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O ensino da Educação Física escolar: caminhos históricos percorridos

La enseñanza de la Educación Física escolar: los caminos históricos recorridos

 

*Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO

Programa de Mestrado em Desenvolvimento Comunitário – UNICENTRO

Doutor em Educação Física – UFPR

**Professor da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO

Programa de Mestrado em Educação – UNICENTRO

Doutora em Educação – UNICAMP

Khaled Omar Mohamad El Tassa*

khaled@irati.unicentro.br

Marisa Schneckenberg**

marisas@irati.unicentro.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O trabalho apresenta e discute caminhos históricos percorridos pela Educação Física no contexto escolar. A pesquisa bibliográfica objetiva analisar a trajetória histórica da Educação Física, desde a influência militar até os movimentos de renovação da Educação Física que se expressam a partir da década de 80. O estudo evidencia a necessidade que a Educação Física escolar faça parte integrante no processo de construção de homens críticos, criativos e solidários à nossa realidade social.

          Unitermos: Educação Física. Tendências pedagógicas. Formação docente.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 193 - Junio de 2014. http://www.efdeportes.com/

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1.     Introdução

    O ser humano, através dos tempos, sempre teve em seu corpo uma arte a ser explorada pelos artistas e ao mesmo tempo um instrumento de luta, utilizando-se da força de trabalho como uma mercadoria para a sobrevivência. O corpo humano sempre inspirou artistas em todas as épocas, desde a antiguidade, como no antigo Egito com o verdadeiro culto ao corpo, na Índia, misturando seres humanos e animais na arte sagrada de movimentos graciosos e cheios de vida e alegria, ou então, na arte grega e romana com a exaltação do corpo em todos os seus detalhes anatômicos como se observa nas esculturas.

    A análise do processo histórico em que a Educação Física está inserida revela que ela, ao longo dos tempos representou diferentes papéis, e adquiriu significados variados, utilizados muitas vezes para propagação de ideologias e preservação do poder. Esta história retrata diferentes concepções da educação física.

    Com este entendimento, o presente estudo objetiva analisar a trajetória histórica da Educação Física, desde a influência militar até os movimentos de renovação da Educação Física que se expressam a partir da década de 80. As características apresentadas pela disciplina nos diferentes momentos históricos refletem as necessidades sociais, quase sempre subordinadas aos diferentes interesses: aperfeiçoamento da aptidão física (influência militar), alienação e rendimento esportivo.

2.     Trajetória histórica da Educação Física no contexto escolar

    No decurso da história da humanidade, a ação física, manifestada inicialmente pela adaptação operativa das mãos no desempenho de atividades produtivas, significou a transição de um simples animal à condição de ser humano e o seu consequente aperfeiçoamento. Os exercícios físicos, para uma parte dessa sociedade, deixam de ser uma ação de sobrevivência e têm o seu emprego nas práticas culturais do ócio e/ou mesmo na formação para a guerra.

    Trazendo esta discussão para a realidade escolar, tais práticas corporais desenvolvidas muitas vezes por sobrevivência em tempos anteriores, se transformam em temas a serem trabalhados na Educação Física. Ghiraldelli Júnior (1988), após estudos e análises, estabeleceu uma classificação, que procura revelar o que há de essencial em cada uma das tendências da Educação Física no Brasil até os movimentos de renovação da Educação Física que se expressam a partir da década de 80, numa caminhada histórica.

Educação Física Higienista

    A Educação Física higienista é uma concepção que se propagou nos anos finais do Império e no período da Primeira República (1889-1930). Nesta tendência a ênfase à questão da saúde está em primeiro plano. Cabe à educação física a formação de homens e mulheres sadios, fortes, dispostos à ação, enfim uma educação física capaz de garantir a aquisição e manutenção da saúde individual.

    Objetivando melhorar as condições de vida, muitos médicos assumiram uma função higienista e buscaram modificar os hábitos da população. A educação física como sendo a educação do corpo, participaria do processo com a finalidade de constituir um físico saudável e equilibrado organicamente, e imune às doenças.

