efdeportes.com

Gestação heterotópica após concepção espontânea: relato de caso

El embarazo heterotópico después de la concepción espontánea: relato de un caso

 

*Discente do curso de Medicina das Faculdades

Integradas Pitágoras de Montes Claros, MG, Brasil

**Mestre em Ciências da Saúde, Professor Assistente do Departamento da Saúde

da Mulher e da Criança/CCBS/Unimontes, Montes Claros, MG

(Brasil)

Bruna Tupinambá Maia*

Gilson Gabriel Viana Veloso*

Eduardo Gonçalves**

bruna.btm@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          A gestação heterotópica, caracterizada pela concomitância de prenhez ectópica e intra uterina, é uma condição obstétrica rara, sobretudo quando ocorre na concepção espontânea. Em contrapartida, nas mulheres que recorrem às técnicas de reprodução assistida, esta é uma complicação que ocorre com maior freqüência. O diagnóstico precoce deste agravo é difícil, e geralmente acontece quando o caso evolui para um quadro de abdome agudo hemorrágico. O presente relato de caso remonta a importância de se considerar este possível diagnóstico em toda paciente sexualmente ativa com suspeita de abdome agudo.

          Unitermos: Gestação heterotópica. Abdome agudo. Abordagem cirúrgica.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 193 - Junio de 2014. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

Introdução

    A gestação heterotópica é uma condição rara, na qual a gravidez ectópica e a intra uterina ocorrem simultaneamente. A incidência relatada varia de 0,6 a 2,5 casos a cada 10.000 gestações, sendo pouco maior nas mulheres que se submetem a técnicas de reprodução assistida.1

    Quanto aos fatores de risco para a ocorrência deste agravo, são os mesmo relacionados à gravidez ectópica. Estes são representados, principalmente, pelas desordens mecânicas e/ou funcionais que impedem ou atrasam a passagem do embrião para a cavidade uterina. Geralmente tem como etiologia a doença inflamatória pélvica e, conseqüentemente, as aderências tubárias; história de gravidez ectópica prévia ou cirurgia nas tubas uterina; tumores que modificam a anatomia do referido órgão; uso de dispositivo intra uterino; tabagismo e utilização das técnicas de reprodução assistida.2

    Entre as gestações heterotópicas, a localização mais prevalente do componente ectópico é na tuba uterina. Nestes casos o diagnóstico precoce é de difícil execução e, geralmente, só é possível após a rotura da prenhez ectópica3, como no caso que será apresentado a seguir.

Relato do caso

    E.S.D. paciente de 34 anos, primigesta, com atraso menstrual de aproximadamente 30 dias procurou atendimento médico em hospital de referência com queixa de forte dor abdominal e sangramento vaginal de pequeno volume.

    Ao exame, apresentava-se pálida, com estado geral comprometido, confusa, pressão arterial de 70x40 mmHg e freqüência cardíaca de 132 bpm. O abdome era globoso e bastante doloroso à palpação superficial e profunda, sobretudo nas regiões de fossa ilíaca direita e esquerda, bem como do hipogástrio; observa-se ainda piora do quadro álgico à descompressão.

    Logo após a primeira avaliação, a paciente evoluiu com rebaixamento de consciência e queda ainda maior da pressão arterial. Devido à gravidade do caso e a suspeita clínica de abdome agudo, foi encaminhada ao bloco cirúrgico para realização de laparotomia exploratória. Durante o ato cirúrgico foram encontrados cerca de 500 mL de sangue na cavidade explorada, bem como gestação ectópica rota localizada na tuba uterina esquerda. Mediante este achado, procedeu-se com a realização de salpingectomia.

