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Reflexão sobre a ética no cuidado ao idoso cardiopata
sob a perspectiva do profissional de Educação Física:
direitos, deveres e conscientização dos atores

Reflexión sobre la ética en el cuidado de la persona mayor cardiópata desde la perspectiva

del profesional de la Educación Física: derechos, deberes y concientización de los actores

 

Especialista em Saúde e Gerontologia (Faculdade Anhanguera de Campinas Unidade 3 – FAC3)

Graduado em Educação Física (Faculdade Anhanguera de Campinas Unidade 3 e 4 – FAC 3 e 4)

Graduado em Tecnologia em Eletrônica Industrial (Universidade Salesiana São José de Campinas – UNISAL)

Diretor Técnico da Associação Phoenix de Kung Fu Tradicional (APKF)

Presidente da Comissão de Estudos do Sistema Phoenix de Kung Fu Tradicional (SPKF)

João Luís Rebelo Torres

joaoluis_torres@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Desde quando o envelhecimento passou a ser tratado como um fenômeno mundial, novos estudos passaram a fomentar novas formas de olhar esta população, criando políticas e sistemas que promovem novas perspectivas de integração de idosos em diversas áreas do conhecimento. É notória a criação de políticas públicas de saúde que visam reduzir os riscos de morbimortalidade, promoção da qualidade de vida e conscientização da população. Mas somente as ações de políticas públicas não dão a sustentação necessária para os princípios éticos intrínsecos na ação dos profissionais da área da saúde, promovendo uma dicotomia entre o profissional e o ser humano. Neste estudo, foram abordados os princípios éticos que regem o profissional de Educação Física na atenção básica de saúde, com enfoque no idoso cardiopata, o mais propenso estatisticamente de vir a adoecer ou falecer. Com base nestes princípios, buscamos fortalecer a importância deste profissional nas equipes multidisciplinares de saúde e nas condutas éticas pertinentes ao cargo que ocupa, visando a melhoria da qualidade de vida da população idosa.

          Unitermos: Saúde do idoso. Ética profissional. Cardiologia.

 

Abstract

          Since when aging began to be treated as a global phenomenon, new studies began to foster new ways of looking at this population, creating policies and systems that promote new opportunities for integration of the elderly in various areas of knowledge. These findings emphasize the creation of public health policies aimed at reducing the risk of morbidity and mortality, promoting quality of life and public awareness. But only the actions of public policies do not provide the necessary support to the ethical principles inherent in the actions of health professionals, promoting a dichotomy between the professional and human being. This study addressed the ethical principles governing the professional physical education in primary health care, focusing on the elderly cardiac patient, the statistically more likely to come to get sick or die. Based on these principles, we seek to strengthen the importance of training in multidisciplinary health teams and the ethical conduct relevant to the position it occupies in order to improve the quality of life of the elderly population.

          Keywords: Elderly health. Professional ethics. Cardiology.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 194 - Julio de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, a faixa etária determinada para classificar a população idosa é a partir dos 60 anos de idade, subindo para 65 anos nos países desenvolvidos. No Brasil, o Estatuto do Idoso, instituído pela Lei Federal 10.741 de 2003, classifica os idosos como adultos a partir dos 60 anos de idade (BRASIL, 2010b).

    De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (BRASIL, 2010c), a população idosa brasileira vem crescendo gradativamente ano após ano, perfazendo aproximadamente 10% da população em 2010, ou seja, mais de 20 milhões, e estima-se que em 2050 a relação será de um para cinco em todo o mundo. Nos países desenvolvidos esta proporção aumenta de um para cada três habitantes (BRASIL, 2002), o Brasil tem a perspectiva de ocupar o sexto lugar quanto ao contingente de idosos, alcançando, em 2025, cerca de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais de idade (BRASIL, 2010b), dados importantes para analisar o quadro atual desta população, havendo a necessidade de planejar a gestão e a avaliação de políticas públicas relacionadas à saúde, previdência e assistência social aos idosos.

    Com a promulgação da Política Nacional de Saúde do Idoso (PNSI) por meio da Portaria n° 2.528 de 2006, a população idosa passa a receber aparatos legais quanto à sua saúde pela rede de atenção básica através da Estratégia de Saúde da Família (ESF), buscando melhorias no atendimento, assistência, promoção da saúde e prevenção de doenças (BRASIL, 2010b). Hoje, a ESF está presente em aproximadamente 84% dos 5.563 municípios brasileiros, chegando a quase trinta mil equipes (BRASIL, 2010a).

