A constituição do mercado de trabalho da Educação Física. Do século XIX ao século XXI The constitution of the labour market of Physical Education. XIX century of the XXI century |
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Profissional de Educação Física. Pesquisador membro da equipe da USP do Núcleo de Estudos, Ensino e Pesquisa do Programa de Assistência Primária de Saúde Escolar – PROASE, São Paulo |
Prof. Dr. José Eduardo Costa de Oliveira (Brasil) |
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Resumo O mercado de trabalho relaciona aqueles que oferecem força de trabalho (braçal ou intelectual) com aqueles que a procuram, num sistema típico de mercado, onde se negocia a fim de determinar os preços e as quantidades a transacionar. O seu estudo procura perceber e prever os fenômenos de interação entre estes dois grupos, tendo em conta a situação econômica e social do país, região ou cidade (CHIAVENATO, 2005). Assim, o presente texto intenciona discutir e analisar o processo de constituição do mercado de trabalho da Educação Física no Brasil, e a partir disto delimitar os principais campos de atuação profissional, através do exame da própria historicidade da área, bem como das demandas mercadológicas, e como estas influenciaram esse processo, desde o século XIX até os dias atuais. Na perspectiva de uma análise conclusiva, depreendeu-se que os cinco grandes campos de atuação profissional em Educação Física do século XXI foram concebidos de acordo com a própria historicidade da área, bem como das demandas impostas pelo próprio mercado, que se forjaram e se consolidaram desde a década de 40 e 50 no Brasil. Unitermos: Constituição. Mercado de trabalho. Educação Física. Séculos XIX e XXI.
Abstract The labor market relates those that offer labor (manual or intellectual) to those who seek it, a typical market system, where it negotiates to determine the prices and quantities to transact. Their study attempts to understand and predict the phenomena of interaction between these two groups, taking into account the economic and social situation of the country, region or city (CHIAVENATO, 2005). Thus, the present article intends to discuss and analyze the process of formation of the working of Physical Education Market in Brazil, and from this define the main fields of professional practice, by examining the historicity of the area as well as the market demands, and how these influenced this process, since the XIX century to the present day. From the perspective of a conclusive analysis was gathered from the five major fields of practice in Physical Education of the XXI century were designed according to the historicity of the area as well as the demands imposed by the market itself, which is forged and consolidated since the decade of 40 and 50 in Brazil. Keywords: Constitution. Labor market. Physical Education.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 194 - Julio de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O mercado de trabalho relaciona aqueles que oferecem força de trabalho (braçal ou intelectual) com aqueles que a procuram, num sistema típico de mercado, onde se negocia a fim de determinar os preços e as quantidades a transacionar. O seu estudo procura perceber e prever os fenômenos de interação entre estes dois grupos, tendo em conta a situação econômica e social do país, região ou cidade (CHIAVENATO, 2005).
Assim, ele pode ser compreendido como um mecanismo de oferta e procura,
constituído pelas empresas, pelos trabalhadores e pelas oportunidades. É
também o processo de atrair um conjunto de candidatos para um determinado
cargo.
Segundo Gil (2007, p. 193):
“(...) atender à necessidade de uma pessoa ou grupo de pessoas não deixa de ser uma atividade de troca, implicando em uma negociação e conflito de idéias a respeito da troca em questão. Isto significa que o mercado baseia-se na troca de produtos, bens ou serviços, visando atender as necessidades de ambos os lados, de maneira que todos saiam satisfeitos”.
O Mercado de trabalho, portanto, quer seja da Educação Física ou em qualquer outra profissão, sofre constantes mudanças e com elas são exigidas mais competências do profissional que deseja ingressar ou manter-se nele. Estas competências estão atreladas às características que as organizações possuem, adquiriras através dos avanços tecnológicos (OLIVEIRA, 2011).
Ainda segundo Gil (2007, p. 102), “o mercado de trabalho é dinâmico e sofre contínuas mudanças”. Elas acontecem pelo advento da globalização, que favorece os avanços tecnológicos e exigem à adaptação dos profissionais, favorecendo a competitividade entre as pessoas e as empresas, e para serem competitivos, os profissionais precisam ter como características: conhecimento, agilidade, flexibilidade, pró-atividade, inovação e empreendedorismo, dentre outras.
