História da Dança de Salão no Brasil: Pernambuco do século XIX Historia del Baile de Salón en Brasil: Pernambuco en el siglo XIX |
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Mestre em Ciências Biológicas, UFPR Especialista em Educação, IBPEX Licenciada em Ciências Biológicas, UFPR |
Maristela Zamoner (Brasil) |
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Resumo Objetivou-se, pelo estudo de periódicos, reconhecer características da prática de Danças de Baile na sociedade de Pernambuco durante o século XIX. Foram analisados todos os periódicos produzidos em Pernambuco no século XIX e disponibilizados pela Hemeroteca Digital Brasileira até setembro de 2013, totalizando 40 deles, que cobrem o intervalo de 1823 a 1900. Foi possível concluir que nesta sociedade do século XIX a dança foi uma atividade importante: havia sociedades de dança que promoviam bailes, ensaios e aulas; colégios ofertaram aulas de dança para meninos e/ou meninas como parte da educação formal; a dança estava presente na literatura oferecida pelos periódicos; partituras de música para dança foram anunciadas a venda; espetáculos foram divulgados tendo a dança em seu escopo e foram reconhecidos 10 nomes de professores de dança atuantes no intervalo pesquisado. A Valsa, primeira Dança de Salão, e a Polka foram as danças que tiveram maior ocorrência entre as Danças de Baile verificadas nesta pesquisa. Unitermos: Dança de Salão. Pernambuco. História. Professores. Mestres. Ensino. Século XIX.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 192 - Mayo de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
A Dança de Salão, que provavelmente surgiu no século XVIII com a presença da Valsa em salões de diversos países, se consolidou como parte das Danças de Baile de forma mais significativa durante o século XIX (Zamoner, 2013a). No Brasil, há registros da prática da Dança de Salão no século XVIII, o que indica a possibilidade de seu ensino, constatado neste século XVIII para Danças de Baile praticadas no país (Zamoner, 2013b). Desta forma, a compreensão do contexto das Danças de Baile nas diferentes divisões políticas brasileiras do século XIX é relevante como fundamento necessário para o conhecimento sistematizado da História da Dança de Salão no Brasil.
Atualmente a literatura que aborda a Dança de Salão em Pernambuco não disponibiliza muitas informações sobre o século XIX. Pinho (1970), inicia seu capítulo sobre salões e festas na província de Pernambuco, sobretudo no Segundo Reinado, lembrando o período holandês como tentador para narrativa e estabelecendo a seqüência de seu texto no século XIX. O autor baseia-se nos relatos de viajantes estrangeiros como Koster, Maria Graham e Tollenare. Citando as observações de Vauthier, registra-se que as figuras da quadrilha dançada em um baile ocorrido em 19 de setembro de 1840 seriam quase idênticas àquelas dançadas em Vanes, na Europa, no inverno do mesmo ano. Esta observação sugere que houve aprendizado relativamente atualizado do que se dançava na Europa. No ano de 1864 cita-se um baile no Clube Pernambucano em que se dançaram quadrilhas e galope.
São particularmente relevantes, do ponto de vista histórico, os registros sobre a existência de professores de dança. A identificação de professores de dança em certa localidade e tempo é importante para o estudo histórico porque pode servir como índice de quanto se dançava (Elmerich, 1987).
A digitalização de documentos produzidos no século XIX, como jornais, revistas, livros e outros, permite que as sociedades das diferentes épocas e localidades sejam conhecidas e características peculiares sejam identificadas, como, por exemplo o ensino e a prática das Danças de Baile. No século XIX, em Pernambuco, houve produção de periódicos que vêm sendo disponibilizados para consulta digital pela Hemeroteca Digital Brasileira.
Objetiva-se nesta pesquisa, através do estudo de periódicos, reconhecer características das Danças de Baile na sociedade de Pernambuco do século XIX, identificando nomes de professores que ensinavam estas danças neste período, a exemplo de Zamoner (2013c, d, e; 2014).
Metodologia
Fizeram parte da pesquisa os periódicos obtidos com base na busca filtrada por “Pernambuco”, século XIX, no acervo de periódicos da Hemeroteca Digital Brasileira.
