Método Holos: uma proposta para a dança inclusiva com cadeira de rodas Método Holos: una propuesta para la danza inclusiva con silla de ruedas |
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*FAETEC - FME **N-GIME – UFJF (Brasil) |
Profa. Ms. Soyane de Azevedo Vargas do Bomfim* Prof. Esp. José Guilherme de Andrade Almeida** |
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Resumo A dança em uma perspectiva inclusiva, não pode ser vista como uma simples adaptação das modalidades já estabelecidas para inserir a pessoa com deficiência, mas também não deve negá-las. Ao contrário, podemos nos valer do conhecimento histórico acumulado, para elaboração de um estilo próprio que atenda em especial a diversidade das características individuais. A organização do Método Holos de Dança Inclusiva leva em consideração a arte como forma de comunicação, incluindo aspectos biopsicossociais para pessoas com e sem deficiência. Propomos um método sistematizado, mas não fechado, (re) construindo-o a partir de novas experimentações realizadas a cada aula, e à medida que interagimos e aprendemos com todos. Unitermos: Dança inclusiva. Método e visão holística.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 195, Agosto de 2014. http://www.efdeportes.com |
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Introdução
A atual constituição da sociedade preconiza uma polarização entre grupos de sujeitos que se estabelecem por relações de poder. Grupos estabelecidos que exercem uma padronização de seus costumes, crenças e aparência sobre os demais grupos sociais (ELIAS, SCOTSON, 2000). Essas relações se expressam na estrutura social, conseqüentemente, influenciando a circulação dos padrões na mídia, na educação e na cultura em geral.
Em especial quando se fala de corpo, na perspectiva de Goffman (2008), este pode se constituir como sede de estigma, ou seja, pode possuir signos corporais com significados depreciativos passiveis de promover exclusão social do sujeito. Esses significados ficam ainda mais evidentes em determinadas expressões da cultura como a dança, cuja perspectiva histórica é conservadora, valorizando a beleza corporal (FERREIRA, 2003).
Contudo, a inclusão de corpos diferentes do padrão estabelecido tomou força a partir dos movimentos da dança moderna e continua a se firmar com a dança contemporânea. Paralelamente, uma das propostas estruturadas pela dança inclusiva, tem sido a dança em cadeira de rodas, a qual surge em diversas partes do mundo quase simultaneamente na década de 1970, e no Brasil, a partir da década de 1990, apresentando-se como reação à mobilidade reduzida imposta aos usuários de cadeia de rodas (FERREIRA, 2003).
Soyane de Azevedo Vargas do Bomfim y José Guilherme de Andrade Almeida
Um número expressivo de autores (BERNABÉ, 1997; FERREIRA, 1998; MARTINS, 2000; MATTOS, 2001; ÁVILA, 2005; FUX, 2005; SILVA, 2006; TOLOCKA, VERLENGIA, 2006; VARGAS, 2008) têm desenvolvido pesquisas sobre a dança para pessoas com deficiência. Na dança em cadeira de rodas, o Brasil tem importante representatividade no cenário mundial no campo da pesquisa. Contudo, poucos trabalhos têm proposto uma organização melhor definida para a aprendizagem da dança inclusiva, a fim de sistematizar esse tipo de aula.
Defendemos que a dança, numa perspectiva inclusiva, não pode ser vista como uma simples adaptação das modalidades já estabelecidas para inserir a pessoa com deficiência, mas também não deve negá-las. Ao contrário, podemos nos valer do conhecimento histórico acumulado, para elaboração de um estilo próprio que atenda em especial a diversidade das características individuais.
Do ponto de vista biológico é simples caracterizar a necessidade de uma metodologia específica para este público, considerando que diversas habilidades teoricamente essenciais para o desenvolvimento da dança podem não fazer parte das possibilidades das pessoas com deficiência; assim como, há o uso da cadeira de rodas, órteses e/ou próteses que exigem uma especificidade técnica e coreográfica. Mas não podemos tomar o corpo biológico como a única dimensão importante do ser humano, a qual limitaria a prática da dança para pessoas com deficiência. Precisamos observar também a sua dimensão histórico-social, ponto onde a dança se insere e produz sentidos, no que tange ao princípio da arte como meio de comunicação.
