A futebolização em Gramado e Canela: transformações e produtividades no principal polo turístico gaúcho através da Copa do Mundo 2014 La futbolización en Gramado y Canela: transformaciones y productividad en el principal polo turístico de Río Grande do Sul por medio de la Copa del Mundo 2014 |
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*Professor Assistente da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Coordenador da linha de pesquisa Estudos Olímpicos em Práticas Corporais e Meio Ambiente Mestre em Educação. Pós-Graduado em Administração e Marketing Esportivo **Aluno do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul Bolsista de Iniciação Científica (IniCie-Uergs) |
Prof. Ms. Rodrigo Koch* Luiz Garcia Pimentel Junior** (Brasil) |
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Resumo Este artigo partiu de inquietações dos pesquisadores relativamente à forte presença do futebol nas sociedades e à suposição de uma certa futebolização da cultura, expressando-se nos espaços cotidianos da vida. O termo futebolização é utilizado para discutir e refletir sobre o futebol como ferramenta dos processos de globalização, hibridação e espetáculo. Avaliamos e analisamos como foi o comportamento da população das cidades de Gramado e Canela (principal polo turístico do Rio Grande do Sul) – antes, durante e depois da Copa do Mundo 2014, como instrumento de reforço e fortalecimento das marcas da Futebolização da Cultura. O objetivo geral deste trabalho foi analisar a produtividade da Copa do Mundo nestas localidades, comparando, investigando e monitorando as marcas da futebolização. A metodologia foi de cunho etnográfico em suas principais etapas. Nos primeiros meses de 2014 foram realizadas visitas em Gramado e Canela para observações e coleta de dados iniciais. Portanto, ao longo do evento (Copa do Mundo de Futebol) foram feitas novas observações, imagens, visitas, e entrevistas com secretários de turismo, comerciantes, turistas e população em geral. Os resultados indicam fortes alterações na rotina das cidades pesquisadas, com mudanças nos hábitos e costumes locais provocados pelo futebol. Podemos apontar que há incontáveis efeitos da futebolização na cultura, principalmente no Brasil, um país com fortes vínculos e marcas desta modalidade. Unitermos: Futebolização. Cultura. Turismo.
Resumen Este artículo proviene de preocupaciones de los investigadores con respecto a la fuerte presencia del fútbol en las sociedades y la asunción de una cierta “futbolización” cultural expresándose en los espacios de la vida cotidiana. El término “futbolización” se utiliza para discutir y reflexionar sobre el fútbol como una herramienta de los procesos de globalización, hibridación y espectáculo. Nuestras metas fueron evaluar y revisar cómo fue el comportamiento de la población de las ciudades de Gramado y Canela (principal centro turístico de Río Grande do Sul) - antes, durante y después de la Copa del Mundo 2014, como un medio de reforzar y fortalecer las marcas de “futbolización” de Cultura. El objetivo de este estudio fue analizar la productividad de la Copa del Mundo en estas localidades, la comparación, la investigación y el seguimiento de marcas de “futbolización”. La metodología fue etnográfica en sus principales etapas. En los primeros meses de 2014 se realizaron visitas en Gramado y Canela para las observaciones y recolección de datos inicial. Por lo tanto, durante todo el evento (Copa del Mundo de fútbol) se hicieron observaciones, fotografías, visitas y entrevistas con los secretarios de turismo, comerciantes, turistas y la población en general. Los resultados indican fuertes cambios en la rutina de las ciudades encuestadas, con transformaciones en los hábitos y costumbres causadas por el fútbol. Podemos señalar que hay un sinnúmero de efectos de la “futbolización” cultural, especialmente en Brasil, un país con fuertes vínculos y marcas de este deporte. Palabras clave: “Futbolización”. Cultura. Turismo.
Recepção: 01/10/2014 - Aceitação: 25/10/2014.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 198, Noviembre de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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Por que, para quê, e como pesquisar a futebolização em Gramado e Canela?
