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Algumas implicações foucaultianas sobre a

sexualidade feminina na modernidade ocidental

Algunas implicaciones foucaultianas sobre la sexualidad femenina en la modernidad occidental

 

*Mestre em Política Social pela UFF/RJ

**Mestranda em História Social pela UNIMONTES/MG

(Brasil)

Vagner Caminhas Santana*

caminhasdokiau@hotmail.com

Viviane Caminhas Santana**

vivisantana15@yahoo.com.br

 

 

 

 

Resumo

          Tendo como pressuposto o fato de que a regulamentação da sexualidade sempre foi um assunto do Estado, das elites dominantes e da religião, este ensaio tem como proposta esboçar algumas reflexões sobre como a modernidade ocidental, com o sistema de valores que lhe é próprio, criou o discurso sobre a regulamentação da sexualidade feminina.

          Unitermos: Sexualidade feminina. Modernidade ocidental. Saber. Poder.

 

Abstract

          Taking for granted the fact that the regulation of sexuality has always been a subject of the state, ruling elites and religion, this essay is to outline a proposal some thoughts about Western modernity, with the value system of its own, created a discourse on the regulation of female sexuality.

          Keywords: Female sexuality. Western modernity. Knowledge. Power.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 192 - Mayo de 2014. http://www.efdeportes.com/

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    Na modernidade ocidental a subjetividade feminina se constitui em larga medida, pelo saber de si, por uma vontade de saber. Sendo assim, podemos entender que toda subjetividade é forjada no interior de uma determinada relação de saberes e poderes. Essa vontade de saber foi conduzida pelo dispositivo histórico de sexualidade. Uma rede de incitação dos corpos, de intervenções médicas, de discursos, de práticas de normalização foi instalada e se apoiaram uns nos outros sendo conduzidos por estratégias de saber e poder. Esse policiamento do sexo, agenciado por sua colocação no discurso, não deve ser em nenhum momento segundo Foucault, confundido com alguma espécie de interdição ou repressão sobre o sexo, pelo contrário, é graças à disseminação do sexo no discurso e à produção de verdades amparadas por diversas instituições que ele pode ser nomeado e classificado.

    Em sua obra História da Sexualidade – a Vontade de Saber, Foucault observou que mecanismos específicos do saber e poder centrados no sexo produziu discursos normativos acerca da sexualidade das mulheres, dos casais, demarcando as perversões sexuais, sobretudo a homossexualidade.

    Acerca da sexualidade, o filósofo Michel Foucault corrobora ao enfatizar que a sexualidade é um ingrediente que nenhum sistema moderno de poder pode dispensar, ela é aquilo que o poder tem medo, mas aquilo que se usa para seu exercício. As relações de poder são, antes de tudo, produtivas. Na obra citada, o filósofo faz do sexo um objeto histórico gerado pelo dispositivo da sexualidade, preocupando-se em analisar o que aconteceu no Ocidente que faz com que a questão da verdade tenha sido colocada em relação ao prazer sexual.

    Tendo em vista estas questões, para Foucault somos controlados e normatizados por múltiplos processos de poder e essa visão do poder também é vital para uma história da sexualidade. Esse dispositivo que instituiu o sexo como verdade maior sobre o indivíduo, transpôs o controle para a carne, os corpos, para os prazeres e com isso o dispositivo da aliança, que definia o proibido e o permitido. (FOUCAULT, 1988).

    Implica dizer ainda que para o filósofo a regulação em torno da sexualidade sempre foi ora assunto da religião de Estado e ora das elites dominantes. Todavia, são essas estratégias de poder que vão construindo os modelos de sexualidades. Pensando assim, entendemos a sexualidade como uma construção inseparável do discurso e das relações de poder na qual ela é constituída.