    Para ampliar a abrangência, o escopo e a resolubilidade das ações de atenção básica, foram criados os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), quem têm como objetivo oferecer apoio matricial a um conjunto de equipes e unidades de Saúde da Família, desenvolvendo ações que integrem políticas sociais direcionadas à saúde, educação, esporte, lazer, trabalho, entre outras que propiciem a melhora da qualidade de vida da população e redução dos agravos e danos decorrentes das doenças não-transmissíveis. Nestas equipes estão inclusos os profissionais da Educação Física (BRASIL, 2010a).

    Porém, mesmo com todas estas leis e políticas voltadas para os idosos, nem o Estatuto do Idoso e nem a PNSPI, viabilizaram ações que poderiam promover notadamente a atenção à saúde da pessoa idosa de forma integral e multidisciplinar em todos os níveis de atenção, caracterizando-se como movimentos pontuais e desarticulados no país. Nesse contexto, as questões da promoção e da educação em saúde apontam importantes desafios para a implementação dessas políticas (VERAS, 2009 apud BRASIL, 2010b).

    Para que isso vigore, uma série de desafios precisam ser enfrentados, entre eles, a escassez de estruturas de cuidado intermediário e suporte qualificado ao idoso e seus familiares, destinados a promover intermediação segura entre a alta hospitalar e a ida para o domicílio; suporte qualificado e constante aos serviços e indivíduos envolvidos com o cuidado domiciliar ao idoso, conforme previsto no Estatuto do Idoso, incluindo-se o apoio às famílias e aos profissionais das equipes de Saúde da Família; superação da escassez de equipes multiprofissionais e interdisciplinares com conhecimento em envelhecimento e saúde da pessoa idosa; implementação das Redes de Assistência à Saúde do Idoso (BRASIL, 2010b, p. 23).

    Esta carência de profissionais capacitados na área de Saúde do Idoso faz com que estigmas sejam encravados na imagem destas equipes multidisciplinares, que por vezes não têm o suporte técnico-científico suficiente para acolher a população idosa de forma integral, nem de suporte financeiro e logístico devido à má distribuição dos recursos públicos por gestões corruptas e/ou incompetentes, e nem por fomentação instrucional significativa por parte do governo ou dos profissionais e estudantes.

    A Carta Brasileira de Educação Física (BRASIL, 2000) e o Código de Ética de Educação Física (BRASIL, 2003a) reforçam que os profissionais de Educação Física devem possuir uma formação acadêmica sólida, proporcionando condições que lhes confiram qualidade, competência e responsabilidade no que diz respeito ao exercício de suas funções, além de estarem organizados nos Conselhos Regionais de Educação Física e, permanentemente, envolvendo-se em programas de aprimoramento técnico-científico e cultural, regidos por uma cultura ética e de qualidade em todos os espaços em que atuem, preservando e promovendo a saúde, zelando pelo respeito à sua profissão e a atuação dos demais profissionais de outras áreas.

    Dessa forma, podemos deduzir que uma das principais premissas éticas a ser analisada é a que condiz com a formação do profissional pertinente com a área em que irá atuar e, sendo um profissional da área da saúde gerontológica, estes conceitos devem permear a abrangência de toda a dimensão em que o idoso se encontra, transcendendo as limitações biológicas para a busca constante da integralidade da qualidade do serviço prestado ao ser humano e não simplesmente ao paciente/cliente/aluno/atleta, isso será refletido em sua conduta profissional no dia a dia de seu trabalho.

    O conceito de educação permanente permeia essa discussão. Trata-se da educação ao longo de toda a vida. A educação é uma construção contínua dos conhecimentos e aptidões humanas, da capacidade de discernir e de agir. A pessoa deve ser estimulada a descobrir, despertar e aumentar as suas possibilidades. Cabe à educação em suas múltiplas facetas englobar todos os processos que levam a pessoa, desde a infância até o fim da vida, a um conhecimento dinâmico do mundo, dos outros e de si mesma. Educar é promover meios para que o educando busque ele próprio empreender a construção do seu ser, descobrindo suas potencialidades em termos pessoais e sociais (BREDEMEIER, 2009, p. 64).

