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Representação no contexto de uma instituição 

de ensino superior: percepções e desafios

La representación en el contexto de una institución de enseñanza superior: percepciones y desafíos

Representation in the environment of an institution of higher education: perceptions and challenges

 

*Graduado em Filosofia. Pós-Graduado em Gestão Universitária. Mestre e Doutor em Filosofia/PUC/RS

Professor do Centro de Ciências Humanas e Jurídicas do Centro Universitário UNIVATES, Lajeado, RS

**Graduado em Comunicação Social/Relações Públicas e Administração de Empresas. Mestre

em Comunicação Organizacional/PUC/RS e Doutorando em Administração/Unisinos. Professor

no Centro de Ciências Humanas e Jurídicas do Centro Universitário UNIVATES, Lajeado, RS

***Graduado em Educação Física – Licenciatura. Pós-Graduado em Gestão Universitária. Mestre em Ciência

do Movimento Humano. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento

do Centro Universitário UNIVATES. Professor do Centro de Ciências Humanas e Jurídicas

do Centro Universitário UNIVATES, Lajeado, RS

Rogério José Schuck*

Sandro Luís Kirst**

Derli Juliano Neuenfeldt***

rogerios@univates.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo busca discutir a compreensão de representatividade presente numa Instituição de Ensino Superior. Caracteriza-se como estudo de caso, com abordagem qualitativa. O tratamento das informações segue as orientações da análise textual discursiva, contando com a participação de quatro Centros de uma Instituição de Ensino Superior do RS/BRA. As informações foram obtidas mediante entrevistas, com base em questões semiestruturadas, que foram gravadas e transcritas com a anuência dos entrevistados. Percebeu-se que o representante é visto como alguém que tem um perfil de liderança, envolvido com a Instituição e capaz de trabalhar em grupo. O representante mantém intenso contato informal com os representados, porém tem dificuldades para manter contato mais formal, especialmente no que diz respeito a espaços formais para conseguir dar retorno de encaminhamentos e garantir o diálogo mais intenso com os representados.

          Unitermos: Representação. Democracia. Representante. Representado.

 

Abstract

          This article intends to discuss the understanding of representativity in an Institution of Higher Education. It is a qualitative, case study. The information analysis is based on the textual discourse analysis, taking into account four Centers of an Institution of Higher Education, in RS, Brazil. The data were gathered through interviews, based on semistructured questions which were recorded and transcribed with the permission of the participants. The results show that the representative is seen as a leader, engaged with the Institution and a group co-worker. He/she keeps an intense informal contact with his subordinates, on the other side having difficulties in maintaining a more formal relationship, mainly in relation to formal decisions, in giving back the results in motion and in keeping a more intense dialogue with the subordinates.

          Keywords: Representation. Democracy. Representative. Represented.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 193 - Junio de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Falar da questão da representação no contexto de uma Instituição de Ensino é tarefa deveras complexa, porém se faz necessário no contexto de rápidas mudanças paradigmáticas que estamos vivendo. O desafio que se coloca está em compreendermos a função do representante e o papel desempenhado pela representatividade numa instituição comunitária de ensino superior do Rio Grande do Sul/BRA. Como ponto de partida de nossa inquietação, tínhamos a ideia de que os representantes efetivam relações democráticas na Instituição. Uma de nossas preocupações foi justamente perceber o cenário de discussões e/ou ausência destas em torno do assunto-pauta desta reflexão. Nesse sentido, houve, no ponto de partida de nossa investigação, a suspeita de que muitas vezes os representantes não consultam os representados na hora de tomar decisões, apenas a sua consciência, motivo pelo qual o processo deliberativo por representatividade, aparentemente, tem enfraquecido.

    A investigação buscou perceber fatores que influenciam a tomada de decisões por parte dos representantes da Instituição, bem como identificar compreensões e posturas frente à representação e relação com os representados. Para tanto, fomos a campo e levantamos os dados mediante entrevistas, com base em questões semiestruturadas, sendo estas gravadas, degravadas e tabuladas em categorias de análise, conforme veremos.