    É nesta perspectiva que a educação física higienista vislumbrava a possibilidade e necessidade de resolver o problema da saúde pública pela educação, sendo os padrões de conduta das elites dirigentes disseminados entre as outras classes sociais, e o meio para alcançar tal propagação, a adoção de um correto programa de educação física.

Educação Física Militarista

    Em 1933 foi fundada a Escola de Educação Física do Exército, que praticamente funcionou como pólo aglutinador e coordenador do pensamento sobre a educação física brasileira durante duas décadas seguintes.

    A educação física no século passado, devido ao contexto histórico, esteve estreitamente ligada às instituições militares, tanto na maneira "disciplinar" de conduzir os corpos, quanto nas finalidades de atuação para a qual era ensinada.

    Sofrendo influência da filosofia positivista, as organizações militares utilizaram-se das práticas de atividades corporais para a educação do físico. Esta ideologia militarista buscava através da ordem e do progresso, formar indivíduos fortes e saudáveis, que pudessem defender a pátria.

    É uma concepção de educação física que visa impor a toda sociedade padrões de comportamento estereotipados, frutos da conduta disciplinar própria do regime da caserna. Era uma linha que se preocupava com a saúde individual e pública, mas objetivava principalmente a formação de uma juventude capaz de suportar a guerra.

    O papel da educação física nesta concepção assume caráter seletivo, onde de forma natural, eliminar-se-ia os fracos e premiar-se-ia os fortes, no sentido da elitização da raça. Visava à formação do "cidadão-soldado", capaz de obedecer cegamente e de ser exemplo para a juventude pela sua bravura e coragem.

Educação Física Pedagogicista

    Esta concepção ganha força principalmente no período pós-guerra (1945-1964), quando buscava-se integrar a educação física como disciplina educativa no âmbito da Rede Pública de Ensino. A educação física pedagogicista é uma concepção que vai exigir da sociedade a necessidade de encarar a educação física não somente como uma prática capaz de promover saúde ou de disciplinar a juventude, mas de vislumbrar a educação física como uma atividade prioritariamente educativa.

    Nesta visão a educação física é uma forma capaz de promover não apenas a instrução mas a educação integral dos alunos, possibilitando a estes que venham a melhorar a sua saúde, adquirir hábitos fundamentais, preparo vocacional e utilização das horas de lazer. A educação física pedagogicista estava preocupada com a juventude que frequenta a escola, valoriza o profissional da educação física, e utiliza de meios como a ginástica, dança, desportos, jogos e outros, para a elevação do alunado.

Educação Física Competitivista

    Nos anos 60-70, o desporto e consequentemente a educação física passam a valorizar de maneira acentuada o rendimento esportivo, com o "desporto de alto nível". A tecnicismo crescente objetivava promover o desporto representativo, capaz de conseguir medalhas nas competições. É uma concepção que baseia-se fundamentalmente na hierarquização e elitização social, e tem como objetivos principais a caracterização da competição e superação individual como valores fundamentais.

    A educação física competitivista volta-se para o tecnicismo exacerbado, sendo a ginástica, o treinamento, os jogos recreativos, e outros, submetidos ao desporto de elite. A educação física valoriza o desporto de alto nível, enfatizando apenas aqueles que chegam ao podium, valorizando desta forma o culto do atleta-herói. Se torna discriminatória dentro das escolas, pois excluem das aulas de educação física, diretamente ou indiretamente, os alunos menos habilidosos.

3.     Reflexões acerca da história da Educação Física escolar

    Percebe-se pelo exposto, que a Educação Física foi introduzida na escola, seguindo o modelo de atividades físicas desenvolvidas na área militar, não havendo nenhuma tentativa de reverter os objetivos de melhorar a aptidão física, adaptando-os às necessidades dos alunos, ou buscando-se práticas motoras compatíveis com a nova clientela estabelecida.

    Castellani Filho (1998) salienta que a Educação Física brasileira sempre esteve vinculada ao eixo da aptidão física, e as políticas educacionais a justificaram na escola através de parâmetros para a sua ação pedagógica a partir de critérios oriundos da fisiologia do exercício, que objetivassem a melhoria da aptidão física da população. A partir desta ótica, configuraram-se os padrões de referência para as aulas de Educação Física, como: três sessões semanais, distribuídas em dias alternados, com 50 minutos de duração e formadas por alunos do mesmo sexo.

