efdeportes.com

À Luz dos Olhos Meus. Oficina terapêutica de fotografia no 

Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Madeira-Mamoré: um relato

de experiência como prática da disciplina Psicopatologia geral

La Luz de mis Ojos. Taller terapéutico de fotografía en el Centro de Atención Psicosocial (CAPS) 

Madeira-Mamoré: un informe de la experiencia como práctica de la disciplina Psicopatología general

 

*Professor Adjunto do Departamento de Psicologia (DEPSI) da Fundação Universidade Federal

de Rondônia (UNIR/RO), responsável pelas disciplinas Psicopatologia Geral I e II, supervisor

do Estágio Curricular em Saúde Mental e colaborador do Mestrado Acadêmico em Psicologia (MAPSI)

na Linha de Pesquisa: Saúde e Processos Psicossociais do DEPSI. Doutor em Educação Escolar

pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Araraquara

**Discentes do 7º período do Curso de Psicologia

da Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR/RO)

(Brasil)

José Carlos Barboza da Silva*

Anny Karoliny Sena de Oliveira**

Camila Gutieres dos Santos Costa**

Eva Olimpia da Silva**

Marta de Almeida**

Taísa de Lima Vianna**

Yesica Nunez Pumariega**

jcbs66@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          O Trabalho versa sobre uma oficina terapêutica de fotografia realizada no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) estadual Madeira-Mamoré, na cidade de Porto Velho, Rondônia. O objetivo da oficina era o de desmistificar a doença mental e as idéias pré-concebidas acerca dos usuários por parte dos discentes 6º período de Psicologia da Universidade Federal de Rondônia, além de colaborar no processo de reinserção social desses usuários em atividades terapêuticas conforme prevê a legislação em vigor. Foram realizados cinco encontros durante os meses de novembro e dezembro de 2013. Os resultados indicam que houve mudança dos discentes acerca da concepção de doença mental e da representação social dos usuários desse serviço, além da capacitação na criação de tecnologias de cuidado por parte dos discentes envolvidos na atividade.

          Unitermos: Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Oficina terapêutica. Usuários. Discentes de psicologia. Reforma Psiquiátrica.

 

Abstract

          The article depicts a Photograph Therapy Workshop that was developed in Madeira-Mamoré State Psychosocial Care Center (PSCC) in the city of Porto Velho, Rondonia. The workshop aimed to provoke undergraduates in the Sixth Semester of Psychology to demystify mental illnesses and preconceived ideas about the users of psychosocial services. In addition, it aimed to contribute for the social reintegration of these users through therapeutic activities, following the ruling laws in effect. Five meetings were held in November and December of 2013 in order to develop the aforementioned activity. The results indicated that the students had changed their concepts about mental illnesses and the social representation of the users of psychosocial services. Moreover, the students who participated in the activity were enabled to create (innovative) (psychological) care techniques.

          Keywords: Psychosocial Care Centers (PSCC). Therapy workshop. Users. Psychology undergraduates. Mental health reform.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 192 - Mayo de 2014. http://www.efdeportes.com/

1 / 1

1.     Introdução

    Este trabalho apresenta um relato da experiência vivida durante a prática da disciplina de Psicopatologia Geral II, do curso de Licenciatura e Formação de Psicólogos da Fundação Universidade Federal de Rondônia. Para isso, foi feita a proposta aos discentes durante a disciplina para que eles criassem uma oficina terapêutica e a utilizassem com os usuários do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) estadual Madeira-Mamoré.

    Seu objetivo foi desmistificar as formas pré-concebidas por parte de discentes de psicologia acerca da doença mental e dos usuários do CAPS no município de Porto Velho, Rondônia, além de colaborar no processo de reinserção social desses usuários em atividades que sejam terapêuticas, conforme prevê a Portaria nº 224/1992 (BRASIL, 2001).

    O método escolhido e utilizado para a realização da oficina terapêutica foi a fotografia. Os encontros aconteceram uma vez por semana num total de cinco tendo duração média de duas horas para cada oficina e ocorreram entre os meses de novembro e dezembro de 2013.

