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Mecanismo etiopatogênico das lesões cutâneas: uma revisão sistemática 

acerca dos fatores bioquímicos e imunofisiológicos do processo cicatricial

Mecanismos de producción de las lesiones cutáneas: una revisión sistemática

 de los factores bioquímicos e imunofisiológicos del proceso de cicatrización

 

*Enfermeiro. Especialista em Saúde da Família. Pós-Graduando em Didática e Metodologia

do Ensino Superior. Universidade Estadual de Montes Claros/Unimontes. Montes Claros, MG

**Acadêmico de Enfermagem. Fundação Presidente Antônio Carlos/Fupac. Uberlândia, MG

***Enfermeiro. Especialista em Saúde Pública, Enfermagem Cardiológica e Docência do Ensino

Superior. Universidade Estadual de Montes Claros/Unimontes. Montes Claros, MG

****Enfermeiro. Especialista em Saúde da Família. Docente das Faculdades Unidas

do Norte de Minas/Funorte. Montes Claros, MG

*****Enfermeiro. Pós-Graduando em Auditoria em Saúde

Centro Universitário Internacional/Uninter. Montes Claros, MG

******Enfermeiro pelas Faculdades Unidas do Norte de Minas/Funorte

Atua na Atenção Terciária do município de Francisco Sá, MG

(Brasil)

Patrick Leonardo Nogueira da Silva*

patrick_mocesp70@hotmail.com

Silas Santos**

santos_silas@hotmail.com

Ricardo Soares de Oliveira***

rickenfermeiromoc@yahoo.com.br

José Ronivon Fonseca****

pisecfunorte@yahoo.com.br

Rogério Gonçalves da Rocha*****

rogeriorocha81@yahoo.com.br

Almelino Rodrigues de Souza Neto******

neto.rodrigues.08@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este estudo objetiva descrever e identificar os fatores bioquímicos e imunofisiológicos do processo cicatricial com base no mecanismo etiopatogênico das lesões cutâneas. Trata-se de uma revisão bibliográfica sistemática, de caráter descritivo, realizada através das bases de dados científicas do Scielo (Scientific Eletronic Library Online), Bireme (Biblioteca Regional de Medicina) e Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde). Para a coleta de dados, utilizou-se um formulário estruturado para a captação dos artigos científicos. A coleta foi feita durante o primeiro semestre de 2013, sendo coletados 86 artigos que contemplasse os critérios de inclusão. O processo de cicatrização ocorre para restaurar a integridade anatômica e funcional do tecido, de forma que o organismo lança mão de um complexo mecanismo que envolve quimiotaxia, divisão celular, neovascularização, síntese de matriz protéica extra-celular e remodelação da cicatriz. Portanto, o estudo dos mecanismos etiopatogênicos das lesões cutâneas é essencial na formação do profissional de saúde. O mesmo deve estar apto a intervir neste processo a fim de melhorar a qualidade de vida bem como suas condições de saúde para o cliente portador destas lesões.

          Unitermos: Fisiopatologia. Mecanismos defensivos e curativos. Cicatrização. Processos bioquímicos. Fenômenos fisiológicos da Pele.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 191, Abril de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    As feridas constituem um sério problema de saúde pública, devido ao grande número de clientes com alterações na integridade da pele, embora sejam escassos os registros desses atendimentos. O elevado número de pessoas com lesões contribui para onerar o gasto público, além de interferir na qualidade de vida da população(1). As feridas são modificações da pele ocasionadas por traumas, processos inflamatórios degenerativos, circulatórios, causados por distúrbios metabólicos ou má formação. Trata-se, portanto, do rompimento e funcionamento ineficiente da estrutura anatômica normal, resultante de processos patológicos que tiveram suas origens interna (intrínsecos) ou externa (extrínsecos) aos órgãos envolvidos(2).

    A localização de uma ferida pode ser um indício de possíveis problemas, como risco de contaminação, ou problemas de mobilidade (provocados por feridas nos membros inferiores). Relatam ainda, que o tempo de permanência da ferida está relacionado com processos individualizados de cada portador e passíveis de alterações, uma vez que características, manejos e hábitos pessoais podem influenciar neste tempo(3). As feridas podem ser classificadas, de acordo com o tempo de reparação tissular, em agudas e crônicas. As feridas agudas são originadas de cirurgias ou traumas e a reparação ocorre em tempo adequado, sem complicações. As feridas crônicas são aquelas que não são reparadas em tempo esperado e apresentam complicações(4).

