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Brinquedoteca universitária: concepções e estratégias de construção

La ludoteca universitaria: concepciones y estrategias de construcción

University toy library: conceptions and construction strategies

 

*Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Pampa

Cursando Especialização em Educação Infantil na Universidade de Santa Cruz do Sul

**Doutor em Educação pela Universidade Federal de Pelotas

Docente na Universidade Federal do Pampa

(Brasil)

Carla Josiele Weber*

carlajosieleweber@yahoo.com.br

Bento Selau**

bentoselau@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo teve como objetivo identificar de que maneira se organizou uma brinquedoteca universitária, compreendendo o valor das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Pedagogia e o Instrumento de Avaliação de Cursos Superiores de Pedagogia, para a sua implementação. A metodologia adotada consistiu em uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, tendo como campo empírico a brinquedoteca do curso de Pedagogia de uma universidade publica. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com três informantes, professores deste curso. As análises apontam que o Instrumento de Avaliação de Cursos Superiores de Pedagogia não é suficiente para orientar como estruturar uma brinquedoteca universitária, pois o mesmo avalia, apenas, sua estrutura física, equipamentos, jogos educativos e brinquedos disponibilizados. O referido instrumento não leva em consideração as concepções teóricas de ludicidade que conduzem o seu processo de instalação e andamento das atividades.

          Unitermos: Brinquedoteca. Ludicidade. Pedagogia.

 

Abstract

          This study aimed to identify how a university toy library had been organized, which comprised the value of the National Curriculum Guidelines to the Bachelors in Education and the Assessment Tool of the Higher Education Degrees for its implementation. The chosen methodology consisted of a qualitative research, following the case study method, with the toy library of the Education course of a public university as the empirical field. Semi-structured interviews with three informants, teachers of this course, were conducted. The analyses suggest that the Assessment Tool of Higher Education Degrees is not enough to guide how to structure a university toy library, because it evaluates only its physical structure, equipment, educational games and available toys. This instrument does not take into account the playfulness theoretical conceptions that drive its installation process and activities progress.

          Keywords: Toy library. Playfulness. Education.

 

Recepção: 08/09/2014 - Aceitação: 28/10/2014.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 198, Noviembre de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Cada vez mais se tem evidenciado a importância das atividades lúdicas, como fontes de desenvolvimento e de aprendizagem, na vida do ser humano. O lúdico pode se inserir em diferentes espaços, tais como: em escolas, em clubes, em bibliotecas, em hospitais, em instituições de ensino superior – nestes últimos como parte do processo de formação de professores, que têm o brincar como eixo norteador das práticas pedagógicas (ROEDER, 2007).

    Considerando esse cenário de inserção das atividades lúdicas, foram criados diferentes espaços para favorecer o eclodir das brincadeiras, dentre os quais, as brinquedotecas. Tendo surgido nos Estados Unidos em 1934, como espécie de “bibliotecas de brinquedos” (SANTOS, 1995), atualmente, estes ambientes de ludicidade prestam diferentes tipos de serviço, atendendo pessoas de todas as idades e classes sociais. Por isso, há brinquedotecas instaladas em diferentes locais. Um destes ambientes, aqui ressaltado, é o universitário, especificamente vinculado ao curso de Pedagogia. Nestes casos, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Pedagogia (DCNCGP) orientam a constituição de um núcleo de estudos básicos no qual se possam discutir questões relativas à ludicidade no contexto de atuação dos profissionais em formação. Entretanto, no referido documento, não há nenhuma alusão explícita de que este núcleo seja uma “brinquedoteca”. Apesar das DCNCGP não exporem explicitamente que deva existir uma brinquedoteca em funcionamento, entende-se que esse espaço de estudos a ser instituído no contexto universitário seja uma brinquedoteca, já que o Instrumento de Avaliação de Cursos Superiores de Pedagogia (IACSP) assim a exige1.