Metodologia

    A pesquisa seguiu o viés de um estudo original, exploratório, e de um Estudo de Caso, caracterizado por uma abordagem qualitativa. Em relação ao procedimento, a pesquisa aproximou-se mais do estudo de caso, de abordagem indutiva, com documentação direta. Os dados foram coletados mediante entrevistas, com base em questões semiestruturadas.

Participantes

    Foram entrevistados quatro docentes de uma instituição de ensino superior, sendo um de cada Centro. Os participantes da pesquisa, um representante eleito para o Conselho de Centro de cada um dos quatro Centros, totalizando quatro representantes que foram escolhidos com base na consulta prévia do resultado das eleições nas secretarias dos respectivos Centros1.

Técnicas e procedimentos de coleta de informações

    As informações foram coletadas mediante entrevistas semiestruturadas, realizadas em janeiro de 2013. Optou-se por esse método, pois, de acordo com Triviños (2001, p. 146) “parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as respostas do informante”. Aos entrevistados foi dada a garantia de manutenção do anonimato, havendo o livre consentimento de todos em participarem da pesquisa. A forma de coleta das informações se deu mediante gravação das respostas às questões semiestruturadas, as quais foram transcritas e organizadas em categorias de análise2. Os entrevistados foram identificados com os seguintes códigos: E1; E2; E3 e E4. Desse modo, mantém-se o anonimato e a garantia de que as informações colhidas não venham a gerar nenhum tipo de desconforto aos participantes da pesquisa.

Análise das informações

    Para fins de análise das informações obtidas, elas foram estruturadas em categorias de análise. Desse modo, em torno de um conceito com características comuns, buscou-se agrupar ideias, expressões, enfim, elementos que possibilitassem a percepção de interfaces. As categorias foram quatro, a saber:

  • Compreensão do que é ser representante;

  • Características do representante;

  • Relação representante-representado;

  • Representatividade e democracia.

    Na seqüência foi realizada a discussão das informações obtidas nas entrevistas e a aproximação com os referenciais teóricos, tendo como base principalmente Mendes (2007), Bobbio (2003), Pitkin (2006) e Gramsci (1979). As informações obtidas, aproximadas aos referenciais teóricos, permitem traçar o horizonte a partir do qual podemos compreender os fenômenos. Conforme Triviños (1987, p. 138), “tem por objetivo abranger a máxima amplitude na descrição, explicação e compreensão do foco em estudo”, de modo a permitir ao leitor acompanhar a exposição de elementos centrais que possibilitem entender o foco central do trabalho.

Análise e discussão dos resultados

    Após degravadas as entrevistas e organizadas em categorias de análise, passamos ao momento mais esperado da pesquisa, a saber, a discussão dos resultados das entrevistas, a serem analisadas à luz dos nossos referenciais teóricos. Antes urge que sejam feitas algumas considerações gerais. Um primeiro aspecto que constatamos é que todos os entrevistados estão há mais de nove anos trabalhando na Instituição, tendo todos já ocupado funções de representatividade em outro momento. Destaque especial para a Câmara de Pesquisa, da qual 50% participaram e 75% em outro Concen para além do atual mandato. Nesse sentido, podemos afirmar que a pesquisa foi privilegiada por esse fator, inicialmente não previsto. Vejamos então a percepção dos representantes nas quatro categorias em que foram organizadas as suas falas:

a.     Compreensão do que é ser representante

    Historicamente a questão da representatividade tem sofrido diversas mudanças em sua compreensão. Em sua origem, o conceito “representação” apresenta uma multiplicidade de interpretações, conforme podemos acompanhar com Pitkin (2006, p. 16):

