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As faces do esporte na formação de valores

Las caras del deporte en la formación de valores

 

*Dra. em Sociologia e professora de Educação Física

Professora do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Rondônia

Diretora do Núcleo de Saúde da Universidade Federal de Rondônia

Líder do Grupo de Estudos do Desenvolvimento e da Cultura Corporal

**Dr. em Biologia Experimental

Pós- Doutorando pela Fiocruz/unidade de Rondônia

Professor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Rondônia

Integrante do Grupo de Estudos do Desenvolvimento e da Cultura Corporal

***Prof. Ms. Faculdade de Educação e Meio Ambiente. Ariquemes, RO

****Prof. Ms. Universidade de Matanzas, Cuba

Ivete de Aquino Freire*

Ramón Núñez Cárdenas**

Leonardo Alfonso Manzano***

Andrés Rodríguez Enríquez****

rnunezcardenas@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O esporte fortalece a auto-estima, cultiva o respeito ao próximo, estimula a solidariedade, incentiva a tolerância, o sentido de equipe, a disciplina, a capacidade de liderança e contribui na socialização dos sujeitos. Esta é uma versão parcial do papel educacional do esporte uma vez que se trata de uma atividade polissêmica, cujo sentido será atribuído de acordo com os conteúdos ideológicos que direcionam sua prática. Este ensaio discute os diferentes papéis que assumem o esporte como instrumento educacional. Aborda modelos díspares de comportamentos e atitudes de atletas, resultados de valores e conteúdos ideológicos diferenciados. A ação pedagógica do educador refletirá os valores e contra-valores que permeiam as vivências propiciadas aos esportistas. Entretanto, o papel educacional do esporte tem se configurado como uma prática de reprodução ingênua, no qual a maioria dos profissionais que estão à frente do processo, não tem consciência de que as suas ações estão investidas de conteúdos ideológicos, de uma visão de mundo e de sociedade.

          Unitermos: Esporte educação. Cidadania. Conteúdos ideológicos. Educação. Socialização.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 19 - Nº 192 - Mayo de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    É bastante comum se escutar e ler nos discursos em favor do esporte que “Esporte é educação”. Ocorre que na maioria das vezes o esporte tem servido para subsidiar os discursos políticos, escassos de estudos consistentes sobre a relação entre estas duas variáveis: esporte e educação. Ignoram informações fundamentais para a produção de uma preleção sólida sobre o tema, como por exemplo, o conceito de educação; e, sobretudo, os objetivos ou razões pretendidas na atividade ou através da atividade.

    Durante a I Conferencia Nacional de Esporte (Ministério dos Esportes, 2004; Costa, 2004), comentou-se o quanto o esporte fortalece a auto-estima, cultiva o respeito ao próximo, estimula a solidariedade, incentiva a tolerância, o sentido de equipe, a disciplina, a capacidade de liderança e, sobretudo, contribui para a obtenção de uma vida saudável.

    Todavia, não é possível afirmar categoricamente que a prática esportiva em si, garante a conquista de todos estes benefícios sociais. Por outro lado, o esporte não será sempre responsável pela formação do sujeito que o pratica, embora se reconheça a significativa influência que o mesmo pode exercer na formação social de crianças e adolescentes. A prática esportiva favorece a ocorrência de processos sociais educativos e destes, decorrem diversas ações, atitudes e comportamentos que sinalizam a forma predominante de agir socialmente. De modo consciente ou não, a forma de agir de um indivíduo tem como alicerce um determinado entendimento de sociedade e visão de mundo.

    Caso se adote esta linha de raciocínio, há que se analisar então, de qual visão de mundo, modelo de sociedade e de educação se está fazendo referência. É ainda bastante escassa a literatura sobre a questão. Se por um lado parece haver consenso do papel educativo e socializador do esporte, por outro lado, são incipientes os estudos empíricos e longitudinais sobre o tema. Se a pretensão for avançar para a discussão sobre as possibilidades da experiência esportiva de um indivíduo favorecer comportamentos nocivos e inadequados socialmente sob o ponto de vista ético e moral, a produção é ainda mais insignificante. Afirma Bueno (2008), que estes estudos se encontram em recente desenvolvimento, mas há queixa de preconceito contra as mesmas por irem contra o discurso sobre efeito social do esporte como inquestionável.

    Através da prática esportiva, pode-se verificar de modo explícito ou subliminarmente, se as atitudes dos praticantes se prestam a reforçar, ignorar ou rejeitar atitudes preconceituosas, discriminatórias e comportamentos que permitem atos de violência de qualquer espécie. Tais atitudes, entre outras, anunciam os conteúdos ideológicos de uma pessoa, e por sua vez, expressam o modelo de educação que orientou sua formação. Os conteúdos ideológicos irão alimentar o agir social, seja no espaço esportivo ou em outros locais.