    A pesquisa que se apresenta teve como objetivo identificar de que maneira se organizou uma brinquedoteca universitária, compreendendo o valor das DCNCGP e o IACSP, para a sua implantação. Para tanto, tivemos como campo de estudo empírico o caso da brinquedoteca do curso de Pedagogia de uma universidade pública do Rio Grande do Sul/Brasil, que funciona como Laboratório de Ensino e Aprendizagem, junto ao referido curso. As análises apontam que, levar em consideração apenas as DCNCGP e o IACSP para a implantação de uma brinquedoteca universitária, não é suficiente para orientar como estruturar esse espaço: as DCNCGP não explicitam a maneira de organização deste espaço; o IACSP avalia, apenas, sua estrutura física, equipamentos, jogos educativos e brinquedos disponibilizados; este último não leva em consideração as concepções teóricas de ludicidade que conduzem o seu processo de instalação e andamento das atividades, elementos considerados importantes, como um dos resultados deste estudo.

Alguns aspectos da revisão teórica

    As atividades lúdicas fazem parte da vida do ser humano, em todas as etapas (SANTOS, 2000). Para Huizinga (1999) o lúdico é inerente ao próprio ser humano, e não a uma determinada fase de seu desenvolvimento, pois tanto crianças, adultos e idosos, jogam. Para o autor, jogar e brincar são sinônimos de diversão e prazer, atividades voluntárias desempenhadas pelo ser humano. Isso significa que não se brinca mecânica ou inconscientemente por obediência, mas sim porque se quer, porque se sente prazer e, mesmo, porque sendo “fascinantes” e “cativantes” (HUIZINGA, 1999, p. 14), os jogos têm poder de absorver inteiramente os participantes.

    Freqüentemente encontramos na literatura autores que utilizam o termo “lúdico”, que significa brincar, conceito no qual estão incluídos “os jogos, brinquedos e brincadeiras, e é relativo também à conduta daquele que joga, que brinca e que se diverte” (SANTOS, 2000, p. 57). Conseqüentemente, quando se fala em lúdico ou em atividades lúdicas, ou ainda em jogos, brinquedos e brincadeiras, está-se falando em brincar e, por conseguinte, em diversão. Por compartilhar da opinião de que “jogar” tem como sinônimos “brincar” e “lúdico”, neste trabalho, ambos os termos aparecerão com freqüência, referindo-se, especialmente, às atividades realizadas nos espaços das brinquedotecas.

    Conforme Vygotski (2007), as brincadeiras têm enorme influência no desenvolvimento infantil, visto que criam uma zona de desenvolvimento proximal: “no brinquedo a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além do seu comportamento diário; no brinquedo, é como se ela fosse maior do que é, na realidade” (p. 122). Isso significa que, em uma situação imaginária, como a brincadeira de ônibus, por exemplo, a criança é levada a comportar-se como um motorista de verdade, o que está muito além do que realmente pode fazer naquele momento/idade (dirigir um ônibus), algo que ela só alcançará quando estiver mais velha.

    Devido à importância (psicológica, social) do brincar, nasce a brinquedoteca, um ambiente lúdico que tem como objetivo garantir um espaço para o jogo (SANTOS, 1995). Nesse sentido, diferentes autores (CUNHA, 1992; SANTOS, 1995; SCHLEE, 2000; AZEVEDO, 2008) conceituam a brinquedoteca como espaço criado com o objetivo de favorecer a brincadeira através de diferentes tipos de estímulos. Para Santos (1995, p. 13), ela é “um espaço que se caracteriza por possuir um conjunto de brinquedos, jogos e brincadeiras, sendo um ambiente agradável, alegre e colorido, onde mais importante que os brinquedos é a ludicidade que estes proporcionam”. Cunha (1992, p. 36) define a brinquedoteca como “um espaço preparado para estimular a criança a brincar, possibilitando o acesso a uma grande variedade de brinquedos, dentro de um ambiente especialmente lúdico. É um lugar onde tudo convida a explorar, a sentir, a experimentar”. A partir destas concepções, compreendemos as brinquedotecas como espaços lúdicos criados para brincar, tendo, por isso, um acervo diversificado de jogos, brinquedos e outros materiais que aguçam a curiosidade e a vontade de sua experimentação.