Assim, o presente texto intenciona discutir e analisar o processo de constituição do mercado de trabalho da Educação Física no Brasil, e a partir disto delimitar os principais campos de atuação profissional, através do exame da própria historicidade da área, bem como das demandas mercadológicas, e como estas influenciaram esse processo, desde o século XIX até os dias atuais.
O Campo Educacional
Este primeiro grande campo de atuação profissional - o educacional ou o escolar - confunde-se com a própria gênese da Educação Física, enquanto profissão constituída, pois, foi esta a primeira forma de atuação na área, e que se deu durante o Brasil império, de 1822 a 1889, onde surgiram os primeiros tratados sobre a Educação Física, sendo que em 1823, Joaquim Antônio Serpa elaborou o “Tratado da Educação Física e da Moral dos Meninos”. Este documento demandava que a educação da época deveria englobar a saúde do corpo e a cultura do espírito, e considerava que os exercícios físicos deveriam ser divididos em duas categorias: primeiro aquele que exercitasse o corpo, e, segundo, aquele que exercitasse a memória (SOARES, 2012).
Desta forma, o início da Educação Física no Brasil deu-se no campo escolar, como já supramencionado, inicialmente denominada de Gymnástica, ocorrendo de forma oficial através da Reforma Couto Ferraz, em 1851.
No entanto, foi somente em 1882 que Rui Barbosa, ao lançar o parecer sobre a “Reforma do Ensino Primário, Secundário e Superior”, denotou importância a estes conteúdos escolares na formação do estudante brasileiro, na intenção de conferir “disciplina” e “obediência” ao cidadão, em relação ao poder do Estado, e preparar o indivíduo para o combate militar através do exercício, tal como se fazia e ainda se faz nos quartéis militares.
Rui Barbosa, amparado pela situação da Educação Física em países mais adiantados socialmente e politicamente, defendeu a Gymnástica como elemento indispensável para formação integral da juventude daquela época, instituindo uma sessão semanal obrigatória em todas as instituições de ensino brasileiras, estendendo sua obrigatoriedade para ambos os gêneros, conferindo a equiparação em categoria e autoridade dos professores de Gymnástica, em relação aos docentes de outras disciplinas escolares. No entanto, a implementação nas escolas ocorreu, apenas, em parte do Rio de Janeiro, na época a capital da República (SOARES, 2012).
Neste cenário, atenda-se que as aulas de Gymnástica ainda eram ministradas por militares e alguns profissionais da saúde, pois, a história dos cursos em Educação Física no Brasil inicia-se, somente, com a criação do primeiro curso provisório do Exército em 1910, onde nele participavam, em sua maioria, militares e tinham como professores, profissionais de outras áreas, como ex-atletas, médicos e profissionais da saúde, tendo uma duração de cinco meses (TOJAL, 2005).
No entanto, os primeiros cursos civis somente foram criados em São Paulo em 1934, que tempos depois foi incorporada a USP - Universidade de São Paulo, e no Rio de Janeiro em 1939, na Universidade do Brasil, atual UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Este último criado pelo decreto-lei 1212 de 17 de abril de 1939, e tinha como objetivo ser a “escola padrão” na formação em Educação Física no Brasil, e que curiosamente outorgava diferentes títulos, com diferentes durações: Licenciado (2 anos); Normalista especializado em Educação Física (1 ano); Técnico desportivo (1 ano); Treinador e Massagista desportivo (1 ano) e, Médico especializado em Educação Física e desporto (1 ano) (FIGUEIREDO, 2005).
Portanto, o campo educacional pode ser considerado a própria “matriz” da Educação Física, pelo fato de até então não existirem outras áreas de atuação, quer fossem eles legalmente delimitados ou não, o que acabou por conferir à área uma profunda identidade docente, pois havia uma relação direta estabelecida entre professor e aluno, surgida e consolidada naquele momento histórico.
Logo após estes fatos, na década de 1940 a 50, através do movimento denominado de - higienismo - os “médicos higienistas” brasileiros, preocupados com a grande taxa de mortalidade infantil da população branca, oriunda de uma herança cultural dos europeus (principalmente os portugueses), relacionada a poucos hábitos de higiene e de cuidados com a saúde (relacionados ao corpo, a alimentação, a higiene bucal e etc.), o que acarretava em grandes índices de contaminação por verminoses e demais agentes infecciosos, e altas taxas de mortalidade de crianças.
