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Mulher e maturidade: algumas reflexões sobre o corpo e a moda

Mujer y madurez: algunas reflexiones sobre el cuerpo y la moda

 

*Acadêmica do curso de Moda da Universidade Feevale. Novo Hamburgo, RS

Bolsista de Iniciação Científica do Cnpq

**Doutora em História, professora dos cursos de graduação de Moda, de História

e do mestrado em Processos e Manifestações Culturais

da Universidade Feevale. Novo Hamburgo, RS

(Brasil)

Isabela Montano Boessio*

isabelaboessio@gmail.com

Claudia Schemes**

claudias@feevale.br

 

 

 

 

Resumo

          Este artigo se propõe a refletir acerca das relações entre mulher madura, acima dos 60 anos, corpo e moda na sociedade brasileira contemporânea. Procuramos observar de que maneira a moda pode influenciar na construção da identidade social destas mulheres. Para isso faremos uma pesquisa bibliográfica sobre envelhecimento e corpo, além de identificarmos estilistas, marcas e mídias que abordam estas questões.

          Unitermos: Mulher. Moda. Corpo. Maturidade.

 

Abstract

          This paper approaches the relations amongst mature woman, over 60, body and fashion in the contemporary Brazilian society. Its aim is to observe in which ways fashion can influence the constitution of the social identity of these women. Therefore, a bibliographic research on ageing and body will be done, as well as the recognition of fashion stylists, brands and medias that approach these issues.

          Keywords: Woman. Fashion. Body. Maturity.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 191, Abril de 2014. http://www.efdeportes.com/

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O envelhecimento e o corpo da mulher

    O envelhecimento da sociedade brasileira é um fato concreto e quantificável e, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos anos 1960 até hoje a expectativa de vida aumentou 25 anos. Este fato, que deveria ser comemorado, passou a ser motivo de preocupação para a maioria das mulheres em um país que valoriza demasiadamente a juventude e as características que a definem.

    No Brasil, o corpo é um verdadeiro capital1, como defende a antropóloga Mirian Goldenberg (2009) e, nesse sentido, segundo a autora, em uma cultura onde isso acontece, o processo de envelhecimento pode ser vivido como um momento de grandes perdas, especialmente de capital físico.

    A autora acredita que o corpo na sociedade brasileira contemporânea funciona como capital em diversos campos, mesmo naqueles em que, aparentemente, ele não seria um poder ou mecanismo de distinção. Quais são, portanto, os fatores que despertam essa supervalorização da estética corporal?

    Mauss (1974) utiliza o termo “imitação prestigiosa” para explicar que cada cultura constrói seus corpos e comportamentos. Ou seja, os indivíduos imitam atos, comportamentos e corpos de outros que obtiveram êxito e que têm prestígio em sua cultura. Não por acaso, as carreiras de modelo e jogador de futebol são tanto uma referência profissional quanto estética para a maioria dos jovens brasileiros. Atualmente, pode-se perceber uma forte tendência comportamental relacionada a um lifestyle saudável e a corpos malhados, exibidos e disseminados em redes sociais. Na internet e em revistas já está sendo usado, inclusive, o termo “blogueira fitness” para se referir às mulheres que, através de suas contas pessoais ou blogs, divulgam receitas, seus treinos e diversas dicas relacionadas à boa forma e à estética. Contudo, o culto ao corpo vem de outros períodos históricos.

    Segundo Del Priore (2001), a partir da década de 1920, quando o padrão de silhueta feminina passou a ser mais masculino e longilíneo, surgiu o conceito de beleza corporal independentemente do vestuário. No caso, era a mulher alta e magra. Considerando que na época não existiam recursos como cirurgias plásticas e tratamentos mais avançados, quem nascia dotada de beleza era muito valorizada, como se fosse abençoada. As demais se contentavam com a “feiura”. Já nos anos 50, pós Segunda Guerra Mundial, quando a mulher voltou a se dedicar ao lar, os cuidados com a beleza feminina passaram a ter extrema relevância, tornando-se praticamente um caminho sem volta até hoje – junto com as americanas, o povo brasileiro é o que mais investe em tratamentos de beleza e cirurgias plásticas (Goldenberg, 2009).

