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Uma abordagem psicossomática do sujeito que adoece de LER/DORT

Un abordaje psicosomático del sujeto que padece de LER/EORT

 

*Psicóloga. Mestre em Inclusão Social e Acessibilidade

Especialista em Abordagem Centrada na Pessoa. Especialista em Psicossomática

**Psicólogo. Mestrando em Diversidade Cultural e Inclusão Social

***Doutora em Psicologia. Psicóloga. Especialista em Gerontologia Social. Mestre

em Psicologia Clínica. Pós Doutorado na Faculdade de Serviço Social da PUCRS

Professora titular do Curso de Psicologia e do Mestrado

em Diversidade Cultural e Inclusão Social

Universidade Feevale

Carmen Lícia Couto Linden*

carmenclinden@gmail.com

Diego da Silva Souza**

diegossouza@hotmail.com

Geraldine Alves dos Santos***

geraldinesantos@feevale.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O presente artigo aborda a utilização da visão Psicossomática, buscando uma visão mais total e integral do sujeito que adoece de LER/DORT. Este entendimento integral privilegia a leitura das dimensões que compõem o universo do sujeito, incluindo o significado da representação de trabalho. Com isto, estamos abordando também uma dimensão psíquica do sujeito, onde esta representação está inserida. A abordagem Psicossomática considera o sujeito na totalidade, com uma psique e um soma interligados e indissociáveis, sendo necessário entendê-los e trabalhá-los enquanto uma totalidade, com o adoecimento ocorrendo quando existe o desequilíbrio deste todo.

          Unitermos: Psicossomática. LER/DORT. Trabalho.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 196, Septiembre de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Este artigo aborda alguns aspectos em psicologia do trabalho que consideramos importantes no atendimento ao sujeito que é acometido de um adoecimento físico. Iniciamos buscando compreender o significado do trabalho para o sujeito, ou seja, as questões subjetivas relacionadas à escolha do trabalho. Ligado ao tema do artigo, tratamos da possibilidade do trabalho ser utilizado como forma de sublimação e as distorções da relação do homem com seu trabalho.

    Dentro do principal ponto discutido, temos a Psicossomática, que entende o homem como um todo indissociável, e as questões psíquicas do sujeito podendo ser responsáveis por um adoecimento físico. Não podemos esquecer-nos do fator estresse no trabalho, com algumas de suas vertentes e sua influência no adoecer.

    Apontamos as características principais da patologia de LER (Lesões por Esforço Repetitivo) / DORT (Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho), com visão para as questões psíquicas relacionadas à repetitividade das tarefas, tentando demonstrar os aspectos psíquicos que podem ter relação com o adoecimento físico.

O significado do trabalho e distorções da relação homem-trabalho como causa de estresse

    Para tentarmos compreender o aspecto psicossomático do adoecer do trabalhador é importante tentarmos compreender o papel do trabalho na vida do sujeito. Benevides-Pereira (2002, p.13) afirma que: “O trabalho tem importância essencial na vida de um indivíduo.” Devemos pensar no trabalho como algo específico do ser humano, num pressuposto de que quem o exerce constituiu-se como indivíduo, superou etapas de desenvolvimento psíquico, e apresenta-se como alguém passível de vender sua força de trabalho para comprar os bens de que necessita para viver. Porém existe uma sutil fronteira entre as necessidades e o prazer, gerando um conflito que pode resultar em expectativas não satisfeitas (ARANTES, 1998).

    No mesmo foco de possibilidades de conflito, Davies e Schackleton (1997) apontam que o trabalho traz interesse ao homem, e contribui para sua autoestima quando ele adquire domínio sobre si e sobre o meio, e quando sua produção é apreciada por outros homens.

    O homem passa a ser, apenas, um vigilante do processo de automação, diminuindo sua valia perante si e os outros, o que pode ser fator contribuinte para o aparecimento de estresse, aumentando as possibilidades de adoecimento. O desenvolvimento da tecnologia, com o aprimoramento das máquinas, até chegar à perfeição, diminui o envolvimento do trabalhador. Isto pode levar a uma adequação das condições de trabalho para muitos sujeitos, e a melhora destas condições, para poucos (ARANTES, 1998).

    Portanto, podemos inferir que o trabalho que passa a ser fonte de preocupação e estresse é um trabalho que resulta em adoecimentos, e, muitas vezes, em acidentes de trabalho, incapacitando o sujeito para a função que exercia, e com a qual formava sua identidade total.