    As feridas agudas geralmente são cortes, abrasões, lacerações, queimaduras, dentre outras. São definidas como aquelas que surgem de súbito e têm curta duração, ocorrem em pessoas de todas as idades e geralmente cicatrizam com facilidade. Já a ferida crônica foi definida como sendo uma lesão onde há uma grande perda de tecido, resultante de uma ferida duradoura e de recorrência freqüente, e que apesar dos cuidados médicos e de enfermagem, não cicatrizam facilmente. Sua ocorrência é mais provável em idosos ou pessoas com problemas sistêmicos. São exemplos de tais feridas, as escaras de decúbito, úlceras de perna e feridas fungóides(5).

    A dor, na ferida crônica é hoje conceituada como um fenômeno complexo e multifatorial, que envolve aspectos psicossociais. Dentre os fatores que influenciam a sensação dolorosa, evidenciam-se os sentimentos e as experiências emocionais como mágoa, luto, temor, angústia e culpa(6). A cicatrização de feridas é um processo dinâmico que envolve fenômenos bioquímicos e fisiológicos, que se comportam de forma harmoniosa, a fim de garantir a restauração tissular, ocorrendo, portanto uma perfeita e coordenada cascata de eventos celulares e moleculares que se interagem para que ocorra a repavimentação e a reconstituição do tecido(7).

    Embora a reparação tecidual seja um processo sistêmico, é necessário favorecer condições locais através de terapia tópica adequada para viabilizar o processo fisiológico. A limpeza e cobertura caracterizam as etapas dessa terapia. As coberturas também são denominadas de curativos, porém esse termo não é o mais adequado, pois o mesmo engloba a técnica de "curar", ou seja, procedimentos que vão desde a remoção da cobertura anterior, limpeza, desbridamento à colocação da nova cobertura. As coberturas mantêm as células viáveis e permitem que as mesmas liberem fatores de crescimento, estimulando sua proliferação. Dentre elas estão: Filme de Poliuretano, Hidrocolóide, Hidrogel, Papaína, Carvão ativado e Alginatos(4).

    Os profissionais da enfermagem devem considerar de um modo amplo, tanto o cliente quanto a ferida, pois somente o cliente poderá descrever a presença dos sintomas. Esses autores atribuem ao enfermeiro o dever de orientar os procedimentos corretos da troca de curativos, a higienização adequada do ambiente e do material utilizado, bem como os procedimentos técnicos e as substâncias empregadas no cuidado de feridas, propiciando um micro-ambiente ótimo para a restauração tissular, sem traumas ou toxicidade complementares. Tais profissionais devem ainda instruir o portador da ferida e seus familiares sobre os fatores prejudiciais à saúde (sedentarismo, falta de uma dieta equilibrada, falta de atividades físicas, etc.), motivando-os a melhorar o autocuidado e a auto-estima(3).

    Sendo assim, este estudo objetiva identificar e caracterizar os mecanismos etiopatogênicos das lesões cutâneas através de uma revisão sistemática acerca dos fatores bioquímicos e imunofisiológicos do processo cicatricial.

Material e métodos

    Este estudo teve como suporte a Revisão Bibliográfica, sendo a mesma feita de forma sistemática. A revisão de artigos foi realizada através da consulta ao SCIELO (Scientific Eletronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e BIREME (Biblioteca Regional de Medicina) considerado como critério inicial para seleção.

    Optou-se por estas bases de dados por serem as mesmas uma das principais fontes de publicações científicas na atualidade e, a partir de seu sistema de busca, utilizou-se as seguintes palavras-chave: “Fisiopatologia”, “Mecanismos Defensivos e Curativos”, “Cicatrização”, “Processos Bioquímicos”, e “Fenômenos Fisiológicos da Pele”.

    A coleta de dados pela base de dados eletrônica ocorreu no 1º semestre de 2013, entre os meses de março e abril do respectivo ano pelo próprio pesquisador do trabalho. Para o mesmo, utilizou-se um formulário estruturado para a captação dos artigos científicos.

    A busca resultou em 86 artigos publicados entre os anos de 2000 a 2012. Dentre esses, foram selecionados 42 utilizando como critério de inclusão apenas os artigos na língua portuguesa publicados no período compreendido entre 01 de janeiro de 2000 e 30 de dezembro de 2012. Neste estudo foram utilizados 02 artigos dos anos de 1988 e 1996 na qual os mesmos contemplavam a temática abordada. Foi realizada uma leitura cuidadosa de todos os artigos selecionados, incluindo, neste estudo, aqueles que utilizaram métodos epidemiológicos na abordagem aos mecanismos etiopatogenéticos das lesões cutâneas.