    Ainda na I Conferência Nacional de Esporte e Lazer, o esporte foi apontado como fator de desenvolvimento humano, com a justificativa de que este contribui na formação integral das pessoas e na melhoria da qualidade de vida do conjunto da sociedade. Daí a criação da expressão “esporte social”, que abrange as três manifestações esportivas (Ministério dos Esportes, 2004; Costa, 2004). A nomenclatura reforça que a formação social das pessoas deve estar em todos os lugares em que se manifesta a prática esportiva. Acompanhando este posicionamento, na II Conferência Nacional de Esporte e Lazer (Ministério dos Esportes, 2006), determinou-se que a promoção do esporte educacional, de alto rendimento e de participação deve acompanhar a formação integral do cidadão.

    Considerando o exposto, o presente ensaio discute o sentido polisêmico que assume o esporte como instrumento educacional. Aborda os modelos díspares de comportamentos e atitudes de atletas, resultados de valores diferenciados; de conteúdos ideológicos distintos.

    Justifica-se esta reflexão na medida em que os conteúdos ideológicos que perpassam no cotidiano dos espaços esportivos por um lado, dissipam a pretensa neutralidade da atividade esportiva; e por outro lado, apontam a possibilidade de se atribuir mais de um significado educativo a esta prática.

O Esporte e a Educação para a cidadania

    Para melhor entender a assertiva polissêmica de que o esporte é educação, ou o esporte é um instrumento educacional, precisamos compreender o que é Educação. Dois conceitos distintos de educação são suficientes para se perceber que cada um deles traz consigo conteúdos ideológicos diferenciados.

    Para Nérici (1985), por exemplo, a educação é o processo que tem como finalidade promover a conscientização do indivíduo diante de situações novas de vida tendo em vista a integração, a continuidade e o progresso social, de acordo com a realidade de cada um, de modo a atender as necessidades individuais e coletivas.

    Nesta assertiva verifica-se uma concepção de educação como algo distante da transformação social, já que tudo está pronto e ao indivíduo cabe apenas adequar-se a realidade tal como é. Ignora, portanto, a existência de uma configuração social determinada por pessoas proativas, que pensam e agem. Esta proposta educativa, não está desprovida de conteúdos ideológicos, apesar de sua aparente neutralidade.

    Outro conceito de educação assume claramente o sentido político desta prática. Freire (1994, 1996) atribui como objetivo maior da educação, a conscientização do indivíduo, considerando o contexto social e histórico. Este processo implica em liberdade de pensar por si, além da capacidade de guiar-se por princípios que concordem com a própria razão; exige um homem consciente e ativo. Estes traços marcantes de autonomia estão fundados na ética e no respeito à dignidade (FREIRE, 1994, 1996), que devem ser conquistadas e construídas a partir das decisões e das vivências.

    A conjuntura educativa que segue este último modelo de educação chama para si contextos formativos que são adequados para que os alunos alcancem a autonomia trilhando um caminho para o seu aperfeiçoamento enquanto ser humano e melhor convivência com o outro. Seguindo a abordagem de Freire e dito por Tubino (1992) cria-se a expressão Educação na perspectiva da cidadania. Também acompanhando Freire, Hildedrantt-Stramann (2001) sugere que a educação implica na socialização do indivíduo. Neste sentido, educação e socialização são processos inseparáveis. Este último é bastante utilizado nos discursos que enaltecem o esporte como instrumento educacional.

    A partir do que apontam os PCNS (2001) entende-se como socialização no contexto educativo, fomentar a convivência em grupo de maneira produtiva, cooperativa, proporcionar situações de diálogo (exercitar o “ouvir” e o “falar”; pedir ajuda oferecer ajuda, trocar idéias e experiências, aproveitar críticas e sugestões). Esta narrativa dá origem ao entendimento de socialização como elemento potencializador do respeito mútuo e do diálogo crítico. Favorece a formação de um coletivo autônomo e participativo em todas as esferas e ambientes sociais. Observa-se aí forte compatibilidade com os conteúdos ideológicos do conceito de educação defendido por Freire.

    Por outro lado, a Socialização, interpretada como processo de transmissão dos comportamentos socialmente esperados adquire um significado diferente do anterior. Refletindo sobre esta temática, recorremos a Martins et al (2008), quando lembram que os processos de socialização podem ser considerados formas de controle social, pela adaptação do praticante aos valores e normas dominantes.