Assim, na intenção de resolver esta problemática, e, como alterar a cultura de higiene dos adultos sempre é algo mais complexo, em face da internalização de valores já ocorridos, os médicos higienistas vislumbraram – nas crianças – principalmente aquelas filhas da sociedade branca, elitizada e escolarizada, a possibilidade de uma maior inferência, já que as mesmas costumam encontrarem-se mais abertas a novos aprendizados e valores, bem como que assim estar-se-ia contribuindo para a formação de futuros adultos, com uma nova cultura de higiene corporal, e assim minimizando os riscos do se contrair patologias que pudessem levar ao adoecimento e à mortalidade.
Assim sendo, a partir disto é que se alterou o nome da “disciplina de Gymnástica” dentro da escola para Educação Física, na intenção clara de formar a criança, para um processo de constituição de um adulto disciplinado e consciente da necessidade dos cuidados com a saúde, com a higiene corporal e com a alimentação, com a idéia de educar o corpo “mal educado”, sujo e decadente do século XIX, através de conteúdos relacionados à higiene, à alimentação, a saúde e ao exercício físico.
Nesse sentido é que se assevera que - tudo começou na escola - ou seja, iniciamos como professores, como educadores, trabalhando com a formação humana e diretamente com crianças, e, daí a nossa essência enquanto – docentes - que baliza e norteia nossas ações até o presente, e vai da pré-escola à pós-graduação, da escola básica à universidade, e na opinião deste texto é uma posição epistemológica que jamais dever ser preterida, mesmo nas diferentes áreas de atuação do bacharel.
Campo que deve ser eleito por aqueles que vislumbram desenvolver ações no estrado escolar, no aspecto educacional da formação do sujeito social que se movimenta, tornando-o capaz de se tornar um cidadão crítico e consciente daquilo que se faz com o próprio corpo, e capacitado a inferir diretamente na sua capacidade de movimentar, nas mais variadas esferas do exercício físico, da saúde e do esporte.
Neste campo de atuação profissional, as relações se estabelecem considerando-se as figuras do “professor” e a do “aluno”, sobretudo.
O Campo Desportivo
O campo desportivo ou da performance teve sua gênese durante o golpe de Estado no Brasil em 1964, que encerrou o governo do presidente democraticamente eleito, João Goulart (Jango), tendo os militares assumido o poder e sendo fortemente influenciados pelos fatos relacionados ao recente término da II Guerra Mundial, que foi um conflito militar global que durou de 1939 a 1945 (BATTAGLIA, 2003).
Uma das heranças desta época de guerras eram as denominadas políticas esportivistas, que muitos governos comunistas, socialista, nazistas e fascistas tinham em comum, a exemplo da China, U.R.S.S. (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), a Alemanha Oriental e a Itália, que funcionavam enquanto propaganda governamental, através de políticas públicas que visavam investir maciçamente no esporte e nos atletas de alto nível, e assim fomentá-los como ferramenta de marketing das ações dos governos, criando uma impressão falaciosa de que um país campeão esportivamente, também representava uma nação saudável, feliz, próspera econômica e socialmente, e, portanto, ressaltando a imagem de um governo eficaz e competente.
Sendo assim, o governo militar brasileiro também viu nesta possibilidade uma forma de fazer propaganda do militarismo. Idéia esta impulsionada, sobretudo, pelas conquistas do futebol brasileiro, que já era bicampeão mundial em 1962 no Chile, e tornou-se tricampeão em 1970 no México, sem qualquer investimento público nos atletas e na seleção brasileira.
Portanto, o esportivismo no Brasil consistiu-se de numa política pública e educacional dos militares brasileiros, que, primeiro transformou os atletas do tricampeonato mundial de futebol em verdadeiros heróis nacionais, deixando heranças culturais até a contemporaneidade, pois a sociedade brasileira ainda os toma como os representantes mais legítimos de nossa nação, de nossa cultura, sobrepondo à importância de intelectuais, artistas, cientistas, escritores, professores, pensadores, políticos, pesquisadores e etc.
Desta forma então, o esportivismo chegou à Educação Física escolar como uma recomendação de que se abandonassem as políticas higienistas anteriores e se preconizassem a prática e o ensino dos esportes nas escolas, bem como que se buscassem pelo descobrimento de novos talentos, selecionando aqueles considerados mais aptos à prática esportiva. Cultura esta que ainda também se observa na atualidade, em face da maioria dos profissionais que ainda atuam no mercado de trabalho ter sido formada durante este período.
