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O desejo e a indústria cultural no processo de subjetivação. 

Diálogo sobre o corpo na Educação Física escolar

El deseo y la industria cultural en el proceso de subjetivación. Diálogo sobre el cuerpo en la Educación Física escolar

Desire and cultural industry in subjectivation process. Dialogue about the body in school Physical Education

 

*Doutorando e Professor de Educação Física

**Orientador e Professor de Educação Física

Programa de Pós-Graduação em Educação

Universidade Estadual Paulista

Presidente Prudente, São Paulo

Claudinei Chelles*

claudineichelles@yahoo.com.br

Mauro Betti**

maurobettiunesp@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Analisamos a Indústria Cultural e suas imposições pelos modos de produção do capitalismo na subjetividade, expondo o sujeito desejante a uma fragilidade alienada. Pois, o consumo não se refere apenas à contemplação das imagens pelos sujeitos, mas também sobre a identificação que os sujeitos podem sobre as imagens. A sociedade contemporânea é narcísica e se compõe numa individualista adoração por si mesmo, demandando empenho e autocontrole para atingir o corpo desejado e idealizado propagado pela mídia, disseminando uma idéia de um padrão estético corporal e deixando reclusos os que não o possuem. Então, compreendemos que a Educação Física Escolar, como campo do conhecimento da cultural corporal, tem como papel, também, atuar como intercessora na relação com a mídia, sobretudo quando lida com questões pertinentes à corporeidade contribuindo para que o aluno, através do exercício da crítica, transforme a sociedade. Portanto, os educadores precisam extrapolar a hesitação frente às mídias e efetuem uso crítico das suas possibilidades formativas e informativas, sobre o consumo e seu impacto no corpo.

          Unitermos: Educação Física. Escola. Indústria Cultural. Psicanálise.

 

Abstract

          We analyzed the Cultural Industry and impositions for manners of production of capitalism in subjectivity, exposing the subject to alienated fragility. Because, the consumption doesn't just refer to the contemplation of images for subjects, but also about identification that subjects can have about images. The contemporary society is composed in individualist adoration by self, demanding pledge and self-control to reach the wanted body and idealized spread by media, disseminating idea of corporal pattern. So, we understood that the school physical education, being the field of knowledge of cultural corporal, has as function, also, to act as intercessor in relationship with media, above all when worked with pertinent subjects to corporeality contributing so that student, through exercise of critic, transform the society. Therefore, the educators need to extrapolate hesitation front media and make critical use of formative and informative possibilities, on consumption and impact on the body.

          Keywords: Physical Education. School. Cultural Industry. Psychoanalysis.

 

Recepção: 18/09/2014 – Aceitação: 25/09/2014.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 197, Octubre de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Indústria Cultural (IC) e Sociedade do Espetáculo (SE)

    O corpo é alvo de promessas da completude e da satisfação plena, originadas principalmente da mídia, mas também da ciência, na contemporaneidade. O bem-estar e o corpo são alvos do atual mercado e as formas de experiências da corporeidade produzem um sintoma social que necessita ser analisado diante da subjetividade atual. Pois, a busca de um corpo que alcance ser saudável, feliz e belo pode em algum momento se relacionar com o sofrimento daqueles que o anseiam, já que a beleza e a saúde preconizadas são deliberadamente produzidas para não serem atingíveis, seja por constantes alterações nas tendências aos produtos oferecidos ou pela sempre aparição de novos produtos a serem consumidos (LOPES, 2008).

    Partindo dessa premissa, Khel (2004) sugere um diálogo na comparação entre os textos de Adorno, “A Indústria Cultural” (IC) e o de Debord, “A Sociedade do Espetáculo” (SE), publicado vinte anos após. O enfoque proposto, na discussão, é a televisão (que se instala como um paradigma), vista como a mais espetacular ferramenta na tradução da IC, já que os dois autores se interessam pelos efeitos e expansão industrial dos objetos da cultura, produzindo efeitos significativos nas massas, sobre a subjetividade contemporânea, influenciando nas ideologias, com efeito, não apenas individual, mas também no laço social.