Sendo o Brasil um país que apresenta a Futebolização da Cultura (uma Pedagogia Cultural que transcende o espaço esportivo) e, o mesmo tendo sido escolhido para receber a Copa do Mundo da FIFA 2014 – evento considerado o maior do mundo na modalidade do futebol e, um dos maiores megaeventos esportivos do planeta – tornou-se necessário estudar e pesquisar que produtividades culturais a realização desta competição em território nacional ocasionou não só no país como um todo, mas principalmente nas cidades que recepcionaram atletas, comissões técnicas, dirigentes, patrocinadores e, principalmente, torcedores/turistas que se hospedaram ou visitaram estes municípios durante a Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014. Foi importante avaliar e analisar como se deu o comportamento da população destas comunidades – antes, durante e depois do megaevento – como instrumento de reforço e fortalecimento das marcas da Futebolização da Cultura Brasileira nestas localidades.
O estudo teve como base referencial as discussões acerca da futebolização da cultura (vinculados aos Estudos Culturais), e para a pesquisa de campo foi adotada uma metodologia de cunho etnográfico em suas principais etapas. Nos primeiros meses de 2014 foram realizadas visitas em cidades da serra gaúcha (Gramado e Canela) para observações e coleta de dados iniciais. Gramado e Canela, mesmo não sendo cidades credenciadas oficialmente para receber seleções no período de preparação e durante a Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014, são o principal destino turístico do Rio Grande do Sul e, estão próximas de Porto Alegre, uma das 12 sedes do último mundial. As cidades receberam reservas de hotel por parte de interessados (turistas brasileiros e estrangeiros) em conhecer as localidades através da FIFA e, passaram a ser observadas sistematicamente. Porto Alegre como uma das sedes do megaevento foi observada à distância através da mídia. Para obtenção de resultados mais diretos, foi aplicado questionário com os moradores e os turistas/torcedores que visitaram Gramado e Canela no período da Copa do Mundo. Os objetivos neste estudo eram analisar a produtividade da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014; comparar (internamente e externamente) as marcas da Futebolização da Cultura; investigar que ações das populações foram realizadas e que políticas públicas foram criadas para recepcionar atletas, comissões técnicas, dirigentes, patrocinadores e torcedores; e monitorar a produtividade da presença de torcedores na Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014 no reforço e fortalecimento das marcas da Futebolização da Cultura Brasileira nestas comunidades.
Este trabalho faz do projeto Marcas Culturais da Copa Do Mundo no Processo de Futebolização em Cidades Gaúchas e está inserido na linha de pesquisa Estudos Olímpicos em Práticas Corporais e Meio Ambiente (PRACEMA), vinculada ao grupo Educação para a Sustentabilidade, com sede na unidade de São Francisco de Paula da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs). Esta linha tem como objetivo investigar as práticas corporais no meio ambiente na região dos Campos de Cima da Serra e seus efeitos na sociedade local, realizando pesquisas de campo, com observações, entrevistas e registros de imagens para avaliação dos espaços de esportes na natureza (ou áreas ecológicas) e como estes locais são aproveitados/cuidados de maneira a se tornarem sustentáveis pelos esportistas e praticantes. Avaliamos, também, as práticas corporais no meio ambiente relacionadas com os (mega)eventos que as circundam e seus efeitos e produtividades nas sociedades. Nossas áreas de atuação na pesquisa científica são as Ciências Humanas (Educação); Ciências da Saúde (Educação Física); e Ciências Sociais Aplicadas (Turismo) – atuando nos setores da educação, artes, cultura, esporte, recreação, saúde humana e serviços sociais.
O que é Futebolização?
Entre os pesquisadores que discutem o futebol como fenômeno social, podemos destacar dois que utilizam o termo futebolização e que lideram grupos de estudos: o português João Nuno Coelho (2006) e o argentino Pablo Alabarces (2002), que deste termo (futebolização) se valem para discutir e refletir sobre o futebol como ferramenta dos processos de globalização, hibridação e espetáculo. No entanto, Coelho e Alabarces encaram o próprio processo de futebolização dos países de forma diferente. O primeiro o vê como um processo maléfico para as sociedades, acabando com as diferenças locais e criando uma dependência do mercado globalizado. Para Coelho (2006), a futebolização elimina os valores locais de identidade. Já Alabarces (2002) toma o fenômeno como um dos mecanismos da pós-modernidade. Segundo ele, a futebolização de nossa cultura e de nossa vida cotidiana implica, provisoriamente, que nenhum enunciado seja possível fora da gramática futebolística. A futebolização pode ser caracterizada como o processo que transformou o futebol em mercadoria de consumo e produto da mídia televisiva.