    Das duas posturas distintas apresentadas, deduz-se que cada uma delas se identifica com uma visão de educação; que nem todo processo de socialização é compatível com a formação para a cidadania.

    Seguindo o dito anteriormente e reforçado por Martins et al (2008) pode-se inferir que, igualmente o vocábulo “educação”, a “socialização” não é neutra e traz consigo mais de um sentido. E o esporte é um dos caminhos para se alcançar tanto um modelo de educação e socialização, como outro. Idéia aparentemente divergente assume Bracht (1992) ao afirmar que o esporte é um instrumento de controle e dominação a serviço da ideologia dominante.

    A experiência tem mostrado que a vivência esportiva não garante um único modelo de comportamento social; nem todo esportista ou ex-praticante de esporte pode servir de bom exemplo a ser seguido socialmente. Por outro lado, identificam-se também, atletas ou ex-atletas, que apresentam comportamentos compatíveis com o resultado de uma formação cidadã: comprometidos socialmente, reflexivos, críticos, autônomos, e solidários.

    Reforçando o que foi dito, Martins et al (2008) apontam que a participação no esporte pode afetar o indivíduo de uma forma negativa ou positiva, dependendo das experiências a que este é submetido e aos princípios da aprendizagem social que lhes são solicitados no decorrer desta prática. Portanto, o esporte, com seus conteúdos ideológicos diferentes, resultarão em práticas educacionais também diferenciadas.

    É indiscutível que a iniciação esportiva apresenta-se como excelente oportunidade para a proposição de práticas que culminam com resultados sócio-educacionais. Cita Bueno (2008) que o esporte se tornou um fenômeno com “capacidade de se associar ou mais precisamente de galvanizar sentimentos e sensações ligadas aos principais valores e mesmo a contra-valores da sociedade humana”. As características do esporte e sua difusão pela mídia resultam em grande atração pela atividade, principalmente de crianças e adolescentes.

Valores e contra-valores do Esporte

    Nas sociedades atuais verifica-se uma crise de valores sociais voltados a comportamentos envolvidos com a transformação social: formação de indivíduos reflexivos, críticos, autônomos, solidários e conscientes de seus direitos e deveres. Tais comportamentos são cada vez menos valorizados pelas novas gerações. No Brasil, por exemplo, esta crise de valores é visualizada diariamente na mídia, em diversos âmbitos; inclusive no esportivo. De modo significativo, nas sociedades capitalistas, se tem priorizado o aspecto competitivo com ênfase na vitória, em detrimento da formação em valores éticos e morais orientados para o sentido coletivo e dignidade humana.

    Na prática, é comum observarmos exemplos de atletas envolvidos em casos de agressões, física e/ou verbais; fora e dentro dos espaços esportivos. Do mesmo modo, as “malandragens” para obter vantagens nas competições são visualizadas constantemente e amplamente divulgadas na mídia. É fato que o esporte não garante a aprendizagem de comportamentos adequados ou inadequados socialmente; não garante que pode afetar o indivíduo de uma forma negativa ou positiva. O esporte é um caminho; é um instrumento que pode contribuir para se alcançar um determinado modelo de educação. Isso se entendermos que os conteúdos aprendidos no espaço esportivo podem ser transferidos para outras atividades do cotidiano; que as manifestações esportivas incorporam as dinâmicas sociais (Bueno, 2008). Sobre esta questão, há que se ter cautela com idéias extremistas como de Berthaud (1992) quando afirma que o esporte é um meio insubstituível para a formação dos indivíduos.

    Ainda que de modo implícito, Bueno (2008) discute dois modelos de prática esportiva, que por sua vez estão marcados por distintos conceitos de educação e, consequentemente, carregados de conteúdos ideológicos. Segundo o autor, a prática esportiva está ancorada em valores, e contra-valores. Entre os valores, o autor aponta as seguintes habilidades sociais: aceitação da derrota, amor ao esforço, coragem, determinação, disciplina, fair play (cavalheirismo, lealdade, respeito ao adversário, trabalho em equipe), força de caráter, autonomia, patriotismo, persistência, respeito às regras, solidariedade, vontade, tenacidade. Entre os contra-valores destacam-se a exacerbação da competição que fomenta o individualismo, a desunião, a deslealdade, a desonestidade manifestada sob diversas formas: recurso à violência sobre o adversário, o uso das diversas formas de doping e a corrupção para o arranjo de resultados.