    Justifica-se tal atividade levando-se em consideração a participação dos usuários dos serviços de saúde mental e seu envolvimento nas práticas de produção de tecnologias de cuidado por parte dos discentes para superação do modelo asilar (BRASIL, 2005). Além disso, cabe lembrar que segundo Brasil (2005): “De todo modo, os desafios da saúde pública, colocados na agenda da psiquiatria e da saúde mental pelo processo de reforma psiquiátrica, tornam-se hoje um tema irrecusável para as instituições de formação e de pesquisa no Brasil” (p. 44 – 5).

2.     Fundamentos teóricos

    Afinal, o que é fotografia? Segundo o cantor Leoni, na música Fotografia: “O que vai ficar na fotografia são os laços invisíveis que havia. As cores, figuras, motivos...”. Assim nos pareceu, ao ver os usuários do Centro de Atendimento Psicossocial – CAPS – no momento em que fotografavam. Totalmente seduzidos pela câmera, por tudo, e por todos que estavam naquele local. Parecia que estavam vendo tudo pela primeira vez. As fisionomias sorridentes, o caminhar acelerado, a pressa em apertar o botão e já ir para outro local. Era um momento especial!

    Já numa definição mais científica Browner (1977), informa que: “Fotografia, palavra de origem grega (photos = luz, graphein = escrita) é a obtenção da imagem de um objeto por meio do aparelho fotográfico munido de um material fotosensível” (p. 15).

    O CAPS II Madeira-Mamoré funciona em Porto Velho há 11 anos, prestando atendimento a toda população do estado de Rondônia.

    A equipe técnica de atuação no CAPS Madeira Mamoré é composta por: uma coordenadora; quatro assistentes sociais; cinco enfermeiros; sete psicólogos; seis psiquiatras; um terapeuta ocupacional; dois administradores, entre outros profissionais de nível médio e técnicos administrativos.

    O local é de fácil acesso, as instalações estão apropriadas e a estrutura física conta com quatro salas de atendimento, ambulatório, duas salas para oficinas terapêuticas, farmácia, espaço de convivência, administração, cozinha, refeitório, vestiários e banheiros, sala de espera e recepção. Oferece assistência ao paciente de acordo com o artigo 4º da Portaria nº 336/2002 (BRASIL, 2002).

    Entendemos que o processo de formação de psicólogos deve possibilitar experiências práticas e/ou vivências junto aos diversos campos de atuação profissional, tal como o CAPS, além de criar ou desenvolver uma capacidade crítica no contato com tais realidades sociais no tocante à doença mental, já que o exercício profissional necessita do entendimento de que a chamada doença mental é uma construção social nessa realidade (AMARANTE, 1995). Essa é uma forma também do futuro psicólogo perceber qual sua função social e qual seu papel na engrenagem do modelo de produção capitalista. A falta de uma formação crítica adequada dificulta ou impede a possibilidade de desempenho profissional engajado e sua inserção política e social por meio dessa atividade profissional (SILVA, 2011).

    Apoiamo-nos também em Yamamoto; Oliveira & Campos (2002), acerca do compromisso profissional com as demandas sociais contemporâneas necessitar inicialmente da capacidade de problematização, de intervenção e consciência das “[...] determinações concretas da divisão social do trabalho capitalista [...] no mercado profissional” (p. 83).

    Por isso, a prática da disciplina de Psicopatologia Geral se dá no contato direto em loco, no CAPS, como forma de desconstruir a idéia entre um “objeto” a ser investigado e o “cientista”/pesquisador separado de tal realidade de acordo com o modelo de ciência positivista ainda hegemônico, já que “Afinal, o grande desafio da Reforma Psiquiátrica é construir um novo lugar social para os “loucos” (BRASIL, 2005, p. 38).

    Nesse trabalho a concepção atribuída a Reforma Psiquiátrica é

    “[...] como um movimento, um processo histórico que se constitui pela crítica ao paradigma médico-psiquiátrico e pelas práticas que transformam e superam esse paradigma, no contexto brasileiro, a partir do final do decênio de 1970, embora com particularidades regionais significativas, no amplo espaço geográfico nacional. Como processo histórico, insere-se numa totalidade complexa e dinâmica, determinada pelos processos sociais, regionais e nacionais, a partir dos anos 80 até a atualidade (OLIVEIRA; ALESSI, 2005, p. 193, destaque dos autores).

