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A difusão científica da pedagogia crítico-superadora 

nos periódicos da Educação Física brasileira (1992-2012)

La difusión científica de la pedagogía crítico-superadora en los periódicos de la Educación Física brasileña (1992-2012)

 

*Graduado em Educação Física (CEDF/UEPA)

**Professor Orientador (CEDF/UEPA)

(Brasil)

Edgar Henrique Silva da Cruz*

edy_diegito@yahoo.com.br

Anibal Correia Brito Neto**

anibalcbn@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Caracteriza o impacto da pedagogia crítico-superadora na Educação Física brasileira através da análise da produção veiculada em periódicos da área no período de 1992-2012. A partir da realização de monografia de base em 22 periódicos científicos listados no Qualis/Capes foram selecionados 19 textos com 28 autores envolvidos, os quais indicaram como limites da elaboração e implementação da pedagogia crítico-superadora as condições precárias de oferta da educação pública, a incongruência dos projetos históricos defendido pelos autores da obra Metodologia do Ensino de Educação Física e a dificuldade de encontrar literatura consequente sobre determinados temas da cultura corporal, porém, como possibilidades destacam-se que através desta teoria foi possível a viabilização de experiências pedagógicas em contraponto ao eixo paradigmático da aptidão física, a oportunidade de experiências que promovessem o acesso ao conhecimento em perspectiva crítica e também a instauração na área da teleologia revolucionária nas elaborações teóricas e intervenções práticas. Desta forma, conclui sobre a necessidade de atualização dos parâmetros teórico-metodológicos desta teoria, sem declinar do seu programa revolucionário.

          Unitermos: Educação Física. Pedagogia crítico-superadora. Cultura Corporal. Difusão científica.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 196, Septiembre de 2014. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    O estudo se insere entre os que buscam avaliar e elaborar experiências inovadoras pautadas no Movimento Renovador da Educação Física. Em Muniz, Resende e Soares (1998) pudemos compreender que tal movimento surge no contexto sociopolítico brasileiro da década de 1980, oportunidade em que a sociedade clamava por uma dita “democratização do país”, a qual repercutiu dialeticamente em diferentes esferas da sociedade.

    No âmbito da Educação Física ganhou relevo um conjunto de críticas direcionadas ao paradigma hegemônico desta área, a saber: a) a militarização da Educação Física e seus desdobramentos; b) o reducionismo biológico e a educação restrita ao “físico”; c) a assimilação escolar dos códigos do esporte de rendimento; d) a elitização das práticas esportivas e; e) a neutralidade política das atividades físicas (OLIVEIRA, 2005).

    Como síntese deste movimento, propostas pedagógicas para o ensino da Educação Física foram sistematizadas e passaram a disputar os projetos político educacionais no Brasil. Taffarel (2005 apud ALBUQUERQUE et al., 2007) registra quatro abordagens que avançaram na elaboração de formas de organizar o trabalho pedagógico na área, a saber: crítico-emancipatória, aulas abertas à experiência, atividade física e saúde e crítico-superadora.

    Para efeito de delimitação deste estudo optamos pelo aprofundamento acerca das repercussões da pedagogia crítico-superadora ou perspectiva da cultura corporal (COLETIVO DE AUTORES, 1992), desenvolvida em bases mais consistentes a partir da obra intitulada “Metodologia do Ensino da Educação Física”, que indicou ao conjunto de professores das diferentes regiões do país, que mesmo com as múltiplas dificuldades enfrentadas no cotidiano do magistério, era possível lutar pela consecução do sonho de um ensino público, gratuito, de qualidade e socialmente referenciado. Para tanto, mudanças deveriam ocorrer desde as concepções e princípios, até as abordagens de ensino e procedimentos avaliativos. (COLETIVO DE AUTORES, 1992),

    Foi a partir desta nova perspectiva de Educação Física que se passou a anunciar de modo mais enfático a necessidade de afirmar os interesses de classe das camadas populares também no âmbito deste componente curricular e, que, portanto, caberia a esta disciplina superar uma visão limitada de conceber o homem apenas nos seus aspectos biológicos, o qual não contribuía para entender o processo de historicidade da construção da corporalidade humana.