    De acordo com Foucault, a regulação do corpo feminino foi uma das peças primordiais da estratégia de poder que se anunciou na modernidade. Por meio de tais estratégias o corpo da mulher foi qualificado, analisado e desqualificado. Esse corpo saturado de sexualidade foi confiscado e direcionado para o campo da medicina. Nesta perspectiva, a mulher enquanto mãe tinha como ditame a responsabilidade de gerar e gerir o corpo social, o espaço familiar e a vida das crianças (FOUCAULT, 1988). O controle nesta ótica passa a ser organizado de modo a permitir o adestramento de corpos, envolvendo-os numa mecânica produtiva, lançando mão de inúmeras técnicas para sujeitá-los. Todo um conjunto de saberes e discursos envolvendo a sexualidade da mulher passa deste modo, ao status de verdade e de racionalidade.

    Partindo desta compreensão, podemos dizer que os discursos médicos, higienistas e psiquiátricos a partir do século XIX, construíram um modelo de sexualidade feminina, instituindo a norma no papel da esposa, de mãe e dona de casa. Essa caracterização do feminino a partir da natureza levou as mulheres a serem consideradas por diversos saberes e pelo senso comum com seres frágeis e submissos. O corpo feminino foi “patologizado” por meio desses discursos num processo que buscava a domesticação e disciplinamento dos comportamentos femininos. O poder disciplinar entra em cena tendo como função adestrar, assujeitar tais comportamentos para o bem da sociedade. Vendo por esta lógica, o corpo e a sexualidade feminina passaram a ser objeto de saberes mais apurados, de poderes mais articulados, ou ainda lugar de um discurso superabundante, sendo tais discursos, responsáveis por formatar os corpos femininos, por meio de normas que o materializam. Esse processo de materialização se faz pela repetição de tais discursos e normas.

    Tais ciências médicas operaram como uma tecnologia disciplinar, impondo seu padrão de normalidade como único possível a ser seguido. Por meio da psiquiatria, se efetivou toda uma tecnologia de poder na medida em que esta reivindicava para si o estatuto cientifico. Numa compreensão Foucaultiana, a sexualidade feminina, longe de ser reprimida pelos poderes dominantes é construída por tais discursos médicos e instrumentalizada como estratégia desses poderes, instaurando assim a norma e definindo o desvio.

    No seu texto, “Em Defesa da Sociedade, aula 17 de março de 1976”, Foucault também discutiu acerca da temática da sexualidade, apontando algumas possíveis razões à importância que teve no tocante ao século XIX. De um lado, defende que a sexualidade enquanto comportamento exatamente corporal dependeu de um controle disciplinar, em forma de vigilância permanente (controle da masturbação exercidos sobre as crianças no meio escolar, familiar) e por outro lado, a efetividade da sexualidade por meio dos seus efeitos procriadores em processos biológicos amplos que concernem não mais ao corpo do individuo, mas a esse elemento, a essa unidade múltipla constituída pela população, dependendo, todavia, da disciplina e da regulamentação. Daí a ideia médica de que a sexualidade quando indisciplinada e irregular tem como punição todas as doenças individuais que o devasso sexual atrai sobre si (FOUCAULT, 2000, p. 300, 301). A sexualidade se tornou assim uma questão médica quando passou a ser tratada como tal, sendo perpassada por um sistema construído de normalidade e saberes, que por sua vez não são fixos.

    Foucault atribui, ao biopoder uma sexualidade na qual se deve intervir, que passa a ser induzida por discursos produzidos em geral na área médica e na área da psicanálise. O desenvolvimento do capitalismo por meio de certas estratégias de gestão e governo da vida dos indivíduos e da população constituiu o que ele chamou de biopoder. Por meio do biopoder o corpo individual e o corpo da população são perpassados por um conjunto de práticas governamentais regulatórias que se imprimem sobre a massa populacional por meio do controle da natalidade, morbidade e fecundidade, extraindo o seu saber e definindo os campos de intervenção de seu poder. Esta estratégia de poder repercute sobre a vida das pessoas, esta vida passou a ser regulada por meio de mecanismos como higiene pública e pela crescente incitação á reprodução.