A compreensão da dança carrega os sentidos estabelecidos do corpo ideal, da performance e do belo. Da mesma forma, a compreensão da deficiência carrega os sentidos estigmatizados da imobilidade, da incapacidade, do não estético e da exclusão. O imaginário social está repleto desses discursos, que podem resultar na impossibilidade de desenvolver a dança para pessoas com deficiência (FERREIRA, 2003).
Em relação à produção dos sentidos, Orlandi (2013) expõe uma diferença fundamental entre produtividade e criatividade. Para a autora, produtividade se relaciona com o retorno constante ao que já foi feito, ao já dito, produzindo a variação do mesmo; enquanto que a criatividade implica em ruptura no processo de produção, em deslocamento de regras e sentidos, fazendo intervir o diferente (ORLANDI, 2013).
Romper com esse paradigma de produtividade, cristalizado ao longo do tempo, sugere o estabelecimento sistemático da inclusão das pessoas com deficiência na arte da dança a partir de processos criativos. Nessa perspectiva, visamos contribuir com a apresentação da nossa proposta metodológica que permite o desenvolvimento da dança para pessoas com e sem deficiência numa perspectiva inclusiva.
1. Dança Inclusiva com cadeira de rodas
A dança tem se apresentado como uma excelente possibilidade de integrar pessoas com e sem deficiência, na prática de atividades físicas e no acesso à arte. A proposta de unir pessoas com e sem deficiência sob a mesma prática exige uma especificidade que não é atendida pelos modelos estabelecidos, sem negar o conhecimento produzido até o presente, pois é nele que nos baseamos para direcionar a prática da dança inclusiva.
Cia Holos de Dança - Rio de Janeiro, Brasil
A necessidade desse deslocamento de sentidos é identificada por Ferreira (1998) ao abordar a dança em cadeira de rodas. A autora compreende que a sociedade enxerga a cadeira de rodas como objeto estigmatizante, mas que é a cadeira de rodas que proporciona ao seu usuário a “possibilidade da dança enquanto elemento de prazer no corpo” (FERREIRA, 1998, p.127). Assim, o sujeito pode se ressignificar pela possibilidade do movimento corporal na dança.
Na dança esportiva em cadeira de rodas temos como base as técnicas da dança esportiva ordinária, desenvolvida por e para andantes, as quais foram adaptadas para os usuários de cadeira de rodas (FERREIRA, 2011). Enquanto isso, a dança artística em cadeira de rodas tem se sustentado na experiência dos professores que se aventuram no desenvolvimento da proposta, cujo conhecimento base é a técnica das danças estabelecidas dominadas por esses professores (MORAES, ALMEIDA, 2014).
Contudo, essas duas práticas se voltam apenas para usuários de cadeira de rodas e pessoas sem deficiência. E é na perspectiva de transcendência, indo um pouco além de tudo que conhecemos até hoje, que propomos a dança inclusiva com cadeira de rodas, a qual se constitui como uma possibilidade de desenvolvimento da arte da dança como forma de comunicação e expressão, através de seus diversos estilos, objetivando unir sob a mesma prática, pessoas com deficiências diferentes e pessoas sem deficiência, por meio de uma metodologia que privilegia o diferente como constituinte do ser humano.
Particularmente, nos apropriando dos conhecimentos já produzidos pela dança ao longo de sua história, deslocando os sentidos já produzidos a fim de ressignificá-los em outra proposta: a dança inclusiva com cadeira de rodas, desenvolvendo técnicas específicas em virtude das características da individualidade biológica e cultural do sujeito e da própria cadeira de rodas.
Para seu desenvolvimento, a dança inclusiva com cadeira de rodas admite a especificidade da cadeira de rodas e se vale da técnica desenvolvida para a dança em cadeira de rodas e das técnicas das danças estabelecidas. Seus objetivos são ampliar as possibilidades de aprendizagens, o acesso à arte e contribuir para construção da cidadania, podendo se constituir num instrumento importante de transformação (BOMFIM, ALMEIDA, SANTOS, 2012).
2. Qual a importância de se definir um método?
Segundo Libâneo (1994), os métodos de ensino são determinados pela relação necessária entre objetivo e conteúdo, configurando-se como o meio (o ‘como’) de atingir os objetivos propostos. Dessa forma, é fundamental a atuação planejada e sistematizada das ações, tanto dos professores quanto dos estudantes. De forma simplificada, o método pode ser definido como o caminho para atingir um objetivo.