    Tal indústria é imposta pelos modos de produção do capitalismo. O consumo não se refere apenas à contemplação das imagens pelos sujeitos, mas também sobre a identificação que os sujeitos podem ter com as imagens. A idéia é tornar o sujeito como um objeto dessa indústria e não ser apenas um consumidor. O intuito é fazer com que o sujeito tenha a participação em todo esse processo sem reflexão crítica. O que interessa é apenas a adesão e não um sujeito pensante (LOPES, 2008).

    Do período que vai da IC à SE houve um acentuado envolvimento com o aperfeiçoamento técnico em traduzir a vida em imagem criando um desafio ao pensamento crítico devido à produção industrial de imagens, o trabalho alienado e o fetiche pela mercadoria. Ou seja, encontramos pontos em comum tanto na IC como na SE. Assim, Debord chama a SE de segunda IC, tendo como referência a economia no processo de transformação do mundo (KHEL, 2004).

    No mesmo período, Lacan mencionado por Khel (2004), preocupa-se com os meios de agir sobre o psiquismo através de uma manipulação de imagens e paixões. Nesse caso há o indivíduo como ideal que promove identificações, apenas se sustenta pelo recalque da vida simbólica produzindo o “mais” de alienado, que separado de suas referências simbólicas, ficam cada vez mais distanciado de seu semelhante que se reduziu a uma massa indiferenciada de pessoas perseguindo seus fins privados. Sob o capitalismo o sujeito ficou a mercê das imagens que representam para si mesmo. O espetáculo é uma relação social entre as pessoas mediadas pela imagem. Na SE através da imagem ocorre o princípio de diferenciação no capitalismo. A imagem é o momento, conforme o estádio do espelho de Lacan, e o meio de identificação que nos põe sob o olhar do Outro.

    O termo IC foi empregado pela primeira vez por Adorno & Horkheimer (1947), substituindo o termo “Cultura de Massa”, já que dava a impressão que o termo anterior deixava uma idéia de uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas. Ou seja, de origem popular. Porém, dessa intenção a Indústria Cultural se distingue radicalmente, já que nesse plano surgem produtos adaptados e que determinam ao consumo das massas.

    Portanto, IC é a integração deliberada de seus produtores e consumidores que força a união dos domínios pelo controle social que ocorre tanto pela especulação como pela domesticação civilizadora impondo um estado secundário às massas como acessório da maquinaria. Quer dizer, o consumidor não é o sujeito, mas, sim, o objeto dessa ideologia abusiva e imposta como imutável, apesar da IC não poder existir sem adaptar-se às massas (ADORNO, 1986).

    A partir da IC até a SE a imagem abarca toda mercadoria, com influência muito intensa da televisão, tramitando em toda vida social. A televisão é muito impactante em nossa subjetividade já que é onipresente doméstica e cotidiana fazendo uma ponte entre o privado e o público. A publicidade pelas imagens televisivas oferece imagens que identifica o espectador sobre o desejo (KHEL, 2004).

    Apesar de sua apresentação como progresso, a IC é conservadora, já que sua nova vestimenta, em sua mudança, encobre o que na realidade houve tão poucas mudanças como na própria razão do lucro, que ela ganhou sobre a ascendência da cultura. Ou seja, enquanto o processo de produção da IC, por exemplo: o filme, que se aproxima da divisão do trabalho técnico, com a separação dos trabalhadores por meio de produção, conserva-se, também, formas de produção individual que contribui no fortalecimento da ideologia. Mantém sua afinidade com o comércio, no qual tem origem, que tem sua ideologia apelando para as “estrelas” que emprestam sua arte individualista para sua exploração comercial. Tal fato é freqüentemente observado pelos sociólogos. Quando se trata de resguardar da crítica, os promotores da IC mencionam que o apresentado não é arte, mas indústria (ADORNO, 1986).

Corpo, Mídia e os efeitos da IC

    O capitalismo consumista gerou uma indiferença ampliada em relação ao outro e às tradições que são focos de valor, tais como a família, religião e política. A partir da perspectiva desse mundo que o corpo emerge no sentido da vida. Essa é a visão de Weber apud Costa (2005a), pois o fascínio pela corporeidade encobre a rigidez das sociedades que são formadas por especialistas atingindo um nível de civilização nunca antes alcançado.

