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Futebol: a importância do ensino-treino da técnica 

através de exercícios baseados em situações de jogo

Fútbol: la importancia de la enseñanza-entrenamiento de la técnica por medio de ejercicios basados en situaciones de juego

 

Graduando em Educação Física (Bacharelado)

Faculdade Metropolitana de Blumenau (Grupo Uniasselvi/FAMEBLU)

(Brasil)

Renan Mendes

renanm92@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          A presente revisão literária tem como objetivo compreender a importância do ensino da técnica através de exercícios baseados em situações de jogo. O jogo é um ambiente complexo, caracterizado pela imprevisibilidade, onde a capacidade cognitiva do jogador se torna fundamental para o desempenho. As ações decorrentes são de natureza essencialmente tático-técnica, por isso, a interação entre o “o que fazer” (tática) e o “como fazer” (técnica) são requisitadas na elaboração das respostas no jogo. Tradicionalmente, o treino da técnica é feita de modo analítico, descontextualizada do jogo, por isso, acaba por não ser eficiente no ensino da técnica e de seus objetivos no jogo. Portanto, um processo de treinamento baseado em situações de jogo é encarado como uma forma eficaz para se treinar a capacidade técnica do jogador, por exigir das habilidades técnicas do jogador, além de sua capacidade cognitiva, de forma contextualizada.

          Unitermos: Futebol. Técnica. Jogo.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 193 - Junio de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    O jogo é um sistema complexo num ambiente também complexo (LEITÃO, 2004). Os jogos desportivos coletivos são caracterizados pelas variadas situações imprevisíveis e aleatórias (BALBINO, 2001), onde existe a necessidade de constantes adaptações a essas situações (REVERDITO; SCAGLIA, 2007). A proficiência do jogador depende, portanto, da sua capacidade de reconhecer as diversas situações que o jogo lhe proporciona e lhe dar uma resposta satisfatória (GARGANTA, 2006).

    Segundo Garganta (2006), é no plano estratégico-tático que se encontra o problema primordial do jogo, pois saber “o que fazer” condiciona o “como fazer”, isso implica numa elevada congruência entre a percepção da informação relevante, a seleção da resposta e a execução.

    Portanto, os jogadores devem ter a capacidade de agir taticamente e corretamente frente às situações de jogo e isto demanda sobre tudo uma capacidade cognitiva desenvolvida (BIANCO, 1999, apud FILGUEIRA; GRECO, 2008).

    Durante a prática dos jogos desportivos coletivos o jogador se depara com um conjunto alargado e diversificado de situações de jogo, situações essas que necessitam de resoluções por parte dele, essencialmente de natureza tático-técnica, podendo ser mais ou menos complexas e imprevisíveis, sofrendo diversos constrangimentos de acordo com o contexto. Conseqüentemente, o jogador deve fazer uso dos processos perceptivo-cognitivo de forma adequada, a fim de alcançar seus objetivos competitivos (TAVARES; CASANOVA, 2013).

    A compreensão das estruturas e função dos processos cognitivos tem sido um desafio para os pesquisadores do comportamento humano (GRECO, 2006). De acordo com Neisser (1974, apud GRECO, 2006) o que oferece estrutura de sustentação aos processos cognitivos é o conhecimento. É dos processos de percepção e de pensamento que se origina o conhecimento, conhecer é referir o novo ou desconhecido com o velho ou conhecido (MARINA, 1995, apud GRECO, 2006).

    A estrutura do conhecimento, segundo Greco (2006), é dividida em duas classes:

  1. Conhecimento Declarativo (CD): são os fatos que podem ser declarados, sua organização tem forma de séries de fatos conectados e que podem ser descritos. É o que determina a possibilidade de escolha (Ex: falar qual é a melhor decisão, passar ou lançar).

  2. Conhecimento Processual (CP): fundamental em ações de grande habilidade e procedimentos motores que podem ser executados (Ex: amarrar os cordões dos sapatos, andar de bicicleta). Também esta incluída nesta categoria a execução de uma técnica, um gesto técnico que pode ser executado em uma situação de jogo.