    Depois do 21º dia de alta, a paciente retornou ao hospital com queixa de dor abdominal intensa e sangramento vaginal copioso com poucas horas de evolução. Ao exame verificou-se dados vitais dentro da normalidade e abdome doloroso à palpação profunda de quadrantes inferiores. Nesta ocasião foram solicitados hemograma, PCR, VHS, exame de urina, beta-HCG e ultrassonografia pélvica, somados à prescrição de analgésicos para alívio da dor. A revisão laboratorial encontrava-se dentro dos parâmetros de normalidade, no entanto o beta-HCG plasmático era positivo. No que se refere ao estudo ultrassonográfico, este evidenciou útero de dimensões aumentadas com presença de conteúdo de aspecto amorfo e heterogêneo, bem como espessura endometrial de 17 mm. Ao toque vaginal, constatou-se colo centralizado, amolecido e aberto.

    Conforme a hipótese diagnóstica de abortamento incompleto, a paciente foi submetida ao esvaziamento cirúrgico, por meio da curetagem uterina, a qual transcorreu sem intercorrências.

Discussão

    A gestação heterotópica é uma complicação obstétrica de difícil diagnóstico clínico e, na maioria dos casos, é a laparotomia exploratória que confirma o diagnóstico. Esta abordagem cirúrgica precoce é indispensável na propedêutica de pacientes com sinais e sintomas de abdome agudo hemorrágico, sobretudo naqueles com graves repercussões hemodinâmicas.4

    Os fatores relacionados ao maior risco de desenvolvimento de gravidez heterotópica coincidem com aqueles associados à gestação ectópica; são eles: doença inflamatória pélvica, malformações uterinas, idade avançada, tabagismo, cirurgia pélvica prévia, história de infertilidade e aplicação das técnicas de reprodução assistida.2,5

    Em pacientes submetidas às técnicas de reprodução assistida, a incidência de gestações heterotópicas é muito maior quando comparadas à população geral; provavelmente devido às forças hidrostáticas geradas durante a transferência do embrião. Sabe-se ainda que esta maior incidência é diretamente proporcional ao número de embriões transferidos para a cavidade uterina.1,6 Existem ainda alguns relatos na literatura afirmando que a transferência de blastocistos, no lugar de embriões com três dias de evolução, também resulta em aumento das gestações heterotópicas.7

    No que tange aos sítios de implantação, o mais comum é a tuba uterina; entretanto a nidação ectópica pode ser ainda cornual, cervical, ovariana, abdominal ou em cicatriz de cesárea prévia.8

    As manifestações clínicas são variadas e dependem do estágio de desenvolvimento do embrião ectópico. Porém, as principais queixas são aquelas relacionadas ao quadro de abdome agudo hemorrágico, como dor abdominal e sinais de choque hipovolêmico. Apesar das dificuldades diagnósticas, pode-se suspeitar de gestação heterotópica quando, ao exame, verifica-se a presença de abdome bastante doloroso à palpação associado a sinais de irritação peritoneal, massa anexial e útero aumentado.3,8

    A principal dificuldade para a descoberta precoce da gravidez heterotópica é a perda de alguns parâmetros laboratoriais utilizados no diagnóstico de gestações ectópicas simples. Os marcadores bioquímicos, beta HCG e progesterona, os quais auxiliam na conclusão do diagnóstico da gestação ectópica, não contribuem quando se trata da variante heterotópica, já que o tecido trofoblástico intra uterino produz estes hormônios em níveis considerados normais.9 A ultrassonografia pouco ajuda na determinação deste agravo, uma vez que a presença da gestação tópica desvia a atenção do operador deste exame. O que ocorre é que o componente tópico mascara o diagnóstico da gravidez heterotópica, tendo em vista que esta é uma entidade rara e tal hipótese nem sempre é aventada.2,3,8,10

    Atualmente, não existe consenso sobre a melhor abordagem da gestação heterotópica, pois a decisão terapêutica depende do sítio de implantação do saco gestacional ectópico, bem como do estágio evolutivo deste embrião no momento do diagnóstico. Nos casos de ectopia cervical o tratamento costuma ser mais laborioso, pois parte da conduta habitual (como aspiração guiada pela ultrassonografia, infusão de cloreto de potássio ou methotrexate, ressecção cirúrgica via laparoscópica ou embolização da artéria uterina) acabam por inviabilizar a progressão da gestação tópica.1,8