    A sociedade contemporânea é narcísica e se compõe numa individualista adoração por si mesmo, demandando empenho e autocontrole para atingir o corpo idealizado propagado pela mídia, disseminando uma idéia de um padrão estético corporal e deixando reclusos os que não o possuem e que são vistos como desleixados, relaxados e preguiçosos. Assim, segue-se para uma lógica industrial, já que o corpo torna-se força de trabalho e diante da visão psicanalítica ganha uma dimensão apoiada no desejo. Essa concepção de corpo torna-se, com a ideologia materialista, objeto de culto narcisista (DALLO, PALUDO, 2011).

    Costa (2005b) corrobora afirmando que criamos um código no qual os “normais” são os que dão mostras de vontade e força no domínio do corpo e da mente, conforme os princípios da qualidade de vida. Aquele que não segue essa regra caracteriza-se pela ameaça do mau exemplo da fraqueza da vontade. Os sujeitos são solicitados a se reprovar emocionalmente pelo seu desvio e a se isentar moralmente pelos fracassos de autocontrole, devido às causas físicas. Credita-se o sucesso de seus esforços à sua vontade. Mas, no caso de fracasso, deve-se sentir fisicamente doente e não questionar o sentido dos ideais corporais dominantes, tornando-se impotente ao crer que o sofrimento humano está demarcado nos genes.

    Para Khel (2004) o fluxo contínuo de imagens oriundos da televisão, realizado a partir da lógica do desejo, não exige do espectador a necessidade do pensamento, diferente do recalcamento. Não se trata de recalcar o desejo do sujeito e sim de seduzi-lo ao seu desejo, através da imagem espetacular, desviando-o de seu caminho. Ou seja, é mais eficaz que isso. Divertir-se significa estar de acordo. Basta o direito ao prazer, o gozo imediato de tudo que se oferece e a fantasia narcisista de um eu que se aproxima de seus objetos de satisfação. É a produção industrial do inconsciente. A publicidade sustenta constante apelo ao gozo que apaga a dimensão do desejo. É a mercantilização do inconsciente que se apresenta alheio à subjetividade.

    Teles (2004) fez referência à nossa sociedade, que muitos a consideram doente, exatamente porque cada vez mais desenvolve valores inconsistentes que afastam o homem de si próprio, de seu semelhante e da natureza. Estamos nos massificando, sendo engolidos pela multidão e vivendo uma moralidade de escravos. Estamos sofrendo um verdadeiro processo de desumanização. As atitudes das crianças possuem um alto grau de correlação com as de seus pais. A religião, o sistema educacional e os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, já citada anteriormente, realizam um papel de importância fundamental e de destaque na inserção da criança no contexto social.

    Na medida em que o adolescente percebe que seu corpo está destoante daquele apresentado em seu grupo, sob influência da mídia que se instala como influenciadora na produção do discurso e da subjetividade, surge a tendência em transformar o sujeito a se sentir inseguro e angustiado. E, deste modo, na tentativa de reduzir esses sentimentos o adolescente passa a recorrer aos meios que o faça torná-lo mais próximo de seu grupo, mesmo que de forma artificial, sobretudo em relação às dietas, exercícios físicos, medicamentos inibidores de apetite, etc. (RIBEIRO, 2006).

    O cuidado de si, anteriormente direcionado para o desenvolvimento da alma, dos sentimentos ou qualidades morais, na contemporaneidade é voltado para a longevidade, saúde, beleza e boa forma. A identidade torna-se bioidentidade, e uma nova forma de preocupação consigo, a corpolatria, promove o fitness como virtude suprema para a felicidade através do corpo perfeito que se torna a regra científica que aprova ou reprova condutas (COSTA, 2005b; LOPES, 2008).

    “A marca mais evidente da corpolatria é o narcisismo. Curiosamente na época de Freud os psiquiatras consideravam o culto excessivo à própria imagem como uma doença; hoje, além de perder o caráter patológico, passou a significar sinônimo de bem-estar consigo mesmo (CODO, SENNE, 2004).”

    Numa sociedade de consumismo o corpo também é vendido, comprado, admirado como um objeto de consumo. Anteriormente, os resultados conquistados no corpo eram apenas devido à freqüência nas academias de ginástica. Porém, surgem outras possibilidades para atender às necessidades de alterações imediatas do desejo para remodelagem do corpo. Dentre elas, encontra-se a cirurgia plástica que apresenta resultado mais rápido, por um cenário mágico no qual se entra com um corpo e sai com outro devidamente esculpido. Assim, o corpo torna-se o mais belo objeto de consumo (DALLO, PALUDO, 2011).