    Em conformidade com os princípios éticos, legais, científicos e humanos, foi estruturada nos capítulos que seguem, uma análise discursivo-reflexiva sobre a conduta ética dos profissionais de Educação Física para com a população idosa cardiopata, tomando como referência o Código de Ética de Educação Física (2003a), o Estatuto do Idoso (2003b) e as recomendações do CONFEF para o profissional de Educação Física na atenção básica de saúde (2010a), dentre outras referências pertinentes ao tema.

Revisão bibliográfica

    Sob uma perspectiva cronológica e biológica, Spirduso (2005) classifica o envelhecimento em duas linhas analíticas: a primeira é classificada como “envelhecimento primário”, que passa pelo “processo de envelhecimento”, natural, conseqüente da idade e independente de doenças e/ou influências ambientais. A segunda se refere ao “envelhecimento secundário”, que passa pelo “processo de envelhecer”, que inclui, além dos processos de envelhecimento primário, os efeitos do ambiente e das doenças. Estes processos não são dicotomizados, eles interagem entre si, visto que, conforme a pessoa envelhece, mais propensa a doenças fica.

    Dentre as mudanças fisiológicas mais notáveis associadas ao envelhecimento destacam-se as que condizem ao sistema cardiorrespiratório, onde Spirduso (2005) aponta os benefícios de exercícios físicos para regulação desse sistema, alegando, como resultados possíveis, o retardo de ações do envelhecimento do sistema cardíaco. Dentre estas ações, destacam-se os declínios na capacidade de exercício máximo e freqüência cardíaca máxima, aumento na pressão arterial sistólica e na espessura da parede do ventrículo esquerdo e deterioração no metabolismo de glicose e lipídios. Quando em repouso, a função cardíaca, na maioria dos idosos, se iguala à de pessoas mais jovens, mas quando submetidos a exercícios vigorosos, esta relação é sinalizada pelo decréscimo de 5 a 10 batimentos por década de diferença.

    Mudanças normais do envelhecimento no tamanho do coração, volume sistólico final e volume de sangue ejetado durante o repouso são mínimos. A principal deterioração estrutural e funcional é em virtude de processos patológicos, como aterosclerose coronária, em vez do processo real de envelhecimento (Ibidem, p. 128).

    Segundo os dados estatísticos de 2008 do Departamento de Informática do SUS do Ministério da Saúde – DATASUS/MS – as principais causas de internações hospitalares e de mortalidade de idosos no Brasil foram decorrentes de patologias vinculadas ao sistema circulatório, representando, respectivamente, 27,4% e 37,7% dos casos (conforme as tabelas 1 e 2). Segundo Brasil (2010b), as doenças cerebrovasculares são as principais causas de óbitos, tanto em idosos quanto no restante da população, seguida das cardiovasculares. Nos países desenvolvidos e no mundo de uma forma geral, observa-se o inverso quanto a essas duas causas, ou seja, doenças cardiovasculares, em primeiro, e doenças cerebrovasculares, em segundo.

Tabela 1. Principais Causas de Internação Hospitalar de Idosos no SUS

Fonte: DATASUS, 2010

 

Tabela 2. Principais Causas de Mortalidade de Idosos no Brasil

Fonte: DATASUS, 2010

    Santos (2004) defende o conceito de que a atividade física regular é uma estratégia importante na prevenção de doenças cardiovasculares, atuando na prevenção primária e secundária das Doenças das Artérias Coronárias (DAC) e aterosclerose, “atuando também como coadjuvante no tratamento de diversos fatores de risco coronário, como hipertensão arterial, diabetes, dislipidemia, tabagismo e controle do estresse e da depressão” (p. 356), isso sem contar no controle do peso e na facilitação do cessar do hábito de fumar. O sedentarismo acaba se tornando o principal fator de risco para esta população.

    Spirduso (2005) diz que a cada década o indivíduo sedentário pode diminuir em até 10% a quantidade máxima de oxigênio, mas com um programa de práticas regulares de exercícios, idosos podem alcançar níveis muito maiores de captação de oxigênio, podendo, até mesmo, superar indivíduos sedentários aptos para realizarem atividades físicas. Dentre outros benefícios fisiológicos, o autor ainda destaca a melhoria no volume de ejeção (o que auxilia na manutenção do débito cardíaco), aumento no volume sanguíneo total e tônus das veias, reduzindo a resistência vascular e controle do colesterol.