    A constituição da Educação Física no Brasil foi fortemente influenciada pela instituição militar e pela medicina nos séculos XVIII e XIX. A instituição militar realizava a prática de exercícios sistematizados resignificados pelo conhecimento médico. O corpo e seu funcionamento se assemelhavam a uma estrutura mecânica, que buscava a eficiência, sendo a reflexão colocada em planos secundários.

    Ao longo da história da Educação Física, a dedicação em fabricar corpos disciplinados, guiados pela racionalidade da formação de corpos guerreiros e atléticos, se constituiu na preocupação maior em detrimento do cultivo do corpo humano inspirado no impulso sensível, na harmonia musical, nos valores estéticos, no estado da arte.

    O ensino da Educação Física, paralelo ao processo educacional, sempre foi marcada por uma concepção positivista, enfatizada no século XIX, pelo caráter físico-higienista, acompanhando as tendências pedagógicas que a educação brasileira apresentou em sua história. Sendo assim, a Educação Física se contextualizou nas correntes educacionais surgidas.

    Na Escola Tradicional, a Educação Física se apresentou como higienista-militarista, objetivando através de aulas práticas a aquisição do vigor físico e saúde para a defesa da pátria. Os alunos eram treinados a reproduzirem passivamente as prescrições do professor. Os conteúdos da Educação Física eram organizados na forma de métodos, como o francês e o alemão, e a instrução militar. E a avaliação se dava através de um modelo atleticamente bem configurado, ou então através de uma bateria de testes pré-determinados.

    Na Escola Nova, a Educação Física deixa de ser executada por obrigação, para se tornar uma disciplina educativa com movimentos prazerosos. O professor atuava como facilitador, responsável pela coordenação de trabalhos que encaminhassem os alunos a descobertas, através de atividades livres. Os conteúdos surgiam a partir dos interesses dos alunos, de modo a contribuir na resolução de seus problemas. A avaliação se dava através da valorização dos aspectos afetivos, atitudes, frequência e higiene.

    Na Escola Tecnicista, temos o desporto como conteúdo básico na escola. E este com a função de fornecer base para o treinamento esportivo na formação dos atletas. Na escola tecnicista, a Educação Física atuava na elitização dos alunos bem dotados na formação das equipes. A avaliação era feita sobre os objetivos propostos, ressaltando a habilidade esportiva do aluno.

    Importante se faz tomar como ponto de partida a concepção de corpo que a sociedade tem produzido historicamente, levando os alunos a se situarem na contemporaneidade, dialogando com o passado e visando a aquisição de uma consciência do próprio corpo.

    A cultura tatua marcas nos homens, estabelecendo normas e objetivando ideais num processo de socialização. O corpo inserido dentro de uma cultura revela toda uma história acumulada de um grupo, seus valores, suas leis, suas crenças e seus sentimentos. A valorização deste corpo construído historicamente caracteriza uma intenção de libertação, na busca da constituição de um corpo sensível, de tornar as pessoas cada vez mais humanas. Esta consciência corporal é conceituada por Castellani Filho (1988) como uma compreensão a respeito dos signos tatuados em nossos corpos pelos aspectos sócio-culturais em momentos históricos determinados. Isto significa que sendo o corpo a imagem reflexa externa dos sujeitos, ele traz consigo as marcas socioculturais que aconteceram em determinados momentos históricos de cada sociedade. Em cada momento histórico da sociedade foi produzido um conjunto de saberes sobre o corpo. Este conjunto de saberes emergiu no confronto entre as classes sociais.

    A Educação Física trabalha com o movimento corporal, ou seja, com o homem em sua totalidade, na busca constante de proporcionar experiências corporais diversificadas, utilizando movimentos corporais não como relações mecânicas, mas sim conscientes com a realidade contraditória que está a exigir respostas coerentes, competentes e solidárias.