Estes fatos fizeram com que o esporte de alto rendimento e o profissionalismo esportivo crescesse no país, e com isso, que um novo campo de atuação profissional emergisse para os profissionais da Educação Física, sobretudo relacionado à performance, ao resultado, à vitória, ao rendimento e a todos os valores ligados a competição, ao fenômeno esportivo, mas naquele momento histórico, segregando aqueles tidos como menos aptos à prática desportiva nas intervenções profissionais.
Surgem, assim, grandes nichos de atuação profissional nesta fase, a exemplo das figuras do técnico de esportes, tanto relacionado às categorias de base, como também ao alto nível; do preparador físico; do fisiologista; do biomecânico; do anatomista; do cinesiologista; do avaliador físico e etc. Ou seja, de um perfil mais tecnicista, e que atua em clubes, escolas desportivas e demais entidades, e que confere ao esporte e aos atletas a categoria de “profissionais”.
Neste cenário estão presentes as relações de viés mercadológico, onde imperam o resultado, o poder da mídia, do capitalismo, dos patrocinadores, do consumidor, do talento individual do desportista, pois, preconizam-se as analogias com o resultado, sobretudo.
Neste campo de atuação profissional, as relações se estabelecem considerando-se as figuras do “técnico” e a do “atleta”.
O Campo da Saúde
Ainda dentro de uma ordem cronológica, após estes fatos supracitados, em meados dos anos 70 nos Estados Unidos da América (E.U.A.), emergia uma grande preocupação com o crescente nível de obesidade na população e com as complicações para saúde dos cidadãos, decorrentes destes aspectos.
Neste ínterim, o famoso médico - o Dr. Kenneth Cooper - autor de vários livros e publicações relacionados à saúde e ao exercício no mundo todo, a exemplo do livro Aerobics, que mais tarde deu origem a ginástica aeróbica, e esta última deu origem a praticamente todas as ginásticas de solo de academias, bem como também foi o desenvolvedor do chamado “método Cooper” de avaliação física, além de várias outras diretrizes que incentivavam os norte-americanos a exercitarem-se (SABA, 2003).
Dentre estas diretrizes e metodologias desenvolvidas para academias de ginástica e para o cidadão, citam-se a confecção fitas de vídeo cassete que difundiram a ginástica aeróbica e instigava a prática de exercícios, quer fossem eles feitos em casa ou em qualquer outro ambiente.
Para tanto, o Doutor Cooper contou com a ajuda de uma importante personalidade do mundo artístico da época, a triz de Hollywood - Jane Fonda - que era a “queridinha” do cinema e dos americanos na época. O impacto mercadológico disto foi imenso, pois as fitas de vídeo cassete, na época, “venderam como água”. No entanto, não se pode ratificar que os resultados e os impactos na saúde, na estética e na qualidade de vida dos norte-americanos tenham sido proporcionais, dado ao fato do estilo de vida americana ter sobreposto à sua proposta. Estilo este que incluía e ainda inclui uma vida extremamente competitiva, a ingestão de fast foods, bem como o fato das atividades recomendadas no programa não serem orientadas e individualizadas aos objetivos e problemas de cada um, minimizando os resultados.
Contudo, não se pode negar que estes fatos foram importantes para fomentarem o mercado mundial de prática de exercícios físicos, pois de lá para cá o número de praticantes cresceu exponencialmente, tanto nos E.U.A. como em todo o mundo, bem como impulsionou o mercado de academias de ginástica, que tem na América o maior mercado do mundo e o Brasil na segunda colocação, em relação ao número de academias per capita (SABA, 2003).
Por fim, neste campo de trabalho encontram-se aqueles que desempenham funções já consolidadas desde aquela época, a exemplo dos professores e instrutores de ginásticas, de musculação, o personal trainer, e engloba outras atividades mais contemporâneas, como o Pilates, a ginástica laboral, o croosfit, a hidroginástica, as danças, o condicionamento físico e as demais intervenções profissionais da área de Educação Física que se relacionam com a minimização de fatores de risco para o desenvolvimento de patologias, como a diabetes tipo 2, a obesidade, a hipertensão, os acidentes vasculares cerebrais, os infartos do miocárdio e etc., ou seja, tudo aquilo que se pauta diretamente ao aspecto da saúde pública, da estética e da qualidade de vida dos beneficiários das ações, e tem como principais nichos de atuação, as próprias academias de ginástica, os hotéis, os spas, os clubes, as praças públicas, hospitais e etc. (OLIVEIRA, 2012). Obviamente que também existe uma ótica de cunho mercadológico que também se relaciona com este campo, e que, portanto, estabelece afinidades que se estruturam numa lógica de atendimento do terceiro setor, relacionada à prestação de serviços.