    A atividade desenvolvida pelo sujeito é sua profissão, mais do que um trabalho, e, conforme Benevides-Pereira (2002, p.13), “[...] está associada à identidade individual.” Desta maneira, o trabalho é capaz de promover crescimento, independência profissional e reconhecimento do sujeito junto ao seu meio social. Porém, muitas vezes, o resultado é insatisfação, exaustão, desinteresse, irritação (BENEVIDES-PEREIRA, 2002).

    Ferraz (1998, p.163) aponta que: “O trabalho, enquanto atividade em si, não possui uma significação intrínseca para o homem.” Com isto, pretende chamar-nos a atenção para o fato de que, enquanto para alguns sujeitos o trabalho não passa de um mero modo de ganhar sua vida, para outros sujeitos pode ser o fator de maior significação de sua vida. Desta diferença, lembrando que estas são as pontas extremas de uma linha, com várias nuances de fatores entre estas pontas, encontraremos a possibilidade de um sujeito, no seu trabalho, adoecer ou não. Ou seja, não é apenas o trabalho que pode causar doenças, mas também a representação para este sujeito. Esta visão do trabalho, com seus aspectos de significação para o trabalhador, poucas vezes foi alvo de atenção de estudos.

    Para pensarmos nas distorções que podem ocorrer nesta relação Homem – Trabalho, precisamos pensar na representação deste trabalho, pois ocorre uma forma de sublimação, e para que ela ocorra, os canais que a possibilitam não devem estar bloqueados, seja total ou parcialmente. O bloqueamento pode acontecer devido a distorções na relação do homem com seu trabalho. Este é um conceito muito importante quando olhamos o adoecer do sujeito no trabalho como uma via psicossomática, pois temos uma carga de energia psíquica que não está fluindo adequadamente, levando ao adoecer pela descarga desta energia no corpo. A impossibilidade de uma sublimação, através do trabalho, pode levar ao adoecer físico (FERRAZ, 1998).

    Conforme Arantes (1998, p.159), “o adoecimento é uma expressão individual de uma derrota psíquica e somática, fruto de um desgaste [...]”. As distorções na relação homem-trabalho podem ser resultantes de uma escolha que não é totalmente livre, pois, ao escolher um trabalho, o sujeito depara-se com regras e leis que deve cumprir, portanto uma escolha com limites. Voltamos ao ponto de conflito de um trabalho que, ao mesmo tempo em que traz satisfações, traz desgaste e adoecimento (ARANTES, 1998).

    Analisando por este prisma, vemos que o sofrimento psíquico e somático não depende apenas do modo de produção ao qual o sujeito está ligado, mas de condições individuais, tanto psíquicas quanto físicas. Muitas vezes a carga psíquica pode estar relacionada à carga psíquica de trabalho, onde a elaboração do processo de trabalho é uma fonte de estresse, principalmente relacionado à organização e à divisão entre colegas da carga de trabalho (KRUEL, 1999; RIGOTTO,1993).

Psicossomática: o homem como um todo e o adoecer com causas psíquicas

    Dentro deste contexto, chegamos ao fato da medicina buscar a cura para as doenças específicas, onde cada patologia tem uma causa própria. Porém, com este olhar, não há espaço para os adoecimentos a partir de uma dor psíquica. É neste espaço que está localizado o trabalho do psicólogo, quando compreende que o adoecimento somático pode estar imbricado com as emoções, e os afetos têm papel importante nos processos de defesa psíquica e somática. Percebemos que o processo de adoecimento é multifatorial: características individuais, genéticas, questões familiares e sociais, e as atividades no trabalho (ARANTES, 1998).

    Importante retomarmos neste momento o conceito de Psicossomática, onde vários autores, entre eles Mello Filho (2002), compartilham da ideia que, como o ser humano possui uma psique e um soma indissociáveis, toda doença que incide sobre este ser é uma doença psicossomática. Seguindo esta linha de pensamento, podemos encarar todo fato, incluindo os adoecimentos e/ou os acidentes de trabalho, que ocorrem sobre este sujeito indissociável, como algo psicossomático. Rodrigues e Gasparini (1992), em concordância, postulam o conceito de holismo, com noções do sujeito como um todo, um ser biopsicossocial, portanto englobando seu trabalho. Mello Filho (2002) e Groddeck (1992) compartilham a ideia que, como o ser humano possui uma psique (esfera psíquica) e um soma (esfera física, corporal) indissociáveis, toda doença que incide sobre este ser é uma doença psicossomática. Porém, para Groddeck, nem existira esta divisão em corpo e mente, apenas o ser total, integrado (LINDEN, 2010).