    A representação é, em grande medida, um fenômeno cultural e político, um fenômeno humano. Desse modo, o 'mapa semântico' das palavras inglesas da família 'represent-' não corresponde bem ao 'mapa semântico' de termos cognatos até mesmo em outros idiomas muito próximos ao inglês. Por exemplo, a língua alemã tem três palavras – vertreten, darstellen e reprä­sentieren – que geralmente são traduzidas pela palavra ingle­sa 'represent'. Darstellen significa 'retratar' ou 'colocar algo no lugar de'; vertreten significa 'atuar como um agente para alguém'. O significado de repräsentieren é próximo ao de ver­treten, mas é mais formal e possui conotações mais elevadas (teóricos alemães da política, às vezes, argumentam que meros interesses privados egoístas podem ser vertreten, mas o bem comum ou o bem do Estado devem ser repräsentiert). Entretanto, o significado de repräsentieren não é, de forma alguma, próximo àquele de darstellen. Então, para quem fala em inglês o modo pelo qual uma pintura, um pintor ou um ator de palco representam, e o modo pelo qual um agen­te ou um legislador eleito representam, obviamente, estão ligados ao mesmo conceito. O mesmo não acontece para quem fala em alemão.

    A origem do conceito não tem relação com a ideia de pessoas que representam outras pessoas. A real expansão da questão da representatividade “começa no século XII e no início do século XIV, quando se diz com frequência que o papa e os cardeais representam a pessoa de Cristo e dos apóstolos” (PITKIN, 2006, p.18). É na modernidade que se abrem as portas para o florescer daquilo que hoje conhecemos como sendo a representação, especialmente na política, nos moldes ocidentais.

    Conforme Mendes (2007), um novo contexto econômico se firma na Revolução Francesa e na Revolução Industrial Inglesa, que vai propiciar as condições favoráveis, tanto social quanto politicamente, para que a coisa pública pudesse ser conduzida a partir de outro horizonte. Escreve a autora:

    A ascensão burguesa, impulsionada pelas forças das duas revoluções – o liberalismo econômico da primeira e o liberalismo político da segunda – era incompatível com o absolutismo e pressupunha mobilidade no exercício do poder. À luz das novas condições, a idéia (sic) de democracia é resgatada e adaptada aos novos parâmetros da realidade. O resgate, contudo, somente será consolidado como um valor positivo no século 20, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial. A renovação institucional proposta nas últimas décadas do século 18 e ao longo do século 19 introduziu a idéia (sic) de representação como superior e distinta do regime democrático. Assim, até o século 20, não se verificou o estabelecimento de democracias representativas, mas, mais precisamente, de governos representativos (MENDES, 2007, p.144).

    Eis um dos pontos que merece destaque, pois a ideia de representantes que tem, por assim dizer, acesso direto a representados, é relativamente nova, em termos de atribuição a espaços tais como instituições de ensino. É justamente o espaço de ensino que nos interessa aqui, precisando ter presente que a questão da representação envolve uma complexidade de questões. Isso aparece claramente quando o representante E1 expõe que:

    Ser representante é levar a opinião dos meus colegas. Ouvindo os colegas a gente leva essa opinião dos colegas para um conselho maior, na instância superior, onde o assunto é deliberado. [...] e a gente leva as opiniões dos demais e faz votação. Então, na verdade, na representatividade a gente tem que cuidar muito de não levar somente a nossa opinião, que isso é a questão um pouco mais complicada do ser humano, ele conseguir dividir, né, aquilo que ele tem de opinião e aquilo que um colega está tendo de opinião (Entrevista Representante E1).

    Se por um lado o representante precisa levar os interesses dos representados às instâncias em que participa, por outro lado, sempre permanece um paradoxo, pois o representante não consegue abstrair a base subjetiva a partir da qual compreende o mundo. Significa dizer que “a representação não pode ser reduzida a uma simples delegação” (PINTO, 2004, p.106). Muito antes de ter consciência da sua situação no mundo, o representante se encontra em um mundo já dado, a partir do qual a sua subjetividade se constitui. Significa dizer que ele se encontra em um mundo da vida que sempre lhe ultrapassa, porém com o qual mantém profunda relação, a partir do qual se situa e consegue compreender o mundo que o rodeia.