Todos os periódicos elencados foram acessados procedendo-se a busca pelo unitermo “dança”. Registraram-se os totais de suas ocorrências e a natureza de cada uma delas.
Os periódicos obtidos foram tabelados adicionando dados do intervalo de anos em que foram produzidos, quantidades de ocorrências do unitermo “dança” e de professores neles identificados. Os nomes de professores foram tabelados separadamente, com o ano em que apareceram, periódico, e, quando identificado, o endereço em que as aulas foram ofertadas.
De forma complementar, para efeito de confronto de informações, foram consultados periódicos do século XIX produzidos em outras localidades brasileiras.
Notou-se que parte dos exemplares consultados apresentaram condições ilegíveis e mutilações. Alguns estavam incompletos, faltando edições ou danificados. O filtro de palavras foi eficiente, mas, apresentou algumas falhas, trazendo palavras semelhantes à buscada ou não identificando sua presença. Assim, esta metodologia admite falhas porque pode haver outras ocorrências do unitermo de busca além do que foi possível obter por este método. Entretanto, esta dificuldade não inviabilizou que o objetivo da pesquisa fosse atingido.
Consultas complementares a outras fontes de literatura e dados de libretos brasileiros e europeus foram procedidas para o reconhecimento de possíveis relações entre os dados obtidos e apresentações cênicas do século XIX. Confrontos e confirmações destas informações foram realizados entre dezembro de 2012 e setembro de 2013, nos endereços eletrônicos: http://www.internetculturale.it; http://polovea.sebina.it; http://catalogo.bnportugal.pt; http://trove.nla.gov.au; http://www.amadeusonline.net; http://openlibrary.org; http://www.worldcat.org; http://orlabs.oclc.org; http://www.bn.br.
Resultados
Foram encontrados 40 periódicos de Pernambuco produzidos no século XIX cobrindo o intervalo de tempo entre 1823 e 1900. O Quadro 01 apresenta estes resultados.
Quadro 01. Periódicos que compuseram a pesquisa, intervalos de publicações e quantitativos totais de ocorrências do unitermo de busca “dança”
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Periódico |
Anos de publicação |
Ocorrências do unitermo de busca |
1 |
A Carranca: Periodico politico-moral, satyrico-comico |
1845 a 1847 |
4 |
2 |
A Epocha: orgão do Partido conservador |
1889 a 1890 |
11 |
3 |
A Provincia: orgão do Partido Liberal |
1872 a 1933 |
277 |
4 |
A Republica |
1871 |
0 |
5 |
A Revolução de Novembro |
1850 a 1852 |
0 |
6 |
A União |
1848 a 1852 |
15 |
7 |
A Voz da Religião |
1846 a 1850 |
1 |
8 |
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Provincia de Pernambuco |
1860 a 1864 |
2 |
9 |
Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial e Agrícola da Provincia de Pernambuco para os Annos de 1870 e 1881 |
1869 a 1881 |
6 |
10 |
Boletim Eleitoral |
1864 |
1 |
11 |
Constitucional Pernambucano |
1864 a 1865 |
4 |
12 |
Folhinha de Almanack, ou, Diario Ecclesiastico e Civil para as Provincias de Pernambuco, Parahyba, Rio Grande do Norte, Ceara e Alagoas |
1859 a 1863 |
0 |
13 |
Jornal do Povo |
1889 |
5 |
14 |
O Americano: semanário político e de litteratura |
1871 |
3 |
15 |
O Argos Pernambucano |
1850 a 1852 |
0 |
16 |
O Capibaribe: jornal político |
1848 a 1849 |
0 |
17 |
O Conservador |
1867 a 1868 |
3 |
18 |
O Constitucional |
1861 |
1 |
19 |
O Democrata: orgao do club deste nome |
1880 a 1881 |
0 |
20 |
O Diario Novo |
1842 a 1848 |
176 |
21 |
O Interprete: folha theatral |
1882 |
0 |
22 |
O Liberal |
1861 a 1866 |
7 |
23 |
O Liberal: jornal político |
1868 a 1870 |
20 |
24 |
O Liberal: jornal político, litterario e noticioso |
1872 a 1874 |
0 |
25 |
O Mercurio |
1898 |
8 |
26 |
O Seis de Março |
1872 |
0 |
27 |
O Sulista: periódico político e moral. |
1849 |
0 |
28 |
O Telegrapho: periodico joco-serio |
1850 |
0 |
29 |
Relatorios dos Presidentes dos Estados Brasileiros |
1890 a 1930 |
2 |
30 |
Republica Federativa |
1872 |
0 |
31 |
Sentinella da Liberdade na Guarita de Pernambuco |
1823 |
0 |
32 |
A Esperança |
1864 a 1865 |
0 |
33 |
A Familia Universal |
1872 |
0 |
34 |
A Lanterna |
1873 |
0 |
35 |
A Luz |
1873 a 1874 |
0 |
36 |
O Forum |
1868 |
0 |
37 |
O Monarchista |
1872 |
0 |
38 |
O Progressista Constitucional |
1862 a 1863 |
0 |
39 |
Outeiro Democratico |
1870 a 1871 |
0 |
40 |
O Cruzeiro: Jornal Politico, Literario e Mercantil |
1829-1830 |
44 |
Fonte: dados das edições de 40 títulos de documentos produzidos no século XIX em Pernambuco,
disponibilizados até setembro de 2013, como parte do acervo de periódicos da Hemeroteca Digital Brasileira.