    Além de ser um espaço de/para brincadeiras, de/para aprendizagem e socialização, a brinquedoteca pode ter função terapêutica, já que esse espaço pode ser usado, também, no tratamento de crianças hospitalizadas. De acordo com Azevedo (2008), ela também pode auxiliar no diagnóstico de dificuldades de aprendizagem, tanto em seus aspectos intelectuais, como emocionais, pois o modo como a criança brinca pode refletir possíveis dificuldades, ou mesmo, conflitos emocionais. Por isso, conforme Schlee (2000), não é qualquer sala com brinquedos que serve para montar uma brinquedoteca: “uma brinquedoteca necessita, pelo menos, de espaço para a exploração das alternativas lúdicas e espaço para a vivência lúdica” (SCHLEE, 2000, p. 63). Assim, este autor explica que ela deve ser montada em um espaço especialmente construído ou criteriosamente escolhido para atender aos objetivos e às necessidades da clientela que a freqüentará, sejam crianças ou adultos.

    Mais do que garantir o direito de brincar da criança, ao promover práticas de ensino, pesquisa e extensão (compromisso previsto na legislação que rege a educação superior) em torno do lúdico, uma brinquedoteca no contexto universitário pode contribuir com a formação de adultos/educadores ao levá-los a estudar sobre a importância do brinquedo para o desenvolvimento infantil. Para tanto, de acordo com Negrine (2008), a formação de um profissional que atua com o jogo deve ser dividida em três pilares: formação teórica, formação pedagógica (prática) e formação pessoal. O pilar da formação teórica trata do estudo sobre as principais teorias sobre o desenvolvimento e a aprendizagem e dos jogos. Já o pilar da formação prática complementa o primeiro, ao oportunizar que se vivencie a ludicidade na prática, levando o brinquedista (assim chamado o profissional que atua na brinquedoteca), o futuro educador, a refletir sobre a relação entre teoria e prática, atuando com crianças. Por fim, o pilar da formação pessoal deve oportunizar ao brinquedista e/ou ao futuro educador ter experiências lúdicas pela via corporal com seus pares.

    Este último pilar parece inovador. Um espaço, dentro do currículo das licenciaturas, para a formação pessoal, como se salientou, implica considerar que este profissional (em formação) deve relaxar e se divertir, sem se preocupar com sua performance, para que ele possa experimentar as emoções que as crianças sentem quando brincam e, então, ser capaz de colocar-se no lugar delas, de compreender suas necessidades e interesses. A respeito deste último pilar, Santos (2011, p. 14) complementa: “quanto mais o adulto vivenciar sua ludicidade, maior será a chance de este profissional trabalhar com a criança de forma prazerosa”.

    Tendo debatido sobre a concepção teórica de lúdico, uma rápida apresentação sobre o aspecto psicológico do jogo em Vygotski, o conceito de brinquedoteca e os pilares para a formação do brinquedista, passa-se a apresentar os aspectos metodológicos e, finalmente, os resultados das análises.

Procedimentos metodológicos

    O estudo consistiu em uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso (LÜDKE e ANDRÉ, 1986), tendo como campo de estudo empírico a brinquedoteca de uma universidade pública do Rio Grande do Sul/Brasil, que funciona como Laboratório de Ensino e Aprendizagem junto ao curso de Pedagogia.

    Para a coleta de dados, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com três informantes, todos eles professores do referido curso e envolvidos com a implementação e condução da brinquedoteca. Para preservar suas identidades, eles foram identificados como informante 1, informante 2 e informante 3. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Ainda, utilizaram-se fontes documentais nas quais constavam dados a respeito deste espaço. Estes documentos foram o livro de registro da brinquedoteca e o seu projeto original de implantação.