    Nos idosos com angina, o limiar da dor pode ser incrementado por meio de exercícios e, em alguns casos, pode fazê-lo desaparecer por conta do duplo produto (freqüência cardíaca versus pressão arterial sistólica) como produto do treinamento aeróbico (SANTOS, 2004). Exercícios resistidos são apontados pela mesma autora como práticas extremamente benéficas, promovendo a redução do risco cardiovascular, redução da pressão arterial de repouso, aumento do HDL-colesterol, diminuição da resistência à insulina, auxílio no controle do peso, prevenção de quedas, aumento da densidade óssea, atenuação da perda de massa muscular e esquelética (sarcopenia), redução da incidência de lombalgia e aumento do metabolismo basal.

    Ao favorecer o idoso com um ambiente apropriado, é fornecido, também, uma injeção de ânimo na sua autoestima (CASTRO, 2011). Porém, Carvalho, Teixeira e Forti (2003) mencionam que cerca de 50% das pessoas que iniciam um programa de reabilitação cardíaca, logo o abandonam em um prazo de até 6 meses, identificando tal circunstância nas ações dos profissionais, seja pela falta de atenção e cuidado, seja pelos treinamentos e locais inapropriados para os exercícios ou por falta de apoio dos familiares.

    São inúmeros os relatos de casos, estudos e repercussão midiática sobre os benefícios que as atividades físicas vêm a proporcionar na vida dos idosos. Porém, não são todos que conseguem este benefício, pois esta parcela da população é particularmente mais suscetível ao isolamento social, que segundo Santos (2004), é um fator de risco para a morbidade, mortalidade, ocorrência de Acidente Vascular Cerebral (AVC), demência e Infarto Agudo do Miocárdio (IAM).

    “Velhice” não pode ser entendida como “doença”, e neste sentido é importante ressaltar que a saúde da pessoa idosa inclui diversos fatores: ambientais, socioeconômicos, culturais e políticos que vão além do simples fato de ter ou não ter saúde (BRASIL, 2010b). Silva (2002) nos lembra que por sermos humanos, não deixamos de sentir, de ficar preocupados com o que é aceito ou esperado culturalmente, socialmente, quando estamos doentes, portanto, como profissionais, não podemos considerar apenas o “fisiológico” do paciente, pois seu comportamento está diretamente relacionado ao que ele sente e pensa.

Conduta do profissional de Educação Física na atenção à saúde

Na atenção primária

    Também conhecida como “atenção básica”, é a primeira forma de contato com a população, dando início a um processo continuado de atenção à saúde. Neste contexto, o profissional de Educação Física (vinculado ou não ao Sistema Único de Saúde) atua na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis (principalmente em idosos ou pessoas previamente identificadas como grupo de risco), oferecendo possibilidades e vivências corporais que privilegiem a interação do domínio motor, cognitivo, afetivo e social, visando sua qualidade de vida (BRASIL, 2010a).

    Segundo Castro (2011), a atividade física repercute no tempo de vida dos idosos, buscando ampliar o tempo de vida saudável para que tenham “qualidade de vida” por um número maior de anos, evitando o agravamento de doenças, o seu sofrimento e retardando o tempo de sua dependência para terceiros na realização de suas necessidades básicas da vida diária.

    A prática de exercícios não evita os efeitos do envelhecimento normal, mas não se pode deixar de admitir que ela torna mais lento e menos prejudicial o processo de perdas evolutivas que se dá na velhice. Sobretudo, os exercícios facultam ao ser humano uma velhice com melhor qualidade geral de vida (Ibidem, 2011, p. 53).

    Na intervenção inicial, o profissional deve analisar o prontuário, identificar os fatores de risco e definir as variáveis do programa de acompanhamento ou treinamento, minimizando os riscos associados às atividades através de monitoração e prescrição consciente dos exercícios e potencializando os resultados positivos, como o despertar do interesse sobre a prática e a interação com a(s) equipe(s) multidisciplinar(es). O profissional também deve atualizar periodicamente as fichas de acompanhamento e avaliação, aferir e monitorar a freqüência cardíaca e a pressão arterial antes, durante e depois das atividades, principalmente se já apresentarem hipertensão arterial sistêmica (BRASIL, 2010a).

