Percepção do atleta João Derly nas finais dos Campeonatos Mundiais de 2005, Cairo, Egito em 2007 e Rio de Janeiro, Brasil: estudo de caso La percepción del atleta Joao Derly en las finales de los Campeonatos Mundiales de 2005, El Cairo, Egipto en 2007 y Río de Janeiro, Brasil: estudio de caso |
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*Faculdade Sogipa **Universidade Federal do Vale do São Francisco (Brasil) |
Esp. Antonio Carlos de Oliveira Pereira* João Derly de Oliveira Junior* Dr. Marcio Geller Marques* Dr. Luiz Alcides Maduro** |
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Resumo O presente estudo teve como objetivo de verificar a percepção do atleta João Derly O. Nunes Júnior nas conquistas de campeão mundial em 2005 no Cairo/Egito e na conquista de bi-campeão mundial em 2007, no Rio de Janeiro/Brasil. O estudo de caso foi constituído por uma entrevista com o próprio bi-campeão mundial de judô, tendo como instrumento metodológico a entrevista, com quatro perguntas abertas. O estudo se caracteriza como qualitativa de análise de conteúdo (Bardin, 2002). Os resultados indicaram que a percepção do atleta João Derly nas duas conquistas demonstrou sensações emocionais distintas em cada momento. Pode-se concluir a elevada autoconfiança e determinação do atleta João Derly para atingir suas metas. Unitermos: Judô. Percepção. Competição.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 194 - Julio de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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1. Introdução
É provável que o judô tenha sido trazido ao Brasil por um dos 781 imigrantes japoneses que aqui chegaram em 1908 a bordo do navio Kasatu Maru. A evidência mais documentada é a de que a introdução tenha sido feita pelo conde Coma (Mitsuyo Maeda) – antes discípulo de Jigoro Kano. Há duas versões quanto ao ano e ao local de sua chegada, a primeira dá conta de que teria sido chegado através do Porto de Santos e iniciado sua difusão em 1917, em Belém do Pará; a outra, mais documentada mas menos conhecido, seria de que sua chegada aconteceu em 14 de novembro de 1914, em Porto Alegre (RS) e que a primeira exibição após 1 ano, na cidade de Manaus (AM). O primeiro campeonato mundial foi realizado no ano de 1956, em Tóquio, 18 países participaram do evento, no entanto, sem a presença do Brasil. Somente 5 anos depois, em 1961, o Brasil estréia em campeonatos mundiais, durante a terceira edição do evento em Paris/FR, com a participação de somente um atleta, Lhofei Shiozawa (FRANCHINI e DORNELLES, 2005).
Embora a trajetória do judô brasileiro nos Campeonatos Mundiais tenha sido marcada pela conquista de diversas medalhas, faltava a conquista do título de campeão. Em 1988 o atleta Aurélio Miguel conquistou a primeira medalha de Ouro para o Brasil e nos Jogos Olímpicos seguintes em Barcelona, Rogério Sampaio repetiu a conquista. Mas, entretanto o país não conseguia repetir o desempenho nos Campeonatos Mundiais.
Com as duas medalhas de prata e uma de bronze, conquistadas pelo então maior ídolo da história do judô brasileiro, Aurélio Miguel ao longo de sua carreira, ficou a expectativa de conquistar a tão sonhada medalha de ouro. O título de campeão mundial tornou-se uma meta tanto para a Confederação Brasileira de Judô como para o Comitê Olímpico Brasileiro (KOCH; PEREIRA, 2007).
Bicampeão Mundial João Derly
Foto: esportes.estadao.com.br
Finalmente, quarenta e quatro anos após a primeira participação do Brasil em Campeonatos Mundiais e depois de quatorze medalhas de prata e bronze, conquistadas por diversos atletas brasileiros, na data histórica de dez de setembro de 2005, no Cairo/Egito, sobe ao pódio para receber a medalha de ouro João Derly de Oliveira Nunes Júnior, nascido em Porto Alegre, em 1981. O judoca gaúcho, então com vinte e quatro anos de idade, precisou vencer na semifinal o atleta da Georgia, David Margoshvili, para então se classificar e enfrentar o campeão olímpico de 2004, em Atenas, o japonês Masato Uchishiba, considerado pela crítica especializada favorito daquele derradeiro confronto. O já vitorioso judô brasileiro apresenta seu primeiro campeão mundial (KOCH; PEREIRA. 2007).