    O biopoder, segundo o filósofo se constituiu no século XIX em função da necessidade política de moldar e conservar a vida através de tecnologias que criam algo novo para gerenciar a população, e esta sendo governável, pode ser transformada e regulada. Sendo assim, ao biopoder importam taxa de natalidade, taxa de mortalidade, modos e níveis de reprodução, bem como o interesse pela fecundidade. É nesse campo que o dispositivo de sexualidade tem a função de regular o sexo, restrito ao leito conjugal, vigiado pela família, que, por sua vez é controlada pelos mecanismos desse biopoder. Tamanho disciplinamento em torno dessa sexualidade constituiu assim uma espécie de fábrica de corpos submissos e exercitados a exercerem tais funções: corpos dóceis. Esse docilizar torna a sexualidade susceptível, sob controle, esse corpo então responde a uma sujeição de determinada regra.

    Por que a sexualidade feminina é transformada em objeto de saberes?

    Talvez seja na maternidade que o peso deste discurso mostre toda a sua força. O “tornar-se mãe” passou a ser incentivado, como se tratasse de algo natural. Tais discursos essencializaram a ideia de que a mulher possui um instinto materno. Vendo por esse viés, as mulheres passam a seres moldadas para a reprodução, úteis ao oficio da maternidade e ao casamento. A cada momento histórico, este saber foi apresentado como uma verdade sendo ela ora ditada pela Igreja, pelo Estado ora pela medicina.

    Reforçam-se mais uma vez a figura central do homem no seio familiar. A figura paterna sempre passou uma imagem de segurança e virilidade, e a imagem falocêntrica esteve acima de tudo. Já a figura feminina teve nesta acepção um papel coadjuvante, cabendo a ela aceitar as decisões do marido, a organização das tarefas domésticas, a educação dos filhos conformes os ditames sociais instaurados. Coube à mulher desempenhar uma infinidade de tarefas, como o cuidado com os filhos, os afazeres domésticos e o provimento do bem-estar da família, tudo isso partindo do princípio de que a mulher é naturalmente capacitada para tais tarefas. No intuito de obediência à ordem restou à mulher o espaço da reclusão doméstica, tendo em vista que toda produção de saberes requer uma reclusão a um espaço fechado.

    Os papéis sexuais são deste modo, histórico e culturalmente construído muitas vezes em conexão com necessidades políticas e econômicas. Chegam-se a um patamar onde as políticas, tratados científicos, normas culturais, padrões sociais e enfim, todo esse aparato de controle social é utilizado para definir como devem ser os comportamentos humanos. Enfim, pautando nesse entendimento, podemos dizer que os comportamentos e a sexualidade são controlados e vigiados por meio de conselhos e normas que por sua vez, assumem tons e diretivas diferentes conforme os gêneros. O discurso ideológico sustentando por este saber e, atrelado aos interesses que sustentava o poder e à ordem política, estabeleciam o que deveria ser considerado “normal” e, por extensão, o patológico em termos de desejos e práticas sexuais.

    As análises propostas por Foucault indicam desse modo, que o que está em questão nas relações de poder capitalistas é a produção de um sujeito que tenha uma utilidade produtiva e econômica. Assim sendo, o sucesso deste empreendimento perpassa pela construção de um sujeito dócil politicamente e útil economicamente, que esteja amplamente conectado com as demandas sociais por habilidades exigidas pelo mesmo em um dado período histórico.

    Diante dessas considerações, acreditamos que a construção em torno da sexualidade feminina se faz nas diferentes instâncias sociais, encontrando também resistências e outros processos de subjetivação. Tais processos também se inscrevem nessas relações de poder, que por sua vez podem ser modificados pela própria condição móvel do mesmo e por seu caráter construtivo e não “essencial”. Dessa forma, as diversas formas de subjetividade feminina não devem ser tomadas como naturais, mas permeadas por regimes discursivos de “verdades” que produzem os sujeitos, bem como sua existência.

Referências

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