    Neste sentido, após duas décadas do lançamento desta referência para o ensino da Educação Física, cabe problematizar a vitalidade desta proposta educativa na produção do conhecimento da área, portanto, o objeto de estudo desta exposição se configurou na “difusão científica da pedagogia crítico-superadora em periódicos da área da educação física (1992-2012)”.

    O objetivo geral foi de caracterizar o impacto da pedagogia crítico-superadora no campo de estudo e intervenção pedagógica da Educação Física através da produção veiculada em periódicos da área no período de 1992-2012. No plano dos objetivos específicos buscamos identificar os autores/atores que elaboram e implementam intervenções com base na pedagogia crítico-superadora, categorizar a incidência da pedagogia crítico-superadora nas distintas problemáticas da prática social e apontar os limites e possibilidades apresentados pelos estudos sobre a pedagogia crítico-superadora.

2.     Aspectos metodológicos

    A partir de uma pesquisa bibliográfica utilizamos a perspectiva de “monografia de base” a qual se caracteriza como “um levantamento o mais completo possível, das informações disponíveis, organizá-las segundo critérios lógico-metodológicos adequados e redigir o texto correspondente que permitirá o acesso ágil ao assunto tratado” (SAVIANI, 1991, p. 8).

    As fontes de pesquisa foram selecionadas através da lista de classificação da produção intelectual produzida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), através do aplicativo “WebQualis”, em que utilizamos apenas periódicos científicos que apresentavam as seguintes características: a) classificação no Qualis/CAPES da área Educação Física, b) periódicos típicos da Educação Física, c) interlocução na subárea pedagógica e sociocultural da Educação Física, d) serem brasileiros, e) conteúdo disponibilizado na internet. Desta forma, os periódicos selecionados, foram:

Quadro 1. Periódicos da Educação Física analisados

Periódico científico

Instituição

01

Movimento

ESEF/UFRGS

02

Motriz

DEF/UNESP-RIO CLARO

03

Revista Brasileira de Ciências do Esporte

CBCE

04

Revista Brasileira de Educação Física e Esporte

EEFE/USP

05

Pensar a Prática

FEF/UFG

06

Revista da Educação Física/UEM

DEF/UEM

07

Atividade Física, Lazer & Qualidade de Vida: Revista de Educação Física

DPGEF/UEA

08

Arquivos em Movimento

EEFD/UFRJ

09

Caderno de Educação Física

UNIOESTE

10

Cadernos de Formação do RBCE

CBCE

11

Atividade Física, Lazer & Qualidade de Vida: Revista de Educação Física

ICS/UEA

12

Biomotriz

CCS/UNICRUZ

13

Educação Física em Revista

CEF/UCB

14

Caderno de Educação Física: Estudos e Reflexões

Colegiado EF/UNIOESTE

15

Motrivivência

NEPEF/CDS/UFSC

16

Kinesis

CEFD/UFSM

17

Movimento e Percepção

CEF/UNIPINHAL

18

Conexões

FEF/UNICAMP

19

Perspectiva em Educação Física escolar

GEF/UFF

20

Revista Brasileira de Docência, Ensino e Pesquisa em Educação Física

DPE/FCC

21

Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte (Online)

FEF/Mackenzie

22

Acta do Movimento Humano

CEFID/UDESC

Fonte: WebQualis

    Ao realizar a leitura exploratória e seletiva do material percebemos que nem todas as produções possuíam como objetivo discutir centralmente algum aspecto da pedagogia crítico-superadora, muitos textos mencionavam todas as teorias pedagógicas, outros apenas citavam a obra “Metodologia do Ensino de Educação Física” (COLETIVO DE AUTORES, 1992) com o intuito de definir ou concordar com algum parâmetro da obra, por este motivo, selecionamos exclusivamente aquelas produções que objetivaram tratar a pedagogia crítico-superadora como fundamento essencial da discussão.

    Desta forma, a amostra que passou pelos procedimentos de análise e interpretação foi composta por 19 textos, os quais estavam presentes nos periódicos listados no quadro a seguir.