    Na arte da guerra, a Educação Física colaborou na fabricação de corpos fortes, resistentes, submissos e ágeis, sempre prontos para, em defesa da pátria, avançar para os campos de batalha, ou então em tempo de paz, marchar nos desfiles e nos quartéis.

    Na arte da vida a Educação Física deveria dar-nos uma ideia que reunisse ação de culto e cultivo do corpo. Não com o intuito de veneração ou ação mecânica, mas de conscientização do corpo real, com suas possibilidades e limitações, na busca de um desenvolvimento harmonioso como um concerto musical.

    O que se pretende é superar uma Educação Física que vem se caracterizando como um fazer prático destituído de reflexão, e assumir a responsabilidade de oferecer aos alunos possibilidades da compreensão, acerca de um corpo de conhecimentos e da realidade vivenciada no cotidiano.

    A Educação Física como prática transformadora deve trabalhar com o movimento corporal, focalizando o homem em sua totalidade. Desta forma, os movimentos corporais não são apenas relações mecânicas, estabelecidas por um corpo que percorre espaços e alcança limites pré-estabelecidos, mas também reações dialéticas numa totalidade aberta.

    Assim sendo, Gonçalvez afirma que "A razão de ser da Educação Física reside no fato de que o homem como um ser corpóreo e motriz necessita de aprendizagem e experiência, para lidar de forma adequada com sua corporalidade e seus movimentos" (1994, p. 9). Proporcionar ao aluno uma autêntica experiência corporal parece que deve ser uma busca constante do professor de Educação Física, seja qual for o conteúdo específico de sua aula.

    Com relação à esportivização que ocorre nas escolas, Castellani Filho (1998) acredita que se deve criticar a mentalidade esportiva prevalecente nas aulas de Educação Física das escolas, e não criticar o esporte, que é uma manifestação social, e portanto componente de uma construção histórica. O autor entende que seja altamente educativo o desenvolvimento do esporte na escola e não da escola. Vale dizer, que o esporte faz parte da nossa cultura, e a sua prática nas escolas é uma forma de manifestar o seu valor. Já a excessiva valorização do esporte e dos esportistas da escola, pode trazer consequências desagradáveis no ambiente escolar.

    Na década de 80 iniciou-se uma profunda crise de identidade nos pressupostos e no próprio discurso da Educação Física, se procurado encontrar um referencial teórico que provocasse a sua rediscussão.

    Em 1984, Medina publicou "A Educação Física cuida do corpo... e mente: bases para a renovação e transformação da educação física", no qual propõe uma análise crítica do que se tem feito na Educação Física, no sentido de promover uma transformação radical dessa área e incentiva a produção de uma "[...] educação física revolucionária, não preocupada apenas com o ‘físico’ das pessoas, mas com o ser total, integral e social que é o humano” (MEDINA, 1984). Medina denuncia a Educação Física como uma prática condicionada a uma estrutura que o Estado autoritário montou para ela. Santin (1992) procura enfatizar a necessidade da preocupação com a sensibilidade em oposição à obediência inquestionável, aos ritmos padronizados e a técnica perfeita. Freire (1987) deixa claro sua oposição à Educação Física como técnica de adestrar homens, sendo que o corpo é visto como um objeto a ser manipulado e melhorado em seu rendimento, e manifesta a crença na realização dos gestos com arte, refletidos sobre o próprio corpo,

    Quando a consciência está presente no ato, o gesto é feito com arte. Só desta forma deve ser entendida a Educação Física como prática de educação corporal. Tudo o que ela faz, atualmente voltado para o rendimento a atingir, teria que ser invertido. Ao invés de fins, deveria preocupar-se com os meios. Quanta diferença há em correr para bater um recorde e correr observando a beleza de cada passo, sentindo as tensões e os relaxamentos de cada músculo, ou percebendo que o ar que, entrando pelos pulmões, renova a vida. Quanta diferença existe entre jogar para vencer a qualquer custo e jogar sem nem saber qual foi o placar, apenas para festejar, para se divertir, para estar com os amigos (1987, p. 54).