Tecido cutâneo (pele)

    A superfície corporal é envolta por um órgão complexo, dotado de múltiplas funções, que apresenta variações de aspecto, raciais, individuais e regionais: a pele(8). A pele constitui-se o maior órgão do corpo, formando uma barreira entre os órgãos internos e o meio externo, sendo principalmente um órgão de proteção contra agentes ambientais, potencialmente prejudiciais (matéria sólida, gases, luz solar, microorganismos), impede ainda que os líquidos corpóreos deixem o organismo. Apresenta propriedades que possibilitam um ciclo contínuo de cicatrização, descamação e regeneração celular(9).

    É chamada a atenção para importância da pele na regulagem da temperatura corpórea, na excreção de água, gordura e algumas outras substâncias, constituindo o mais extenso órgão sensorial do corpo para recepção de estímulos táteis térmicos e dolorosos(10). A pele tem uma origem dupla, uma camada superficial, a epiderme, forma-se a partir do ectoderma superficial, e uma camada mais profunda, a derme, que se forma a partir do mesoderma subjacente(11). Essas camadas (derme e epiderme) são separadas pela lâmina basal e aderidas por meio dos hemidesmossomos(9). A epiderme deriva da camada celular do ectoderma da superfície. A multiplicação destas células dá origem a uma camada de epitélio pavimentoso, o periderme, e uma camada germinativa basal(12).

    São na epiderme que estão localizados os diferentes apêndices da pele (pêlo, unhas e estruturas glandulares). A epiderme é formada por quatro tipos de células, os ceratinócitos (produtores da ceratina, ocupam a posição de principais células da epiderme), os melanócitos (produtores da melanina), as células Merkel (produzem a informação sensorial) e as células de Langerhans (responsáveis pelo reconhecimento dos antígenos estranhos e prejudiciais ao organismo, colaborando, portanto, na defesa do mesmo)(9).

    A derme é a camada do tecido conjuntivo, localizada entre a epiderme e a camada subcutânea de gordura, funcionando como fonte primária de nutrição. A derme é subdividida em duas camadas, a derme papilar e a derme reticular (área mais espessa da derme e forma a parte principal da camada dérmica), compondo-se de células, fibras, substâncias amorfas, nervos e vasos sanguíneos. As estruturas pilosas (pêlos) e estruturas glandulares encontram-se embebidas nessa camada e se projetam através da epiderme(9).

Fisiologia do processo de cicatrização

    O processo de cicatrização é uma seqüência complexa de eventos celulares e bioquímicos com a finalidade de restaurar a integridade tecidual após o trauma, processo este, que é caracterizado pela homeostase, inflamação, constituição do tecido de granulação, reepitelização e remodelação da matriz extracelular(13). A perda tecidual é necessária para que se inicie a reconstituição e que esta perda pode ocorrer em toda a derme ou em parte dela e, algumas vezes, atinge até mesmo o tecido subcutâneo(7).

    A reparação da pele pode ser de duas formas: regeneração com a recomposição da atividade funcional do tecido (quando a área atingida consegue restabelecer suas funções e os tecidos que havia antes do trauma) ou pela cicatrização do tipo fibrótica (aquela em que a funcionalidade é perdida, mas alcança-se a homeostasia)(14).

    Durante a avaliação da ferida é importante que se detectem sinais de infecção, uma vez que todas as feridas estão colonizadas por bactérias, e os tecidos desvitalizados e a circulação debilitada favorecem a colonização de bactérias, porém, para que ocorra o retardo no processo de cicatrização, tal fato não significa que esse processo será retardado ou que todas as feridas ficarão automaticamente infectadas. A ferida será afetada, na medida em que houver disputa pelos glóbulos brancos e nutrientes, prolongamento do estágio inflamatório e a inibição dos fibroblastos produzirem colágeno, em caso de infecção. A cicatrização poderá ocorrer somente depois de o corpo ter lidado com a infecção(15).

    O processo de cicatrização de uma ferida pode ocorrer de três formas, levando-se em consideração os agentes causadores da lesão, a quantidade de tecido perdido e o conteúdo microbiano. Portanto, o fechamento da ferida pode ocorrer por primeira, segunda ou terceira intenção(16). A reparação tissular exige um ambiente propício, onde haja formação de colágeno, angiogênese, epitelização e a contratura da ferida, e que o bom desempenho desses eventos acontece quando o ambiente local oferece ótimas condições de temperatura, hidratação e oxigenação(17).