    A brinquedoteca em questão tem 84,28 m² e possui um acervo diversificado de jogos e brinquedos pedagógicos, simbólicos, psicomotores e cênicos. A maioria destes materiais foi adquirida por meio de verbas destinadas à aquisição de material de consumo; outros foram doados por professores e acadêmicos da instituição. Parte destes materiais é emprestada aos professores e acadêmicos da universidade, bem como aos professores da rede pública e privada de educação do município no qual se localiza. O restante do material está dividido pelo ambiente e à disposição dos alunos da Educação Infantil e dos Anos Iniciais das escolas da rede pública e privada do município que freqüentam o espaço em dias alternados da semana, para visitas lúdicas.

    Seguindo-se as etapas de análise textual discursiva, propostas por Moraes (2003), os dados coletados foram transcritos e estão apresentados em duas categorias: “Atenção à ludicidade” e “Espaço físico da brinquedoteca”. Os resultados da análise e, finalmente, algumas considerações finais, serão apresentados na seqüência.

Resultados e discussões

Atenção à ludicidade

    Nesta primeira categoria de análise, tratamos: da natureza e os objetivos de uma brinquedoteca universitária; da escolha dos brinquedos que compõem o acervo da brinquedoteca; e de como os jogos educativos estão aliados às práticas de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas na universidade.

    Do ponto de vista dos informantes desta investigação, a brinquedoteca da universidade foi definida como: “um laboratório de ensino e aprendizagem, um espaço de construção e de prática da atividade lúdica vinculado à formação de professores” (informante 2); “um espaço no qual os acadêmicos possam testar as teorias que aprendem, devendo o espaço e os materiais ser construídos com os acadêmicos” (informante 1). Parte destas concepções são compartilhadas por Schlee (2000) que a define como uma espécie de laboratório freqüentado por dois grupos de usuários: o primeiro, estudantes e professores do ensino superior, que estudam, criam, pesquisam, elaboram e confeccionam uma série de atividades lúdicas, analisando o valor do brinquedo no desenvolvimento infantil; o segundo, as crianças, adolescentes ou os adultos, que testam cada alternativa (mesmo sem saber que o seu uso pode ser um teste), aprovando-as ou não.

    Para o informante 3, ter uma brinquedoteca na universidade é condição para a autorização do curso, uma exigência legal para o reconhecimento do curso de Pedagogia. Esse informante também explicou: “a brinquedoteca é fundamental para se trabalhar questões relativas ao curso, que são inerentes ao curso e a própria docência: desde o desenvolvimento infantil, a questões didáticas através do lúdico, e as questões de infância”.

    Diante do exposto, compreendemos que uma brinquedoteca universitária se constitui como um laboratório de ensino e aprendizagem com o propósito fundamental de formar professores a partir de experiências de ensino, pesquisa e extensão em torno do lúdico, desenvolvidas/vivenciadas pelos acadêmicos com as crianças e os adultos que a freqüentam. Deste modo, a natureza e os objetivos de uma brinquedoteca universitária se devem à concepção que os sujeitos que a propõem têm desse espaço.

    Ao serem questionados sobre a escolha dos brinquedos para compor o acervo, os informantes 2 e 3 explicaram que essa eleição ocorreu em função de materiais que possibilitassem a criação e recriação do espaço, a partir da vontade dos próprios usuários, materiais que abrissem um leque de possibilidades em seu uso, além de materiais pedagógicos e outros brinquedos. Especialmente sobre o primeiro grupo, os sujeitos citaram que esse tipo de material refere-se a brinquedos que não carregam um fim em sua concepção, que não definem a sua utilização com base na sua estrutura, tal como carrinhos (que servem, substancialmente, como pequenos carros), bonecas (que servem, basicamente, como pessoas em miniatura), aviões (que servem, quase que unicamente, como aviões). Neste caso, citaram como exemplos do tipo de material para compor o acervo desta brinquedoteca (além de materiais e brinquedos pedagógicos e outros brinquedos): fantasias, bambolês, cordas e bolas, porque “quanto menos estruturado o material, mais possibilidade de simbolizar a criança vai ter” (informante 3).