    A história da Educação Física brasileira encarregou-se de criar uma aceitação acerca da neutralidade das práticas corporais, com discursos, situações e atitudes, que sempre estimularam o consenso, com uma prática alienante e alienada, sem questionamentos, obedientes a autoridades “ditas” superiores.

    Contrapondo esta neutralidade, emerge dessa mesma história, uma pedagogia que possibilita a negação do consenso, permitindo a compreensão da educação física a partir de suas contradições: a pedagogia do conflito. As contradições da pedagogia do consenso cedem terreno para aquela que se opõe: a pedagogia do conflito, ou seja, a discussão consenso X conflito aponta para manutenção ou para o questionamento da ordem social.

    A educação é uma prática social que colabora tanto para a manutenção do status, quanto para encontrar brechas para uma prática transformadora, e a educação física também participa deste processo (CASTELLANI FILHO, 1988).

    E, neste contexto, a Educação Física não deve ser resumida ao esporte como instrumento único desta prática, pois este favorece o cumprimento fiel às leis que o regulamenta, retrata a ausência de cooperação e prevalência do individualismo, na busca incessante pela vitória.

    O desenvolvimento da Educação Física quando bem orientado desenvolve uma prática inclusiva, para todos e, em especial para os Portadores de Necessidades Educacionais Especiais (PNEE), pois a relação que se constrói da Educação Física com os PNNE é pedagógica, se dá na relação ensino-aprendizagem que, também é reabilitadora, porque se refere ao desenvolvimento e maximização das potencialidades do indivíduo como um todo.

    Rosadas (1991) busca constantemente a conscientização da realidade e necessidade da Educação Física como parte integrante em programas para PNEE. A inclusão destas pessoas, pela prática da Educação Física, é parte integrante do sistema educacional que busca como objetivo final o homem global. O autor estabelece processos avaliativos, prescrição de trabalhos motores, atividades extra-classes voltados a adaptação e prática de atividades corporais por parte dos PNEE.

    Espera-se que esta concepção transformadora de Educação Física, consiga através da mediação de conceitos teóricos e atividades práticas, subsidiar os alunos para o desempenho em situações cotidianas, resolução de problemas e descobertas de novas formas de aprender, com a finalidade de inserir conceitos e hábitos nos alunos que possam ser úteis na vida cotidiana.

    Mas para se tornar uma prática transformadora, necessário se faz que ela seja teorizada, pensada e refletida, pois a prática não pensada se torna reprodutora. Os movimentos a que se refere à Educação Física estão diretamente ligados com os temas da cultura corporal. Entende-se cultura corporal como produto da sociedade, da coletividade, das ações e interações entre as pessoas.

    É preciso entender a cultura corporal como fatos históricos, e, como tal, fenômenos culturais que atendem a interesses determinados. Assim sendo, transmitir o saber acumulado de forma crítica, interpretativa e responsável, torna-se uma tarefa fundamental para o professor e para a escola. A Educação Física, como disciplina do currículo escolar, não tem a tarefa diferente da escola em geral. Sendo assim, considerações a seu respeito não podem afastá-la da responsabilidade enquanto componente do processo educacional na escola.

    Freire afirma que a Educação Física nas escolas, negligencia o elemento sensível em detrimento do disciplinamento corporal, ou seja, “A escola adotará este critério em suas práticas pedagógicas, deixando para a Educação Física a tarefa de disciplinar os corpos para o aprendizado intelectual” (1987, p. 109).

    Desta forma, a Educação Física tem contribuído para a marginalização do corpo e do saber sensível da criança dentro da escola. Caracteriza-se como expressão e instrumento de um conhecimento regulação que obstaculiza a formação para a cidadania. Observa-se que o uso de disciplina como instrumento de “domesticação” do corpo e também do indivíduo, caminhou praticamente indiferente até os dias atuais. A questão de um corpo como ferramenta de disciplina e aumento de produtividade demonstra que: “A disciplina é capaz de aperfeiçoar a ferramenta e docilizar as energias do corpo. Por isso a disciplina tem a tarefa de fabricar corpos submissos e exercitá-los para o desempenho de tarefas específicas que auxiliem a mente e a ordem racional” (SANTIN, 1992, p. 65).