    A antropóloga citada, através de pesquisas quantitativas realizadas no Rio de Janeiro, concluiu que o que as mulheres mais invejam em pessoas do mesmo sexo é a beleza, o corpo e inteligência, nessa ordem. Já, para os homens, o que mais importa é inteligência, seguida pelo poder econômico, beleza e o corpo. Este resultado vem ao encontro do que coloca Castilho (2004) quando diz que:

    Ao longo dos séculos, o corpo se manifesta como uma estrutura semiótica da qual o ser humano não se desassocia, ao mesmo tempo em que a utiliza para instaurar significados, explorando as mais diversas possibilidades de sua expressão. Evidentemente, a manipulação da imagem corpórea tende a evidenciar as características mais atraentes do corpo, que são eleitas segundo os valores estéticos compartilhados por um certo grupo social (CASTILHO, 2004, p.84).

    Para Castilho, a relação do ser humano com seu corpo pode ser considerada problemática a partir do momento no qual as pessoas começam a retocá-lo plasticamente de diversas maneiras.

    A autora afirma, também, que o sujeito revela uma necessidade latente de querer significar, e encontra no corpo um suporte para fazê-lo. A plástica corporal se dá desde as modificações mais drásticas até a atuação da vestimenta corpórea, ambas possibilitando uma leitura do sujeito.

    Parece-nos que, em nossa cultura, mais do que reinventar a moda, a procura é de reinventar o próprio corpo, dotando-o de diferentes formas, ocultando ou revelando diferentes partes e ampliando, portanto, sua capacidade de significação (CASTILHO, 2004, p. 86).

    Levando em consideração as idéias dos autores apresentados, podemos dizer que, atualmente, uma mulher só é considerada de “boa aparência” se for jovem, já que a publicidade, a indústria da moda, dos cosméticos e os consultórios médicos oferecem produtos e intervenções que estariam ao alcance de todas. Dessa forma, sentimo-nos culpadas e deslocadas se não nos enquadramos nesses modelos de juventude e beleza, sendo que nosso corpo é considerado uma massa amorfa que pode ser moldado por profissionais das áreas da saúde e da estética.

    Esquecemos, muitas vezes, que o envelhecimento é um processo natural e inevitável (mesmo que se utilize algumas táticas de retardamento deste) que atinge o corpo todo, mas a realidade é que o Brasil é um país que está envelhecendo.

    Atualmente estamos vivenciando um fenômeno chamado “inversão da pirâmide etária”, que já está se caracterizando como uma macro tendência, uma vez que afeta diversos âmbitos a nível mundial. O censo brasileiro de 2010 aponta que o avanço da expectativa de vida e a queda da natalidade no país têm feito ascender o número de idosos, que no período de 1999 e 2009 passou de 6,4 milhões para 9,7 milhões. A proporção de idosos na população subiu de 3,9% para 5,1% enquanto o número de crianças e adolescentes diminuiu de 40,1% para 32,8%, indicando que o país já passa pelo processo de inversão da pirâmide etária. Ressalta-se que esse fenômeno pode contribuir para a valorização da maturidade daqui para frente.

    Na concepção de Lima (2001), a velhice está surgindo com uma nova possibilidade de ser velho, considerando o fato de que os idosos estão se organizando em movimentos que trazem à tona a discussão de seus direitos e suas aptidões. A maturidade, vista como representação coletiva, lentamente começa a nos apresentar um novo e diferente estilo de vida dos idosos, mostrando que estar nessa fase não significa ficar em casa e aposentar-se da vida social e profissional. Em vez disso, viajam, saem para bailes, reúnem-se em grupos e clubes, frequentam universidades. Exercitam, enfim, sua independência da forma que podem, repudiando rótulos e contestando mitos.