    O comportamento tático (CD) “o que fazer” se visualiza externamente a partir da execução técnica (CP) “como fazer” (GRECO, 2006). Portanto, quando um jogador realiza uma técnica específica, por exemplo, um passe, ele tomou uma decisão tática escolhendo essa ação motora como sendo a mais adequada para resolver a situação de jogo. Nesse caso, o conhecimento tático-técnico - declarativo e processual – interligam-se na busca dos objetivos do jogo (FILGUEIRA; GRECO, 2008).

    Tal exige, então, que os praticantes possuam uma adequada capacidade de decisão, que decorre de uma leitura do jogo ajustada, para poderem realizar a ação através de recursos motores específicos, designados por técnica (GARGANTA, 2002).

    O objetivo deste trabalho de revisão literária é compreender a importância do ensino da técnica através de exercícios baseados em situações de jogo.

Método tradicional de ensino da técnica

    O objetivo da técnica é melhorar o resultado, permitindo uma ação econômica e efetiva dos movimentos (FILIN, 1996, apud COSTA; NASCIMENTO, 2004). No futebol, as técnicas são ações motoras realizadas no sentido de solucionar os problemas que as várias situações de jogo colocam ao praticante (GARGANTA, 1997).

    As habilidades técnicas, por muito tempo, foram consideradas o elemento fundamental na configuração e desenvolvimento da ação de jogo nos esportes coletivos (HERNANDEZ-MORENO, 1994, apud GARGANTA, 2006).

    O ensino dos jogos desportivos (JD), durante longos anos, assentou em abordagens nas quais o ensino das habilidades técnicas prevalecia sobre o ensino da tática (MESQUITA, 2006, apud 2013). A utilização destas abordagens para o ensino da técnica, apelidadas de tradicionais, é bastante comum nos treinamentos e na realidade educacional (COSTA; NASCIMENTO, 2004; MESQUITA, 2013).

    Segundo Graça e Mesquita (2013), a abordagem tradicional do ensino dos jogos desportivos é demasiado centrada nas técnicas descontextualizadas, onde o ensino efetivo do jogo está na maior parte das vezes ausente. A principal conseqüência deste fato tem sido a obsessão pelos aspectos do ensino/aprendizagem centrados na técnica individual (BONNET, 1983, apud GARGANTA, 2006). A facilidade de implantação desta abordagem e a possibilidade da execução perfeita dos movimentos podem justificar a implantação desse modelo (COSTA; NASCIMENTO, 2004).

    Com freqüência é privilegiada a dimensão eficiência (forma de realização) da habilidade, de forma independente da dimensão eficácia (finalidade) e adaptação, isto é, do ajustamento das situações e respostas ao contexto (RINK, 1985; GRAÇA, 1994, apud GARGANTA, 2002).

    O futebol, por exemplo, têm baseado sua estratégia de ensino no domínio de habilidades motoras e técnicas sem a preocupação com a aplicação dessas capacidades nas diferentes situações de envolvimento e entendimento do jogo (FILGUEIRA; GRECO, 2008). Segundo os mesmos autores, alguns professores ou técnicos pressupõem a idéia de que o aluno precisa aprender e aperfeiçoar a técnica para poder jogar.

    A idéia de ensinar a técnica individual para jogar, parte do principio de que a soma de todos os desempenhos individuais provoca uma melhora qualitativa da equipe e que o gesto técnico aprendido de forma analítica possibilita uma transferência eficaz para as situações de jogo (GARGANTA, 1998; 2002; 2006).

    Essa idéia de que, se não ensinarmos previamente as habilidades do jogo, os alunos não serão capazes de jogar, tem sido a maior falácia das didáticas no ensino do jogo, pois o tempo gasto a aprender as habilidades isoladas nunca ou muito pouco se converte em ganhos para o jogo (GRAÇA, 2013).