Passados dois anos, o Brasil sedia o Campeonato Mundial pela segunda vez na história, vez que em 1956, também no Rio de Janeiro, aconteceu o primeiro Campeonato Mundial de Judô em solo brasileiro. O atleta João Derly, animado com a primeira conquista, busca novamente um título inédito. Assim, em setembro de 2007, ao vencer o cubano Yordanis Arencibia, João Derly torna-se o primeiro brasileiro a sagrar-se bi-campeão mundial de judô (KOCH; PEREIRA, 2007).
No esporte há diversos estímulos que podem causar tanto efeitos emocionais positivos quanto negativos, dependendo do indivíduo e de suas características, influenciando diretamente no desempenho do esportista (VIEIRA e.t AL, 2008).
Para se tornar um atleta de alto rendimento, como o caso de João Derly, precisou superar diversos obstáculos no meio competitivo. No contexto esportivo são muitos os comportamentos que acabam sofrendo influência de fatores psicológicos e podem vir a afetar o desempenho motor do atleta.
Pode-se refletir como se da à trajetória do atleta do início de carreira , até se tornar integrante da elite mundial de sua modalidade. Vários fatores podem influenciar este caminho, tais como o apoio da família, a estrutura de seu clube, o conhecimento de seu treinador conforme Mesquita e Rosado (2007). Já Marques (2003) salienta a importância do apoio familiar. Também Weinberg e Gould (2008) enfatizam que é importante o técnico esportivo poder entender todas as necessidades emocionais dos seus atletas para poderem superar os desafios decorrentes do esporte competitivo.
Alem disso, quando o atleta se torna um expoente no esporte mundial existe uma período de adaptação para condição de atleta confirmado, não mais um desconhecido pela mídia e pelos adversários. Além disso, o resultado positivo gera uma expectativa de seu clube, dos novos patrocinadores, seu país e do próprio atleta. Porém para que isto não seja um fator prejudicial é preciso que o atleta esteja bem focado e orientado .
Diante do contexto descrito, buscou-se com este estudo a análise da percepção do atleta João Derly nas finais dos campeonatos mundiais de 2005 e 2007.
Metodologia
Este estudo caracteriza-se por uma pesquisa qualitativa. Foi realizado um estudo de caso fazendo uma análise de conteúdo de Bardin (2002). Foi entrevistado o atleta João Derly seguindo as normas éticas e procedimentais para este caso.
Analises de resultados
A partir dos dados coletados, foram criadas quatro categorias:
Categoria 1- Sensação de ser Campeão
Categoria 2 – Legado
Categoria 3 – Chegar à Final
Categoria 4 – Percepção do Momento
Categoria 1 - Sensação de ser campeão
Nesta categoria, evidenciam-se as distintas sensações que o atleta passa ao ser campeão mundial, percebendo-se que a pressão do desafio pode variar muito e que ao conquistar um grande título, o sacrifício da trajetória é um aspecto importante de valorização. Portanto, descreveremos os sentimentos do atleta em relação à sua trajetória durante a competição até a sensação de ser campeão.
“Cheguei sem o peso mínimo, não era um dos principais atletas com chances de ser medalhista”;
“Dentro dos competidores eu não era candidato a ser campeão”.
No relato acima, evidencia-se que o não carregava a expectativa de ser campeão, embora já tivesse conquistado o título de Campeão Mundial Junior, João era nova na categoria meio-leve (até 66kg), o que retirava o favoritismo, não o sobrecarregando com a obrigação do resultado.
De acordo com Machado (2006) não se pode falar em motivação sem antes lembrar de um motivo, que para o autor é a base do processo motivacional, sendo esse motivo o ponto de partida responsável pelo início e pela manutenção de qualquer atividade executada pelo ser humano. Dessa forma o motivo deve ser considerado como ponto fundamental e desencadeador de todo o processo motivacional.
Nota-se que a ambição de um atleta é a mola propulsora da criação do desafio, pois antes mesmo de se iniciar uma competição, o atleta situa-se em relação às suas prováveis possibilidades em atingir o objetivo principal pré-estabelecido. É evidente que esses atletas muitas vezes sentem-se pressionados e, até mesmo em algumas situações, totalmente sem essa pressão. Segundo Marques (2003) a motivação é o combustível do atleta, é através dela que o atleta ira empenhar-se e dedicar-se em relação aos seus objetivos.
Outro aspecto salientado pelo atleta é o fato de fazer uma reflexão do que passou em sua trajetória, evidenciados pelos relatos abaixo:
“Reflexão: olhar para trás e ver que valeu a pena ter passado por tudo o que passei”
“Impagável, uma explosão de alegria”
Pode-se perceber que o atleta levantou com ênfase a questão do esforço e sacrifício que ele enfrentou em toda a sua trajetória.