    Mendes (2007, p. 145) mantém o otimismo, pois acredita que:

    Com a representação, marcada pela liberdade dos representantes em deliberar acerca do interesse geral, garante-se a formação de uma ideia de bem comum, a partir da interpretação que um seleto número de representantes faz dos fragmentados interesses presentes na sociedade, evitando-se que uma determinada facção se torne majoritária. Controlada pela política de freios e contrapesos, esperava-se prevenir a representação da tirania da maioria ou da traição dos representantes da vontade popular.

    Na mesma linha de argumentação, a autora conclui que “o representante deve ser dotado de capacidade de ação e julgamento, com certo grau de liberdade para deliberar, mas não pode estar em oposição aos desejos do representado” (Ibidem, p. 148). A observação do entrevistado E2 deixa essa questão ainda mais explícita:

    [...] é ter um olhar do outro e para o outro. Num primeiro momento um representante tem que ouvir os anseios e as reivindicações desse outro e ai fazer peneirar, digamos assim, daquilo que tu realmente acreditas, que tu consegue levar adiante e que vai surtir efeito. E algumas reivindicações devem talvez esperar o momento; talvez não seja o momento exato pra que aquela reivindicação seja levada adiante. Eu acho que tem esse olhar, nós temos que ter, mas no momento que tu és escolhido, tu tens que levar muito a sério isso, porque é a tua voz que tá lá representando outros colegas e eles colocaram um voto de confiança em ti (Entrevista Representante E2).

    De certa forma, no relato acima, já se inicia a segunda categorização que fizemos, quando buscamos aproximar o olhar para a pessoa do representante propriamente dito.

b.     Características do representante

    Em sua obra “Leviatã”, Hobbes (1979) dá uma grande contribuição na construção do entendimento sobre a representação ao trazer à tona uma nova compreensão da representação. A ideia de pacto descrita por Hobbes traz a expectativa de ceder a um soberano a autoridade para agir por mim. Trata-se de um pacto de cada homem com todos os homens, num recíproco reconhecimento ao ceder o poder de governança para o soberano. Nas palavras de Hobbes (1979, p.105): “Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações”. E mais adiante conclui que o soberano é:

    Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como outrora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum (Ibidem, p. 106).

    Importante notar o aspecto do reconhecimento, conceito central na modernidade, que dará ao soberano, na condição de reconhecido mediante o pacto, o direito de falar em nome do súdito e assim poder elaborar as regras do jogo sobre as quais o próprio súdito irá se conduzir. Evidentemente que esta visão hobbesiana, na atual conjuntura de representatividade, poderia nos abrir um leque enorme de discussões, mas não é este o ponto que estamos tomando aqui. O que importa é percebermos a força do paradigma hobbesiano, a fim de evidenciarmos como a questão da representação ganha contornos de algo tal como a ideia de transferir ao outro aquilo que originariamente é daquele que o transfere.

    Em se referindo às características desejáveis para um bom representante, os Entrevistados E1 e E2 estão muito próximos em suas percepções, em se referindo às características desejáveis a um representante.

    Ele tem que ter um perfil de liderança, se não ele não vai ser escolhido como representante […]. São pessoas que têm um bom poder de comunicação. Eu vejo assim nessas pessoas que eu votei e eu acredito que as pessoas que votaram em mim pensaram isso também. É uma pessoa que não vem vazia, ela traz alguma contribuição, ela tem alguma caminhada, ela conhece a Instituição (Entrevista Representante E2).

    Eu acho que tem que ser uma pessoa séria. Eu acho que uma pessoa não pode ficar ali por brincadeira, então tem pessoas que vão ser representantes. Eu acho que elas realmente precisam ter uma característica de conhecer também aquilo que tu estás levando para instâncias superiores enquanto representantes. Ah! Eu vou ser representante! Mas ele não conhece a Instituição, como funciona a Instituição, qual é a missão de um Concen, o que é que faz um Consun, o que faz um Conselho de Curso, pra saber qual é a missão de cada instância, onde tu estás inserido (Entrevista Representante E1).