    Juntamente ao envelhecimento da população está surgindo uma geração mais específica de mulheres que estão entrando na maturidade e não desejam reduzir seu cotidiano aos cuidados dos netos, uma vez que isso não condiz com seu estilo de vida, sua mentalidade e a forma como se sentem. Essas mulheres são, em sua origem, os baby-boomers (nascidos entre 1946 e 1964), resultantes do crescimento populacional do pós-guerra. Essa geração, em sua juventude, optou pela tribalização, dividindo-se em subculturas (movimentos hippie e punk, por exemplo) que abraçavam não somente uma forma própria de vestuário como também uma ideologia, que direcionavam seu modo de interagir com o mundo.

    A revista Elle Brasil publicou, em sua edição de fevereiro de 2014, uma matéria intitulada Age Free, que aborda “a geração que mudou a idéia de juventude nos anos 1960 e 1970 e começa uma nova etapa de sua revolução” e que tem como lema a “liberdade para ser quem se quiser depois dos 50 – e para ter a idade que a cabeça mandar”. Rafael Barion (2014), autor da matéria, cita o aniversário de 50 anos da cantora e atriz Courtney Love (ex-mulher do falecido cantor Kurt Cobain e considerada musa do movimento grunge) para defender a idéia de que tudo o que pensamos sobre juventude e velhice está prestes a virar do avesso. Os boomers ouviram o tempo todo que sua jovialidade era muito preciosa, portanto, foi dessa forma que levaram sua vida adulta e, se depender deles, jovial será, também, sua maturidade.

    Para cada Madonna que testa os limites dos preenchimentos faciais, há uma Jane Birkin para nos mostrar como rugas podem ser incorporadas num visual jovial. E nenhuma das duas se parece com uma senhora de antigamente. É nesse ponto que elas estão mudando mesmo o que é ter mais de 50 ou 60 anos: antes, ser velho era uma característica unificadora. Aos olhos do mundo, todo aposentado era a mesma pessoa. Já os boomers não admitem ser outra coisa que não indivíduos muito singulares (BARION, 2014, p.102).

    À vista disso, diversos fatores apontam para uma mesma direção: a mulher madura atual anseia viver, diferenciar-se, significar.

A moda na maturidade

    Quando pensamos em diferenciação, uma das áreas que mais se presta a isso é a moda, visto que, conforme Castilho (2004), uma das formas de reconstruir o corpo é através da vestimenta, a qual ela denomina “decoração corpórea”. A moda é, neste caso, entendida como uma relação complexa entre diferentes códigos, e cada “arranjo vestimentário” é capaz de produzir múltiplos efeitos de significação. Em nossa cultura, portanto, mais do que reinventar a moda em si, a procura maior é de usar esta para reinventar o corpo e ampliar sua capacidade de significar.

    No momento em que ocorrem transformações na sociedade (como o envelhecimento no Brasil, conforme já citamos), a moda e a indústria do entretenimento as percebem e tratam de se adaptar a elas (BARION, 2014). Essa é uma das explicações pelas quais uma mudança comportamental de um determinado grupo, como o das mulheres maduras, pode transformar diversos setores que tenham interesse em satisfazê-los. No Brasil, essa cadeia se movimenta mais lentamente, mas no exterior nos deparamos cada vez mais com consequências dessa tendência no universo da mídia relacionada à moda.

    Como exemplo, podemos citar o fundador da companhia de cosméticos Nars, Françoise Nars, que anunciou, no dia 26 de fevereiro de 2014, que a nova garota propaganda da marca seria a experiente atriz britânica Charlotte Rampling, de 68 anos. Em entrevista, ele disse que “ela tem uma beleza natural bastante forte, mas ainda assim acessível. A capacidade que Charlotte tem de se transformar não tem precedentes, seja capturada em uma obra de arte, pelas lentes de um fotógrafo espetacular ou nas telas de cinema”.