    A cicatrização é denominada primária ou por primeira intenção nas feridas cujas bordas foram aproximadas por sutura e que não tenham sido infectadas. Há perda mínima de tecido, o processo cicatricial ocorre dentro do tempo fisiológico esperado e, como conseqüência, deixa cicatriz mínima(18).

    A cicatrização por segunda intenção está relacionada com ferimentos infectados e com perda acentuada de tecido, onde não é possível realizar a junção dos bordos, acarretando um desvio da seqüência esperada de um reparo tecidual. Esse processo envolve uma produção mais intensa de tecido de granulação e, também, requer maior tempo para a contração e epitelização da ferida, produzindo uma cicatriz significativa(16).

    As feridas cicatrizam por terceira intenção quando há fatores que retardam a cicatrização de uma lesão inicialmente submetida a um fechamento por primeira intenção. Essa situação ocorre quando uma incisão é deixada aberta para drenagem de exsudado e, posteriormente, fechada(16). A dinâmica da cicatrização de uma ferida ocorre nas seguintes etapas: coagulação, inflamação, proliferação, contração da ferida e remodelação(7).

    O processo inflamatório é muito importante para a cicatrização. Inicialmente ocorre, e quase simultaneamente ao estímulo lesivo, vasoconstrição. Logo após, os mastócitos, granulócitos e plaquetas, liberam histamina causando a vasodilatação, levado ao aumento da permeabilidade e extravasamento de plasma, sendo que a continuidade da vasodilatação é de responsabilidade das prostaglandinas(14).

    Esse processo, além de limitar a perpetuação da perda de constituintes circulatórios para os interstícios celulares, fornece uma matriz preliminar, que alicerçará a migração das células responsáveis pelo desencadeamento do processo de reparo(14). Entre o terceiro e décimo dia, os macrófagos fagocitam as bactérias e detritos, direcionando o desenvolvimento do tecido de granulação(7). A adesão inicial das plaquetas à superfície lesada é possibilitada pelas proteínas de adesão presentes na sua membrana. As principais, são os receptores da glicoproteína IIb/IIIa (GP IIb/IIIa) que possui sítios de ligação para o fibrinogênio, fator de Von Willebrand, vitronectina, fibronectina e trombospondina(14).

    Além do colágeno, ativado pelo processo de coagulação, também servem como fatores de estimulo, a agregação plaquetária, as plaquetas ativadas, o ADP liberado por hemácias e grânulos densos, o ácido araquidônico da membrana das plaquetas, o PAF (Fator de Agregação Plaquetária), e também podem ser citadas a noradrenalina e serotonina(14).

    É na fase inflamatória que a fibronectina age aderindo simultaneamente à fibrina, ao colágeno e a outros tipos de células, funcionando assim como cola para consolidar o coágulo de fibrina, as células e os componentes de matriz(7).

    A interação das proteínas dos grânulos plaquetários com proteínas da matriz extracelular somados à massa de corpos plaquetários agregados, ao se estabilizarem, formam uma matriz provisória. Esta se torna mais consistente à medida que a fibrina se polimeriza pelas vias intrínseca ou extrínseca da coagulação(14).

    Com esse último evento fica concluída a condição básica para a migração de células para a região lesada, ou seja: (1) existe uma matriz provisória que serve de alicerce para a migração celular (tanto a partir da circulação como das regiões adjacentes), formada pelos corpos de plaquetas agregadas e proteínas dos seus grânulos, proteínas da matriz extracelular e proteínas do sistema de coagulação; (2) embebidos nesta matriz há um gradiente de moléculas com propriedades quimioatrativas com concentração crescente em direção à lesão que orienta o sentido da migração celular, (3) a força de arraste da corrente sanguínea sobre as células circulatórias está diminuída devido à vasodilatação local e (4) estão expressas na superfície das células endoteliais, dos vasos não lesados, as moléculas de adesão que ancoram os leucócitos circulantes e permitem a sua transmigração pelo endotélio(14).

    Nessa fase acontecem três subfases que são responsáveis pelo “fechamento” da ferida. A primeira é chamada de reepitelização, onde queratinócitos não danificados migram das bordas da ferida e dos anexos epiteliais, quando a ferida é de espessura parcial, e apenas das margens nas de espessura total(7).

    A segunda subfase denominada fibroplasia é a formação da matriz que é muito importante na formação de tecido de granulação (conjunto de elementos celulares, incluindo fibroblastos, células inflamatórias e componentes e da matriz, como a fibronectina, as glicosaminoglicanas e o colágeno). A formação desse tecido depende do fibroblasto, que é responsável por produzir colágeno, elastina, fibronectina, glicosaminoglicanas e proteases, estas responsáveis pelo desbridamento e remodelamento fisiológicos(7).