    Ambas as concepções trazem a preocupação com o conhecimento da Instituição, atrelada ao perfil de liderança ativa, comprometida com o coletivo, também ressaltada pelo entrevistados E3:

    Tem que ser uma pessoa envolvida com as coisas da Instituição, uma pessoa que não pensa só hoje, pense o hoje ligado ao ontem e ao amanhã. Tudo tem que ter uma ligação porque o ontem é a nossa história, ele nos ensina muitas coisas, são as nossas experiências e a partir dessas experiências o que é que deu certo e o que é que não deu, como é que a gente pode aprender com os acertos e com os erros pra gente fazer melhor. [...] uma das características do representante é ele ter envolvimento nas coisas da Instituição, interesse em aprender, é ser uma pessoa dedicada, sair do seu eu, porque assim é, a gente tem que se desligar um pouco do eu, tem que pensar o eu, mas o coletivo (Entrevista Representante E3).

    Percebe-se que há uma compreensão claramente referenciada ao aspecto coletivo na vivência da questão da representação. O representante precisa estar comprometido com o coletivo, com o bem-estar da Instituição. Conforme destaca E4: “Saber trabalhar em grupo e ter ética eu acho que são coisas que eu pessoalmente primo por isso” (Entrevista Representante E4). O representante não tem uma função que possa ser simplesmente reduzida a uma delegação. Conforme expressa Pinto (2004, p. 107), percebemos que há três formas de representação, a saber:

    [...] de interesses, de princípios e de perspectivas sociais. Interesse é o mais simples e imediato modo de representação e diz respeito a demandas de indivíduos ou grupos para atingir objetivos específicos. Representação de opinião abrange um espectro que vai de questões relativas a valores éticos e morais até ideologias, que poderiam ser chamadas de opiniões propriamente políticas. [...] A terceira forma é a mais complexa e refere-se à questão da representação de grupos. Young parte da ideia de que a representação de grupo não cria 'divisão e conflito', mas, ao contrário, é essencial para que haja justiça no interior da democracia, pois os problemas e as soluções encontradas passam a ser discutidos em diferentes perspectivas.

    Essas perspectivas nos levam a um terceiro momento de nossa discussão, ao voltarmos a atenção para o processo que se desenvolve dentro da representação de grupo propriamente dito, na aproximação do olhar sobre a percepção intrínseca da relação representante e representado.

c.     Relação representante-representado

    Manin (2013) manifesta sua preocupação com relação à crise que contemporaneamente a representação política está passando no ocidente. A confiança entre o eleitor e o partido político, que por muito tempo se expressava na fidelidade entre ambos, atualmente passa por enormes transformações. Uma das causas apontadas por Manin tem a ver com fatores técnicos, que estão progressivamente dominando o cenário político, ficando os cidadãos aquém deste processo, pois não dominam tais técnicas.

    Ocorre que, contemporaneamente, em termos de política partidária, temos tido sérios problemas com relação à aparente “independência” do representante com relação ao partido a partir do qual foi eleito. No passado o contato com o partido era mais estreito, o que permitia aos cidadãos comuns certo controle, especialmente fora do período eleitoral. Essa situação acabava por estimular a democracia participativa. Atualmente percebe-se certo declínio nas relações de identificação entre representados e representantes, de modo que essa situação acaba afetando diretamente o debate. Dadas as devidas proporções, podemos perceber que essa realidade, que se manifesta num nível mais macro, pode também ser percebida no micro, nas relações que são vividas dentro da Instituição, conforme a fala a seguir:

    Essas relações com os pares em termos de representação, elas são meio fictícias na Instituição como um todo. Não existe concretamente para os representantes um retorno de mão dupla com os representados. Até se poderia enviar e-mail, mas, assim, isso em situações pessoais é feito. Se não, assim, os professores representados também não têm tempo e interesse em saber das coisas em geral que acontecem, porque também são perda de tempo as coisas em geral. Então eles têm interesse nas coisas mais específicas que dizem respeito à sua área da sua atuação ali. (Entrevista Representante E3).