As buscas nos periódicos trouxeram 590 apontamentos do unitermo “dança”, sendo que cada um deles foi analisado quanto ao contexto em que estava inserido. Todas as ocorrências que traziam nomes de professores de dança foram registradas. Notou-se que 61 apontamentos corresponderam a palavras semelhantes ao unitermo de busca.
Vários apontamentos trouxeram como resultados o uso da palavra “dança”, referindo-se a doenças nomeadas, por exemplo, como “dança de S. Guido” e “dança de São Vito”.
Professores de Dança
O Quadro 02 apresenta os nomes de 10 professores de dança encontrados na pesquisa, nos termos em que foram publicados, seguindo-se o ano e periódico em que ocorreram.
Quadro 02. Elenco dos nomes de professores encontrados na pesquisa, ano e
periódico de ocorrência. Os nomes estão listados conforme foram publicados
Fonte: dados das edições de 40 títulos de documentos produzidos no século XIX em Pernambuco,
disponibilizados até setembro de 2013, como parte do acervo de periódicos da Hemeroteca Digital Brasileira.
O “Cruzeiro Jornal Politico, Literario e Mercantil” de 31 de julho de 1829, da Typografia do Cruzeiro, de Pernambuco, traz o anúncio mais antigo encontrado nesta pesquisa:
Angelo Chaves Dansarino tem sala de danças de novo methodo Francez na rua da Cruz do Recife, no. 18, em que ensinara o que requer uma educação cuidadosa, sendo a dança huma quallidade que embelesa e orna as pessoas civilizadas. Assignatura mensal serà a preço modico em attenção à concorrência que houver. O Mestre de Dança se offerece a dirigir em cazas particulares os Bailes que se destinarem, assim como dar lições nas Cazas onde lhe fizeram a honra de o chamarem.
No periódico “O Farol Paulistano”, datado de 1831, foi constatado o seguinte anúncio:
- Mr. Anjo Chaves Professor de Dança torna a participar ao respeitavel Publico, que em sua caza rua de S. Bento n.6 da lições de dança a todas as pessôas que de seu prestimo e arte se quiserem utilisar: insina-se o que requer uma educação cuidadosa, sendo a dança uma qualidade que embelesa, e orna as pessôas civilizadas, por ser o metodo Francez com que se propõe a insinar, o mais seguido, e o mais adoptado em todas as capitaes d´Europa, servindo não só para o entretenimento que ministra a dança, como para a polidez do porte, movimentos, atitudes e maior civilidade. Tambem se compromette o annunciante a dar lições por cazas particulares;
assim como a ensaiar, e dirigir bailes no melhor gosto annunciado.
Em 17 de maio de 2013, uma pesquisa tendo como base “O Farol Paulistano”, revelou na página 1936 do número 455 de 24 de fevereiro de 1831, o anúncio deste professor de dança que se auto denominava “Mr. Anjo Chaves”, oferecendo aulas de dança e organização de bailes em São Paulo (Zamoner, 2013f). O mesmo anúncio já havia sido reproduzido na íntegra por Guedes e Berlinck (2000), em seu trabalho sobre os anúncios de jornais brasileiros do século XIX, publicado pela Universidade de São Paulo.