Neste campo de atuação profissional as relações se estabelecem considerando-se duas possibilidades. Primeiro, a figura do “prestador de serviço” e a do “cliente”, quando relacionada ao campo do terceiro setor da economia, e, segundo, como “agente de saúde” e a do “paciente”, quando relacionada às intervenções no âmbito, especificamente da saúde.
O Campo do Lazer e da Recreação
No início da década de 1980, ainda na perspectiva do fomento dos processos afetos a promoção da saúde e da qualidade e vida da população, o campo do lazer e da recreação emergiu fortemente, complementando as ações dos profissionais de Educação Física, mas, ainda como um campo que apresentou e ainda apresenta dificuldades no processo de fiscalização pelas entidades de classe do exercício profissional (CREF’s - Conselhos Regionais de Educação física) por perfazer uma linha de atuação que é tida como legítima, mas não como exclusiva da Educação Física.
O próprio termo recreação é hoje passível de análise por muitas óticas diferenciadas. Para Schwartz (2004. p. 78):
“A recreação pode significar muitas coisas, para muitas pessoas. É uma palavra que é reconhecida, em uso comum, e ainda é raramente definida de forma clara. Para alguns, ela pode ser usada intercambiando com o conceito de ‘lazer’; para outros, ela tem conotação mais específica, que define e distingue uma distinta área comportamental”.
No entanto, torna-se necessário distinguir a recreação de maneira bem específica, como uma manifestação cultural, que se caracteriza por divertir e entreter o indivíduo que dela participa. É por essência uma prática lúdica, passiva, onde a participação busca ser prazerosa e produzir no sujeito, ou na sociedade, um movimento de mudança positiva, de renovação, um revigorar da mente ou do corpo, ou ainda de ambos (GOMES e ELIZALDE, 2012).
Pois, uma vivência recreativa típica sugere ser conduzida ou promovida por um profissional especialista ou instituição recreativa, pelo fato da recreação poder ter objetivo puro de diversão e entretenimento, de educação, de promoção da saúde, da qualidade de vida, do desenvolvimento de capacidades físicas e etc., bastando-se em si mesma, assim como pode visar um ganho adicional, intelectual, social, emocional, terapêutico, físico, entre outros, e pode ser ministrada por profissionais de Educação Física, das áreas do turismo, da hotelaria, da fisioterapia, enfermeiros, músicos, recreadores com formação técnica ou até mesmo sem formação, palhaços, artistas e etc., pois, somente caracteriza-se a exclusividade das ações dos profissionais de Educação Física quando a atividade recreativa toma características, específicas, de exercício físico.
Segundo Gomes e Elizalde (2012. p. 12), os principais eventos que resultaram na gênese deste campo de trabalho remetem, novamente, aos Estados Unidos da América, a partir de duas frentes que promoviam o jogo para a população infantil e que foram crescendo e envolvendo os governos locais e nacional, assim como pessoas que formaram organizações e buscaram fundos e escreveram textos com o seguinte objetivo:
(...) educar as pessoas a usar positivamente seu tempo livre. A filosofia dessa época era ajudar as pessoas mais necessitadas e sem educação. É por isso que a filosofia e a missão original da recreação estadunidense se centraram em oferecer atividades que enriquecessem e melhorassem a qualidade de vida das pessoas participantes.
Sendo que, para se compreender a recreação como um fenômeno social/educativo é necessário retroceder ao final do século XIX, quando ocorreu uma ampla difusão do recreacionismo. Essa proposta propiciou a sistematização de conhecimentos e metodologias da intervenção para crianças, jovens e adultos. Esses conhecimentos fundamentam-se na sistemática da recreação dirigida, que fomentou a criação de espaços próprios para a prática de atividades recreativas consideradas saudáveis, higiênicas, moralmente válidas, produtivas e vinculadas à ideologia do progresso.