Quadro 2. Produção Pedagogia Crítico-Superadora nos Periódicos Científicos (1992-2012)

Periódico científico

Autoria

Quantidade

Movimento

Ferreira (1997).

01

Motrivivência

Taffarel (1994), Escobar (1995), Santos (1999), Alves (2006), Pina (2008a), Pina (2008b), Macieira, Mota e Hermida (2011),

07

Revista Brasileira de Ciências do Esporte

Vieira (2000), Albuquerque et al. (2007), Sousa Junior et al (2011).

03

Revista da Educação Física/UEM

Castellani Filho (1997), Cordeiro Júnior, Ferreira e Rodrigues (1999).

02

Perspectiva em Educação Física escolar

Nascimento; Melo (1997).

01

Pensar a Prática

Oliveira (1999), Cordeiro Júnior (2000), Oliveira (2000/2001), Sayão; Muniz (2004), Silva (2004).

05

Total

19

Fonte: Sítio dos periódicos na Internet

    Durante todas as fases de leitura do material investimos na tomada de anotações das ideias e dados fundamentais, o que facilitou sobremaneira a elaboração das fichas que subsidiaram a organização do caminho do pensamento e da redação do texto final.

3.     A constituição da pedagogia crítico-superadora

    No ano de 1992, um Coletivo de Autores, impulsionados pelo anúncio embrionário de um novo paradigma para Educação Física, desenvolvido em um contexto de reivindicação e questionamento da ordem social brasileira, sintetizam uma proposta pedagógica capaz de repensar criticamente a realidade político-social e elaboram a pedagogia Crítico-Superadora ou perspectiva da cultura corporal (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

    Segundo Escobar (1995), esta proposta pedagógica é influenciada pelo projeto histórico da classe trabalhadora, logo, assume clara e explicitamente a perspectiva socialista como horizonte.

    Essa pedagogia expressa seu nível qualitativamente diferente numa teoria educacional que discute as relações entre educação e sociedade e o tipo de homem que se quer formar, Homem que vive numa dada sociedade num dado momento histórico determinado por uma configuração social e por um desenvolvimento material concreto e, por isso, com determinadas e especificas exigências no piano educativo. Ela concretiza-se na sala de aula a partir de uma teoria pedagógica - norte pedagógico-didático - que se constrói a partir de categorias da própria prática docente (ESCOBAR, 1995, p 92-93).

    Nesta perspectiva, a Educação Física é concebida como disciplina escolar que trata pedagogicamente o conhecimento da cultura corporal, que tem como manifestações o jogo, esporte, ginastica, dança, lutas e outros temas da corporalidade humana. Escobar (1995) afirma que os temas da cultura corporal foram historicamente construídos através das necessidades humanas de transformar a natureza para a sobrevivência, como resultado dessa produção é produzido “um acervo de atividades expressivo-comunicativas com significados e sentidos lúdicos, estéticos, artísticos, místicos, agonistas - ou de outra ordem subjetiva - que apresentam, como traço comum, serem fins em si mesmas, serem consumidas no ato da sua produção” (ESCOBAR, 1995, p. 93).

    A partir da lógica dialética, a teoria crítica da educação prevalece nesta proposta, em que “os temas da cultura corporal, tratados na escola, expressam um sentido/significado onde se interpenetram, dialeticamente, a intencionalidade/objetivos do homem e as intenções/objetivos da sociedade” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 62).

    Portanto, de acordo com o Coletivo de Autores (1992), o objetivo maior dessa proposta é a formação do aluno com capacidade de visualizar o todo e ler a realidade complexa e contraditória, adquirindo consciência de classe em uma perspectiva histórica e que reconheça a possibilidade de intervir na sociedade que está inserido de maneira crítica.

    Logo, é de suma importância que o professor, convencido do seu projeto político-pedagógico, apreenda os elementos de uma intervenção crítico-superadora. Nesta elaboração, uma nova concepção e proposta para dinâmica curricular, bem como, para a formulação dos programas de ensino, dos aspectos metodológicos e critérios para o trato com o conhecimento são desenvolvidos.