    Entendemos que, conforme os princípios do processo de Reforma Psiquiátrica em curso em nosso país trata-se de um

    [...] processo político e social complexo, composto de atores, instituições e forças de diferentes origens, e que incide em territórios diversos, nos governos federal, estadual e municipal, nas universidades, no mercado de serviços de saúde, nos conselhos profissionais, nas associações de pessoas com transtornos mentais e de seus familiares, nos movimentos sociais e nos territórios do imaginário social e da opinião pública. Compreendida com um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais, é no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo de Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios” (BRASIL, 2005, p.6).

    Conforme o Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de saúde Mental: 15 anos depois de Caracas (BRASIL 2005), “Um dos principais desafios para o processo de consolidação da Reforma Psiquiátrica Brasileira é a formação de recursos humanos capazes de superar o paradigma da tutela do louco e da loucura” (p. 43). Sendo assim, a participação dos discentes em atividades no CAPS por meio da prática da disciplina de Psicopatologia Geral também pode servir a essa importante tarefa que é de formação e preparação de recursos humanos com uma visão crítica acerca da doença mental e dos usuários desses serviços para a consolidação da Reforma Psiquiátrica e para o avanço da autonomia dos sujeitos.

3.     Relato da experiência

    Durante um período de cinco semanas o grupo viveu uma miscelânea de sentimentos. No primeiro momento a ansiedade e expectativa por conhecer o local e o público alvo, o primeiro encontro, ainda na fase de planejamento da oficina, com o ambiente e pessoas que transitam naquele espaço trouxe uma prenuncia do que iríamos encontrar. Todo o grupo se preparou antecipadamente para a oficina, verificando todo o material que seria utilizado para a execução do trabalho.

    Exemplo da variedade de sentimentos pode ser ilustrado a seguir pelo relato de alguns dos participantes que coordenaram as oficinas de fotografia: “No primeiro dia de oficina, ainda não sabia o que fazer, nem como abordar os usuários para tirarem as fotografias, mas o tempo foi mostrando que não tinha o que temer e que todos eram muito solícitos”. “O primeiro dia de visita foi muito esperado e aguardado com muita ansiedade, expectativas e temores, devido ao fato de não ter muito conhecimento do funcionamento do local e falta de conhecimentos gerais sobre os usuários. Tudo isso deu origem a várias perguntas: Como eles agirão e se comportarão na execução da oficina? Como agir diante de qualquer fato? A quem recorrer? Como me comportar?”

    No primeiro dia improvisamos um espaço no corredor e fomos procurar quem tivesse interesse em participar da oficina, e assim sucedeu nos encontros seguintes. Em todos os momentos a equipe do CAPS nos atendeu e ofereceu todo o suporte que tinham a disposição. Fomos bem recebidas tantos pelos usuários quanto pelos colaboradores do CAPS.

    O primeiro dia de oficina revelou nossas aflições, conflitos com o contato direto com usuários e satisfação por estar lá. O grupo foi tomado por alguns sentimentos individuais, teve quem se sentiu a vontade com o contato direto, toque e olhos nos olhos, enquanto outro se sentiu ameaçado com tanta aproximação. Fomos vendo nossas fraquezas e crenças reveladas sem que pudéssemos controlar. O planejamento que estava no papel não dava conta da realidade exposta, uma mesa no corredor e o espaço de convivência tornaram-se o nosso espaço.

    Entre os imprevistos: uma forte chuva durante a segunda oficina, o receio dos usuários e acompanhantes em interagir conosco, a limitação da disponibilidade de tempo e poucos usuários no CAPS em alguns dias de oficina, mas nada que não tenhamos contornado. A chuva a gente transformou em música.

    A terceira visita e oficina no CAPS foi muito construtiva, pois tivemos como convidado e ministrante de um minicurso de fotografia, um professor1 mestre na arte de fotografar, que contribuiu e nos ensinou muito sobre fotos, foco, luz, enquadramento e outros itens relacionados com a arte de fotografar enriquecendo ainda mais o aprendizado, compartilhamos os momentos com alguns funcionários, usuários e acompanhantes.