“Angelo Chaves” anunciou aulas de dança no jornal “O Cruzeiro Jornal Politico, Literario e Mercantil”, de Pernambuco em 1829 e 1830 e em 1831 “Anjo Chaves” anunciou aulas no periódico “O Farol Paulistano”, de São Paulo. Tanto os textos quanto os nomes são muito semelhantes, o que sugere a possibilidade de se tratar do mesmo profissional, o que é reforçado pela sequência e não coincidência de datas das publicações. No ano de 1830, Angelo Chaves anunciou, no mesmo periódico pernambucano, um espetáculo de dança oferecendo seu endereço para venda de ingressos. Antes de sua realização, porém, anunciou seu cancelamento devido a problemas com os ensaios. Em 1831, ano seguinte, é constatado o anúncio de Anjo Chaves em São Paulo.
O nome de Carolina Wanimeil também é constatado anteriormente em outro estado, no Maranhão, quando ofereceu aulas de dança no periódico “Chronica Maranhense”, de 11 de fevereiro de 1839:
ESCOLA DE DANÇA
Carolina Wanimeill propõe-se a ensinar toda a qualidade de Dança Franceza as Snr.as e Meninas: Quem pertender aproveitar-se, póde mandar o seu aviso a sua morada; rua do Sol, defronte das Snr.as Franzoens.
O nome desta dançarina e professora foi constatado em periódicos pernambucanos, juntamente com o nome do “Sr. João Wanimeil”, entre os anos de 1842 e 1843, em anúncios de espetáculos, eventualmente, referenciados como “professores de dança”.
No ano de 1842, no “Diario Novo” de Pernambuco lê-se:
THEATRO.
Tendo chegado no Vapor a esta cidade, o Snr. João Wanimeil, e sua Sra. Carolina Wanimeil, e tendo de dar seu primeiro espetaculo de – DANÇA, Quinta feira 6 do corrente, pedirão a mesma Peça – SEIS DEGRAOS DO CRIME – para o seu debute, trabalhando no intervalo estes dois artistas; por cuja cauza fica o expectaculo transferido para o referido dia.
No dia seguinte, 4 de outubro o mesmo periódico publica:
THEATRO.
Expectaculo extraordinario executado por Madame Carolina, e Juan Wanimeil Professores de Dança, Quinta-feira 6 do corrente. – Representar-se-ha a grande peça: OS SEIS DEGRAUS DO CRIME OU O NOVO JOGADOR. I. Degrau, A ociosidade – 2. O Jogo – 3. A Sedução – 4. O Roubo – 5. O Assassinato – 6. O Cadafalso.
O grande merito desta Peça, e o muito applauso que pela sua moral, recebeu do illustrado publico desta cidade, quando ha tres anos foi representada, resolveo a Direcção a apresenta-la em scena, na certeza de que muito agradará aos apaixonados dos bons Dramas.
Ainda em 1842 são encontradas publicações sobre espetáculos de danças em intervalos ou finais de peças teatrais, executadas pelo casal Wanimeill. Em uma destas publicações, datada de 28 de novembro de 1842, lê-se:
- João Wanimeil, Professor e Compositor de Danças, vai no faustoso Dia 2 de Dezembro, Anniversario de S. M. I. e C. apresentar ao respeitavel publico desta Capital Uma Dança de Caracter, de sua composição, a qual se denomina – O SULT’AO GENEROSO. – Será dividida em 4 actos ou partes que serão conhecidas pelas mutações respectivas.
A este texto segue-se uma listagem de personagens da dança com os respectivos nomes de seus interpretes.
No dia 2 de dezembro “O Diario Novo” de Pernambuco publica novamente sobre a dança de carater “O SULT’AO GENEROSO” de João Wanimeil, adicionando informações, entre elas, de que a “Sra. Carolina”, embora não seja cantora e nem tenha “melodioza voz”, cantará o hino nacional, já que não há outra pessoa que o possa fazer. O texto encerra registrando que se espera do público as desculpas pelas faltas deste canto.