    Além destes fatores mencionados, devemos falar das condições de trabalho que podem ser fonte de estresse, sendo um dos responsáveis pelo rompimento do equilíbrio psicossomático do sujeito em seu trabalho, e é este rompimento que leva o sujeito a adoecer, conforme Duvidovich (1997, p.14) “[...] o homem é psicossomático e adoece justamente quando deixa de sê-lo.” (grifos do autor). Estas condições determinam o aparecimento de sintomas e de algumas doenças previsíveis desde a inserção no ambiente de trabalho, e compreendem três aspectos: a maneira como o sujeito organiza-se para o trabalho, crescimento na carreira e os aspectos institucionais. Cabe lembrar que, conforme Rodrigues e Gasparini (1992, p.99) “[...] as reações de estresse resultam, pois, dos esforços de adaptação (aos agentes estressores).” Tanto o excesso de trabalho quanto a quantidade insuficiente podem ser exemplos de agentes estressores. Outro agente estressor pode ser a qualidade do trabalho (ARANTES, 1998).

A patologia LER/DORT

    LER/DORT podem ser definidas como as lesões musculares e/ou de tendões e/ou de fáscias e/ou de nervos nos membros superiores, ocasionadas pela utilização biomecânica incorreta dos membros. Elas são provocadas por movimentos de repetição intensa. Estes movimentos resultam em uma inflamação dos tendões, nervos e músculos, apresentando sintomas variados, tais como: dor local, edema, rubor, alteração da temperatura e perda de força, com queda do desempenho de trabalho. São patologias genéricas que afetam qualquer profissional que exerça movimentos contínuos, relacionado ao trabalho exaustivo originado na busca pela produtividade. Conforme o tipo de lesão pode haver a evolução para a cronicidade, que é agravada por fatores psíquicos, relacionados ou não ao trabalho, além de certo constrangimento de necessitarem “provar” que estão doentes porque sua patologia, na maioria das vezes, não é visível (CASELLATO; VEIGA; VEIGA, 2003; PEROSSI, 2001).

    Antigamente o esforço desprendido pelo sujeito no trabalho de produção em fábrica era esforço bruto. Agora o esforço físico exigido pela automação é de outra natureza. É um esforço leve, por isso capaz de ser repetido em alta velocidade, pelas mãos e dedos, ao mesmo tempo em que cobram uma postura e sobrecarga estáticas dos segmentos restantes. Em uma jornada de trabalho, o gasto calórico é mínimo (RIBEIRO, 1997; VERTHEIN, 2000).

A questão psíquica relacionada à repetitividade das tarefas

    É importante pensarmos sobre a patologia de LER/DORT não apenas como resultado puro e simples de uma tarefa repetitiva, mas o comprometimento de quantidade de energia psíquica que o sujeito apresenta ao adoecer fisicamente, por descarga desta energia no corpo. Ou seja, a repetitividade de uma tarefa física estaria a serviço de um tipo de funcionamento mental, com certo grau de automação de trabalho (PEROSSI, 2001).

    Atualmente, as LER tem representado significativos registros no conjunto dos adoecimentos relacionados com o trabalho, atingindo homens e mulheres em plena fase produtiva, independente de idade. Por estes fatores, passou a ser conhecida como doença da modernidade, e tem causado inúmeros afastamentos do trabalho, sendo que a quase totalidade evolui para a incapacidade parcial e em muitos casos para a incapacidade permanente, com aposentadoria por invalidez (BRASIL, 1999). Médicos especialistas acreditam que a falha na resposta do tratamento destes pacientes está relacionada principalmente aos componentes psicossociais, matéria de discussão deste artigo. Por vezes, os pacientes relatam fatos objetivos, como seu descontentamento com o trabalho, com seu chefe, com o sistema de seguro saúde, com os médicos, seus sentimentos de frustração, raiva, medo e depressão, sem, no entanto, relacioná-los a questões subjetivas, próprias do sujeito e de suas questões internas. Muitas vezes este sujeito é incapaz de relatar os problemas emocionais que sofre, apontando como único foco do problema a dor que sente (RIBEIRO, 1997).