Cia Holos de Dança Inclusiva com Cadeira de Rodas
Faria Junior (1999) defende a adoção de um esquema de aula pedagogicamente predeterminado, não menos suficientemente flexível, para permitir adequações às expectativas, necessidades, respeito às limitações e estímulo ao potencial do grupo ou das pessoas a serem atendidas.
No entanto, temos consciência que a definição de um método ou esquema de aula não garante o sucesso da mesma, no que tange aos processos de aprendizagem (FARIA JUNIOR, 1999). Sabemos que a aula não se resume em mera transmissão de conhecimentos ou mesmo da simples organização de técnicas e procedimentos (FREIRE, 1987). A importância de estabelecer o método é garantir a relação entre os conteúdos e objetivos traçados, como “mola propulsora” do processo de aprendizagem e não como um fim em si mesmo. Pois, se o método por si só não garante o aprendizado, sem ele esses caminhos tendem a ficar menos tangíveis.
Ferreira (1998) identifica que os grupos brasileiros que trabalham com dança em cadeira de rodas, amiúde, não se preocupam com os princípios pedagógicos da dança e com uma fundamentação do método utilizado.
Até o momento, a proposta metodológica mais expressiva para a dança inclusiva é a de Ferreira (2001), a qual traz uma proposta para o desenvolvimento da dança em cadeira de rodas em seis fases, a saber: (1) fase comportamental, relacionada aos primeiros contatos professor-aluno; (2) de integração artística, voltada para a compreensão da dança como processo histórico-social e de seu significado; (3) de associação, direcionada para o manejo da cadeira de rodas; (4) elementar, onde os fundamentos elementares da dança seriam trabalhados; (5) de instrumentalização, quando se introduz a técnica da dança moderna; (6) coreográfica, momento de associação dos resultados obtidos nas fases anteriores.
Contudo, como já foi exposto anteriormente, essa proposta é específica para o desenvolvimento da dança para usuários de cadeira de rodas, não atendendo aos anseios da inclusão como temos proposto, onde diferentes deficiências e sujeitos coexistem na mesma prática.
Pretendemos assim ampliar a abordagem metodológica para uma perspectiva de diversidade e participação, assumindo o diferente como essencial e exaltando a sua presença no desenvolvimento da dança, propondo uma metodologia para o desenvolvimento de cada aula, entendo-a como unidade do processo.
Dessa forma, além de instituir uma sistematização da dança para pessoas com e sem deficiência, a escolha por organizar um método para aprendizagem da dança inclusiva com cadeira de rodas, tem como objetivo servir de parâmetro para profissionais e grupos de dança que estão iniciando nesse estilo; bem como, dialogar com outros estilos de dança já desenvolvidos. Temos como base a perspectiva holística, para criação do Método Holos de Dança. Holos é uma palavra grega que significa holístico ou holismo. Nessa visão holística consideramos que o ser humano ou outros organismos não podem ser explicados pela soma de suas partes, mas levamos em consideração o todo, defendendo que o todo determina o comportamento de suas partes. Na visão holística o mundo está integrado como um organismo (CAPRA, 1982).
Elias (1994) compreende que a sociedade é constituída pelas relações estabelecidas entre os indivíduos, mas é maior que um indivíduo isolado. Em sua perspectiva, há uma relação dialética entre o todo (a sociedade) e as partes (cada indivíduo), contudo, o somatório das partes não constitui nem permite compreender o todo, e o todo não permite observar a individualidade de cada parte, e sim, ambos se constituem mutuamente (ELIAS, 1994).
A dança nessa perspectiva leva em consideração a arte como forma de comunicação, incluindo aspectos biopsicossociais e transcendentais do ser humano, incluindo pessoas com e sem deficiência. Seu sujeito é, portanto, integral, pois considera as relações histórico-sociais que constroem a estrutura material na qual o sujeito há de assumir uma posição social específica para estabelecer relações sociais específicas (ELIAS, 1994). Essa definição baliza a construção do Método Holos de Dança.
Nosso método não se propõe a ser o único ou o melhor método, mas apenas a socialização do nosso trabalho, que vem sendo praticado desde 2005.
3. Método Holos de Dança
Dividimos a aula em cinco partes, cada uma com objetivo específico e com direcionamento particular para os sujeitos participantes. Os tempos propostos são variáveis, assim como as fases não são rígidas e devem se adaptar a cada realidade e ao objetivo de cada aula.