Em 26 de janeiro de 1843 “O Diario Novo” de Pernambuco publica a última nota em que, nesta pesquisa, foram constatados os nomes do casal Wanimeill:
Presepio no Theatro Publico.
- Sexta-feira 27 do corrente se representarão as partes mais interessantes dos tres dramas com as cantorias análogas ao entrexo: os intervalos serão preenchidos por Dança de Gavota (não de sala) de Theatro, e Caxuxa, executada esta por duas pastoras, e aquella por Md. Carolina e Sr. Wanimeil – cantando-se a aria de Judas, e do Soldado romano com os seus competentes diálogos com as pastoras.
Dança no ensino formal
Alguns anúncios de colégios de educação formal ofereceram aulas de dança aos seus alunos como parte integrante da educação. O Quadro 03 mostra a listagem dos colégios identificados na pesquisa.
Quadro 03. Colégios que funcionaram no século XIX ofertando aulas de dança
no ensino formal em Pernambuco, seguidos por ano e periódico de ocorrência
Fonte: dados das edições de 40 títulos de documentos produzidos no século XIX em Pernambuco,
disponibilizados até setembro de 2013, como parte do acervo de periódicos da Hemeroteca Digital Brasileira.
Artigos
O periódico “O Liberal: jornal político”, em 15 de novembro de 1869 apresenta um artigo interessante. O texto, intitulado “O PASSADO E O PRESENTE”, na sessão “FOLHETIM”, discute vários aspectos do passado e do presente, dedicando um trecho à dança:
[...] Basta apreciarmos a parte menos difficil da gymnastica, a Dança de salão, para uos convencermos da verdade de um tal progresso.
Enthusiasme-se quem quizer pelo minuete francez, e ruidoso boleros, o lascivo fandango, a desenvolta cachucha, o solo inglez a sizuda gaivota, e tantas outras danças figuradas que fazião as honras e o entretenimento dos antigos salões.
Nossos leitores, sem duvida, preferem as danças modernas: as clássicas quadrilhas, com seus tour de main, e grandes chaines, durante as quaes as velhas tias bocejam, mais as jovens meninas sustentam os mais confortáveis e instructivos diálogos; a encantadora schotis, a polka traquinas, e a valça, sim a valça, não a antiga e figurada, fria, monotona, que conservava quase sempre separados os pares dançantes. Mas a valça moderna que nos une, nos aperta, nos estreita de modo a causar iuveja aos espectadores, a fazer bater com força o coração, a desvairar-nos a cabeça, e arrebatar-nos em vida para o Céo!.. Quem nunca dançou a valça não gosou ainda na terra, nem conheceu o que se chama felicidade! Ha nada mais lindo do que aquela mesura contemplativa que estaca os pares nos seus candeciaes encontros, dos inimitáveis Lanceiros?
Ha nada mais febril e electrico do que o Cancan, o moderno Cancan francez já tão introduzido entre nós, e tão aplaudido nos theatros por todas as matronas as mais severas e honestas?! Decedidamente, nesta parte, o progresso presente sobre o passado não admitte duvida.[...]
Nesta pesquisa, as palavras “dança de salão”, juntas, foram identificadas pela primeira vez neste artigo de 1869.
Já no periódico “A Epocha”, de 1890, há um artigo intitulado “Baile”, dedicado a criticar os bailes e passar a mensagem de que as mães devem preferir ficar com seus filhos. O artigo segue citando que as moças solteiras tem vindo antes dos 15 anos aos bailes, adornadas com broches caros e flores artificiais, preferindo a Valsa Boston e a quadrilha americana a falar corretamente. O artigo torna-se mais ácido ao discorrer sobre o efeito dos bailes sobre as moças:
[...] O baile prende-as e apossa-se do seu espírito, é uma garra formidavel e, para ellas, deliciosa. É nelle que ouvem as melifluas e banaes lisonjas que as rejubilam (pobre innocencia!); é nelle que a sua colerie as envaidece, fazendo-as supporem se com muito maior merecimento... e é nelle que muitas vezes as se compromette a assiduidade de um pretencioso fútil.