    A quarta oficina ocorreu com três participantes, além dos coordenadores e um desses participantes fez um vídeo contando sua história. O tempo do vídeo totalizava cerca de 50 minutos de relatos de experiências. A história foi contada em detalhes e pela expressão facial percebeu-se que o usuário se sentia como se estivesse em um programa de TV.

    A quinta e última oficina ocorreu com dois usuários do CAPS, mas outro usuário que não quis fazer parte da oficina convidou uma das integrantes para ir à sua casa fazer as fotos lá. Ele disse: “não quero fazer fotos aqui não, quero fazer lá na minha casa, tirar fotos das minhas galinhas”. Mesmo com algum receio e medo a integrante do grupo perguntou onde o usuário morava e após convidar mais outra coordenadora da oficina para irem juntas com o usuário se deslocaram junto com o usuário. Enquanto caminhavam o usuário contou a história daquela rua. Após caminharem cerca de duas quadras até chegar a casa dele foram surpreendidas por um lindo jardim e pela simpatia de sua mãe zelosa, além de uma casa aconchegante. Encantador!

4.     Discussão da experiência

    Pode-se dizer que além de conhecer a instituição, o CAPS, e os profissionais que nela atuam, além dos usuários deste serviço, a participação por meio de uma atividade prática da disciplina de Psicopatologia Geral II permite rever preconceitos e colabora na desmistificação da doença mental, já que a Reforma Psiquiátrica intenta uma mudança sócio-cultural na imagem anteriormente compartilhada do usuário como alguém a ser segregado em função de sua condição de “enfermo e incapaz”.

    Vejamos o que foi grafado no Relatório da oficina de fotografia entregue ao final da disciplina de Psicopatologia Geral II resultado da prática da disciplina por um dos membros participantes: “[...] no entanto, o mais gratificante e importante que foi aprendido é que não podemos deixar que existam diferenças entre as pessoas por conta de uma condição, de uma doença mental, em que somos todos iguais e temos as mesmas capacidades de desenvolvimento” (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 11).

    E ainda:

    Essa atividade prática possibilitou um primeiro contato com pessoas com transtornos mentais, e, por mais que se aprenda na universidade todo um conteúdo teórico, quando se tem um contato físico, quando se pode conversar e entender o contexto sócio econômico, assim como pessoal e familiar do doente mental, vem à tona tudo o que estudamos, bem como as afirmações de Heather (1977), e fica nítido que o dito fora do padrão de normalidade pode não ser o dito louco, como ele é caracterizado pela classe dominante. Foi possível perceber que muitos dos usuários do CAPS são inteligentes, criativos, assim como possuem senso crítico da sua sociedade e de política (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 11).

    Discutir o conceito de normalidade e os padrões e ideologia que estão contidos nele possibilitam quebrar os próprios preconceitos respaldados pelo olhar e atitudes de uma sociedade que se vale do modo de produção capitalista e que, em muitos aspectos, ainda se apóia na visão positivista e mecanicista da realidade. Essa experiência proporciona a possibilidade de romper com a linguagem normal-anormal, ajustado-desajustado etc., e nos faz concluir que existem diversas maneiras de se vivenciar, perceber e encarar a realidade externa e os desejos internos que nos orientam.

    O contato direto estabelecido com os usuários do CAPS, pessoas muitas vezes estigmatizadas, ditas doentes mentais, deu-se de modo a quebrar o preconceito enraizado, fazendo entender que apesar da doença, muitos deles (em sua maioria), mantêm, mesmo que por vezes de modo parcial, o princípio de realidade, o que foi claramente demonstrado no decorrer das oficinas, nas quais os usuários contribuíram de forma ativa em todas as atividades propostas e na socialização ao final de cada uma delas.

    Outros trechos do Relatório da oficina de fotografia entregue corrobora a opinião acerca da importância da prática na disciplina em causa na transformação da visão dos discentes envolvidos com tal atividade prática. O relato é o que se encontra a seguir.

    [...] durante esse período de oficinas vivenciei momentos que afetaram diretamente a minha formação, enquanto estudante de psicologia, o contato com estas pessoas me fez ver a doença mental muito mais linear com o que chamamos de normalidade.