    Atrelada a tal idéia, a autoestima do adolescente, relacionada às questões pertinentes ao corpo, se apresenta vinculada às relações estabelecidas com o grupo. Os adolescentes percebem que seus corpos são correspondentes ou não aos corpos idealizados por eles mesmos, o que ocorre pela identificação e comparação mútua. Conseqüentemente, surge o sentimento de aceitação ou rejeição dos seus pares, influenciados pela mídia, que sugere constantemente formas de existir e consumir (RIBEIRO, 2006).

    O corpo sempre sofreu alterações dadas pelo próprio homem, nas diversas culturas, porém na contemporaneidade a amplitude das intervenções corporais chama a atenção. Há uma liberdade para modificação do corpo de forma indiscriminada. Ou seja, o homem deixou de ser um corpo para ter um corpo, que é percebido como um objeto na cultura ocidental contemporânea. Na sociedade individualista que apregoa a liberdade individual há paradoxalmente um modelo rígido proposto a ser seguido e muitas vezes são seguidos, pois o sujeito busca satisfação no olhar do outro. Assim, o corpo está além do sujeito, que faz parte do social. A beleza pode ser conquistada, inclusive comprada (RISCADO, 2009).

    Assim sendo, os que são mais frágeis psicologicamente são mais susceptíveis a graves distúrbios da imagem corporal. As bulimias, anorexias e compulsão por fisiculturismo, próteses e cirurgias estéticas freqüentes e arriscadas são os efeitos da tentativa de posse do corpo-espetáculo. Esse é o aspecto mais duro e alienante da felicidade das sensações que só garante a fantasia de pertencer a um mundo que na realidade o excluirá (COSTA, 2005a).

A Educação Física Escolar, Mídia e Corporeidade

    A partir da apreciação e envolvimento sobre as implicações que a IC pode requerer sob o sujeito em formação, nesse momento se intenciona apresentar possibilidades de intervenção da Educação Física na temática relacionada à corporeidade no domínio escolar. Tal inquietação se justifica devido à necessidade de envolvimento em práticas, tanto disciplinares quanto reflexivas, que a área tem por finalidade se impor, e assim se portar como colaboradora no procedimento educativo no lidar com as demandas sociais associadas ao corpo diante da influência do consumismo na contemporaneidade.

    “Também no campo da cultura corporal de movimento a atuação da mídia é crescente e decisiva na construção de novos significados e modalidades de entretenimento e consumo (...). Portanto, a Educação Física deverá manter um permanente diálogo crítico com a mídia, trazendo-a para dentro da escola como um novo dado relacionado à cultura corporal de movimento” (BRASIL, 1998, p.32 e 34).

    Considerando que o corpo é tabu, cogitar sobre o tema, prontamente se tem elaborada uma postura crítica diante do assunto. Decisivamente, daí aflora uma contribuição coletiva que parte da análise das práticas corporais que operam refletidamente, na direção oposta à dominação do corpo no âmbito das relações sociais. Ou seja, enquanto a IC elabora e manuseia padrões de corpo, que são determinados conforme seus interesses econômicos, por outro lado provêm outras atitudes práticas que estimam as diferenças gerando tolerância e apreciação aos seus pares que se impõem pela repulsa à constituição estereotipada das formas corporais.

    Diante dessa demanda social, propõe-se o chamamento aos profissionais responsáveis pelas práticas corporais, em síntese, para favorecer por meio da Educação Física um espaço que aborde a transformação da aspiração do gozo em prazer; propiciando ao corpo da sede das impossibilidades à direção daquilo cuja liberdade deveria guiar ao esclarecimento e ao talento para o modo de lidar com a crítica dos meios de comunicação.

    “Os educadores precisam superar a perplexidade e a inércia diante das mídias, e inverter a lógica dos ‘apocalípticos’ sem se tornarem ‘integrados’: efetuar uma interpretação e um uso crítico das suas possibilidades formativas e informativas, em especial da televisão, a mídia de maior consumo e impacto junto aos alunos” (BETTI, 2009).