    A utilização do esporte para a formação de valores na perspectiva de Bueno (2008) caminha na direção da educação para a cidadania. Isto porque, atua no sentido de dar aos praticantes a chance de refletir sobre determinadas atitudes e valores. Parafraseando Broto (2000) e Bueno (2008), o esporte como formação de valores, está comprometido com a construção de uma sociedade baseada na solidariedade e na justiça. Seu objetivo principal é formar indivíduos críticos e conscientes.

Projetos Esportivos orientados para formação em Valores

    Na perspectiva da formação para a cidadania, os projetos esportivos necessitam seguir alguns princípios básicos. Tais princípios transcendem o repasse de fundamentos técnicos e táticos como o foco principal da prática esportiva. Estão pautados no desenvolvimento de uma consciência ativa que implica conhecimento, reflexão e ação. Sem a pretensão de esgotar a questão, a partir de compilação do que dizem vários autores, a figura 1 sinaliza alguns conceitos básicos que devem orientar as vivências esportivas na perspectiva da formação para a cidadania. A formação em valores éticos e moral; e socialização, se materializa através de vivências dialogais cotidianas destes princípios.

    Dito de outra forma, o projeto de formação para a cidadania adquire vida quando estes conceitos são vivenciados durante a prática das atividades esportivas.

    Durante toda a experiência esportiva surgem inúmeras oportunidades para a intervenção educativa. Entretanto, no processo de educação para a cidadania esperar tais oportunidades não é suficiente. Há que se criar, deliberadamente, atividades de modo a estimular os alunos para a formação de uma consciência crítica, para a atribuição de novos significados e sentidos ante uma determinada situação; para a identificação e diferenciação de papéis que fazem parte de nosso contexto social, para a elaboração de normas, regras e de contestação destas; e para o questionamento das desigualdades produzidas e assim por diante (Basei, 2008).

O diálogo como ponto de partida

    Inspirados no dizer de Baecker (1996), a comunicação competente se dá consigo mesmo e com os outros. Favorece a interação, podendo resultar em um agir cooperativo, dentro do espaço esportivo. O diálogo possibilita experiências de ações coletivas na qual a cooperação é fundamental. Através do diálogo, se estimula discussões críticas e se repensam valores; se afirmam aqueles que se pretende defender ou se entende como o ideal em uma sociedade.

Figura 1. Conceitos básicos para orientação da formação para a cidadania

    O diálogo crítico e reflexivo só é possível em um coletivo quando é experienciado pelos indivíduos integrantes deste mesmo coletivo. Favorece a formação de relações empáticas entre todos os integrantes do grupo (Baecker, 2001).

    Usufruir o máximo das potencialidades do esporte para a convivência social positiva implica em proporcionar situações em que o diálogo (ouvir, pedir ajuda, trocar idéias e experiências dar e acatar sugestões) seja exercitado. Neste processo, a arrogância dá lugar a generosidade e a humildade; o respeito é acompanhado pelas relações justas e sérias (PCNS, 2001).

A autonomia e conscientização como metas a serem alcançadas

    Trabalhar para autonomia no contexto esportivo é proporcionar atividades nas quais os alunos aprendam a monitorar as próprias atitudes conhecendo suas potencialidades e limites, conforme aponta os PCNS (2001). Tais experiências se dão em um contexto social onde ocorrem as interações entre os sujeitos e o mundo. De acordo com Basei (2008) a concepção de experiência em interação social, trata de organizar as ações educativas no sentido de possibilitar uma interação na qual os sujeitos possam agir no mundo e com o mundo de forma emancipada.

    Por sua vez, a participação do sujeito na construção de seu mundo implica na capacidade e liberdade de pensar por si. Enfim, envolve a emancipação humana, o que exige um homem consciente e ativo conforme o conceito de educação como processo de conscientização e emancipação.

O professor como educador

    Um bom projeto por si só não garante que o esporte será utilizado como instrumento de emancipação humana. O treinador, o técnico, o monitor ou o profissional de Educação Física tem um papel fundamental na execução da proposta.

    Aqui não serão discutidos os aspectos legais das competências profissionais de quem deverá estar à frente deste processo. Entretanto, defende-se que para trabalhar com o Esporte na perspectiva da formação para a cidadania é necessário um profissional, que no dizer de Basei (2008): não assuma apenas a função de orientador, de técnico ou de mediador, que suas tarefas não se concentrem apenas na promoção da aprendizagem dos fundamentos técnicos e táticos de uma determinada modalidade esportiva.

    Há de se recordar que a prática do profissional que esteja à frente de um projeto esportivo irá determinar o modelo de comportamento social que irá figurar de modo implícito ou explícito nas relações dos participantes do grupo. Tal prática apontará para a visão educacional do professor e de seus conteúdos ideológicos.