    Importante ressaltar que a Área Técnica Saúde do Idoso (ATSI) reafirma a necessidade de mudanças na linha de cuidados e da atenção a essa população, através da humanização do atendimento, bem como do fomento de inovações, através da disseminação de conhecimentos específicos para gestores e profissionais de saúde que atuam na rede, buscando parcerias e divulgando a idéia do Envelhecimento Ativo (BRASIL, 2010b).

Na atenção secundária

    As recomendações do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) quanto ao profissional de Educação Física na atenção secundária de saúde, é a de encaminhar os indivíduos que apresentarem fatores de riscos a um médico mediante a uma prévia avaliação e, concomitantemente com ele, orientá-los e acompanhá-los no intuito de diminuir os efeitos deletérios de doenças e reduzir a utilização de medicamentos (BRASIL, 2010a).

    As doenças das artérias coronárias são importantes fatores de incapacidade física no idoso, e o tratamento adequado, com incentivo dos pacientes a uma prática regular de atividades físicas, tendem a devolver parte de sua autonomia e ajudam no tratamento (SANTOS, 2004). Idosos estão mais propensos ao comprometimento de sua autonomia, fazendo com que gerem uma baixa na qualidade de vida por não conseguirem realizar as atividades de vida diária, sem a necessidade de intervenções de terceiros, potencializando novos fatores de risco durante sua recuperação (CASTRO, 2011).

    A recuperação do paciente não depende de fatores exclusivamente bioquímicos, mas de quanto ele se sente aceito ou rejeitado, à vontade ou constrangido enquanto está se recuperando (SILVA, 2002).

    Waldow (2010) aponta a “erosão do cuidado” como um dos principais fatores de ocorrência ética na prestação de serviços nos cuidados da atenção secundária. Esta “erosão” é causada por fatores descritos por Goldsborough (apud CARPER, 1979):

    Uma é a já estabelecida especialização nas profissões de saúde. Esta superespecialização tem resultado em divisões e subdivisões de tarefas e perícia profissional. A estruturação das instituições, cada vez mais sofisticadas e burocratizadas, são inevitavelmente despersonalizantes. Pacientes estão à mercê de estranhos cujas funções e papéis desconhecem, de máquinas, de aparelhos e de testes assustadores e de rotinas totalmente desconectadas de seus conhecidos hábitos familiares. O paciente torna-se somente um paciente a mais, outra patologia, outro tratamento, outro prontuário, outro nome na lista diária do cronograma das salas de cirurgias, unidades e cardápios... ele é solicitado a descartar sua identidade como pessoa e tornar-se um paciente (WALDOW, 2010, p. 134).

    Outra influência na erosão do cuidado, também apontada por Waldow (2010), resulta em um dos produtos da ciência: a tecnologia. Mesmo que os avanços científicos e tecnológicos tragam inúmeros benefícios, da mesma forma que a habilidade e o conhecimento de muitas equipes de especialistas, eles também trazem impessoalidade, formalismo, frieza, desvalorização a que se acabam submetendo os indivíduos.

Na atenção terciária

    Os profissionais podem atuar nas fases II e III da reabilitação cardíaca, desde que tenham a formação especializada necessária para atender esta população, interagindo com o médico e recomendado por ele (por escrito) a seus cuidados (BRASIL, 2010a).

    É importante salientar que o profissional de Educação Física deve educar o paciente para uma prática consciente do exercício físico, conscientizando-o que tal prática é um recurso estratégico para promoção de sua saúde, com possível redução ou não-utilização de medicamentos (BRASIL, 2010a).

    A educação é transmitida por meio das relações humanas, sejam elas com o paciente ou com a equipe multidisciplinar, mas elas ocorrem por meio de um processo de comunicação, como a escrita, a fala, as expressões faciais, a audição e o tato. Mas, somente pela comunicação efetiva, é que o profissional poderá ajudar o paciente a realmente conceituar seus problemas, enfrentá-los, visualizar sua participação na experiência e alternativas de solução dos mesmos, além de auxiliá-lo a encontrar alternativas de solução dos mesmos, além de auxiliá-lo a encontrar novos padrões de comportamento (SILVA, 2002).