    Enquanto o polo antagônico à perspectiva crítico-superadora, representado pelo eixo paradigmático da aptidão física visa educar o homem forte, ágil, apto e competidor por excelência; a perspectiva da cultura corporal busca construir a identidade de classe nos alunos. Por outro lado, enquanto a lógica formal da pedagogia tradicional da Aptidão Física investe na formação do caráter dócil, obediente e respeitador às normas e hierarquia, a lógica dialética da pedagogia crítica da cultura corporal busca consubstanciar valores como solidariedade, cooperação, liberdade de expressão e emancipação.

    Nesta nova concepção curricular, os conteúdos da cultura corporal devem emergir da realidade dinâmica e concreta dos alunos, em que se busca uma nova compreensão dessa realidade social, com referências cada vez mais amplas, superando o senso comum, rumo a uma concepção científica do mundo.

    Desta forma, é possível perceber um salto qualitativo, visto que os objetivos educacionais deixam de enfocar exclusivamente a performance ou desempenho do aluno em uma determinada modalidade esportiva ou pratica corporal e passam a buscar, além da ampliação dos conhecimentos corporais, a assimilação e o entendimento do aluno sobre os valores ético e políticos que desenvolvem e corroboram com nossa cultura corporal. Logo, o objetivo maior da escola deva ser a de formar “cidadãos críticos e conscientes da realidade social em que vive para poder nela intervir na direção dos seus interesses de classes”. (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 37).

4.     Limites e possibilidades da pedagogia crítico-superadora: a difusão científica em questão

    Da totalidade de produções analisadas, identificamos 28 autores ligados aos 19 textos que abordaram com centralidade a pedagogia crítico-superadora. Vale destacar que entre estes autores, 04 apresentam mais de uma produção, a saber: Cristina Oliveira, Leonardo Pina, Orozimbo Cordeiro Júnior, Marcelo Ferreira e, duas autoras pertencentes ao Coletivo de Autores, Celi Tafarel e Michelle Escobar.

    Outro autor integrante do Coletivo de Autores, com produção em periódicos científicos sobre a pedagogia crítico-superadora foi Lino Castellani Filho, o qual deu prosseguimento a sua elaboração sobre a perspectiva da “cultura corporal”, discutindo uma proposta pedagógica para Educação Física no projeto de reorganização da trajetória escolar no ensino fundamental (CASTELLANI FILHO, 1997).

    Os demais autores que em 1992 compuseram o Coletivo de Autores não foram localizados em produções específicas sobre a pedagogia crítico-superadora, trata-se de Carmen Soares, Elizabeth Varjal e Valter Bracht, confirmando a informação prestada por Castellani Filho (2012) de que Carmen Soares havia se afastado do referencial teórico marxista e Valter Bracht se aproximado da perspectiva Pós-Moderna. Já Elizabeth Varjal (2012), demonstra claramente seu distanciamento com a base teórica marxista.

    Este abandono declarado dos poucos intelectuais que elaboravam com base em uma teoria educacional crítica ratifica a preocupante constatação realizada por Petras (1996) acerca do conformismo e renúncia dos intelectuais em relação às lutas sociais e políticas contra o sistema capitalista.

    É dolorosamente evidente que os intelectuais já não jogam um papel destacado como protagonistas na luta política da classe operária. A bem da verdade, para alguns a classe operária já não existe; para outros, a própria noção de classe é problemática. Marxismo converteu-se num termo vulgar, imperialismo virou uma vaga referência, socialismo é usualmente colocado entre aspas e os agudos lamentos pela crise ideológica foram substituídos por declarações de fracasso, desintegração e morte (PETRAS, 1996, p. 16).

    Isto evidencia que com o passar do tempo, vários intelectuais que contribuíam com a elaboração de referências para a superação do capitalismo abandonaram tal posição, ganhando o capitalismo novos simpatizantes e aliados, raras exceções mantiveram sua produção intelectual articulada com a árdua empreitada pela derrubada do capitalismo.

    A fim de demonstrar a incidência da pedagogia crítico-superadora nas distintas esferas da prática social, localizamos três categorias que organizam e evidenciam a utilização desta base teórica na realidade educacional brasileira, a saber: a) os fundamentos da pedagogia crítico-superadora; b) os indicadores didático-pedagógico da pedagogia crítico-superadora e; o trato com o conhecimento das manifestações da cultura corporal.