3.1. Procedimentos que antecedem à aula
Numa proposta inclusiva, precisamos assumir o princípio da exclusão zero (cf. SASSAKI, 2011) e dar condições para que todas as pessoas tenham a possibilidade de participar como sujeitos na dança. Na perspectiva da dança inclusiva, precisamos respeitar as seis dimensões da acessibilidade listadas por Sassaki (2011): arquitetônica, instrumental, metodológica, comunicacional, programática e atitudinal.
Na dimensão arquitetônica, antes de iniciarmos qualquer prática de dança inclusiva, avaliamos o local de ser utilizado para prática da dança no que tange à acessibilidade, como: rampas, elevadores, banheiros, vestiários, piso apropriado, aclimatação, obstáculos, entre outros.
Na dimensão instrumental, precisamos verificar as possibilidades de utilização dos recursos materiais para todos os sujeitos envolvidos, como: aparelho de som, altura do espelho, alturas variadas da barra, colchonetes, entre outros.
Depois de verificada a acessibilidade do local e de seus instrumentos, precisamos definir a sua capacidade de público (lembrando que o usuário de cadeira de rodas ocupa um espaço maior do que o andante) e diferenciar as aulas conforme o público almejado.
Com o objetivo de respeitar a acessibilidade metodológica, no que tange aos interesses e as possibilidades de cada aluno, propomos aulas sob duas perspectivas: participação e performance, almejando públicos diferentes. Certamente diversos alunos terão o desejo de praticar a dança, mas nem todos terão o desejo e a possibilidade de dedicar-se para o desenvolvimento da performance, visando o alto rendimento.
Dessa forma, as aulas com caráter de participação visam o desenvolvimento da dança como atividade física para a promoção da saúde, lazer, socialização e desenvolvimento de habilidades para a vida diária, valendo-se da técnica como meio de atingir tais objetivos. Ao passo que as aulas com caráter de performance, visam, entre outras coisas, o aperfeiçoamento da técnica para aqueles que desejam dela se valer para apresentações e competições.
Sob a dimensão comunicacional, precisamos adaptar a interação professor/aluno, em especial para as pessoas com deficiência auditiva, valendo-se do uso da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e de informações visuais; e para as pessoas com deficiência visual utilizando o estímulo tátil e a orientação oral. Da mesma forma, a orientação objetiva e simples para pessoas com deficiência intelectual; bem como, o conhecimento das partes da cadeira de rodas, de suas possibilidades/limites e de demais dispositivos auxiliares utilizados pelos alunos com deficiência física, podem propiciar maior proximidade do aluno com o conteúdo trabalhado.
Conforme as dimensões programáticas e atitudinais, precisamos eliminar as barreiras invisíveis da instituição, no sentido de permitir e facilitar a presença das pessoas com deficiência, tanto no sentido de seus regulamentos, quanto no sentido de eliminar os preconceitos e a estigmatização por parte dos profissionais e alunos envolvidos, em especial quando o trabalho da dança inclusiva com cadeira de rodas é desenvolvido em espaço comum com a dança ordinária.
Ainda na dimensão atitudinal, é importante ressignificar a dança, visto que esta carrega o imaginário social do corpo ideal. Propomos assim a sensibilização para a arte da dança, por meio de apresentações em vídeos e discussões sobre o tema.
Verificados os quesitos da acessibilidade, passamos ao direcionamento individual da proposta para cada aluno, sendo essencial conhecê-lo a partir da anamnese (idade, histórico do tipo de deficiência, da evolução, das práticas em reabilitação e atividades físicas e expectativas dos alunos) e, especialmente, da avaliação funcional dos movimentos existentes e dos sentidos remanescentes. No caso de usuários de cadeira de rodas, avaliamos o domínio das técnicas de manejo da cadeira de rodas, a funcionalidade do tronco e membros superiores. No caso de pessoas com outras deficiências, a coordenação motora, o equilíbrio, o deslocamento e a amplitude de movimentos. Por isso, um pré-requisito importante é o conhecimento das características principais de cada tipo de deficiência, em geral, para correlacioná-las com as características individuais de cada pessoa, em particular.