Determinação, garra e perseverança são qualidades essenciais de um atleta. Sem elas, é quase impossível tolerar a rotina de treinamentos, abrir mão do convívio com a família, abdicar das horas de lazer, abandonar os estudos, desistir de uma carreira profissional e se dedicar integralmente ao esporte (GRAEL, 2001).
Categoria 2 – Legado
Nessa categoria serão descritos os legados que ficaram após a experiência nas conquistas mundiais, bem como a herança para o atleta e para o seu ambiente de convívio.
“Ficam alguns legados ao saber que o trabalho estava certo”.
“Reconhecimento do clube mundialmente”.
“Conhecer outras culturas, outros centros de treinamentos e atletas essa experiência eu tenho”.
“Ícone do esporte, hoje eu posso levar isso à frente: lutar pelo esporte, essa é a minha missão hoje, levar o esporte à frente”.
Em relação ao citado, evidencia-se que a competição, ou seja, as conquistas competitivas do atleta resultaram em importantes frutos em sua carreira.
A competição é algo muito presente na nossa sociedade, e é preciso lutar bastante para alcançar seus objetivos. Os atletas sabem que os benefícios são grandes, principalmente o prestígio que conseguem ao atingir um destaque na competição (MARQUES, 2003).
Ressalta-se de como o atleta compromete-se com esses legados e o que resta após toda a trajetória e experiência vivenciada. Suas sensações perceptivas contribuem para alterar sua experiência de vida.
Nota-se que o atleta relata que suas conquistas de campeão mundial e bi-campeão mundial propuseram-lhe a análise de que esses títulos superam o aspecto da mera conquista esportiva, mas muito acima disso, ou seja, percebe-se que o atleta tem a convicção de que se tornou um ser de prestígio na modalidade judô. É evidente que ele se percebe responsável na continuidade de ações ligadas ao judô e seu comprometimento com o esporte.
Categoria 3 - Chegar à final
Nessa categoria foram analisadas as distintas percepções que o atleta foi adquirindo ao chegar às finais dos campeonatos mundiais, confronto pós-confronto.
“No decorrer da competição encarei como uma competição normal”.
Neste relato do atleta percebe-se que durante o transcorrer da competição ele foi ganhando autoconfiança.
Segundo Weinberg e Gould (2008) a motivação consiste na direção e na intensidade do esforço, sendo que a direção refere-se ao fato de um indivíduo procurar se aproximar ou ser atraído por determinadas situações, enquanto a intensidade do esforço refere-se a quanto um esforço uma pessoa coloca em determinada situação.
Percebe-se que a autoconfiança do atleta está diretamente relacionada com a motivação, ou seja, ela surge com a estimulação psicológica, estratégias criativas e, sobretudo, o saber que o atleta poderá atingir seu objetivo.
“Em 2005 eu estava fisicamente muito bem. Em 2007 desde o início eu sabia que se vencesse seria através de muito esforço”.
No relato acima se percebem situações distintas relatadas pelo momento da trajetória do atleta até chegar à final. Em 2007, nota-se que o atleta evidencia que o seu esforço poderia resultar na conquista do seu objetivo, o seja, ele estava concentrado no seu objetivo que era o de se tornar bi-campeão mundial.
A concentração é um dos fatores mais importantes, se não o mais importante para o bom desempenho do atleta, e é o que mais sofre a influência de outros aspectos, como ansiedade, motivação, entre outros (MARQUES, 2003).
Nesse caso, o atleta não estava disperso ou com falta de concentração no momento da disputa da final. Correa, Marques e Barbosa (2012) referem que, durante a competição o sujeito que tiver maior capacidade de prestar atenção, ou seja, selecionar as informações mais importantes, tem mais chance de vitória no confronto. Desta forma é possível entender que, atletas que processam mais informações de maneira mais eficaz, têm maiores possibilidades de alcançar um melhor desempenho
Categoria 4 - Percepção do Momento
Nessa categoria foi descrito o sentimento do momento perceptivo do atleta, sua motivação na busca do título inédito e o impulso na superação para vencer os obstáculos.
“Estava em uma fase boa e no início já marquei ponto”.
Pode-se refletir que o atleta se encontrava num estado emocional adequado, focado em conseguir o resultado. Não mensurava as dificuldades e, principalmente, as qualidades do adversário.
Nota-se que o atleta tinha total controle sobre seus processos de pensamentos, fazendo uma filtragem de suas percepções, focado e concentrado em seu objetivo, excluindo informações desnecessárias.