Assim, neste campo de trabalho encontram-se aqueles que desempenham funções em hotéis, escolas, spas, instituições específicas, clubes, hospitais, áreas de lazer, de comércio, públicas e etc., tratando-se de um nicho de mercado que pode ser amplamente explorado pelos profissionais da Educação Física, tanto do bacharelado como da licenciatura, bem como se trata de uma atividade extremamente rentável e carente de bons profissionais.
Nesse campo, as figuras do “prestador de serviço” e a do “cliente” também prevalecem, quando relacionada ao campo do terceiro setor da economia, bem como as figuras do “agente de saúde” e a do “paciente”.
O Campo da Gestão e do Empreendedorismo
E, como o mais recente e emergente nicho de atuação do profissional de Educação Física, que teve sua gênese com a transição do século XX para o XXI; a gestão esportiva e o empreendedorismo na área se dão através de funções que operam os processos de gerenciamento, de direção, de gestão de pessoas e de recursos humanos, materiais e financeiros de academias, escolas, clubes e entidades das mais variadas razões sociais, sobretudo aquelas prestadoras de serviços nas áreas do exercício físico, da saúde, dos esportes, da qualidade de vida ou de educação; visando constituir com uma dimensão e um enfoque de atuação que objetiva promover a organização, a mobilização e a articulação de todas as condições materiais e humanas necessárias para garantir o avanço dos processos administrativos, orientados para a promoção efetiva do aperfeiçoamento das instituições, bem como de seus produtos e/ou clientes, de forma a torná-los capazes de enfrentar, adequadamente, os desafios de uma economia e uma sociedade globalizada, exigente, com o profissional centrado no conhecimento científico da área (SABA, 2003).
Assim, é na área de gestão esportiva, inicialmente, que tem se observado como objeto de várias publicações e estudos, bem como da abertura de múltiplos cursos de pós-graduação, no sentido de promover capacitação, reciclagem e formação continuada ao profissional de Educação Física, interessado nesse campo (OLIVEIRA, 2008).
O campo da gestão em Educação Física, primeiramente chocou com a formação tradicional do profissional na área, visto que o mesmo sempre fora concebido para atuar enquanto licenciado ou bacharel, mas, sobretudo, enquanto um colaborador dentro das instituições, alocando-se e sendo alocado distante dos processos de gerenciamento e de coordenação, mas, que agora se vislumbra a possibilidade dos profissionais serem concebidos enquanto agentes de gestão dos processos análogos à área, ocupando colocações no mercado de trabalho que vão desde a coordenação técnica (coordenação de uma área específica dentro de uma instituição); a coordenação pedagógica em instituições de ensino formal; a direção de escolas; a coordenação geral de um grupo de professores; a supervisão e/ou o gerenciamento de academias, clubes, e etc.; as múltiplas consultorias; o coaching executivo, e, até mesmo os cargos de direção (BATTAGLIA, 2003).
Portanto, o campo de atuação da administração esportiva poderá ainda estender-se à consultoria e a prestação de serviços a órgãos públicos, empreendimentos particulares e aos meios de comunicação de massa, no que se relacionar à Educação Física, ao esporte, à saúde e qualidade de vida da população.
Outra faceta deste campo, também esta na vertente do empreendedorismo na Educação Física, que, por sua vez, perfaz uma ramificação da área da gestão, mas que coloca o profissional perante as possibilidades de tornar-se um empresário do ramo do exercício físico, da saúde, da educação ou do esporte, mas, não só como gestor das instituições, e sim enquanto proprietário dos estabelecimentos.
Processo este que tem acontecido de maneira exponencial, em face da observação que se faz do grande número de egressos das Instituições de Ensino Superior (IES) formadoras em Educação Física, e que ingressam no mercado de trabalho, diretamente através da constituição de pessoas jurídicas (empresas), abrindo seus próprios negócios, principalmente nos ramos das academias de ginásticas; das clínicas de treinamento personalizado; dos estúdios de Pilates; das escolas de natação, de artes marciais e das diferentes modalidades esportivas; das empresas relacionadas ao lazer, a recreação; das consultorias esportivas e etc.
Nesse campo, as figuras do “prestador de serviço” e a do “cliente” prevalecem nas relações de trabalho, que seja na gestão e/ou no empreendedorismo.