    Na mesma semana, a marca Marc Jacobs anunciou que Jessica Lange, 64, seria o rosto da sua linha de beleza. Outra empresa que apoia a diversidade e demonstra que está disposta a investir nessa idéia é a American Apparel, dos EUA. Em janeiro de 2014, divulgou uma imagem da campanha de sua linha de lingerie estrelada por Jacky O’Shaughnessy, de 62 anos, com a frase “sexy has no expiration date” (sexy não tem data de validade). Jacky foi descoberta em um restaurante em Nova Iorque por membros da companhia que se encantaram por sua história e seus pensamentos e, desde 2012, vem trabalhando para a marca, como podemos ver na imagem a seguir.

Figura 1. Jacky O’Shaughnessy fotografada para a campanha de lingerie da American Apparel

Fonte: www.facebook.com/AmericanApparel. Acessado dia 25 de fevereiro de 2014.

    Dentre as redes sociais utilizadas pelos jovens, blogs e sites de relacionamentos estão cada vez mais trazendo conteúdo que envolva a maturidade. Essa atitude faz não somente com que mulheres mais velhas sintam-se incluídas (na verdade muitas delas acabam não tendo acesso a essas informações por não terem o costume de acessar a internet), mas abre a cabeça dos jovens e mostra que há espaço para todas as idades neste meio. O blog Advanced Style é uma das maiores referências atuais, apresentando fotografias de street style de idosos que chamam a atenção de Ari Seth Cohen por seu estilo e criatividade. Cohen, autor do blog, defende que devemos respeitar os mais velhos por sua experiência e, através de seu trabalho, pretende provar que estilo pessoal só avança com a idade, conforme imagens abaixo.

Figura 2 e 3. Fotografias do blog Advanced Style

Fonte: www.advancedstyle.blogspot.com.br/2013/07/grey-is-new-black Acessado em 25 de fevereiro de 2014.

Considerações finais

    As idéias apresentadas neste artigo nos levam a refletir sobre o universo da mulher madura, da mulher que passou dos 60 anos, mas que não se conforma com a marginalização que muitas vezes lhes é imposta e que assumiu a idéia de envelhecer bem, que significa não se conformar com a ditadura da juventude, do corpo perfeito, da pele lisa à custa de botox e preenchimentos, que não abdica de sua sexualidade, de sua vida profissional e social.

    Esta “nova velhice” exige novas respostas de vários setores da sociedade, não só os relacionados à saúde, legislação e lazer, mas também dos setores ligados à moda.

    Segundo Crane (2006) o vestuário é fundamental para a construção social da identidade e a sua escolha proporciona a possibilidade de compreendermos como as pessoas interpretam determinada forma de cultura para o seu próprio uso, incluindo “normas rigorosas sobre a aparência que se considera apropriada num determinado período” (CRANE, 2006, p.21).

    Um exemplo disso apontado por Goldenberg (2009) é que, quando comparadas as mulheres francesas e brasileiras, as primeiras utilizam a roupa (justa, de preferência) para ostentar o corpo, enquanto as segundas se produzem de forma a modelar a silhueta: escondendo algumas partes do corpo e deixando à mostra outras específicas. Ou seja, a moda pode ajudar a reinventar o corpo e ampliar sua capacidade de significar (CASTILHO, 2004).

    Que os limites sejam impostos por cada mulher sobre si mesma e não partam dos outros. Que nossa personalidade sempre encontre na moda uma forma de se expressar, e que isso aconteça dos 20 aos 90 anos!

Nota

  1. Os capitais (econômico, cultural, social, político, simbólico, físico, entre outros), segundo Bourdieu (1989), são os poderes que definem as probabilidades de ganho em um determinado campo.

Referências

  • CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: Senac, 2006.

  • CASTILHO, Katia. Moda e Linguagem. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2004.

  • DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2001.

  • GOLDENBERG, Mirian. Corpo, envelhecimento e felicidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

  • LIMA, Mariúza Pelloso. Gerontologia educacional: uma pedagogia específica para o idoso - uma nova concepção de velhice. São Paulo: LTr, 2001.

  • MAUSS, Marcel. As técnicas corporais. Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974.

  • STALLYBRASS, Peter. O casaco de Marx: roupas, memória, dor. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

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