Weinberg e Gould (2008) percebem a concentração como a capacidade de manter o foco em sinais ambientais relevantes. Quando a ambiente muda depressa o foco de atenção deve mudar rapidamente, o fato de pensar no passado ou no futuro cria sinais irrelevantes que muitas vezes levam à erros de desempenho. Na percepção de Bernardinho (2006), a superação é a não desistência, é a dedicação com perseverança.
”“Foi uma competição mais dura, tive que me superar
Percebe-se nesse relato que para conquistar o titulo de bi-campeão mundial no Rio de janeiro o atleta teve que buscar a superação pelas dificuldades que a competição constantemente lhe apresentava.
Evidencia-se que o atleta teve uma alta dose de superação na busca do seu rendimento, era consciente de sua necessidade de superação, já que o grau de dificuldade era extremamente grande.
“Como era no Brasil eu estava defendendo um título”.
“Ver as pessoas próximas te abraçando, é muito bom”.
A localização do evento no Rio de Janeiro tinha para o atleta uma motivação a mais com a assistência de sua família e amigos. Percebe-se ainda que ele relata a importância de defender a hegemonia mundial em sua Pátria.
Conclusão
Pode-se observar ao final deste estudo que as sensações que o atleta João Derly vivenciou, foram distintas antes das finais que culminaram com os títulos mundiais de 2005 e 2007.
No Cairo ele tinha passado recentemente para a categoria meio-leve, não vinha de títulos expressivos para este nível competitivo e estava longe de casa. Neste momento também não existia uma expectativa nem a pressão pela vitória, alem de, até então, o Brasil nunca tinha atingido este patamar.
Já no Rio de Janeiro, ele estava defendendo o título na frente de sua família, esposa, amigos e patrocinadores, era citado como favorito e no dia de sua categoria o Brasil já tinha conquistado mais dois título Mundiais com Tiago Camilo e Luciano Correa.
As condições atléticas de João nos dois eventos, também forma importantes para a análise. No Cairo estava na plenitude de sua forma física e no Rio de Janeiro sabia-se que não tinha atingido o nível pretendido.
Conclui-se assim que o desgaste emocional da conquista do segundo título mundial foi superior ao do primeiro. A expectativa gerada pelos resultados positivos obtidos pelo atleta pode servir como um aumento da expectativa de todos os envolvidos, inclusive o próprio atleta.
Pode-se presumir que se Derly fosse medalha de prata no Rio de Janeiro, a sensação seria de derrota, principalmente para ele. Talvez essa cobrança excessiva seja o que move atletas deste nível à tingir conquistas inéditas.
Sagrar-se vitorioso nessa disputa, é sinônimo de prestígio, tal vinculação da relação entre competitividade e prestígio gera uma excessiva carga de pressão sobre qualquer atleta. Essa pressão desequilibrada pode ocasionar um importante desgaste no rendimento final de um atleta de alto nível. Este não foi o caso do atleta João Derly, quando sagrou-se campeão e bi-campeão mundial, já que mesmo sendo conquistas inéditas para a modalidade de judô, ele buscou e venceu somente a si mesmo.
Referencias
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Trad. Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro.Lisboa: Edições 70, 2002.
BERNARDINHO. Transformando suor em ouro. Rio de Janeiro: Sextante, 2006.
CORREA, V.; MARQUES, G. M.; BARBOSA, M. Níveis de atenção concentrada em atletas de judô. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, n.166, 2012. http://www.efdeportes.com/efd166/niveis-de-atencao-concentrada-em-atletas-de-judo.htm
FRANCHINI, E. BOSCOLO, F. Tradição e modernidade no Judô: Histórico e implicações; Edipucrs. 2007.
GRAEL, L. A saga de um campeão. São Paulo: Gente, 2001.
KOCH, R.; PEREIRA, A.C. A Vitória Vem dos Céus. Ed. Doravante, Porto Alegre, 2007.
MACHADO, A. A. Psicologia do esporte: da educação física escolar ao esporte de alto nível. Rio de Janeiro. Ed. Guanabara Koogan, 2006. .
MARQUES, M. G. Psicologia do Esporte: aspectos em que os atletas acreditam – Canoas. Ed. Ulbra. 2003.
WEINBERG, R. e GOULD, D. Fundamentos da psicologia do esporte e do exercício. Porto Alegre: Artmed, 2008.
VIEIRA, L.F., FERNANDES, L., VIEIRA, J.L.L. & VISSOCI, J.R.N. Estados de Humor e desempenho motor: um estudo com atletas de voleibol de alto rendimento. Revista Brasileira de Cineantropometria e Desempenho Humano, v. 10, n1, p.62-68, 2008.
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