    O Entrevistado E3 manifesta a sua preocupação ao perceber a dificuldade em conseguir manter um vínculo mais estreito enquanto representante, de modo a perceber claramente que não se trata em momento algum de defender opiniões. Essa é uma das maiores dificuldades com relação à temática da representatividade. De um lado temos um processo altamente participativo na hora do voto, porém, na sequência, a prestação de contas é deveras insuficiente. Nas palavras de Mendes (2007, p.150):

    Participação e representação são compreendidos como instrumentos complementares que, nas condições contemporâneas, pressupõem-se mutuamente. As formas de prestação de contas devem, assim, ser ampliadas e exercidas por procedimentos adicionais, por meio dos quais os cidadãos possam discutir uns com os outros, e com os representantes, as políticas que têm sido defendidas.

    Ainda seguindo o pensamento de Manin (2013), podemos perceber que a representação tem sido objeto de muita controvérsia, pois a questão da representatividade exige que os governantes sejam eleitos periodicamente pelos governados. Isso não significa que automaticamente se crie algum tipo de identidade entre governantes e governados, mas há uma exigência anterior, a saber, os representantes sempre mantêm certo grau de independência nas suas decisões em relação aos representados. Conforme Manin (2013), a liberdade de opinião possibilita que o representante não precise agir de acordo com os desejos do povo. Curiosamente também não pode o representante ignorar os desejos do povo, uma vez que precisa conquistar a opinião dos representados para poderem se reeleger.

    Talvez a questão da reeleição não seja um dos maiores motivadores em se tratando de uma IES, porém, muito antes, o modo como a aproximação entre representantes e representados se efetiva. Segundo os entrevistados, os momentos informais são muito significativos para o bom desempenho da missão de representante.

    Nós temos tantos momentos que a gente chama de ocultos, que são aqueles não momentos daquele dia marcado (convocação e tal) e ele nos possibilita muitas informações, opiniões de colegas. Na sala dos professores encontrava quase todos os colegas e em 15 minutos, às vezes, se troca uma ideia; e jantares, então, estando ali. Eu acho que esse viver a Instituição, nesses momentos alternativos que a gente faz essa questão do conselho oculto (Entrevista Representante E1).

    Eu estou sempre em convívio. Até também uma coisa que é interessante, eu não convivo só com o pessoal do meu Centro, eu convivo com outro pessoal, lancho com outro pessoal e essa convivência é extremamente sadia. Mas, de forma direta, como foste na tua pergunta, eu acho que eu deixo a desejar assim no sentido de que tem Concen e logo em seguida entrar em contato com os professores passando as informações do Concen (Entrevista Representante E4).

    Percebe-se nos depoimentos a preocupação em manter o contato com os colegas, porém não há um espaço formalizado para tal. O que predomina são experiências pessoais em momentos informais entre colegas, seja no bar, nos corredores, jantares, enfim, em espaços que poderíamos caracterizar como sendo informais. Estes são os espaços de maior troca de informações declarados pelos entrevistados. Em síntese, podemos constatar que os entrevistados perceberam certa dificuldade em conseguir espaços institucionalizados para garantirem a relação de proximidade entre representante e representado. Na sequência veremos como essa dificuldade afeta o representante, sobretudo no que diz respeito à questão da tomada de decisões.

d.     Representatividade e democracia

    Como sabemos, o voto é o instrumento de legitimação do poder. Isso significa dizer que “o voto é uma tentativa de se dar peso às ideias, não de tomá-las idênticas quanto ao peso, ou com algum peso” (URBINATI, 2006, p. 212). Não significa que pelo voto se terceirize a necessidade de participação direta, porém trata-se antes de uma possibilidade de manter unida uma sociedade que se encontra em alto grau de complexidade. Daí a necessidade de trabalharmos com a ideia de representatividade. Em outras palavras:

    Em uma democracia representativa, a cadeia de opiniões, interpretações e ideias que buscam visibilidade através da votação em um candidato ou partido consolida a ordem política – a divergência se torna um fator de estabilidade, um mecanismo de todo o processo político. Ela torna-se o liame que mantém unida uma sociedade que não possui centro visível e que vem a se unificar por meio da ação e do discurso (experiências comuns de interpretação que os cidadãos compartilham, narram, resgatam e refazem incessantemente, na condição de partidários-aliados) (URBINATI, 2006, p.212 – 213).

