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Educação e Saúde uma questão de equilíbrios. 

O desporto como meio de atuação

Educación y Salud una cuestión de equilibrios. El deporte como medio de intervención

 

*Doutoramento em Ciências do Desporto. Professor Auxiliar na Universidade da Madeira

Membro do Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD)

**Doutoramento em Ciências do Desporto. Professor Auxiliar na Universidade da Beira Interior. Membro
do Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD)

***Doutoramento em Ciências do Desporto. Professor Auxiliar na Universidade da Madeira

Membro do Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD)

****Doutoramento em Ciências do Desporto. Professora Auxiliar na Universidade da Madeira

Membro do Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD)

(Portugal)

Helder Manuel Arsénio Lopes*

hlopes@uma.pt

António Neves Vicente**

vicente@ubi.pt

João Filipe Pereira Nunes Prudente***

prudente@uma.pt

Ana Catarina Rocha Mendes Fernando****

catarinafernandouma@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          A Saúde é um estado de equilíbrio que necessita da intervenção coordenada de profissionais de diferentes áreas. Neste estudo começamos por definir o trabalho que um profissional do Desporto deve desempenhar e alguns aspectos que permitem melhorar a sua prestação. Depois apresentamos exemplos de como o Desporto se pode articular com outras áreas profissionais que também trabalham na Saúde. De seguida analisamos algumas das disfuncionalidades e equívocos que se colocam à compreensão e intervenção profissional não permitindo que se rentabilize a ferramenta Desporto como um meio privilegiado de transformação do Homem.

          Unitermos: Educação. Saúde. Desporto. Equilíbrio.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 192 - Mayo de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    É necessária uma maior eficiência na Saúde. Uma Saúde que como defende há décadas a OMS (1946) não é a mera ausência de doença, mas um estado de equilíbrio (a todos os níveis). Um equilíbrio para que devem contribuir profissionais de muitas áreas em ações complementares que devem ser coordenadas para que cada um possa desempenhar a sua função sabendo onde esta começa e onde acaba.

    Não se trata de um problema de defesa de espaços profissionais e de corporativismos. Mas trabalhar em equipa implica conhecer o trabalho que cada um deve fazer e como o articular com o trabalho dos outros.

    Vamos começar por definir o trabalho que um profissional de Desporto deve desempenhar e alguns aspectos que permitem melhorar a sua prestação. Depois apresentaremos o que pensamos sobre a forma como o Desporto se pode articular com outras áreas profissionais que também trabalham na Saúde.

O Desporto e a Saúde

    Sabemos que através do Desporto podemos contribuir para uma transformação do Homem (Almada et al., 2008).

    Fazêmo-lo porque, como qualquer ser vivo, o Homem se adapta às condições em que vive (Lassagne e Mérat, 2013), numa adaptação que é tanto mais elevada quando mais nos aproximamos dos nossos limites (claro que sem os ultrapassar, pois aí se dão lesões – a nível psicológico, fisiológico, anatómico, cultural, pedagógico, - e nestes casos a ação a desenvolver passa para outros âmbitos profissionais, que tratam o Homem com patologias).

    Porém quando os estímulos que recebemos não atingem um nível de excitação suficiente para desencadear uma reação, o organismo não sente necessidade de se adaptar e quando nem recebemos os estímulos que levam a manter a situação em que nos encontramos o organismo que é extremamente econômico vai buscar tudo o que pode e elimina as reservas existentes sejam elas ossos, músculos, etc.

    Sintetizando, estímulos: - acima dos limites da pessoa – provocam lesões; - abaixo dos limites, mas perto deles – adaptações fortes; moderados – permitem a manutenção; - Inexistentes ou muito fracos – levam a atrofia e desaparecimento dos recursos.

    Tal significa uma gestão económica do organismo e dos recursos disponíveis.

    As adaptações dão-se ao nível articular, muscular, ósseo, mas também nas funções desempenhadas, psicológicas, sociológicas, relações, etc. Veja-se, por exemplo, o que acontece quando passamos muito tempo sem escrever, sem falar, sem mover uma articulação, sem receber luz nos olhos, etc.