Como explicar o termo futebolização? Para discutir esta questão, consideramos adequado recorrer aos textos sobre ‘hibridação’, de Nestor Garcia Canclini, às referências de Stuart Hall sobre ‘globalização’, e ao conceito de ‘sociedade do espetáculo’, de Guy Debord, e relacioná-los com o futebol. A própria futebolização também produz uma nova linguagem e também é consequência desta.
Canclini (2003) entende que a hibridação é um processo sociocultural, no qual estruturas e práticas que existiam de forma separada se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas. O autor ainda destaca que o termo hibridação já foi utilizado por outros autores para descrever processos interétnicos, globalizadores, cruzamentos de fronteiras, fusões artísticas, literárias, e comunicacionais. Nesse sentido, pensamos que se pode, aqui, também incluir o esporte, no qual o futebol aparece como modalidade centralizadora desses processos culturais híbridos, principalmente após a criação das zonas de livre comércio tanto na Europa como nas Américas, inclusive permitindo que atletas se naturalizem e defendam as cores de outra nação que não seja sua pátria de nascimento. Ora, o futebol pode muito bem explicar e se encaixar no processo de hibridação com exemplos de jogadores que adotaram novas nacionalidades após transferências de seus clubes de origem para terras longínquas, além das verdadeiras babilônias étnicas e culturais em que se transformaram as grandes equipes do cenário internacional. Os melhores exemplos atuais são os times que fizeram os jogos finais da Champions League (Liga dos Campeões da UEFA1) nos últimos anos: Barcelona, Bayern Munique, Manchester United, Internazionale, Chelsea, Milan e Real Madrid, que contam em seus plantéis com jogadores de inúmeras nacionalidades e formam o bloco dos clubes de futebol mais ricos do planeta. “Essa competição é a encarnação do mercado único europeu, uma densa rede de talento. As equipes na Liga dos Campeões podem buscar talentos em qualquer lugar do mundo” (KUPER; SZYMANSKI 2010, p.32). Em sua pesquisa, Foer (2005) descreve este fenômeno.
Ao criarem alquimias culturais a partir de suas escalações, os técnicos muitas vezes produziam novos e maravilhosos espetáculos: o estilo italiano, cínico e defensivo, vitalizado pela infusão da liberdade de estilo de holandeses e brasileiros; o estilo duro (ou a falta de estilo) dos ingleses temperado por uma pitada de perspicácia sob a forma de atacantes franceses. Visto da minha poltrona, o futebol parecia estar muito mais adiantado no processo de globalização do que qualquer outra economia do planeta (pp. 8-9)
Kuper & Szymanski (2010) defendem que o multiculturalismo é salutar para as atividades profissionais como o futebol atual. De acordo com os autores “quando você reduz a oferta de talento, limita o desenvolvimento de habilidades. Quanto maior o grupo de pessoas a serem selecionadas, mais provavelmente surgirão novas ideias” (p.24). Portanto, a presença de várias nacionalidades em um time de futebol contribui para a melhora técnica do mesmo. Temos que pensar também que estes grandes clubes europeus expandem suas fronteiras comerciais a cada ano, como destaca Palmiéri (2009):
Na Europa, os grandes times de futebol, como Real Madrid, Manchester United e AC Milan, também exploram novos mercados com seus jogadores estrangeiros, contribuindo para a universalização do esporte, além disso, aproveitam o período de treinamento que antecede uma temporada para unir o útil ao agradável: treinar o time e ganhar dinheiro. Normalmente os times se deslocam para a Ásia ou para a América do Norte e cobram fortunas para realizar amistosos contra equipes inexpressivas, comercializando suvenires, sobretudo camisas dos astros profissionais. (pp. 100-101)
Canclini, na introdução da obra Culturas Híbridas, também escreve sobre ciclos de hibridações, que corresponderiam, justamente, ao processo ou aos processos pelos quais passam os atletas que trocam de nação constantemente.