    A primeira categoria apresentou 06 produções. Escobar (1995) discutiu a cultura corporal como o conhecimento objetivo da Educação Física que emerge do movimento da existência social, a luz de um novo projeto histórico, já Ferreira (1997) propôs novos contornos epistemológicos, políticos e pedagógicos para a proposta de educação para saúde a parir da contribuição da pedagogia crítico-superadora. Oliveira (2000/2001), após analisar a realidade atual e as teorias da educação, apontou a proposta crítico-superadora como possível caminho para a democratização de formas progressistas e humanitárias do conhecimento da cultura corporal. Silva (2004) discutiu uma diretriz curricular para educação física escolar que tem a cultura corporal como objeto de estudo. Souza Júnior et al (2008) refletiram acerca da genealogia e compreensão sobre cultura corporal. Por último, Macieira, Mata e Hermida (2011) discutiram os processos de reformulação dos referenciais curriculares que tem como objeto de estudo a Cultura Corporal, apresentando, assim, os seus pressupostos.

    A segunda categoria elencada sugeriu limitações quanto à veiculação de novas pesquisas sobre a atualização dos parâmetros didático-metodológicos orientadores desta pedagogia. Identificamos apenas 04 produções voltadas à reflexão sobre os indicadores da prática pedagógica. O texto de Taffarel (1994) apresentou uma proposta preliminar para a organização de um curso de especialização em Metodologia do Ensino da Educação Física, já Castellani Filho (1997) discutiu a inserção da cultura corporal na Educação Física, refletindo sobre as metodologias de ensino e formas de avaliação. Vieira (2000) verificou se o processo de formação continuada do Estado de Pernambuco tem influenciado a implementação de novas ações didático-metodológicas na perspectiva crítico-superadora, por fim, Sayão e Muniz (2004) problematizaram e exemplificaram a necessidade do planejamento da educação física escolar está subsidiado na concepção de homem e sociedade que defendemos.

    A última categoria estabelecida aglutinou 09 textos que problematizam proposições e/ou experiências com as manifestações da cultura corporal subsidiados pela pedagogia crítico-superadora.

    Em uma primeira elaboração, Nascimento e Melo (1997) se contrapuseram a influência do paradigma da aptidão física na configuração dos jogos escolares e propuseram a perspectiva da cultura corporal no desenvolvimento de uma outra lógica, em que a finalidade maior fosse a participação plena e o potencial crítico do aluno. O esporte ainda foi problematizado em duas outras oportunidades, uma primeira com Santos (1999), que ao discordar das concepções e métodos tradicionais que permeiam o ensino do esporte, sugeriu, com base em experiências acumuladas, uma nova proposta curricular de organização do conhecimento futebol na escola, a qual visa uma outra perspectiva de formação humana, no segundo caso, Pina (2008b) apresentou experiência pedagógica que demonstrou que a apropriação do conhecimento sistematizado sobre o esporte pode possibilitar ao aluno a atribuição de um novo significado para esta prática social.

    No campo das lutas, Cordeiro Júnior, Ferreira e Rodrigues (1999) apresentaram uma proposta inicial de sistematização do conteúdo judô nas aulas de educação física produzida no âmbito do projeto de pesquisa “metodologia do ensino do judô sob a ótica crítico-superadora”. Em seguida, Cordeiro Júnior (2000) apresentou a experiência vivida na implementação do referido projeto, discutindo os limites e possibilidades do mesmo.

    Já a ginástica foi problematizada a partir de Oliveira (1999), a qual relatou a experiência vivenciada em uma disciplina do Curso de Educação Física da Universidade Federal de Goiás que teve por objetivo a problematização dos determinantes históricos e o levantamento de possibilidades de utilização desta manifestação no espaço escolar a partir da perspectiva crítico-superadora.