    Aproximando mais a discussão, podemos perceber que o representante mantém o vínculo estreito com três níveis. A saber, de um lado ele está diretamente vinculado com os representados, por outro lado mantém uma função de organicidade, impreterível para o bom desempenho do gestor da IES e ainda há um terceiro nível, que tem a ver com o próprio agir. Loureiro (2009, p. 69), a este respeito, comenta:

    Os representantes devem agir de forma a salvaguardar a capacidade dos representados para autorizar e manter seus representantes responsáveis perante si e salvaguardar a capacidade dos representantes de agir independentemente dos desejos dos representados.

    Essa dimensão da presença da subjetividade aparece nos relatos das entrevistas ao expor que “as coisas são discutidas e dou um olhar de professor, como professor” (Entrevista Representante E4). Reforçando a argumentação exposta, podemos perceber que há certo grau de dificuldade nessa tarefa, a saber:

    A dificuldade é tu conseguir separar aquilo que é tua opinião e aquilo que é opinião do povo, como se diz assim. É porque a gente sempre tem aquela questão, assim, a minha opinião é aquela. Então, nesse sentido, na democracia, é mais difícil de tu conseguir ouvir todos e levar a opinião de todos (Entrevista Representante E1).

    Talvez nem se trate de querer ouvir todos, mas muito antes de garantir espaços de exercício da liderança em prol da organicidade do coletivo. Assim sendo, podemos falar em termos de uma

    [...] representação, como atividade criativa e transformadora que dá espaço à liderança, pois o representado não tem uma preferência prévia a ser espelhada adequadamente pelo representante. Este age por um grupo inorgânico que não tem um interesse singular, mesmo que seus membros pudessem ser capazes de formular algum. Na verdade, o interesse nasce ou é resultado da própria representação. Daí sua dimensão intrínseca e inevitavelmente transformativa (LOUREIRO, 2009, p.70).

    Com esta citação de Loureiro (2009), reforça-se a tese de que o papel do representante é fundamental nas instituições de ensino. Gramsci (1979) também vai na mesma direção, ao defender que o representante exerce uma função de intelectual orgânico, na medida em que dá homogeneidade e produz a consciência da própria função de representar.

    Não se trata de um espaço entregue à mercê de decisões arbitrárias, mas, muito antes, de um espaço que traga a voz ativa daqueles que não estão presentes. Seria como que trazer à presença os ausentes, não em termos de discussão das opiniões, mas muito antes em termos de representação da vontade coletiva.

    No Conselho de Centro nós ouvíamos sempre o retorno do Consun e levávamos as coisas pro Consun. Então aquele meio de campo, vim do Conselho de Curso e ir pro Consun, é um momento de maiores informações que se geram ali, porque ele vem de cima pra baixo e de baixo pra cima. [...] Ali é o momento realmente da democracia. Eu gosto muito quando o diretor de Centro ele inicia sua reunião dando o retorno do Consun ou dizendo o que nós vamos deliberar para ele lá no Consun (Entrevista Representante E1).

    Todos os entrevistados consideraram a Instituição investigada democrática, com funções distintas de seus membros e com uma enorme responsabilidade para os representantes dos professores. Essa tarefa ocupa lugar de destaque no exercício da democracia e também garante a melhor organicidade institucional. As falas abaixo sintetizam bem o sentimento e a importância dessa tarefa:

    Eu acho que é a voz, eu acho que é a voz dos professores. Eu acho que, no momento que alguma coisa está sendo discutida no Centro, passa pela gente, a nossa voz, nós somos escutados. Quando eu me posiciono na reunião do Concen, eu sei que esse posicionamento ele vai ter um aval, ele vai ser questionado, ele vai ser discutido, ele vai ser debatido. E não é o meu questionamento, é meu (ser) professora, conversar com outros professores de forma informal nos corredores. [...] Eu acredito muito no peso da representação do professor, até porque o professor é vital para a Instituição (Entrevista Representante E4).