    Tratando desse assunto, Moizes (2010) analisa que quando se observa a prática cotidiana dos professores no âmbito escolar se verifica as dificuldades encontradas ao enfrentarem a temática pertinente ao corpo, sobretudo quando o enfoque dá-se à sexualidade humana. Talvez, a partir daí, toda abordagem pertinente ao tema, acabe direcionando o preconceito ou cuidado ao lidar com o assunto do corpo. Tal dificuldade pode ser decorrente da complexidade do objeto já que envolve mudanças dos valores morais e sociais, além da forma pela qual a família lida com o assunto.

    Ainda para o mesmo autor, a vivência corporal tem sido somente tratada na educação/escolar de modo biológico e não em nível psicológico numa abordagem holística. Isso acontece apesar da percepção dos profissionais da educação que os adolescentes têm preocupação excessiva com o corpo. Dentre elas se encontra a necessidade do enquadramento do corpo no padrão de beleza que a sociedade preconiza, além da exigência midiática.

    Pois, aquele que não entra no enquadramento é tido como problemático no aspecto emocional, pois se entregam sem nenhuma vergonha à autodestruição física e moral. “(...) afinal, sem a boa forma não teremos oportunidade alguma de sermos vencedores. O mal do século é o mal do corpo”. O modo mais eficiente de não ser notado é ser como todo mundo. A compulsão pela boa forma é uma tática de defesa da identidade. Não se nota o que é comum. Assim, pode-se fugir do sentimento persecutório oriundo do olhar do outro (COSTA, 2005b).

    A Educação Física parte de sua origem histórica com aprofundamento às raízes médicas, eugênicas, militares suprimidas para uma nova proposta que impõe um novo conceito chamado de cultura corporal de movimento. Essa evolução ocorre, pois há uma tradição e um saber-fazer que se dá pela busca de uma formulação de um recorte epistemológico próprio que surge a partir da necessidade da superação da ênfase à aptidão física (...) e na contemporaneidade caracteriza a área de forma mais abrangente, incluindo todas as dimensões do ser humano envolvidas em cada prática corporal (NORONHA, 2010).

    O espectador identifica-se com as imagens ofertadas afastando-o da possibilidade de compreensão de seu desejo e sua existência. E assim, os indivíduos desacostumados à subjetividade não são da sociedade daqueles capazes da distinção da alienação produzida cotidianamente pelo capitalismo industrial. A subjetividade industrializada o consome pelo espetáculo preenchendo o vazio da vida satisfazendo em seu desejo (KHEL, 2004).

    Todavia, também, é importante salientar o lado positivo da cultura somática. Há o cuidado como o corpo como preocupação ética consigo. Adotar um estilo de vida com o bem-estar do corpo sem sucumbir à moral da SE, sendo que o importante é o bem comum e ideal de autonomia pessoal. O corpo desvinculado das imagens do espetáculo passa a ter história com lembranças que permanecem além dos estímulos físicos atuais. O gozo sem conseqüência é deixado. O prazer do físico ganha características próximas do prazer sentimental, embora sem o sentimentalismo burguês. Assim, o sujeito contemporâneo pode trazer o corpo para a vida cultural (COSTA, 2005a).

    “Portanto, entende-se a Educação Física como uma área de conhecimento da cultura corporal de movimento e a Educação Física escolar como uma disciplina que introduz e integra o aluno na cultura corporal de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-la, (...) em benefício do exercício crítico da cidadania” (BRASIL, 1998, p. 29).

Considerações finais

    Ponderando sobre os argumentos firmados anteriormente pelos autores utilizados como referências nesse texto, considerados necessários para a reflexão sobre o tratamento crítico diante dos preceitos da IC, pela via midiática, e as conseqüências sobre as práticas sociais, pode-se oferecer a possibilidade de intervenção do sistema educacional numa perspectiva de ação que afronte essa imposição cultural que não visa o sujeito, mas o mercado que expõe esse mesmo sujeito a uma fragilidade na sociedade.

    Para Pignatelli (1994), a influência educacional que o professor exerce como líder, pode ir ao encontro do projeto de liberdade desde que surjam estratégias críticas contínuas que vão além de apenas contestar disposições estruturais, mas que também ocorra um autoexame de sua própria cumplicidade num possível reforço desses arranjos.