    Ignorar estas funcionalidades ou desconhecer a sua importância (o que são dois tipos de ignorância) leva-nos a cometer erros graves que nada contribuem para uma boa eficiência na manutenção ou na promoção da Saúde.

    E esta ignorância é ainda agravada pela falta de compreensão (uma outra ignorância) das metodologias que nos permitem tratar o conhecimento como um fenômeno global (as dialécticas que têm que ser estabelecidas para que haja um equilíbrio), que, portanto, não é meramente pontual e, conseqüentemente, não pode ser estudado e/ou tratado a nível local e isolado.

    Temos assim três erros possíveis:

  1. Nem conhece estas funcionalidades;

  2. Não percebe a sua importância;

  3. Não domina as metodologias para lidar corretamente com elas.

    Infelizmente, é comum que muitos daqueles que deveriam assumir-se como especialistas de Educação Física e Desporto, mais não fazem que reproduzir de forma massificada, estereótipos, mais ou menos importados, dignos de uma qualquer revista “cor-de-rosa”.

    Ora estes profissionais têm a obrigação de gerir o desenvolvimento do Homem pelo movimento, real ou aparente, através das solicitações que provocam para que sejam cumpridos os objetivos de uma atividade desportiva. Solicitações que, no cumprimento dos objetivos imediatos que motivam para a atividade, levam a cumprir os objetivos mediatos que têm por função induzir transformações úteis (Lopes et al. 2011)

    O Desporto consegue, assim, levar ao “esforço” sem que este seja um sacrifício, pois as pessoas ao cumprirem os objetivos imediatos cumprem também os mediatos. O “tratamento” feito por prazer (e sem ser masoquista) é um grande feito. Um feito que dificilmente é conseguido pelos profissionais de outras áreas que lidam com a Saúde do Homem.

    Definimos de uma forma breve e sucinta o contributo do Desporto para a Saúde. Mas claro há disfunções.

Exemplos de disfuncionalidades

    O Desporto não cumpre a função de agente da Saúde sozinho. É preciso a ação de outras áreas profissionais não só para combater a doença atacando os estados patológicos, mas hoje também ao nível da prevenção (onde muitas áreas passaram a intervir também). Mas têm que trabalhar em conjunto e para isso é preciso saber coordenar empenhos e não bastam palavras.

    O Homem pode até ser o mesmo, mas o Homem em movimento é diferente do Homem acamado que é diferente do Homem em observação deitado na marquesa, que é diferente do Homem que está a ser autopsiado. São Homens diferentes e ações diferentes para o equilibrar.

    E que não se confunda equilíbrio com paragem (como todos deviam ter percebido quando aprenderam a andar de bicicleta). Tudo está em movimento, a mesa a cadeira, a Terra, o Homem, etc. E quando não está em equilíbrio há um cataclismo brusco até estabilizar num movimento em equilíbrio.

    Compreender o Homem na sua globalidade é, assim, fundamental. Mas não é fácil pois vimos de tempos em que o conhecimento é tratado em disciplinas isoladas que são incapazes de dialogar.

    Como nos dizia Capra (1987), há mais de 25 anos, o método cartesiano, por um lado, proporcionou avanços significativos, por exemplo, ao nível da biologia onde um dos expoentes máximos é hoje a genética, por outro lado, os problemas que os biólogos não conseguem resolver, são por eles negligenciados e estão relacionados com o entendimento dos sistemas vivos como totalidade e com as suas interações com o meio ambiente, sendo que na medicina ocidental se adotou “a abordagem reducionista da biologia moderna, aderindo à divisão cartesiana e negligenciando o tratamento do paciente como uma pessoa total, os médicos acham-se hoje incapazes de entender, ou de curar, muitas das mais importantes doenças actuais” (p. 98).

    Aliás, a esse propósito também nos parecem elucidativas as palavras de Damásio (1998) quando afirma “que o êxito actual das medicinas alternativas é um indício da insatisfação do público em relação à incapacidade da medicina tradicional considerar o ser humano como um todo” (p. 262).

    Isto não significa que estamos a defender grosso modo “Tudo ao molho e fé em Deus”. Tudo ao molho, não há que respeitar as funções dos outros para rendibilizar o trabalho em equipa. Fé em Deus está bem mas temos que dar uma ajudinha, não?