    Eu acho que é uma forma de democratização e eu acho que é uma forma de escutar o principal ator do processo, um dos que é o professor e o aluno. Acho que o professor é vital na Instituição e ele tem que se sentir bem dentro dessa instituição pra desempenha seu papel (Entrevista Representante E4).

    Eu sou daquela teoria do trabalho de formiguinha. Então eu acho que sim, eu vejo a nossa Instituição como uma instituição democrática - ela tem discussões em todas as instâncias (Entrevista Representante E2).

    A representatividade exige que os representantes estejam abertos para trilharem para além de seus interesses subjetivos. De acordo com Pitkin (2006), é um papel que exige sabedoria e virtuosidade para perceber como os problemas se encaixam para melhor resolvê-los. A representação, nesse sentido, torna-se fundamental para que a governabilidade seja uma questão de razão, e não de vontade, fazendo com que seja mantido o equilíbrio necessário para o bem da Instituição.

Conclusão

    Diante de tudo o que foi exposto, evidencia-se o quão instigante é a temática da representatividade, assim como a importância de levar a sério a sua discussão, haja vista ser fundamental para o bom andamento de instituições comprometidas com o bem-estar de sua coletividade. Na Instituição os representantes desempenham uma função hermética, na medida em que mantêm abertos os canais de comunicação entre os mais diversos setores e instâncias da Instituição. Nesse sentido, a Instituição é percebida como uma instituição democrática, onde o representante é visto como alguém que tem um perfil de liderança, envolvido com a instituição e capaz de trabalhar em grupo.

    Um dos aspectos que muito chamou a atenção é a predominância de relações informais com os representados, em se tratando de troca de experiências e informações. Tais momentos são percebidos pelos representantes como muito importantes e espaços de articulação. No entanto, percebe-se a falta de aprofundamento sobre o assunto. Este aspecto fica evidente no fato de que nenhum dos entrevistados fez menção a qualquer referencial teórico com relação à sua compreensão do que é ser representante.

    Preocupa também a dificuldade manifestada pelos representantes em conseguirem dar retorno aos representados. Nesse sentido, considerando o exposto, propõe-se que: 1) seja formalizado um espaço coletivo de discussão da temática da representatividade. Uma das possibilidades poderia ser uma Oficina proposta pelo Núcleo de Apoio Pedagógico – NAP para tratar da temática. Sugere-se que seja feito convite especial a todos que desempenham papel de representante da Instituição, permanecendo aberto aos demais interessados; 2) seja criado no Ambiente Virtual um espaço em que os representados possam acessar discussões e propostas tratadas pelos representantes nas suas instâncias de competência, assim como tenham condições de interagir diretamente com os seus representantes; 3) sejam oferecidos referenciais teóricos a todos os docentes da Instituição, oportunizando espaços nos Colegiados de Curso e Concens, a fim de promover discussões sobre o papel e a função da representatividade na Instituição; 4) por fim, ressalta-se que a pesquisa evidenciou a impreteribilidade da função da representação diante das relações democráticas intrínsecas a uma instituição de ensino, sendo fundamental assegurar o exercício da função de representação nos mais diversos espaços de atuação.

Notas

  1. Cabe ressaltar que a adesão dos entrevistados se deu de forma voluntária, com a garantia de não lhes haver nenhum tipo de prejuízo, podendo interromper ou mesmo encerrar a entrevista a qualquer momento.

  2. As categorias de análise nos proporcionaram condições de um estudo objetivo e percepções a respeito de nosso foco de pesquisa, garantindo assim a fidelidade integral do exposto pelos entrevistados.

Referências

  • BOBBIO, Norberto. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. 9ª ed. Trad. Marco Aurélio Nogueira, S. Paulo: Paz e Terra, 2003.

  • GRAMSCI, Antônio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

  • HOBBES, T. O Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 19 · N° 193 | Buenos Aires, Junio de 2014  
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