    Sob a orientação de Basei (2008) deduz-se que um trabalho esportivo direcionado à emancipação humana, deve ter rigor metodológico; e quando orientado pela curiosidade, esta deve ser crítica, tornando-se uma curiosidade epistemológica.

    Cabe ao profissional proporcionar todas as experiências possíveis para fomentar o tipo de educação que defende na sua prática. Ele é responsável pela forma de condução e de organização da prática educativa; do planejamento, da realização das atividades e de todos os processos pedagógicos para o ensino do esporte. Suas experiências e o seu potencial criativo definirão a relação que será estabelecida com os alunos e a realização do projeto educacional. A sua prática traduzirá o seu compromisso social.

    Um mapeamento dos interesses da clientela, da formação, das perspectivas futuras e aspectos sócio-culturais, é uma forma interessante de o profissional conhecer o perfil do grupo e acompanhar os avanços individuais e coletivos. Ao mesmo tempo, estas informações podem contribuir no preenchimento de uma lacuna relativa a pesquisas sobre este tema.

    No dizer de Martins (2011), alguns parâmetros podem advertir os valores que perpassam na prática pedagógica do profissional educador: indicam se os valores são predominantemente para submissão ou descondicionamento. Um parâmetro importante é o modelo de relacionamento pedagógico que se estabelece entre o professor (técnico ou treinador) e os alunos. Martins (2011) sugere alguns questionamentos que podem orientar na identificação dos conteúdos ideológicos da prática docente:

  1. O professor comporta-se da mesma forma diante da diferença de gênero? Que espera de meninos e meninas?

  2. Como o professor lida com a resposta dos alunos frente às expectativas criadas por ele?

  3. Que atitudes o professor assume perante os conflitos entre os alunos?

  4. Quais as características dos instrumentos utilizados para manter a disciplina? Os instrumentos são de domínios sutis ou claramente demonstrados?

  5. O professor distingue no grupo os individuos mais agressivos, mais organizados, mais dependentes, mais solidários, mais carentes, mais obedientes, mais serviçais, mais disciplinados, mais negligentes, mais críticos? Como é a atuação deste mediante as diferenças entre os alunos?

    A proposta educativa do esporte na formação para a cidadania se manifesta na intenção e nas ações pedagógicas do professor. Este precisa ter consciência de que as interações sociais (de valores ou contra-valores) que ocorrem no espaço esportivo são comportamentos que podem se repetir em outras circunstâncias. Precisa ter atenção aguçada para as atitudes adequadas ou inadequadas frente à proposta educativa que está desenvolvendo. Mas apenas a percepção das ocorrências não é suficiente, há que agir pedagogicamente, estimulando o diálogo e a reflexão crítica dos valores encravados em cada atitude.

Considerações finais

    O papel educativo do esporte não tem apenas um sentido. Trata-se de uma expressão que carece de maior detalhamento para que se entenda o que se pretende tanto na intenção como na ação.

    Contudo, na prática, os conteúdos ideológicos do esporte nem sempre se dão demarcados claramente com uma linha imaginária que delimita o aspecto pedagógico de valores e contra-valores. A ação pedagógica do educador e a aprendizagem dos alunos se dão em um continuum no qual em um extremo se observa atitudes educacionais a modo de formar indivíduos conscientes, autônomos e comprometidos com a construção de uma sociedade mais justa e humana; e no outro extremo, indivíduos egocêntricos, alienados e descomprometidos com os problemas sociais. Entre um extremo e outro se encontram aqueles que se identificam com características de ambas as extremidades.

    O esporte com enfoque na formação para a cidadania inaugura formas mais humanas de convivência social. Estimula a aprendizagem de atitudes proativas, valoriza a dignidade humana no qual o diálogo é o carro-chefe da autonomia e da emancipação.

    No entanto, o papel educacional do esporte tem se configurado como uma prática de reprodução ingênua, no qual a maioria dos profissionais que estão à frente do processo, não tem consciência de que as suas ações estão investidas de conteúdos ideológicos, de uma visão de mundo e de sociedade. Uma possível justificativa para este feito é que quase sempre quem elabora o projeto não é o mesmo que executa; e o distanciamento entre estas duas figuras inviabiliza o diálogo entre o escrito e o executado. Do mesmo modo, há que se conhecer a formação dos profissionais que se encontram na “ponta” do processo, uma vez que serão estes que apontarão a face que adotará o esporte em um ou outro projeto.

Referências

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