Ó futuras noivas recatadas e meigas, perdei menos noites na dança, e, quando fordes a um ou outro baile pedi á vossa modista um vestido mais discreto, e ao jardineiro do vosso jardim as suas florinhas estrelladas e puras.
Um dos males que nos aflligem é a mania da dança. [...]
Este artigo, assinado por Julia Lopes de Almeida, inicia relatando a volta de um baile, vivida pela própria autora.
Anúncios
Alguns anúncios ofereciam a venda partituras de música para dança, chegando-se a mencionar álbuns de dança.
Constataram-se apenas dois anúncios de um mesmo livro a venda, ambos no periódico “A Provincia”, ano de 1900:
Livros novos – Acabam de chegar á LIVRARIA LAEMMERT, os seguintes: [...]
Arte de Dança nova edição illustrada com muitas gravuras.
Sociedades de dança
Pinho (1970) registra que em Recife, no século XIX, as sociedades de dança Apolínea e, posteriormente, o Clube Internacional e o Clube Pernambucano.
Nesta pesquisa, encontraram-se algumas ocorrências fazendo referência a sociedades que ofertavam aulas/ensaios de dança ou bailes, especialmente no final do século XIX. Entre elas: Clube Comercial Euterpe (1890); União Familiar 21 de junho (1890); Club Dramático Familiar (1891); Sociedade Recreativa 10 de março (1900); Mocidade Recreativa Comercial (1900); Sociedade Recreativa Juventude (1900); Centro Recreativo Familiar (1900); Curso Recreativo (1900).
Espetáculos
Vários espetáculos teatrais contendo números de dança foram observados sendo anunciados nos periódicos estudados.
Notou-se a coincidência entre nomes de professores que anunciaram aulas com os dançarinos: Sr Ezequiel (1846 e 1847), Angela Mantini Garcia (1830). Dois nomes de dançarinos ocorreram entre os anos de 1842 e 1843, em anúncios de espetáculos, porém, referenciados como “professores de dança”, Snr. João Wanimeil e Carolina Wanimeil. Em um dos anúncios de espetáculos destes dois professores, registra-se a Gavota que será apresentada como “não de salla”, revelando que nesta época uma dança de baile era representada em um palco havendo a preocupação com sua adaptação para tal.
Notou-se a ocorrência de anúncios de espetáculos envolvendo números de dança não relacionados às Danças de Baile, por exemplo: “a corda sensível” (vaudeville), “dança da corda”, “dança da corda forte”, “dança convulsiva” (africana), “dança de caráter” e “dança do ventre”.
No ano de 1830, no periódico “O Cruzeiro Jornal Politico, Literario e Mercantil”, Angelo Chaves publica anúncios de um espetáculo que fará:
Em a noite do dia 17 do próximo mez de junho; pretende Angelo Chaves, Dançarino de Proffição, dar hum testemunho ao Respeitavel Publico da sua intelligencia na Arte que exercita, apprezentando no Theatro desta Cidade (alem da Peça, e mais partes do divertimento que annunciará por Cartazes) huma dança camponesa de sua invenção, observando=se na mesma toda a extenção do methodo Francez. Nesta engenhoza dança, o anunciante fara ver alem de muitas passagens elegantes e novas de sua creaçaõ, - a Chaíne – Plate, Entr’ Ouverte, Croix de Malte & & nas quaes espera receber o melhor acolhemento, e aplauso, por isso que a urbanidade de hum Publico Amante das Bellas – Artes, animão, ainda os mais debilitados d’espirito, e que nunca receberaõ as provas de sua condescendencia, como o anunciante, que na referida dança promete desempenhar o conseito que muitas pessoas fazem dos seus conhecimentos, tanto nas lições de dança teatral, como na de sociedades particulares, as quaes entre si divertem pela incompatibilidade de figuras e pozições, que em huma se admitem, e n’outra são repugnantes com a etiqueta devida aos illustrados Expectadores.
O anunciante coloca ingressos à venda em seu endereço através de algumas publicações. Entretanto, na continuidade, Angelo Chaves anuncia que “circunstancias alheias de sua pessoa e habilidade” impedem que o espetáculo seja levado a termo, citando “pouca freqüência dos ensaios apezar das grandes diligencias do anunciante”. Após este episódio seu nome não foi mais constatado nos periódicos de Pernambuco.