    Almeida e Codo (1995, p.20) apontam que os “psiquiatras explicam esta dor crônica sentida pelo paciente que sofre de LER, como a equivalência do medo, raiva, frustração e depressão. Algumas pessoas são incapazes de manifestar suas emoções e todos os sintomas são canalizados e projetados para a dor”.

    Conforme os autores Casellato, Veiga e Veiga (2003), Perossi (2001), Limongi e Rodrigues (1994) existem diversos fatores que tornam o sujeito predisposto a desenvolver LER/DORT. Os aspectos físicos: fadiga, alta repetitividade do mesmo padrão de movimento, posturas incorretas, uso da força, ferramentas, equipamentos e rotinas de produção; os aspectos empresariais: exigência de produtividade, pausas, ritmo e rotina de produção; os aspectos emocionais: estresse, depressão, pressão por produtividade, medo do desemprego, ambiente da empresa, relacionamento com colegas e questões de liderança.

    Nossa discussão neste artigo ocorre sobre estes últimos fatores. Conforme Perossi (2001) as atividades profissionais influenciam a vida psíquica, pensamentos e sentimentos, não podendo haver uma dissociação destes aspectos. Arriscamos afirmar que o inverso é verdadeiro, com a vida psíquica, os pensamentos e sentimentos do sujeito influenciando de forma decisiva suas atividades profissionais. A ideia de existir uma origem de causas psicológicas para a doença surgiu devido às dificuldades diagnósticas que os médicos começaram a enfrentar. Essas dificuldades originaram confusões entre os critérios de diagnóstico de LER, dando a entender que na medicina não existe consenso sobre os fatores que estariam originando a doença (ALMEIDA; CODO, 1995).

    No caso específico dos portadores de LER, existem duas dimensões importantes a serem consideradas: o adoecer psíquico pela limitação imposta pela doença e suas seqüelas, e o adoecer com LER pelos fatores psíquicos. No primeiro caso, encontramos sentimentos de desconfiança e de perdas, insatisfação, angústia, ansiedade por viver com os novos limites, medo da limitação e de perder o emprego, apreensão, tensão, estresse, entre outros. No caso dos fatores psíquicos que podem estar envolvidos no adoecimento por LER, encontramos certa rigidez de personalidade, necessidade de controlar os fatos do dia-a-dia, estando tudo sempre em ordem. Problemas relacionais com a família e/ou o grupo de trabalho, sobrecarga de trabalho, dificuldade de relaxar e de perceber seus limites. Chama a nossa atenção o fato de que esta dificuldade de perceber seus próprios limites leva o indivíduo a um adoecer onde terá de aprender a conviver com os limites impostos pela lesão (PEROSSI, 2001).

    Outra característica importante dos sujeitos que adoecem de LER, e, portanto, executam movimentos repetitivos e automáticos, é uma falta de flexibilidade de olhar, com dificuldades de olhar para os lados, para cima e para trás, como se possuíssem o olhar fechado para a tarefa que executam (PEROSSI, 2001).

Considerações finais

    Neste artigo fizemos uma discussão sobre a possibilidade de utilizar uma abordagem psicossomática para os sujeitos que apresentam LER/DORT, ou seja, dar a devida atenção aos aspectos psíquicos que podem estar relacionados ao adoecer físico.

    Geralmente os trabalhos apresentados sobre LER/DORT discutem apenas os aspectos físicos, a repetitividade das tarefas, como o sujeito pode, através de exercícios físicos, evitar este adoecimento. Nós propusemos um enfoque que consideramos complementar, que é o de dar atenção às questões psíquicas dos sujeitos, e que podem estar relacionadas ao adoecer físico.

    As colocações que foram feitas neste artigo permitem a compreensão desta associação entre a dimensão psíquica e a dimensão física, porém não nos autoriza a generalizar todos os casos, mas a estar atentos a estes aspectos no desenvolvimento do trabalho do psicólogo, quando deparar-se com casos semelhantes.

    Dentro deste princípio, colocamos como sugestão o prosseguimento, e/ou o aprofundamento do tema, com os trabalhadores de qualquer seguimento que pode apresentar um alto índice de adoecimento por LER/DORT.

Referências

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