    Tais afirmações corroboram com o exposto por Furini (2010) sobre a necessidade de não escolher, para compor o acervo, apenas objetos com uma função previamente determinada (tal como nos exemplos acima citados). Para o autor, é preciso oferecer oportunidades para que as crianças (e adultos) conheçam jogos diferentes daqueles da sua realidade cotidiana, experimentem novas formas de jogar também com outros tipos de objetos que ganham vida em suas mãos e que lhes proporcionam diversão e o estreitamento dos laços de amizade com seus pares. Por isso, Furini (2010) aconselha a não utilização de objetos com uma função previamente determinada, unicamente, característica típica dos brinquedos industrializados. Salienta que, quando se trata da atividade lúdica, o elemento principal desse processo é a atividade espontânea. Para tanto, é fundamental que a criança ou adulto tenha à sua disposição uma variedade de materiais ou objetos que possa experimentar, criar, imaginar e construir, seguindo orientação pedagógica adequada, tal como a da psicomotricidade relacional (FURINI e SELAU, 2010).

    Apesar de terem escolhido uma série de materiais e brinquedos pedagógicos para a constituição desta brinquedoteca, o informante 2 salientou que os brinquedos não são pré-requisitos para a constituição e existência de uma brinquedoteca (apesar de que considera que a presença de materiais oferece uma gama diferenciada de possibilidades de brincar e o desenvolvimento de atividades de ensino por meio de jogos pedagógicos, também existentes neste local). Para este sujeito, pensar que uma brinquedoteca, seja ela universitária ou não, pressupõe a presença de brinquedos, atrela o seu uso e a existência deste espaço aos seus materiais. O informante ainda citou que, conforme autores como Vygotski (2007), Huizinga (1999), Negrine (2008) e Santos (2000), “brincar independe da presença do brinquedo. Então, não necessariamente, a brinquedoteca precisa dos brinquedos” (informante 2). Tal interpretação, que tem respaldo nas bases teóricas citadas, se fosse levada ao pé da letra, poderia interferir na própria avaliação da brinquedoteca universitária pelo IACSP, já que este instrumento avalia, entre outros elementos, a presença de brinquedos.

    Para o informante 1, quando se escolhe brinquedos para a brinquedoteca, é preciso pensar nas habilidades que eles irão proporcionar no público que os irá utilizar. Não basta suprir todos os pré-requisitos do IACSP: é preciso fazer uma análise da qualidade desses jogos: “para que isso vai servir, para que isso vai desenvolver, para que isso vai contribuir” (informante 1).

    Tal como a natureza e os objetivos de uma brinquedoteca universitária se devem à concepção que os sujeitos que a propõem têm a respeito desse espaço, o mesmo pode ser aplicado à escolha dos brinquedos que irão compor o seu acervo: estão atrelados à concepção do que seja brincar, para os seus proponentes. Independentemente do tipo de brinquedos e jogos escolhidos para compor o acervo de uma brinquedoteca para o curso de Pedagogia, pensamos que estes devem ser diversificados, para estimular a brincadeira, a capacidade criativa e o brincar espontâneo dos usuários que freqüentam o espaço e, ainda, as possibilidades de exercício docente dos usuários do laboratório em práticas de ensino.

    Quanto à vinculação com as práticas de ensino, pesquisa e extensão desenvolvidas nesta brinquedoteca, o trabalho de extensão, especificamente o de empréstimo de brinquedos para a comunidade e o atendimento dos alunos da educação básica (em visitas lúdicas), foi considerado, por um lado, fundamental pelos informantes 1 e 3. O informante 1 acredita que, neste espaço, a extensão funciona melhor do que a pesquisa e o ensino, embora não tenha explicitado os motivos para esta afirmação, com base na comparação. O informante 3 compreende ser a extensão a ênfase forte desta brinquedoteca, porque pensa que é a partir do trabalho de extensão que são possíveis as atividades de ensino e pesquisa. O informante 3 ainda citou que, se a brinquedoteca é um laboratório de ensino e aprendizagem, os docentes dos componentes curriculares poderiam utilizá-la muito mais como campo de trabalho e como espaço de observação e pesquisa para atender às demandas do componente curricular que ministram (apesar de não ter fornecido dados quanto à sua utilização pelos professores). O informante 2 destacou, por outro lado, que a extensão não pode ser pensada sozinha, sem vínculo com o ensino e a pesquisa: “a extensão tem que ter um fim, tem que ter uma lógica no oferecimento do serviço para a comunidade, a qual deve estar relacionada ao ensino e a pesquisa”.