Considerações finais
Na perspectiva de uma análise conclusiva, depreendeu-se que os cinco grandes campos de atuação profissional em Educação Física do século XXI foram concebidos de acordo com a própria historicidade da área, bem como das demandas impostas pelo mercado, que se forjaram e se consolidaram desde as décadas de 40 e 50 no Brasil.
Dentre estes cinco campos, destacam-se o educacional; o desportivo ou o da performance; o da saúde; o do lazer e da recreação e o da gestão e do empreendedorismo, sendo que em muitos pontos e momentos da esteira da atuação profissional, eles se fundem, se confundem, se misturam, se completam e se complementam e se diferenciam para formar o vasto campo de atuação profissional da Educação Física do século XXI, quer seja para a atuação do bacharel e/ou o licenciado.
No campo educacional, estão às possibilidades para aqueles que almejam desenvolver ações de cunho, tipicamente, docente; da pré-escola à pós-graduação, da escola à Universidade, sempre atuando através de uma identidade epistemológica presa às funções pedagógicas da área, ou seja, enquanto “professor” de Educação Física, propriamente dito.
No campo desportivo, o cenário que se revela vincula-se aos esportes, ao rendimento; da formação ao alto nível, quer seja nos aspetos metabólicos da performance humana, ou da aprendizagem e do desenvolvimento desportivo, sempre com uma identificação dos profissionais tida como biologicista na atuação, conferindo um caráter técnico ou tecnicista ao profissional e às suas intervenções.
No campo da saúde estão as intervenções que mais tem crescido dentro da área, em razão das atuais demandas mercadológicas pela busca incessante pela saúde e a qualidade da vida da população brasileira, reduzindo aspectos de risco do desenvolvimento de patologias hipocinéticas, ou seja, da minimização das situações de morbidade e de mortalidade, oriundas da falta de movimento no ser humano.
No estrado do lazer e da recreação, fundem-se perspectivas relacionadas ao campo educacional e o da saúde, em razão da expectativa que as ações dos profissionais podem inferir nos beneficiários, através do lúdico, enquanto ferramenta principal de intervenção.
Por fim, no campo da gestão e do empreendedorismo, está a mais recente linha de atuação e pesquisa da área, para aqueles que desejam empreender, conferindo ainda mais legitimidade às instituições prestadoras de serviço em Educação Física, tanto pelo aspecto das possibilidades do profissional representar a imagem do gestor das instituições, bem como pela possibilidade do profissional perfazer-se o próprio empresário, constituinte da instituição, quer seja nos campos da educação, do desporto, das academias de ginástica, das consultorias esportivas e/ou de qualquer outra intervenção que remeta à necessidade dos conhecimentos do profissional de Educação Física, quer seja ele forjado na esteira do bacharelado ou da licenciatura, e que vislumbre a optimização dos processos operacionais das empresas ou na gestão de pessoas.
Bibliografia
BATTAGLIA, Arthur Fernando Arnold. Administração de Clubes: uma perspectiva inovadora no mercado profissional. São Paulo: Arte & Ciência, 2003.
CHIAVENATO, I. Gestão de Pessoas: e o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 113-127.
FIGUEIREDO, Zenólia Cristina Campos (Organizadora), Formação Profissional em Educação Física e o mundo do trabalho. Vitória, ES: Gráfica da Faculdade Salesiana, 2005.
GIL, A. C. Gestão de Pessoas: enfoque nos papéis profissionais. São Paulo: Atlas, 2007.
GOMES, C; ELIZALDE, R. Horizontes Latino-americanos do Lazer/Horizontes Latinoamericanos del ocio. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. Disponível em http://grupootium.files.wordpress.com/2012/06/horizontes_latino_americanos_lazer_junho_20123.pdf.
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OLIVEIRA, R. J. S. A disciplina da gestão esportiva: Um estudo de caso nas instituições de ensino superior dos cursos de educação física no estado do espírito santo. Dissertação do mestrado apresentado à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, 2008.
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SCHWARTZ, G. M. Recreação e Lazer, Editora Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2004.
SOARES, E. R. Educação Física no Brasil: da origem até os dias atuais. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires). Ano 17, v. 169, 2012. http://www.efdeportes.com/efd169/educacao-fisica-no-brasil-da-origem.htm
TOJAL, J. B. Formação de profissionais de educação física e esportes na América latina. Movimento & Percepção, Espírito Santo de Pinhal, SP, v.5, n.7, jul./dez. 2005b.
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