    Alves (2006) e Albuquerque et al. (2007) discutiram o conteúdo dança. A primeira é fruto de uma experiência com a construção de instrumentos musicais, pesquisa sobre danças populares e a sistematização do Hip Hop nas aulas de Educação Física, já a segunda buscou sistematizar uma proposição para o trato pedagógico na educação de jovens e adultos do campo, para tanto, exemplificou através do conteúdo dança, em especial, a quadrilha, a possibilidade de elevar a escolarização de trabalhadores do campo, considerando o trabalho como princípio educativo a partir dos sistemas de complexos.

    Por último, temos a experiência de Pina (2008a) que buscou tratar o tema “atividade física e saúde” através da relação com os problemas sociais concretos gerados ou agravados pelo capitalismo em um programa de educação de jovens e adultos.

    Portanto, mesmo reconhecendo que o espaço de difusão avaliado pela pesquisa se resumiu aos periódicos científicos, fica evidente a ausência de importantes temas da cultura corporal, tais como os jogos, a capoeira e outras manifestações que também precisam urgentemente ser ressignificadas na prática pedagógica do cotidiano escolar a partir dos ciclos do processo ensino aprendizagem, a exemplo das clássicas modalidades esportivas: voleibol, basquetebol, handebol e atletismo. É também de suma importância a viabilização de estudos históricos das manifestações da cultura corporal a partir de uma base materialista, tendo em vista o requisito fundamental da apreensão rigorosa deste determinante para visualizarmos suas possibilidades de mudanças.

    Em continuidade aos limites do estágio de desenvolvimento da pedagogia crítico-superadora, em que temos por finalidade ampliar sua potencialidade, identificamos nos estudos sobre experiências pedagógicas que os obstáculos de implementação da mesma estão relacionados com as próprias contradições que serviram como propulsão para a sua constituição, trata-se das condições precárias de oferta da educação pública, tanto na esfera da formação de professores, quanto na educação básica. Alves (2006) menciona que além da deficiência no seu processo formativo dentro da universidade, os limites da prática de ensino com vistas a inserção de uma teoria pedagógica renovadora ainda se defrontam com a desconfiança dos demais professores da escola em relação as inovações e a falta de integração entre os componentes curriculares, o que dificulta a visão de totalidade por parte dos alunos.

    Cordeiro Júnior (2000) ratifica esta análise, informando que o limite da implementação do judô sob um novo olhar esteve relacionado com a falta de espaço apropriado para a vivência desta arte de combate na escola, além da dificuldade de disponibilizar aos alunos o contato com um praticante desta modalidade (CORDEIRO JÚNIOR, 2000, p 103).

    Em uma dimensão que revela os limites dos fundamentos da pedagogia crítico-superadora, Souza Júnior et al. (2011) evidencia a incongruência dos projetos históricos defendido pelos integrantes do Coletivo de Autores (1992), os quais possivelmente implicaram na falta de radicalidade acerca de alguns parâmetros desta teoria pedagógica, já que a visão de mundo dos seis autores se distanciam em diferentes aspectos.

    Mesmo com nuances entre os seis, podemos dizer que, num polo, temos o olhar da radicalidade marxista, que enxerga e critica o abstracionismo idealista, o comportamentalismo positivista e o relativismo fenomenológico. Num outro polo, aproximando-se da leitura neomarxista, se critica certo determinismo ideológico. (SOUZA JUNIOR et al., 2011, p, 407)

    Com base nesta mesma face, ou seja, nas dificuldades colocadas à elaboração e apropriação teórica radical e coerente. Cordeiro Júnior et al (1999) ressalta a dificuldade de encontrar literatura consequente sobre determinados temas da cultura corporal, em especial, as que falem sobre a chegado do judô ao Brasil, sua relação com a questão de gênero, e também sobre a esportivização desta luta.

    Por outro lado, os autores que elaboram sobre a pedagogia crítico-superadora também mencionam os avanços e possibilidades instaurados pela mesma, Nascimento e Melo (1997) ratificam que o objetivo inicial desta teoria pedagógica é possível de ser implementado, ou seja, a viabilização de experiências pedagógicas em contraponto ao eixo paradigmático da aptidão física.