Reflexão dialética da revisão

    Conforme foi visto na revisão bibliográfica, pudemos identificar questões éticas conflitantes a respeito das premissas que envolvem o profissional de Educação Física na atenção à saúde dos idosos cardiopatas e, de certa forma, não somente eles, pois os conceitos éticos aqui vistos são passíveis de transferência na abordagem de várias outras patologias ou grupos populacionais.

    Sabe-se que há um código que rege as normativas éticas, que visa proporcionar a qualidade de vida de pessoas que, por fatores meramente cronológicos, possuem uma determinada classificação. Esta classificação traz benefícios e malefícios, oriundos da ação do comportamento da sociedade, cultura local e políticas sociais.

    Por vezes notamos que este processo classificatório induz uma formação inconsciente de micro-sociedades, marginalizadas passivamente pelas ações dos indivíduos que acercam esta população, sejam familiares, amigos, colegas de trabalho, comunidade... isolando uma população que necessita de uma atenção especial.

    A marginalização é feita conforme há alterações fisiológicas decorrentes da diminuição dos processos metabólicos, resultando em perda de desempenho físico e cognitivo, nos quesitos estéticos, adaptativos, entre outros inerentes ao processo irreversível do envelhecimento, gerando, de algum modo, esta marginalização.

    O apoio das políticas sociais é debilitado, o próprio termo “aposentadoria” refere-se ao “aposento”, ao descanso como se não pudessem mais fazer parte da sociedade por não serem mais “produtivos”. Stano (2001 apud BIANCHI & WOLF, 2009) reforça este conceito, alegando que desde que o trabalho assumiu a principal referência do sujeito-social, a condição de “não-trabalho” reporta estes indivíduos à sociedade como marginalizados, improdutivos, desnecessários...

    Estes conceitos se refletem nas ações da sociedade de forma geral, que não vê o idoso na figura humana, mas apenas como alguém a quem se deva fazer favores. Não se procura sintetizar uma formulação coerente para o acesso à informação a respeito dos direitos desta população, e nem à motivação da população não-idosa em saber destes direitos e deveres para com eles. E é possível que, mesmo sabendo destes direitos e deveres, não consigamos reverter o quadro, pois isto é um produto produzido pelas péssimas condições de educação que nosso país se encontra.

Considerações finais

    Em todas as áreas do conhecimento nos deparamos com questões éticas que necessitam de avaliação intrínseca e extrínseca, das quais são tangenciadas pela realidade da população que compartilha dos mesmos costumes em uma determinada época.

    Conforme o desenvolvimento da sociedade, tecnologias são inovadas, conceitos são reformulados e valores são modificados. Observamos que conforme progride este avanço, o tempo passa a ser extremamente valorizado, chegando a ser uma regalia àqueles que o possuem. Sem tempo, pessoas se comprometem menos umas com as outras, pois não possuem tempo para elas próprias. Acabamos nos afundando em um mar de egoísmo indutivo, onde a valorização do ser humano passa a ser vista em segundo plano, onde o desenvolvimento da empatia fica bloqueado por falta de quesitos básicos para sua formação.

    Dignificar o indivíduo fragilizado por uma determinada patologia ou condição funcional deve transcender o ambiente dos diagnósticos e procedimentos de recuperação... deve-se alcançar, através de atitudes humanizadas, o conforto psico-sócio-físico do ser fragilizado e daqueles que se importam com ele e o amam, sem privá-lo de informações relevantes quanto ao seu estado de saúde ou de tomar decisões do que se pode ser feito por ele naquele momento.

    Procurar bodes expiatórios para justificar atitudes não-éticas, fortalecem conceitos hipócritas determinados, não somente pela má formação do profissional, mas pela má formação da educação do indivíduo, a partir do ambiente familiar e de outras pessoas e mídias que o cerca, desde a sua concepção.

    Portanto, não é a faculdade, a política da instituição de saúde, o curso de capacitação, ou qualquer outro órgão (ou pedaço de papel) que promova as atitudes do “dever de ser/fazer” que irá ditar a ação promovida pelo profissional, pois o profissional, antes de ser profissional, é um ser humano, digno de respeito como qualquer outro, orientado a ter uma determinada conduta por sua formação acadêmica, mas que somente será refletida através de sua formação pessoal. Educação é a base de tudo.

Referências

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