    A experiência teve imensurável significado. Poder compartilhar alguns momentos da vida daquelas pessoas, conhecê-las é algo que eu não encontraria na literatura (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 12).

    Vejamos mais uma opinião de um dos membros da equipe que coordenou a referida oficina.

    Durante esses dias percebi o quanto essa linha, imaginária, que a sociedade busca a todo o momento, impor com sua dita “normalidade” separando as pessoas como produtos e colocando em formas, não existe. O que garante que, no amanhã, eu não esteja no papel que eles ocupam agora? Para que gastar tanto tempo, de estudo, tentando classificar e separar o ser humano? Nesta experiência, aprendi a aceitar e compreendê-los (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 14).

    Para mim, foi um aprendizado do início ao fim da oficina (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 15).

    Foi uma troca de experiências muito válida, um conhecimento que fará parte de nossas vidas. Ninguém sai incólume de um trabalho desses! (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 16).

    Considero essa experiência muito construtiva. Penso que as cinco visitas me fizeram crescer e ver o mundo com outro olhar, aliás, pratiquei olhar o outro com os seus olhos (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p.19).

    Conforme o relato da experiência descrito no Relatório da oficina terapêutica de fotografia entregue ao docente consta que:

    Em poucos lugares somos aceitos como fomos no CAPS; o que podiam fazer para atender às nossas demandas foi feito. O local esteve a nossa disposição, transitamos por todos os ambientes, diferente de outros lugares que também estivemos em outras disciplinas nesse período. A oportunidade de estar dentro de uma modalidade do CAPS foi válida e a experiência imensurável (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 10).

    A partir de agora traremos a opinião dos membros da equipe que coordenaram a oficina de fotografia acerca dos resultados da experiência.

    Segundo o Relatório da oficina terapêutica de fotografia (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013), entregue ao final da disciplina de Psicopatologia Geral II:

    A experiência de ter tido a oportunidade de estar no CAPS foi de extrema importância para nossa formação como futuras psicólogas, pois, é fundamental o inicio da prática, para que seja possível a formação de profissionais bem preparados, ajudando-nos a ampliar nossos horizontes frente às diversidades existentes (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 10).

    E ainda: “Foi possível verificar que o CAPS realiza um papel fundamental para com seus usuários, contribuindo no combate a exclusão e o preconceito, bem como promovendo a inclusão social e ajudando na luta por uma melhor qualidade de vida” (p. 10).

    Outros participantes que coordenaram a oficina declararam:

    [...] durante esse período de oficinas vivenciei momentos que afetaram diretamente a minha formação, enquanto estudante de psicologia, o contato com estas pessoas me fez ver a doença mental muito mais linear com o que chamamos de normalidade.

    A experiência teve imensurável significado. Poder compartilhar alguns momentos da vida daquelas pessoas, conhecê-las é algo que eu não encontraria na literatura (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 12).

    Para mim, foi um aprendizado do início ao fim da oficina. [...] Cada momento foi revelador (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 15).

    Este contato foi um aprendizado muito grande que vou levar comigo. Um minuto de atenção, a fala do outro, um gesto de carinho fazem toda diferença (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 17).

    As oficinas de fotografia, realizadas no CAPS contribuíram bastante para me fazer ver um pouco mais o lado dos usuários, das pessoas que procuram o CAPS.

    Mesmo tendo sido difícil encontrar usuários dispostos a participar da oficina, pelo grupo organizada, considero que esta oportunidade foi válida e muito significativa, para o meu crescimento pessoal e profissional, pois ver o CAPS pelo olhar dos usuários é bem interessante, é um modo diferente de enxergar o mundo. Tendo o contato com os pacientes do CAPS, pude descobrir de que forma eles são tratados dentro do Centro de Atenção Psicossocial e como eles se sentem ao serem tratados dessa forma (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 18).

    Consegui desconstruir a falsa idéia que eu tinha sobre a doença mental, especificamente dos doentes mentais (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 21).

