idade adulta) e à infância dos pacientes. Os pacientes tiveram pior desempenho do que os controles nos três períodos e apresentaram no PET o esperado gradiente temporal mais preservado no período de testagem da memória mais remota (infância). Foram encontradas correlações positivas entre o desempenho em memória autobiográfica referente aos últimos 5 anos e o metabolismo do hipocampo direito, dos giros frontal médio e inferior direito, além do giro temporal médio direito.
Os escores de memória referentes ao período da vida adulta dos pacientes estiverem correlacionados ao metabolismo das regiões do córtex pré-frontal, bilateralmente e o desempenho de memória do período da infância esteve correlacionado exclusivamente com o metabolismo do giro frontal médio esquerdo. Esses achados reiteram as implicações da região hipocampal na evocação de memórias recentes e o não envolvimento destas estruturas em intervalos de retenção menores que cinco anos. Além disso, o fato de memórias recentes serem suportadas preferencialmente por regiões do córtex pré-frontal direito, enquanto memórias remotas parecem depender da atividade do córtex pré-frontal esquerdo, o estudo enfatiza a hipótese de que memórias episódicas adquirem caráter semântico com o aumento do tempo de retenção, uma vez que as memórias remotas preservadas dos pacientes com DA são predominante de conhecimento geral.
Em um estudo de fMRI, Celone et al. (2006) investigou a memória de 52 sujeitos num espectro que variou do envelhecimento normal, passando pelo comprometimento cognitivo leve até a DA leve. Em todos os sujeitos foi observado um padrão de ativação hipocampal associada à diminuição da ativação em regiões parietais durante a realização do teste de memória associativa. Além disso, foram encontradas evidências de uma trajetória não linear de ativação na fMRI nos diferentes espectros. Sujeitos com diagnóstico de CCL com déficits discretos apresentaram uma hiperativação paradoxal no hipocampo quando comparados a controles, enquanto idosos com CCL mais pronunciado demonstraram uma hipoativação significante, semelhante àquela observada em sujeitos com DA leve.
Considerações finais
De forma geral, a partir da análise dos achados dos estudos revisados, constatou-se que nos pacientes com DA a ativação do lobo temporal medial durante tarefas de memória tem se apresentado de forma inconsistente. Em contrapartida, pacientes com DA em fases iniciais tendem a apresentar uma atividade aumentada relacionada à memória no córtex pré-frontal, sendo este achado interpretado por grande parte dos pesquisadores como um mecanismo compensatório frente à dificuldade de memória crescente do paciente com DA.
A utilização de métodos de neuroimagem funcional para avaliação do processamento da memória, como já descrito neste artigo, é de extrema importância para o estudo dessa doença, tanto para o diagnóstico quanto para o manejo dos déficits de memória que acometem os seus portadores.
É importante ressaltar que dificuldades relacionadas à utilização destes métodos em estágios mais avançados da DA representam um desafio e até mesmo um entrave para a melhor elucidação da neuropatologia da doença e do processamento da memória e de outras funções cognitivas.
Futuros estudos nas áreas da engenharia biomédica e das neurociências são necessários para orientar a continuidade e o progresso da pesquisa da neuroimagem funcional na DA.
Referências
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