O teatro mais citado foi o “Theatro Publico”. Alguns números teatrais ocorriam seguidos por bailes no espaço do teatro.
No ano de 1900, foram constatados alguns anúncios do “Cinematographo-Lumiere”, cujas exibições traziam em seus itens o que se denominou de “Dança no Egypto”.
Danças
Dentre as Danças de Baile, as mais citadas foram a Valsa e a Polka. Ocorreram citações de Quadrilha, Mazurka, Lundu, Gavota e Galopes. Entre as danças menos citadas, Contradança, Shotis, Minuete, Tango, Habanera, Samba, Solo Inglês e Miudinho.
Conclusões
A partir desta pesquisa tornaram-se visíveis informações desconhecidas da literatura atual sobre Dança de Salão, revelando que Pernambuco, no século XIX, já tinha como parte dos costumes sociais a prática e o ensino das Danças de Baile, sendo que uma de suas modalidades já era a Dança de Salão. A Valsa, a primeira Dança de Salão, e a Polka, foram as danças constatadas mais vezes entre as Danças de Baile do século XIX.
Conclui-se que a sociedade de Pernambuco do século XIX já era permeada pelas Danças de Baile: haviam sociedades de dança e baile que promoviam bailes, ensaios e aulas de dança; alguns colégios de ensino formal ofertando aulas de dança como parte integrante da educação formal; presença da dança na literatura oferecida pelos periódicos; peças teatrais com números de dança e ainda foram identificados 10 nomes de professores em anúncios e listas de profissionais.
Os resultados desta pesquisa revelam que os estudos sobre as Danças de Baile do século XIX demandam aprofundamentos a partir de documentos produzidos nas épocas estudadas.
Referências bibliográficas citadas
Ellmerich, Luis. História da dança. 4ª. edição revisada e ampliada. São Paulo. Editora Nacional. 1987
Guedes, Marymarcia; Berlinck, Rosane de Andrade. E os preços eram cômodos... Anúncios de jornais brasileiros, século XIX. São Paulo, Humanitas, FFLCH/USP, 2000.
Pinho, Wanderley. Salões e Damas do Segundo Reinado. 4ª. Edição. São Paulo. Livraria Martins Editora, 1970.
Zamoner, Maristela. Dança de Salão, conceitos e definições fundamentais. Curitiba. Protexto. 2013a.
Zamoner, Maristela. História da Dança de Salão no Brasil: século XVIII e alguns antecedentes. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 184. Setembro, 2013b. http://www.efdeportes.com/efd184/historia-da-danca-de-salao-seculo-xviii.htm
Zamoner, Maristela. História da Dança de Salão no Brasil: São Paulo, SP do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 185. Outubro, 2013c. http://www.efdeportes.com/efd185/historia-da-danca-de-salao-no-brasil-seculo-xix.htm
Zamoner, Maristela. História da Dança de Salão no Brasil do século XIX e os irmãos Lacombe. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 186. Novembro, 2013d. http://www.efdeportes.com/efd186/historia-da-danca-de-salao-irmaos-lacombe.htm
Zamoner, Maristela. História da Dança de Salão no Brasil: mestres no Rio de Janeiro do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 187. Dezembro, 2013e. http://www.efdeportes.com/efd187/danca-de-salao-no-rio-de-janeiro-do-seculo-xix.htm
Zamoner, Maristela. Em 1831 Mr. Anjo Chaves anuncia aulas de dança em São Paulo. Dança de Salão – Maristela Zamoner. Curitiba. 2013f. Disponível em: http://danca-de-salao-maristela-zamoner.blogspot.com.br/2013/05/em-1831-mr-anjo-chaves-anuncia-aulas-de.html.
Zamoner, Maristela. HistóHYPERLINK "http://www.efdeportes.com/efd188/historia-da-danca-de-salao-curitiba.htm"ria da Dança de Salão no Brasil: Curitiba e Paraná do século XIX. Lecturas Educación Física y Deportes (Buenos Aires), v. 188. Janeiro, 2014. http://www.efdeportes.com/efd188/historia-da-danca-de-salao-curitiba.htm
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