    [...] conseguimos instaurar na escola, de forma marcante, uma Educação Física sob o prisma da cultura corporal, redimensionando os valores e/ou conceitos em relação a práxis desta disciplina no interior escolar, que via de regra são fundamentados pelo paradigma da aptidão física (NASCIMENTO; MELO, 1997, p 54).

    Outro aspecto fundamental, implementado nas experiências que utilizaram a pedagogia crítico-superadora é a aproximação com a função progressista da escola, aquela que visa fomentar a construção de experiências que promovessem o acesso ao conhecimento sistematizado através de uma abordagem crítica, a exemplo do estudo de Oliveira (1999) que apontou a importância da vivência da ginástica sob as bases crítico-superadora para acadêmicos em formação inicial.

    Entendemos que a experiência vivenciada atende aos requisitos apontados pela ementa da disciplina Ginástica I e pode contribuir concretamente para a formação discente, pois, como vivência experimental, a Semana da Ginástica pode vir a estimular novos olhares sobre a ginástica escolar, desmistificando o conteúdo e democratizando sua prática. Enfim, participando ativamente da luta pela transformação social na qual a democratização do conhecimento é parte essencial. (OLIVEIRA, 1999, p. 7).

    O relato de experiência de Cordeiro Júnior (2000) ratifica esta possibilidade colocada à escola por uma pedagogia crítica, demonstrando o avanço dos alunos após a intervenção com o conteúdo judô.

    Os alunos demonstravam consciência de suas atividades, de suas possibilidades de abstração, confrontando dados da realidade com suas próprias representações. Estabeleceram nexos, dependências e relações complexas, as quais estavam representadas em conceitos do judô elaborados por eles mesmos. (CORDEIRO JUNIOR, 1999, p. 103)

    Somado a isso, além da perspectiva da socialização do saber sistematizado e de uma abordagem crítica, a pedagogia crítico-superadora instaurou na área a teleologia revolucionária nas elaborações teóricas e intervenções práticas, a exemplo dos estudos de Alves (2006), Albuquerque et al. (2007) e Pina (2008a; 2008b), os quais não tergiversam em apontar o projeto histórico que defendem.

    Finalmente, acho que descobrir ser professora é realmente muito mais do que dar aula é ser companheira e tentar através do espaço educacional formar pessoas preocupadas em construir uma sociedade realmente humana, justa e igual para todas/todos, que hoje tenho clareza de dizer que é a Sociedade pautada em um projeto histórico socialista. (ALVES, 2006, p. 137).

    Desta forma, mesmo que deponham algumas críticas quanto aos seus fundamentos, precisamos creditar boa parte da penetração da referência marxista e do seu caráter revolucionário na Educação Física a está proposta pedagógica. A qual massificou uma dada caracterização do sistema capitalista e ampliou a consciência de classe.

Considerações finais

    Quanto ao reconhecimento da incidência da pedagogia crítico-superadora em diferentes âmbitos da prática educacional, cabe o registro de que sua difusão é bem mais ampla e expressiva do que este trabalho se propôs a desenvolver, indo muito além dos periódicos científicos.

    Em uma breve busca nas bases de dados sobre livros, anais de eventos, teses e dissertações é possível perceber de imediato que esta teoria pedagógica também ocupa espaço marcante em outras formas de elaboração teórica, com indicativos de grande penetração nos espaços de difusão científica que comportam relatos de experiências da prática pedagógica, como os anais de eventos.

    Nosso estudo delimitou única e exclusivamente os periódicos científicos, porém, foram de suma importância para revelar limites, lacunas, mas também localizou alguns aspectos que necessitam de novas elaborações. Em síntese, é possível apontar a pedagogia crítico-superadora como um marco na configuração de uma perspectiva crítica e revolucionária para área.

    Reconhecemos que discussões devem incidir sobre os fundamentos desta perspectiva, capturando o que de mais avançado foi produzido no campo marxista nestas duas últimas décadas, com especial atenção às críticas e proposições no âmbito da pedagogia histórico-crítica e psicologia histórico-cultural, as quais podem atualizar os parâmetros teórico-metodológicos desta teoria, sem declinar do seu programa revolucionário.

Referências

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 19 · N° 196 | Buenos Aires, Septiembre de 2014
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