    Desta forma, o processo de ensino enfatiza o ensino da técnica “como fazer” separadamente da tática “o que fazer”, o que resulta na pouca transferência das ações realizadas pelo aluno em treino para a situação de jogo (GARGANTA, 2002; FILGUEIRA; GRECO, 2008; COSTA; NASCIMENTO, 2004). Segundo da Costa e Nascimento (2004), para que haja essa transferência, novos aspectos de ensino da técnica devem ser valorizados.

    De acordo com Ortiz (2002), Teodorescu (2003) e Scaglia (2003), citados por Reverdito e Scaglia (2007), “qualquer proposta metodológica para o ensino dos esportes coletivos deverá ser orientada sobre o ato de jogar em sua forma dinâmica”.

Ensino da técnica através de situações de jogo

    Para que ocorra a transposição das habilidades técnicas para o jogo, o aluno deve vivenciar algumas progressões que evidenciem as situações de jogo, desde o início da aprendizagem (MESQUITA, 2000, apud COSTA; NASCIMENTO, 2004). Segundo Filgueira e Greco (2008), é preciso abandonar a idéia de que para poder jogar, é preciso aperfeiçoar o gesto técnico.

    Para dar sentido à aprendizagem, as tarefas devem ser realizadas de forma que integrem a estrutura e funcionalidade do jogo (COSTA; NASCIMENTO, 2004). O ensino da técnica, portanto, perpassa pela ação tática através da orientação e construção de exercícios nos processos de ensino-aprendizagem nas diversas situações de jogo (FILGUEIRA; GRECO, 2008). As habilidades técnicas estariam, portanto, condicionadas às características do jogo (COSTA; NASCIMENTO, 2004).

    Pois, como afirma Freire (2011), as habilidades de chutar, de cabecear, de passar, etc., só resultam eficientes quando tornadas inteligíveis, lógicas, por integrarem os fatores motores, os intelectuais, os sociais, os morais e os emocionais, de maneira equilibrada.

    É na utilidade para servir a inteligência e a capacidade de decisão tática dos jogadores e equipes é que se encontra a verdadeira dimensão da técnica (GARGANTA, 2002; 2006). Por isso que, segundo o mesmo autor (2002; 2006), o ensino das habilidades técnicas no futebol deve atender aos preceitos da sua adaptação inteligente às situações de jogo. Sendo assim, é mais importante saber gerir regras de funcionamento, ou princípios de ação, do que utilizar técnicas estereotipadas ou esquemas táticos rígidos pré-determinados (GARGANTA, 2002).

    De acordo com esta perspectiva, não se deve adotar situações que preconizem a exercitação descontextualizada e analítica dos gestos técnicos (passe, drible, chute, etc.), pois a execução realizada dessa forma assume características diferentes daquela que ocorre no contexto aleatório do jogo (GARGANTA, 2002).

    Em outras palavras, o treinamento tático, exige um treinamento técnico, que deverá apresentar uma estreita relação com o desenvolvimento das capacidades cognitivas. Portanto, o treino deve ter ligação direta com as situações de jogo (FILGUEIRA; GRECO, 2008).

    Destarte, o ensino do futebol através de uma pedagogia de situações de jogo acaba por oportunizar que o jogador proceda a uma “leitura de jogo”, o que implica em realizar uma relação entre a técnica e a tática propiciando a construção dos princípios de “o que fazer” para resolver o problema de “o como fazer”, que decorre de uma adequada capacidade de decisão, na procura de alcançar os objetivos pretendidos (FILGUEIRA; GRECO, 2008).

Considerações finais

    De acordo com esta revisão bibliográfica, o ensino da técnica através de métodos tradicionais, baseados no ensino da técnica de forma analítica não contribui para o desenvolvimento adequado da capacidade técnica do jogador.

    O jogo é um ambiente complexo, caracterizado pela imprevisibilidade e aleatoriedade de situações, o processo de treinamento centrado na técnica, através de exercícios analíticos não corresponde ao desempenho do praticante neste contexto.