    A educação física escolar tem como uma de suas funções agir como intercessora na relação com a mídia que impõe um maltrato fixado sobre a individualidade, sobretudo quando lida com questões pertinentes a corporeidade. Por conseguinte, nesta circunstância é preciso analisar que os arranjos das mídias, atribuído o significado a elas, são efêmeros e se modificam constantemente já que novas aparências se expõem no contemporâneo.

    Desta forma, é possível interpretar que o professor de educação física, deve garantir uma expectativa mediadora, mesmo que relativa, pois proporciona uma espécie de contenção dos riscos que o sujeito do desejo está sempre sofrendo diante da IC que o considera como alienado e um eterno consumidor. Assim, este professor oferece algo que vá além do divertir-se com o corpo de acordo com esse princípio burguês imposto, dos conselhos da denominada promoção da saúde, do desempenho físico e que proporciona ao sujeito na escola algo que o faça com que se sinta mais seguro em suas escolhas e no seu processo de subjetivação.

    Recusar esse corpo em sua totalidade, e aceitar apenas suas pulsões como produto e transformando-o assim menos importante diante de uma indústria que lida com essa natureza tendo em vista exclusivamente interesses privados econômicos reservados, que é a verdadeira representação que incentiva uma sociedade sem sentido, sem acordo com a ética social e que, portanto, merece atendimento indispensável por parte da educação física que, também, tem em sua proposta atualizada analisar o tratamento crítico às teorias e práticas sociais que, nesse caso, intencionam cuidar do corpo no intento de preservá-lo com a compreensão de que esta forma de poder visa atingir o sujeito desejante centrando sua identidade, seu processo de subjetivação e conseqüentemente sua liberdade.

Referências

  • ADORNO, T.W. A indústria cultural. In: ______. Sociologia. São Paulo, Ática, 1986.

  • BETTI, M. Educação física escolar: ensino e pesquisa-ação. Ijuí, Editora Unijuí, 2009.

  • BRASIL – Parâmetros Curriculares Nacionais: educação física. Secretaria de Educação. Brasília, MEC/SEF, 1998.

  • CODO, W.; SENNE, W. O que é corpolatria. São Paulo, Brasiliense, 2004.

  • COSTA, J.F. Personalidade somática de nosso tempo, p.185-202. In:_______. O vestígio e a aura. Corpo e consumismo na moral do espetáculo. São Paulo, Garamond, 2005a.

  • ______. Notas sobre a cultura somática, p.203-242. In:_______. O vestígio e a aura. Corpo e consumismo na moral do espetáculo. São Paulo, Garamond, 2005b.

  • DALLO, L.; PALUDO, K. Idolatria ao corpo na sociedade contemporânea: implicações aos adolescentes. X Congresso Nacional de Educação. PUC, Curitiba, 2011.

  • KHEL, M.R. O espetáculo como meio de subjetivação. In: BUCCI, E; KHEL, M.R. Videologias. São Paulo, Boitempo, 2004.

  • LOPES, J.P. As cirurgias estéticas na sociedade do consumo: análise psicossocial das metamorfoses do corpo. Dissertação de Mestrado. UFC, CE, 2008.

  • MOIZES, J.S. Educação sexual, corpo e sexualidade na visão dos alunos e professores de ensino fundamental. Tese de Doutorado. USP. Ribeirão Preto, SP, 2010.

  • NORONHA, R.A. Aula do corpo. Dissertação de Mestrado. PUC, SP, 2010.

  • PIGNATELLI, F. Que posso fazer? Foucault e a questão da liberdade e da agência docente. In: SILVA, T.T. O sujeito da educação: estudos foucaultianos. Petrópolis, RJ, Vozes, 1994.

  • RIBEIRO, M.E.M.A.S.R. Adolescentes preocupadas em conquistar um corpo magro: estudo sobre discursos produzidos em diários eletrônicos. Dissertação de Mestrado. UFRN, RN, 2006.

  • RISCADO, L.C. Culto ao corpo: o significado da cirurgia estética entre as mulheres jovens. Dissertação de Mestrado. UFRJ, RJ, 2009.

  • TELES, M.L.S. O que é neurose. São Paulo, Editora Brasiliense, 2004.

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