Uma exigência para a segurança tanto do aluno quanto do profissional no desenvolvimento da proposta deve ser a apresentação do atestado médico.
3.2. A aula propriamente dita
Após todo o procedimento de preparação, passamos ao desenvolvimento da aula propriamente dita de dança inclusiva com cadeira de rodas, subdividindo didaticamente a seguir, para melhor compreensão e organização.
a. Primeira parte: preparação para a aula
Ao iniciarmos a aula, observamos a importância do contato professor/aluno/bailarino, especialmente ao postularmos o papel da relação entre estes, essencial na mediação do conhecimento e no alcance dos objetivos propostos. Quando o professor inspira confiança pelo conhecimento que possui, boa capacidade de comunicação, empatia, atenção e flexibilidade na relação com o aluno/bailarino, pode favorecer a maior disponibilidade deste para realização das atividades propostas em aula.
Nesse momento, propomos conversar sobre a aula, contextualizando o conteúdo proposto, considerando os conhecimentos trazidos pelos alunos/bailarinos para traçar os objetivos, direcionar sua estrutura, aprimorar conceitos rítmicos e/ou utilizar dinâmicas que estimulem a atenção, a concentração, a expressão facial e corporal. Utilizamos uma duração de 5 a 15 minutos para estas atividades.
b. Segunda parte: aquecimento corporal
Essa etapa da aula tem como objetivo preparar o corpo buscando condições ótimas pra melhoria da condição orgânica para o esforço, melhoria da capacidade geral de coordenação dos movimentos, otimização psicológica para o esforço e prevenir lesões (FARIA JUNIOR, 1999).
Além dos objetivos fisiológicos, devemos nos valer desse momento para a interação entre os alunos e para estimulá-los na participação da aula.
Dentre as atividades utilizadas nessa parte estão: movimentação de diversos músculos e articulações, deslocamentos em diferentes planos e direções, alongamentos, jogos teatrais dinâmicos, entre outras relacionadas ao movimento, ao ritmo e a expressividade. Propomos uma duração de 5 a 15 minutos.
É importante lembrar que os movimentos devem ser direcionados às possibilidades e especificidades de cada aluno. Por exemplo, os usuários de cadeira de rodas demandam um aquecimento maior dos membros superiores do que os andantes, e os andantes demandam expressivo aquecimento dos membros inferiores, de forma que as propostas devem atender às especificidades de todos os alunos.
c. Terceira parte: aperfeiçoamento da técnica
De acordo com a proposta coreográfica, aprimoramos a técnica a ser utilizada. Consideramos um momento importante, que necessita respeitar os níveis de conhecimento do profissional em relação ao estilo de dança que ele domina e a técnica específica da dança em cadeira de rodas, que aqui é defendida como um estilo próprio.
Durante 15 ou 30 minutos, trabalhamos de forma diferenciada de acordo com a necessidade e potencial de cada aluno/bailarino. É preciso levar em consideração as habilidades motoras, os conhecimentos prévios, o condicionamento físico, as características da deficiência e a adaptação do sujeito a elas, de forma a direcionarmos as propostas eficientemente, proporcionando um desenvolvimento qualitativo do ser na dança.
Dividindo a turma em grupos pra melhor organização e andamento da aula, propomos, por exemplo, para os andantes o desenvolvimento das técnicas já estabelecidas pela dança ordinária (balé clássico, jazz dance, dança contemporânea, etc.). Desde deslocamentos até giros e saltos, respeitando a proposta adotada pela turma, desenvolvemos o potencial individual do aluno/bailarino.
Para usuários de cadeira de rodas, o domínio das técnicas de manejo da cadeira de rodas é essencial no desenvolvimento da autonomia, diversidade e fluidez (ALMEIDA, BOMFIM, 2013). Diversas habilidades podem ser desenvolvidas nesse momento, como: deslocamento para frente; deslocamento para trás; giro completo; meio giro; 1/4 giro; virar na diagonal; giro em volta; passar por cima; sair da cadeira; inclinação lateral; empinar frontalmente e empinar para trás, por exemplo. Podendo utilizar velocidades e intensidades diferentes, variando os direcionamentos, entre outros estímulos. Esses exercícios podem ser propostos em correlação com a música, dificultados com obstáculos e realizados em interação com um parceiro cadeirante.