    Por ser a escola uma instituição de natureza social e pela relação que mantém com a sociedade na qual está inserida, existem motivos suficientes para se acreditar que não podemos continuar reproduzindo o modelo disciplinar das estruturas do poder dominante, mas “[...] descobrir como viver neste mundo rodeados de tudo isto, viver com inteira liberdade, sem uma fórmula, sem deformar a mente, sem levar a ajustar-se, ou sem que ela seja moldada pela sociedade” (KRISHNAMURTI, 1992, p. 203). Nota-se que a ideia defendida é pelo viver neste mundo com uma espécie de disciplinamento de atitudes, que nos leve a libertação de pensamentos. Almeja-se através desta filosofia oriental, uma liberdade que surja da interioridade das pessoas, reconhecendo-se a verdade a seu respeito.

    Santin em sua reflexão afirma “[...] que a Educação Física não classifica os corpos com critérios de doença ou saúde, mas dentro da ótica da aptidão e da capacidade para a prática de determinados exercícios. Assim, a Educação Física age sobre o corpo em nome do princípio da utilidade. Ela pensa no uso do corpo” (1992, p. 63). E complementa: “O corpo não vive o esporte ou o movimento, ele é apenas uma máquina ou uma peça que produz movimento dentro de uma atividade maior que chamamos esporte” (1992, p. 66).

    Pela sua percepção aguçada dos problemas do disciplinamento corporal, Huizinga já denunciava na década de 70 o exagerado princípio da seriedade presente na sociedade, onde as regras se tornam mais complexas e rigorosas, contrárias à verdadeira essência do jogo, onde a sistematização e regulamentação cada vez maior do esporte implica a perda das características lúdicas mais puras, e acrescenta “A criança joga e brinca dentro da mais perfeita seriedade, que a justo título poderemos considerar sagrada” (1971, p. 21).

4.     Considerações finais

    O que vislumbramos para a Educação Física é que faça parte integrante no processo de construção de homens críticos, criativos e solidários à nossa realidade social. No nosso entendimento a Educação Física se justifica na escola por ser a única prática pedagógica responsável em desenvolver a cultura do movimento humano, sendo parte do patrimônio cultural da humanidade, e imprescindível na formação integral dos alunos. Mas para que este objetivo seja alcançado, necessário se torna que os profissionais de Educação Física compreendam esta grande responsabilidade, e contribuam de forma efetiva com conhecimentos que possam ser utilizados para toda a vida.

Referências

  • CASTELLANI FILHO, L. A história que não se conta. Campinas,SP: Papirus, 1988.

  • _____. Política educacional e educação física. Campinas: Autores Associados, 1998.

  • FREIRE, J. B. Rumo ao universo... do corpo. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1987.

  • GONÇALVEZ, M. A. S. Sentir, pensar, agir - Corporeidade e educação. Campinas: Papirus, 1994.

  • GUIRALDELLI JÚNIOR, P. Educação física progressista: a pedagogia crítico-social dos conteúdos e a educação física brasileira. São Paulo: Loyola, 1988.

  • HUIZINGA, J. Hommo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1971.

  • KRISHNAMURTI. O despertar da sensibilidade. Lisboa: Editora Estampa, 1992.

  • MEDINA, J. P. S. A Educação Física cuida do corpo... e "mente". Campinas: Papirus, 1984.

  • MOREIRA, W. W. Por uma concepção sistêmica na pedagogia do movimento. In MOREIRA, W. W. (org). Educação Física e esportes: perspectivas para o século XXI. Campinas: Papirus, 1992.

  • ROSADAS, S. de C. Educação Física especial para deficientes. São Paulo: Atheneu editora, 1991.

  • SANTIN, S. Educação Física: temas pedagógicos. Porto Alegre: EST/ESEF, 1992.

  • SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2001.

  • SOARES, C. L. Função da educação física escolar. Revista Motrivivência, Aracajú/SE, Ano VI, n. 4, p. 16-21, 1993.

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