    No item Posicionamento crítico diante da experiência da oficina presente no Relatório se lê:

    Quando estamos em sala de aula lendo aos textos e discutindo sobre a doença mental, normalidade, cuidado familiar, capitalismo, atenção e respeito ao ser humano em toda sua complexidade e características subjetivas; por vezes acabamos esquecendo que a sociedade, a família e a ciência, ais quais julgamos, somos nós. Essa experiência revelou que não nos incluímos em papeis que ocupamos.

    Enquanto ficamos tentando normalizar o comportamento e sentimentos das pessoas e como se fossemos deixando de ver o ser humano que existe além das características impostas (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p.21, destaque dos autores).

    Com tudo o que vivemos nesses dias, a pergunta feita no primeiro dia de aula desta disciplina, novamente toma destaque em nossas mentes, “qual seria a finalidade da psicologia?” o professor perguntou e a classe foi tomada por instantes de silêncio, não foi silêncio de reflexão, foi um silêncio porque até aquele momento não havíamos pensado nessa questão e o professor continuou “qual é a nossa função social?”. Ainda não temos uma resposta completa, e tão pouco desejamos tê-la, queremos continuar descobrindo o melhor caminho a ser seguido e também sabemos que o caminho traçado ontem, pode até ser usado hoje, mas não vai pode contemplar o amanhã. O caminhado que estamos traçando agora é a aceitação do ser humano, enquanto sujeito único cheio de limitações e possibilidades, que a seu modo pode sim integrar, interagir e contribuir junto à sociedade. Sociedade que não pode ser concretizada somente a base de produção e classificação (OLIVEIRA; COSTA; SILVA; ALMEIDA; VIANNA; PUMARIEGA, 2013, p. 22).

5.     Considerações finais

    A finalidade com que partimos na realização desse trabalho, conjunto entre docente e discentes da disciplina de Psicopatologia Geral II, na tentativa de colaborar para desconstruir uma representação social da doença mental e dos usuários estigmatizados socialmente, além de criar para os futuros profissionais psicólogos um novo olhar acerca da construção dessa subjetividade particular, também serve à incorporação de um modo novo de entender e trabalhar no campo da saúde mental com essa parcela da sociedade. A Reforma Psiquiátrica em curso no país é um processo de resgate do não-sujeito (BIRMAN, 1992) desumanizado pelo histórico de práticas e saberes psiquiátricos desde a criação dessa especialidade médica.

    A possibilidade de conviver e atuar junto aos usuários do CAPS é fundamental para a superação do paradigma de exclusão e de negação de cidadania dessa população e, portanto, para a mudança social e cultural que pode resultar do processo de Reforma Psiquiátrica (OLIVEIRA; ALESSI, 2005).

    A percepção por parte dos envolvidos sobre o processo de alienação2 não apenas ao qual está submetido o usuário, mas também os agentes de saúde são fundamentais para que o objeto de suas práticas não colabore para estratégias de controle e repressão de formas diferentes de expressão subjetiva, possibilitando a inclusão da cidadania da pessoa portadora de sofrimento psíquico como cidadão e sujeito de direito na assistência em saúde mental (AMARANTE, 1995).

    É necessário que a Reforma Psiquiátrica busque modificar por meio de suas práticas e saberes o objeto doença mental como algo abstrato inserindo o usuário como sujeito histórico garantindo a cidadania dos portadores de sofrimento mental. Conforme Nogueira (2010, p 93), é preciso “[...] pensar e lutar pela concretização de serviços alternativos de tratamento, enfatizando a responsabilidade do Poder Público na resposta à questão da saúde mental, aproximando-se da família e da comunidade”.

    A conformação do novo modelo assistencial em saúde mental vem sendo conquistado pela efetividade de práticas descentralizadas e democráticas capazes de incluir e integrar como sujeito efetivo de sua própria vida e de seu tratamento as pessoas portadoras de transtorno mental superando assim, o modelo de intervenção centrado no conceito de doença como falta e erro que o exclui e nega cidadania real, tanto política quanto social a essas pessoas (AMARANTE, 1995). Conforme Brasil (2005): “De fato, o CAPS é o núcleo de uma nova clínica, produtora de autonomia, que convida o usuário à responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória do seu tratamento” (p. 25).