    A estrutura do treinamento para o ensino da técnica deve, portanto, pautar-se na construção de exercícios baseados em situações de jogo, para que o jogador desenvolva sua capacidade técnica de forma similar ao jogo formal. Por meio deste modelo de ensino, o jogador é estimulado a resolver problemas de ordem tática “o que fazer” e técnica “como fazer”, sendo estimulados a desenvolver sua capacidade cognitiva de forma contextualizada.

Referências

  • BALBINO, H. F. Jogos desportivos coletivos e os estímulos das inteligências múltiplas: uma proposta em pedagogia do esporte. Campinas, 2001. 164 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas.

  • COSTA, L. C. A. da; NASCIMENTO, J. V. do. O ensino da técnica e da tática: novas abordagens metodológicas. Revista da Educação Física/UEM. Maringá, v. 15, n. 2, p. 49-56, 2. sem. 2004.

  • FILGUEIRA, F. M.; GRECO, P. J. Futebol: um estudo sobre a capacidade tática no processo de ensino-aprendizagem-treinamento. Revista Brasileira de Futebol, v. 1, n. 2, p. 53-65, jul./dez. 2008.

  • FREIRE, J. B. Pedagogia do futebol. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2011.

  • GARGANTA, J. Modelação táctica do jogo de futebol: estudo da organização da fase ofensiva em equipas de alto rendimento. 1997. 318 f. Tese (Doutorado em Ciências do Desporto e de Educação Física) – Faculdade de Ciência do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto.

  • GARGANTA, J. O ensino dos jogos desportivos colectivos. Perspectivas e tendências. Movimento. ano IV, n. 8, 1998/1.

  • GARGANTA, J. Competências no ensino e treino de jovens futebolistas. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, ano 8, n. 45, fev. 2002. http://www.efdeportes.com/efd45/ensino.htm

  • GARGANTA, J. Idéias e competências para “pilotar” o jogo de futebol. In: GO TANI.; BENTO, J. O.; PETERSEN, R. D. de S. Pedagogia do desporto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. p. 313-326.

  • GRAÇA, A. Os contextos sociais do ensino e aprendizagem dos jogos desportivos coletivos. In: NASCIMENTO, J. V. do.; RAMOS, V.; TAVARES, F. (org.). Jogos desportivos: formação e investigação. Florianópolis: UDESC, 2013. 79-102.

  • GRAÇA, A.; MESQUITA, I. Modelos e conceições de ensino dos jogos desportivos. In: TAVARES, F. (Ed.). Jogos desportivos coletivos: ensinar a jogar. Portugal: FADEUP, 2013. p. 9-54.

  • GRECO, P. J. Conhecimento tático-técnico: eixo pendular da ação tática (criativa) nos jogos esportivos coletivos. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte. São Paulo, v. 20, n. 5, p. 210-212, set. 2006.

  • LEITÃO, R. A. A. Futebol – Análises qualitativas e quantitativas para a verificação e modulação de padrões e sistemas complexos de jogo. Campinas, 2004. 113 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas.

  • MESQUITA, I. Perspectiva construtivista da aprendizagem no ensino do jogo. In: NASCIMENTO, J. V. do.; RAMOS, V.; TAVARES, F. (org.). Jogos desportivos: formação e investigação. Florianópolis: UDESC, 2013. 103-131.

  • REVERDITO, R. S.; SCAGLIA, A. J. A gestão do processo organizacional do jogo: uma proposta metodológica para o ensino dos jogos coletivos. Motriz. Rio Claro, v. 13, n. 1, p. 51-63, jan./mar. 2007.

  • TAVARES, F.; CASANOVA, F. A atividade decisional do jogador nos jogos desportivos coletivos. In: TAVARES, F. (Ed.). Jogos desportivos coletivos: ensinar a jogar. Portugal: FADEUP, 2013. p. 55-72.

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