    Nesse sentido, observa-se que, nas universidades, as brinquedotecas são consideradas como laboratórios nos quais professores e acadêmicos estudam sobre o lúdico (SCHLEE, 2000; SANTOS, 2000). De tal modo, as práticas de ensino, pesquisa e extensão, em torno da ludicidade, desenvolvidos com os acadêmicos e a comunidade no espaço da brinquedoteca universitária, contribuem no processo pedagógico formativo dos futuros educadores (ROEDER, 2007). Isto foi identificado nas falas dos informantes, pois eles apontaram o investimento em atividades de ensino, pesquisa e extensão em torno do lúdico, como sendo fundamentais para formar profissionais da educação que podem basear sua prática pedagógica na perspectiva da ludicidade, como fator de aprendizagem e desenvolvimento infantil.

    Na brinquedoteca desta universidade, a prática da pesquisa vem acontecendo desde o ano de 2009 (projeto de implantação). Este espaço serviu como campo empírico para uma tese de doutorado da área da Educação (PINHEIRO, 2014), trabalhos de conclusão de curso de licenciatura e, atualmente, para a realização de uma dissertação de mestrado (ARMAS, 2014). A utilização da brinquedoteca no ensino ocorre dentro de diferentes componentes curriculares. Os professores utilizam este espaço para o desenvolvimento de práticas corporais entre os estudantes e em práticas dos estudantes com crianças.

Espaço físico da brinquedoteca

    Nesta segunda categoria, tratamos da estrutura e da organização e a disposição dos materiais no espaço. Por fim, discutimos sobre a avaliação de uma brinquedoteca universitária, a partir do IACSP como orientador da estruturação dessas brinquedotecas.

    As análises apontam que uma brinquedoteca universitária precisa de uma estrutura adequada para responder a um objetivo: a formação de recursos humanos a partir da investigação e produção de conhecimento sobre o lúdico (SANTOS, 2000). Assim, a idéia de que uma brinquedoteca universitária deva se constituir em um espaço o mais amplo possível foi recorrente nas falas dos informantes. Os participantes indicaram que o espaço desta brinquedoteca não é adequado, que ela poderia estar organizada em um espaço maior. Isso possibilitaria, segundo o informante 2, o desenvolvimento de atividades pulsionais (tais como corridas) mas que, devido ao seu tamanho, não são possíveis.

    Quanto à organização dos materiais na sala, as respostas dos informantes divergiram. Para o informante 3, o acervo e o espaço como um todo devem ser distribuídos de forma a possibilitar que as crianças e os adultos, tanto da comunidade externa como da acadêmica, possam explorar o ambiente e realizar a atividade do brincar. Já o informante 2 acredita que os materiais e brinquedos devem estar adequadamente guardados, de modo que o espaço possa ser montado e desmontado pelos professores que o irão utilizar. Esse participante explicou que a organização espacial da brinquedoteca universitária depende do trabalho dos professores que estarão atuando na pesquisa, no ensino ou na extensão, do planejamento teórico da aula e, fundamentalmente, da concepção teórica que embasa sua prática pedagógica, no momento da atividade. Assim, em determinados momentos, o brinquedista (ou o docente em práticas de ensino) poderá utilizar apenas determinados tipos de materiais que considerar mais adequados para o desenvolvimento da atividade planejada, ou mesmo, pode até não fazer uso dos brinquedos.