Já a globalização ou cultura global, para Hall (1997), necessita da diferença para prosperar, mesmo que apenas para convertê-la em outro produto cultural para o mercado mundial. O autor coloca o esporte popular, ou seja, o futebol, como a espinha dorsal da nação, onde primeiramente caíram as barreiras e diferenças de classe, regionais e raciais. Na contemporaneidade poderíamos dizer que também começam a cair as diferenças de gênero. O impacto global pode até gerar novos interesses pelo local, mas é improvável que a globalização acabe com as culturas locais. Podemos afirmar que a partir dos processos em curso sejam construídas novas identidades locais e também globais. É bem provável que o futebol produza a cada dia novas características nos povos.
Ainda precisamos fazer referência à sociedade do espetáculo, conceito de Guy Debord (apud KELLNER 2004) que dá um dos toques finais para a explicação do termo futebolização. Debord defende que o espetáculo unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos aparentes. O conceito descreve uma sociedade de mídia e de consumo, organizada em função da produção e consumo de imagens, mercadorias e eventos culturais (KELLNER 2004). Os eventos esportivos – e um dos dois2 megaeventos que atrai maior atenção da audiência mundial é a Copa do Mundo de Futebol – são hoje o campo onde se dá a grande ebulição da produção e consumo midiáticos. São eventos completamente planejados, do pontapé inicial até a entrega do troféu, onde e quando naqueles trinta dias surgem vilões, heróis e histórias emocionantes dessas personagens. E não são só os jogadores que ocupam essa condição heroica. “Provavelmente mais que qualquer outra coisa, as coletivas televisionadas criaram o mito moderno do técnico onipresente” (KUPER; SZYMANSKI 2010, p.119). É o momento de selecionar as imagens que traduzem a saga da glória e que ficarão marcadas na memória da sociedade. O espetáculo ocupa totalmente a vida social e se torna uma mercadoria da mídia. Não só a Copa do Mundo de Futebol, mas diversos torneios e campeonatos do esporte mais popular do planeta penetram os lares das mais diversas nações – até aquelas que não estão envolvidas na competição – difundindo seus modelos, fórmulas, valores e ideais. O futebol como espetáculo amplamente midiatizado é um dos complementos da equação da futebolização.
(...) a televisão representa, para o futebol, o estádio infinito, fato este que permite o desenvolvimento de uma série de produtos que geram importantes receitas para os clubes tais como as oriundas dos patrocínios de camisa, de material esportivo e de placas. (...) O futebol em praticamente todo o mundo, constitui-se num excelente conteúdo televisivo, capaz de mobilizar dezenas de milhões de telespectadores, (...) (PINTO apud BUENO 2009, p. 247)
Por fim, nesta breve discussão sobre a futebolização, queremos apontar também os aspectos da linguagem, pois este é um dos elementos desta equação de atua como produtor de significados, mas também é produto. Franco Júnior (2007) afirma que “o futebol é, sem dúvida, linguagem. Ele possui morfologia, semântica e sintaxe próprias” (p.349). O autor ainda inclui a retórica em sua análise do futebol como metáfora linguística. Costa (2011), em artigo aponta a contribuição da área das Letras para pesquisas da linguagem do futebol no Brasil desde a década de 1960, passando por diversos autores que abordaram essa temática. É perceptível desde então como termos originários da linguagem futebolística estão presentes no cotidiano da população brasileira para expressar situações políticas, sociais e financeiras entre outras. Uma dessas expressões – “estar dando bola” ou “dar bola a alguém” – já se tornou tão comum que pode passar despercebida. Esta linguagem é usualmente chamada de futebolês, e até dicionários3 já foram criados para facilitar o entendimento daqueles que não estão habituados com os termos e gírias do futebol. Segundo Rodrigues (2005) “a linguagem futebolística apresenta um vocabulário bastante variado e rico, contando com termos e expressões usados no dia-a-dia das pessoas, que vão, cada vez mais, se incorporando ao léxico da Língua Portuguesa” (p.2). Em sua pesquisa, a autora cita ainda outros termos usualmente empregados pelas pessoas, até mesmo por aquelas que não são admiradoras do futebol.