Enquanto isso, para pessoas com deficiência visual, podemos desenvolver o equilíbrio e a percepção rítmica através do tato, além de estimular o desenvolvimento das técnicas já estabelecidas pela dança ordinária com especial atenção ao desenvolvimento da consciência corporal por meio do direcionamento oral e tátil.
Dessa forma, buscando os pontos necessários a cada um, podemos seguir realizando adaptações para pessoas com deficiência auditiva, deficiência intelectual, idosos, entre outros.
Além dessas propostas por grupo, desenvolvemos momentos de interação, especialmente em duplas, priorizando as formações de uma pessoa com e outra sem deficiência, ou de duas pessoas com deficiências/potencialidades diferentes.
Cia Holos de Dança Inclusiva com Cadeira de Rodas
d. Quarta parte: composição
Esta fase tem por objetivo a utilização da técnica desenvolvida na composição coreográfica. Ao longo de 15 ou 30 minutos, podemos definir um tema e uma música/trilha sonora, e a partir das técnicas trabalhadas e as que os alunos/bailarinos já possuem, buscamos desenvolver uma composição coreográfica.
No processo de composição é imprescindível utilizarmos a pesquisa de movimentos que comuniquem o tema escolhido, especialmente abrindo espaço para que os alunos possam explorar suas possibilidades. A interação entre os alunos/bailarinos também se faz essencial, tanto no quesito espaço e tempo, como na realização de movimentos em dupla, trio ou grupo.
Juntamente ao processo de composição, definimos os desenhos da coreografia, os quais devem ser cuidadosamente pensados para que a pessoa com deficiência, em especial os usuários de cadeira de rodas não sejam encobertos por alunos/bailarinos sem deficiência, tanto em localização quanto em exibição (performance). Temos preferência por colocar as pessoas com deficiência em evidência tanto quanto os alunos/bailarinos sem deficiência, sob a intenção de ressignificar suas relações sociais e sua presença no palco em equidade. Todos devem assumir um papel importante na coreografia.
e. Quinta parte: finalização
Num período final de 5 a 10 minutos, objetivamos retornar a um estado fisiológico mais próximo do repouso, compensando os estresses produzidos durante a aula, nos valendo de atividades com alongamentos e relaxamento corporal.
É importante considerar que, numa turma de dança inclusiva com cadeira de rodas, os diferentes sujeitos se valem de diferentes movimentos, culminando em diferentes esforços e estresses. Sendo assim, precisamos direcionar um relaxamento que se adéqüe às possibilidades e necessidades corporais de cada sujeito presente na aula.
Por exemplo, usuários de cadeira de rodas necessitam de maior relaxamento nos membros superiores e no tronco, em especial, na região lombotorácica da coluna vertebral, enquanto isso, pessoas sem deficiência podem necessitar de maior relaxamento nos membros inferiores, e pessoas que utilizam muletas tendem a necessitar de maior relaxamento na região cervical e dos ombros.
Soyane Vargas do Bomfim, José Guilherme Almeida e Natália Caetano
Algumas considerações
Ao longo desses anos temos conseguido realizar trabalhos coreográficos com qualidade artística, aprimorando o potencial dos alunos/bailarinos com e sem deficiências, com grande possibilidade de melhoria da qualidade de vida dos praticantes. No entanto, encaramos cada aula e cada novo trabalho como um desafio a ser enfrentado, especialmente por saber que, antes de tudo, lidamos com seres humanos que são influenciados e influenciam significativamente em todo processo.
Nossa proposta tem por eixo central a participação em igualdade de condições, construída a partir da valorização do potencial individual de cada sujeito; ou seja, valorizando-o numa perspectiva holística, independente deste possuir deficiência ou não. Com o estabelecimento de cinco (05) partes para o direcionamento do trabalho, buscamos oferecer subsídios para o desenvolvimento de uma dança que transcenda propostas com um tipo de deficiência, um nível de habilidade e um tipo corpo específico, possibilitando a inclusão de diferentes sujeitos na dança.
Propomos um método sistematizado mas não fechado, (re)construindo-o a partir de novas experimentações realizadas a cada aula, e a medida que interagimos e aprendemos com todos.
Referências
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ÁVILA, N. R. de. O sentido subjetivo da dança sobre rodas. Brasília: [s.n.], 2005. ix, 120 f. il. Dissertação (mestrado). Faculdade de Educação, Universidade de Brasília.
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ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994
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