    O informante 1 disse que os brinquedos devem estar à disposição dos usuários para que eles próprios possam escolher do que irão brincar: “Aí o professor pode ver no local que a criança pegou, que tipo de material é aquele, quais são as habilidades que ele vai desenvolver” (informante 1). O exposto por este informante sugere que esta forma de organização do acervo possibilita ao adulto (o brinquedista, o professor ou, até mesmo os acadêmicos em situação de pesquisa), que observa os participantes, identificar quais áreas de conhecimento estão sendo desenvolvidas nas suas brincadeiras, bem como lhes dar dicas de quais tipos de atividades e brinquedos propor na sala de aula. Uma vez que as opiniões dos participantes não foram semelhantes, o indicativo é o de que a distribuição e organização do espaço e materiais dependerá do coordenador desse local, fundamentalmente. É importante frisar, todavia, que o docente que utilizar o espaço de uma brinquedoteca universitária em atividades de ensino, pesquisa ou extensão, deve ter autonomia para gerenciar este espaço, de acordo com o seu planejamento.

    Como já exposto, a avaliação de um curso de Pedagogia supõe que haja um laboratório didático em que são discutidas questões referentes à ludicidade, o que significa que este espaço é parte indispensável para a formação de educadores. Todavia, para os informantes desta pesquisa, na constituição de uma brinquedoteca universitária, não basta suprir aos pré-requisitos analisados pelo IACSP, pois é preciso, antes de tudo, fazer uma análise da qualidade desses materiais que são exigidos: “para que isso vai servir, para que isso vai desenvolver, para que isso vai contribuir” (informante 1). Os informantes 2 e 3 complementam a opinião do informante 1.

    O informante 2, por exemplo, explicou que “esses [IACSP] são indicadores interessantes para balizar a construção de uma brinquedoteca em uma universidade, especialmente para leigos no assunto” (informante 2). Todavia, o IACSP não contempla tudo que está por trás da concepção e criação de uma brinquedoteca universitária. O informante 3 indicou que “tem toda a questão que fundamenta a escolha dos materiais, porque o que escolhe um jogo é a fundamentação teórica. O que sustenta o projeto da brinquedoteca é uma coisa que não é analisada pelo IACSP... a teoria detrás” (informante 3).

Considerações finais

    Conforme os informantes deste estudo, utilizar o IACSP, apenas, não é suficiente para orientar como estruturar uma brinquedoteca universitária, já que este instrumento de avaliação não leva em consideração as concepções de brinquedoteca e de ludicidade que envolvem a implantação. O valor das DCNCGP para orientar a implantação deste espaço é limitado, e o do IACSP, burocrático, pois a implantação de uma brinquedoteca universitária exige dos seus proponentes base teórica que sustente a sua estruturação e, conseqüentemente, as práticas nela desenvolvidas, muito mais do que indicativos de avaliação. Parece que urge uma avaliação nas DCNCGP e no IACSP no que se refere aos indicativos para estruturação de uma brinquedoteca para os cursos de Pedagogia.

    O caso específico da construção da brinquedoteca universitária, aqui analisada, mostrou a constante intencionalidade dos informantes, professores que ajudaram a implantá-la e, ainda a constituem, em interligar sua função a práticas de ensino, pesquisa e extensão. Ainda, que para que se possa pensar na organização desse espaço para o curso de Pedagogia, seus proponentes tenham clareza a respeito das suas próprias concepções de ludicidade, pois são os aspectos teóricos que conduzirão esse processo de instalação e a sua condução, fundamentalmente.

    Esperamos que este estudo possa contribuir com outras discussões sobre brinquedotecas universitárias, como espaços de ensino, pesquisa e extensão e, fundamentalmente, sobre a reflexão a respeito da importância das atividades lúdicas no processo de formação de professores.

Nota

  1. No IACSP, a brinquedoteca dos cursos de Pedagogia pode ser conceituada como estando insuficientemente ou plenamente adequada quanto a: instalações físicas, equipamentos, jogos educativos e brinquedos.

Referências

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