Esses termos e expressões, geralmente, recebem significação diferente no cotidiano e sua semântica pode estar relacionada a vários assuntos e contextos. Exemplos disso podem ser quando se fala que alguém [em relação ao trabalho ou aos relacionamentos amorosos]: “pisou na bola”, “está fazendo firula”, “deixou alguém de escanteio”, “está driblando”, “joga nas onze”. Expressões como essas são bem comuns na linguagem cotidiana e já fazem parte do vocabulário de muitas pessoas. Uma outra questão interessante configura-se quando a linguagem futebolística começa a ser utilizada para se referir ao sentido sexual. Nesse caso, muitas vezes os termos são falados com malícia. Quando se fala que uma pessoa faz “marcação cerrada” sobre a outra, ou aquela pessoa “esconde o jogo”, ou ainda “não deu assistência” (...) (RODRIGUES 2005, pp.8-9) [acréscimos meus]
Outros termos e expressões da linguagem do futebol, que são habitualmente empregados no cotidiano da população podem ser observados, como por exemplo: “comer (a) bola” (falar ou fazer algo inconveniente sem perceber ou então, vacilar, deixar alguma chance passar ou ser enganado); “na marca do pênalti” (última alternativa para alguma situação, única maneira de se resolver algo quando alguém está pronto para tomar alguma decisão importante); “entrar de sola” (ir direto ao assunto, sem fazer cerimônia) “bater na trave” (quase acontecer); “pendurar as chuteiras” (se aposentar); “tirar o time de campo” (desistir de algo); e “agora é só correr para o abraço” (quando alguém fez tudo certo e agora só vai receber os cumprimentos pelo que realizou, comemorar).
As transformações e produtividades da Copa do Mundo em Gramado e Canela
Nas primeiras observações, nos meses de abril e maio, Gramado e Canela apresentavam poucos espaços decorados e preparados para a Copa do Mundo. As cidades seguiam “colhendo os frutos” do turismo das festividades da Páscoa e do início da estação de inverno. No entanto, as perspectivas turísticas referentes à Copa do Mundo eram muito boas. Os secretários de turismo de ambas cidades estimavam em mais de 10 mil visitantes extras durante o período do megaevento. Há poucas semanas da Copa, cerca de 50% das reservas nos hotéis foram canceladas pela Match, empresa credenciada junto à FIFA e responsável pela venda de pacotes turísticos para estrangeiros. Ainda assim, as atividades que estavam programadas para recepcionar torcedores e turistas durante o megaevento foram mantidas e o otimismo do comércio também não foi alterado.
A partir da abertura da Copa do Mundo, dia 12 de junho, vários locais e artefatos receberam alusão ao megaevento: como vitrines, ruas, praças, monumentos e espaços públicos, além de veículos particulares e coletivos. Os moradores também passaram a circular trajando camisetas e outros adereços alusivos ao mundial de futebol se misturando com as novas etnias que circulavam pela comunidade. Portanto, mesmo não sendo uma das sedes dos jogos ou Base Camp4 de uma seleção, as cidades se envolveram com a Copa do Mundo e, fizeram do evento mais uma oportunidade para conquistar novos clientes. Nesta pesquisa foram registrados turistas da Argentina, Austrália, Canadá, Coréia do Sul, Honduras, Japão e México. Destes, chama atenção a presença de mexicanos, japoneses e canadenses, países que não jogaram em Porto Alegre ou que nem mesmo estavam participando da Copa do Mundo, como é o caso do Canadá. Segundo as Secretarias de Turismo de Gramado e Canela, torcedores de 17 países estiveram na serra gaúcha durante a Copa, totalizando seis mil visitantes extras no período. Vale destacar que as duas cidades são destino frequente de muitos turistas brasileiros e estrangeiros nesta época do ano (inverno), atraindo os mesmos por suas belezas naturais, parques temáticos e, principalmente, pela gastronomia e hospitalidade.
Após a Copa, algumas marcas da Futebolização foram mantidas em Gramado e Canela, mas a maioria desapareceu. As cidades aproveitam todas as possibilidades de eventos e datas comemorativas para atrair turistas com os mais variados interesses e idades. Depois da Copa, as cidades começaram os preparativos para o Dia dos Pais e para o Festival Internacional de Cinema de Gramado.