    Mas não basta que haja boa vontade. Cada um tem que ser competente no seu campo e, também, conhecer as fronteiras deste campo.

    Voltando à área profissional do Desporto, para fazer uma crítica (quando se fazem críticas é bom começarmos por nós próprios).

    Há muitos (infelizmente muitos) profissionais que não perceberam aquilo que acima indicámos de uma forma sucinta como função do Desporto no âmbito da Saúde (o Desporto tem muitas outras funções, como educação, como lazer, como agregador social, etc.).

    Assim afirmamos que não é admissível que de forma leviana, negligente, ignorante, incoerente … (escolha…) se diga que: - “O que interessa é fazer alguma atividade desportiva não interessando o que se faz”; - “se tem de andar 30 minutos e fazer 10 mil passos por dia”; - “se deve aspirar a casa, despejar o lixo e passear o cão”; - “se deve ir pelas escadas e não pelo elevador”; - “se deve deixar o carro afastado do emprego e ir e vir a pé”; - Etc., etc.

    De forma muito sucinta, diríamos que facilmente se deveria compreender que cada pessoa é diferente da outra e que:

  • Não é indiferente fazer uma atividade desportiva x ou y, pois cada uma tem princípios ativos diferentes e solicita predominantemente diferentes comportamentos;

  • O mesmo tipo de percurso pode fazer solicitações distintas a diferentes pessoas ou à mesma pessoa em diferentes momentos;

  • 30 minutos a andar num percurso com um determinado tipo de inclinação e de piso é diferente que andar noutro, pois exige diferentes tipos de adaptação;

  • Andar numa pista/percurso sem ninguém à sua frente ou sem obstáculos, onde o indivíduo se pode centrar apenas em si próprio é diferente de andar num local onde tem de estar atento aos outros transeuntes (e eventuais obstáculos), ler os seus movimentos e o contexto e ter de tomar constantemente decisões sobre as trajetórias a tomar, a velocidade a que se desloca…

  • A forma como se colocam os seus apoios no solo, a distância do apoio em relação à vertical que passa pelo centro de massa, o grau de inclinação do troco, o levar algum objeto na mão ou não, etc., não são indiferentes.

    Análises semelhantes poderiam ser feitas para aspetos da intervenção do Desporto como meio de Saúde no Homem, nas vertentes sociológica, cultural, psicológica, relacional, etc.

    O Desporto é um meio multifacetado e que pode atuar de uma forma agradável e motivante (não precisamos de pôr açúcar à volta da pílula amarga). Mas também não podemos deixar que a incompetência de alguns profissionais (pouco vocacionados para o Desporto e que talvez gostassem de ser outra coisa na vida, talvez até na área da Saúde) destrua a capacidade de intervenção de um meio tão poderoso como o Desporto.

    Não se pode continuar a ignorar, que já há conhecimentos, instrumentos e meios disponíveis que permitem começar a personalizar a posologia a aplicar a cada pessoa, através de um diagnóstico, uma prescrição e um controlo adequado. Sendo que, o apoio laboratorial, nomeadamente através de processos expeditos, pode assumir uma importância fundamental (Lopes et al., 2012).

    É assim necessária a intervenção de profissionais de Desporto (licenciados/mestres/doutores) que compreendam de forma funcional os fenómenos para conseguir gerir e acompanhar a evolução de todo o processo de solicitação/adaptação (estímulos/indivíduo) e tomar as decisões mais adequadas a cada situação e a cada um.

    Isto porque, não basta saber controlar algumas variáveis, nomeadamente fisiológicas, é necessário que exista coerência. Não podemos dizer que o Homem é um todo e depois preocuparmo-nos essencialmente com as partes. Sejam elas predominantemente biológicas, psicológicas, sociológicas, mecânicas, etc. Isto quando se controla, porque muitas vezes nem isso se faz, pois tal como referenciamos anteriormente, muitas vezes utiliza-se uma reprodução massificada e estereotipada de algo que até pode ser apelativo, mas de que verdadeiramente não se conhecem os reais benefícios, contra indicações e efeitos secundários.