    A abordagem cirúrgica, seja ela laparotômica ou laparoscópica, é o tratamento de escolha nos casos em que a implantação do embrião ectópico ocorreu na tuba uterina. Porém, o desconhecimento do embrião tópico pode levar à curetagem inadvertida como complementação da cirurgia, terminando assim com a gravidez tópica em evolução.1,8

    Alguns aspectos são apontados como fatores que influenciam a boa evolução da gestação tópica, entre eles alguns autores apontam a ausência de queda acentuada da pressão arterial durante o diagnóstico/tratamento10.

    O diagnóstico da gestação heterotópica continua sendo um dos maiores desafios da ginecologia e obstetrícia. Os seus sinais e sintomas são inespecíficos e muitas vezes se confundem com outras causas de dor abdominal e pélvica do primeiro trimestre de gestação. Este dado, associado à dificuldade diagnóstica ultrasonográfica citada acima acaba por retardar a sua descoberta.

    Portanto, deve-se sempre pensar nesta hipótese diagnóstica diante de mulheres submetidas ou não à fertilização in vitro, com queixas clássicas de abdome agudo associadas ao aumento do volume uterino. A gestação heterotópica está se tornando cada vez mais freqüente e a precocidade do tratamento acaba por influenciar diretamente a evolução da gestação tópica.

Referências

  1. Noor N, Bano I, Parveen S. Heterotopic pregnancy with successful pregnancy outcome. J Hum Reprod Sci. 2012 Mai-Ago; 5(2):213–214.

  2. Govindarajan MJ, Rajan R. Heterotopic pregnancy in natural conception. J Hum Reprod Sci. 2008; 1:37–8.

  3. Umranikar S, Umranikar A, Rafi J, Bawden P, Umranikar S, O’Sullivan B et al. Acute presentation of a heterotopic pregnancy following spontaneous conception: a case report. Cases J. 2009; 2:9369.

  4. Alsunaidi MI. An unexpected spontaneous triplet heterotopic pregnancy. Saudi Med J. 2005; 26:136–8.

  5. Clayton HB, Schieve LA, Peterson HB, Jamieson DJ, Reynolds MA, Wright VC. A comparison of heterotopic and intrauterine-only pregnancy outcomes after assisted reproductive technologies in the United States from 1999 to 2002. Fertil Steril. 2007;87(2):303-9.

  6. Korkontzelos I, Antoniou N, Stefos T, Kyparos I, Lykoudis S. Rupture heterotopic pregnancy with successful obstetrical outcome: a case report ande review of the literature. Clin Exp Obstet Gynecol. 2005;32(3):203-6.

  7. Ben-Ami I, Panski M, Ushakov F, Vaknin Z, Herman A, Raziel A. Recurrent heterotopic pregnancy after bilateral salpingectomy in an IVF patient: case report. J Assist Reprod Genet. 2006;23(7-8):333-5.

  8. Donadio NF, Donadio N, Martins PT, Cambiaghi CG. Gestação heterotópica: possibilidade diagnóstica após fertilização in vitro. A propósito de um caso. Rev Bras Ginecol Obstet. 2008; 30(9):466-9.

  9. Keegan DA, Morelli SS, Noyes N, Flisser ED, Berkeley AS, Grifo JA. Low ectopic pregnancy rates after in vitro fertilization: do practice habits matter? Fertil Steril. 2007;88(3):734-6.

  10. Press GM, Martinez A. Heterotopic pregnancy diagnosed by emergency ultrasound. J Emerg Med. 2007;33(1):25-7.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 19 · N° 193 | Buenos Aires, Junio de 2014  
© 1997-2014 Derechos reservados