Para complemento das observações foi aplicado questionário com 49 indivíduos (sendo 26 homens e 23 mulheres) entre moradores e turistas de Gramado e Canela no período da Copa do Mundo. O sujeito mais jovem que participou da pesquisa era uma mulher de 17 anos de idade e, o mais idoso um homem de 70 anos. As principais ocupações dos entrevistados eram: vendedor(a), garçom/garçonete, estudante, policial, comerciante e professor(a). O questionário foi composto de cinco perguntas fechadas que tinham como objetivo a percepção dos entrevistados sobre a Copa do Mundo e as transformações que o megaevento produziu nas comunidades. No primeiro conjunto de questões foram observadas as percepções e comportamentos gerais. A maioria dos entrevistados revelou que a Copa do Mundo alterou sua rotina, no entanto o evento não produziu sentimento de maior nacionalismo na população da amostra. Este fenômeno talvez esteja relacionado com a futebolização, que deixa os indivíduos cada vez mais sem identidades sólidas, ou seja, as identidades são constituídas temporariamente pela falta de referências locais, ou melhor, pela proliferação das celebridades efêmeras globalizadas. No caso do futebol, muitos passaram a ser admiradores de astros como o argentino Messi e/ou o português Cristiano Ronaldo, por exemplo e, deixaram de ser torcedores de uma equipe determinada.
No segundo conjunto de perguntas, os entrevistados responderam especificamente sobre as percepções de “melhora” ou “piora” da cidade, do país e, do turismo na região. Mesmo não sendo sede de jogos da Copa do Mundo, o turismo em Gramado e Canela – na opinião dos entrevistados – obteve significativa melhora durante o evento. A maioria também concordou que as cidades da serra gaúcha melhoraram em função da competição futebolística, mas não houve consenso para a mesma questão em relação ao Brasil. Nesta última pergunta do questionário há uma divisão de opiniões e, portanto uma parcela considerável apontou que apesar dos esforços governamentais não observou mudanças no país.
Portanto, a Copa do Mundo, em Gramado e Canela, alterou a rotina das pessoas (cidadãos e turistas); no entanto, não aumentou significativamente o sentimento de patriotismo entre os mesmos. Aqui vale ressaltar a frustação do torcedor brasileiro com as atuações do selecionado nacional e, o melancólico final da equipe sendo eliminada pela Alemanha em uma goleada histórica de 7 x 1 e, perdendo o terceiro lugar para a Holanda em outra goleada (3 x 0). Na percepção dos entrevistados a Copa do Mundo contribuiu para impulsionar o turismo e trouxe melhorias para as cidades de Gramado e Canela; mas não representou melhorias para o país. Consideramos que as pesquisas sobre as produtividades da futebolização pós Copa do Mundo 2014 deverão seguir nos próximos anos, para apontar novas consequências nas cidades da serra gaúcha. O futebol produz transformações nas comunidades locais, principalmente no Brasil, um país com fortes marcas desta modalidade.
Notas
Union Européenne de Football Association. Entidade que administra o futebol europeu; o equivalente para a CBF no futebol brasileiro.
O segundo são os Jogos Olímpicos.
Dicionário Futebolês-Português e outras curiosidades da bola, de Luiz César Saraiva Feijó, Lance!/Editora Francisco Alves, 2006.
Local de treino a acomodação de uma seleção durante o período em que está disputando a Copa do Mundo. Espécie de “quartel general” da equipe.
Referências
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KOCH, Rodrigo. Marcas da futebolização na cultura e na educação brasileira. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação – ULBRA, 2012.
KUPER, Simon; SZYMANSKI, Stefan. Soccernomics: porque a Inglaterra perde, a Alemanha e o Brasil ganham, e os Estados Unidos, o Japão, a Austrália, a Turquia – e até mesmo o Iraque – podem se tornar os reis do esporte mais popular do mundo. Tradução de Alexandre Martins. Rio de Janeiro: Tinta Negra Bazar Editorial, 2010.
PALMIÉRI, Júlio César Jatobá. Futebol e basquete made in Brazil: uma análise antropológica do fluxo de jogadores para o exterior. In: TOLEDO, Luiz Henrique de; COSTA, Carlos Eduardo. Visão de jogo: antropologia das práticas esportivas. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2009.
RODRIGUES, Gislaine. A linguagem do futebol no ensino do português. UNESP. Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Departamento de Estudos Linguísticos e Literários. São José do Rio Preto, 2005.
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