    E é fundamental que se perceba que o Homem não é só fisiológico ou anatómico. É bem mais do que isso.

    Ora, a Educação é fundamentalmente um meio de transformação do indivíduo e deve ajudar a gerir equilíbrios, nomeadamente, através de um processo pedagógico onde o aluno é o elemento central (e não o professor ou a matéria), de modo a que se possa desenvolver a capacidade de tomada de decisão, a montagem de estratégias, a capacidade de adaptação a diferentes situações e contextos, o espírito crítico, a autonomia, etc.

    Sendo o Desporto uma ferramenta privilegiada para ajudar essa transformação, não só pela diversidade das suas mais variadas formas de expressão, com diferentes princípios ativos e comportamento solicitados, reiteramos, mas também pela relevância social e imaginários que desperta.

    Se quisermos utilizar a Atividade Física e o Desporto como um medicamento, já não se trata apenas de exigir a bula (com os efeitos secundários, contra indicações, princípios ativos, posologia tipo, etc.) mas fundamentalmente de saber e conseguir utilizá-lo de forma personalizada.

    Hoje o conhecimento existente já permite que isso se faça, não podemos continuar a ignorar que em ciência os problemas são sempre abertos, não sendo por isso mais tolerável que os especialistas (e as instituições, nomeadamente as Universidades) continuem a gastar grande parte do tempo e energia no policiamento das fronteiras dos diferentes feudos.

    Reiteramos que a Saúde, tal como é definida, pelo menos desde 1946, pela OMS, não é a mera ausência de doença mas um estado de equilíbrio, logo é necessário atuar em conformidade, não sobrevalorizando qualquer uma das variáveis em jogo (por vezes com tendências evolutivas contraditórias), mas sim procurar promover de forma personalizada a gestão dos equilíbrios entre elas.

    Porém, sabemos que não é fácil. Muitos ainda não se aperceberam ou fazem de conta que não se aperceberam, que o paradigma mudou… aliás, há fortes indícios que muitos nem sequer têm consciência do que é um paradigma…

    Hoje já não é aceitável que não se rentabilizem os conhecimentos e os recursos existentes.

Considerações finais

    O Desporto como poderoso meio de transformação do Homem, não poderá por isso deixar de ser rentabilizado na plenitude dos seus diferentes tipos de capitais, nomeadamente os relacionados com a Educação e a Saúde.

    Contudo, a pesada máquina dos estudos epidemiológicos, muitas vezes favorece uma abordagem parcelar dos fenómenos, dificultando uma visão do todo. Todavia, isto é algo que não é facilmente entendido e aceite por quem, apesar da crise paradigmática que se vive, ainda não fez uma rotura e se libertou do espartilho cartesiano do empirismo lógico, mesmo que camuflado por uma pseudo interdisciplinaridade.

Referências bibliográficas

  • Almada, F., Fernando, C., Lopes, H., Vicente, A., Vitória, M. (2008). A Rotura – A Sistemática das Actividades Desportivas. Torres Novas: Edição VML.

  • Capra, F. (1987). O Ponto de Mutação - A Ciência, a Sociedade e a Cultura. São Paulo: Editora Cultrix.

  • Damásio, A. (1998). O Erro de Descartes (18ª ed.). Lisboa: Publicações Europa-América.

  • Lassagne, F. & Mérat, M-C. (2013). À Chaque Métier son Cerveau. Science & Vie (1155), 54-69

  • Lopes, H., Fernando, C., Vicente, A. & Prudente, J. (2011). O Desporto como meio de Saúde. CMS, ASCS & EMTC (Coord.). Saúde e Actividade Física. Vila Nova de Gaia. Edições 7 dias 6 noites, pp 103-112.

  • Lopes, H., Fernando, C., Vicente, A., Simões, J., Prudente, J. (2012). O Processo Pedagógico – formas expeditas de apoio laboratorial. Desporto e Pedagogia, Formação e investigação. Edição Coisas de Ler, pp. 83-92.

  • Organização Mundial de Saúde – OMS (1946). Preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde, 22 de Julho de 1946.

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 19 · N° 192 | Buenos Aires, Mayo de 2014  
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