    A partir do que foi apresentado e discutido acima se pode concluir que para a inclusão do louco/doente mental excluído historicamente das redes sociais toda a sociedade deve participar do processo do principal pressuposto da reforma psiquiátrica que é a desconstrução da loucura enquanto doença eminentemente orgânica permitindo ao sujeito a saída da alienação, psiquiatrização e normatização social permitindo a sua subjetivação sem os estigmas comuns a tal condição na busca de “[...] uma ‘cidadania especial’ a ser inventada (VASCONCELOS, 1999, p. 77, destaques do autor).

Notas

  1. Trata-se do professor Dr. Mário Roberto Venere, docente pertencente ao Departamento de Educação Física da UNIR/RO, convidado pela equipe que coordenou as oficinas que deu origem a esse trabalho.

  2. A acepção de alienação aqui utilizada é a de distanciamento político, afetivo e relacional do profissional em relação ao objeto de trabalho que expressa direta ou indiretamente uma determinada delimitação e abordagem paradigmática do modelo asilar, embora tais práticas e saberes aparentem a superação de tal paradigma e a não inclusão de cidadania plena dos chamados usuários (OLIVEIRA; ALESSI, 2005).

Referências

  • AMARANTE, Paulo. Novos Sujeitos, Novos Direitos: o debate em torno da Reforma Psiquiátrica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 11, nº 3, p. 491 – 94, jul/set. 1995.

  • BIRMAN, Joel. A cidadania tresloucada. In: BEZERRA JUNIOR, Benilton & AMARANTE, Paulo (orgs.). Psiquiatria sem hospício: contribuições ao estudo da reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992.

  • BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria nº 224, de 29 de janeiro de 1992. Regulamenta o funcionamento dos serviços de Saúde Mental. Legislação em Saúde Mental: 1990 – 2001. Brasília, DF, 2001.

  • ______. Ministério da Saúde. Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2002/Gm/GM-336.htm. Acesso em: 16 dez. 2013.

  • ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação de Saúde Mental. Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005.

  • BROWNER, Robert E. Fotografia: arte e técnica. São Paulo: Ed. Iris, 1977.

  • HEATHER, Nick. Perspectivas Radicais em Psicologia. Trad. de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.

  • NOGUEIRA, Maria S. L. Representações sociais da política de saúde mental: visões e práticas dos profissionais de um CAPS. Fortaleza: EdUECE, 2010.

  • OLIVEIRA, Alice Guimarães Bottaro de; ALESSI, Neiry Primo. Cidadania: instrumento e finalidade do processo de trabalho na reforma psiquiátrica. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, nº 1, p. 191 - 203, jan./mar. 2005.

  • OLIVEIRA, A. K. S. de; COSTA, C. G. dos S. S.; SILVA, E. O. da; ALMEIDA, M. de.; VIANNA, T. de L.; PUMARIEGA, Y. N. Relatório sobre a oficina terapêutica de fotografia no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Trabalho apresentado como requisito parcial para aprovação na Disciplina Psicopatologia Geral II, do Curso de Licenciatura e Formação de Psicólogos, Fundação Universidade Federal de Rondônia, Porto Velho, 2013.

  • SILVA, José Carlos Barboza da. As políticas educacionais e a formação do profissional da psicologia: suas implicações para a atuação profissional. Curitiba, PR: CRV, 2011.

  • VASCONCELOS, Eduardo. Mundos paralelos, até quando? Os psicólogos e o campo da saúde mental pública no Brasil nas duas últimas décadas. In: JACÓ-VILELA, A. M. et al. (orgs.). Histórias da Psicologia no Brasil. Clio-Psyché. Rio de Janeiro: UERJ/NAPE, 1999.

  • YAMAMOTO, O. H.; OLIVEIRA, I. F.; CAMPOS, H. Demandas Sociais e Formação Profissional em Psicologia. Revista do Departamento de Psicologia – UFF, Niterói, Rio de Janeiro, v. 14, n.º. 1, p. 75 – 86, jan. /jul. 2002.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/
Búsqueda personalizada

EFDeportes.com, Revista Digital · Año 19 · N° 192 | Buenos Aires, Mayo de 2014  
© 1997-2014 Derechos reservados