    A última subfase é a angiogênese. É considerada essencial para a oxigenação e nutrição do tecido durante o processo de cicatrização. As células endoteliais migram para a área ferida, e em seguida ocorre a proliferação destas células, o que dará acesso às outras células responsáveis pela próxima fase(7).

    Representa a última das fases e acontece no colágeno e na matriz; prolonga-se por alguns meses e está relacionada com o aumento da tensão, com a diminuição da cicatriz e com eritema. Com as reformulações do colágeno, melhoria nos componentes das fibras colágenas, reabsorção de água, a força da cicatriz aumenta e a sua espessura diminui(7).

    Entender a fisiologia da cicatrização e os fatores relacionados a ela é importante para a avaliação precisa da ferida, e servem de suporte para otimizar a reparação(17).

    O sucesso da cicatrização depende de alguns fatores sistêmicos e locais, que podem influenciar tanto de forma positiva quanto negativa. Devido a isso, os profissionais que vão atender os pacientes lesionados, devem usar todo o seu conhecimento técnico-científico para que seja oferecido o tratamento adequado a cada tipo de lesão(19,20).

    A regeneração da epiderme demora mais tempo para se completar, sendo mais lenta devido às bordas da ferida se encontrar distantes. E, devido à grande quantidade de fatores de crescimento liberados a partir das células exsudadas, as células da epiderme proliferam nas margens, onde ocorre certo grau de hiperplasia(18).

Resposta imune no processo de cicatrização de feridas

    A pele é uma estrutura moldada evolutivamente para resistir rotineiramente a estresses, sem apresentar alterações em sua morfologia ou fisiologia, mesmo estando sujeita a agressões externas constantes. As adaptações da pele para evitar esses danos e seu fascinante mecanismo para reparar lesões em suas células e em sua estrutura tecidual têm sido recentemente foco de um intenso esforço de pesquisas(21).

    A pele é composta por um sistema imunológico especializado constituído de linfócitos e células apresentadoras de antígenos (APCs). A pele além de ser o maior órgão do corpo é uma importante barreira física entre um organismo e seu ambiente externo e participa ativamente na defesa do hospedeiro, com sua habilidade de gerar e manter reações imunológicas e inflamatórias locais. Muitos antígenos estranhos entram no corpo através da pele e muitas respostas imunológicas são, então, iniciadas nesse tecido(22).

    As células de Langerhans localizadas na porção suprabasal da epiderme, são as células dendríticas imaturas do sistema imunológico cutâneo. Elas formam uma rede praticamente contínua que lhes permite capturar os antígenos que entram pela pele. Estimuladas pelas citocinas inflamatórias, as células de Langerhans retraem seus processos, perdem sua adesividade pelas células epidérmicas e migram para a derme. Elas então migram para os linfonodos pelos vasos linfáticos, e esse processo pode ser estimulado por quimiocinas que agem especificamente nas células de Langerhans. Os linfócitos intra-epidérmicos constituem somente cerca de 2% dos linfócitos associados à pele (o resto está localizado na derme) e a maioria composta de células TCD8+. As células intra-epidérmicas podem expressar um conjunto mais restrito de receptores de antígenos do que os linfócitos T da maioria dos tecidos extracutâneos(21).

    Lesões na pele podem levar à ruptura da membrana plasmática da célula Porém, as células de mamíferos podem sobreviver a perfurações enormes (para os padrões celulares) em suas membranas plasmáticas. Rupturas de cerca de um micrômetro são imediatamente vedadas, através da contração de um anel – formado pelas proteínas actina e miosina, disposto em torno do local lesionado. Posteriormente, membranas derivadas de organelas conhecidas como lisossomos e endossomos fusionam-se no local danificado formando vesículas e reconstituem a membrana plasmática dessa região. Após vedarem a ruptura superficial, as células procuram reconstituir suas organelas danificadas, assim como a composição iônica e protéica intracelular. Íons de cálcio que penetram nas células através dessas perfurações ativam a fusão das vesículas com a membrana plasmática, assim como, genes relacionados ao aumento da migração e proliferação celular para o restabelecimento da estrutura do tecido lesionado. Essas rupturas na membrana celular também permitem que uma citocina denominada fator básico de crescimento de fibroblastos (bFGF) seja liberada no meio externo para ativar a proliferação celular nos locais danificados(21).

    A derme, por sua vez é rica em vasos sangüíneos, meio extracelular e fibras protéicas, que permitem que essa região absorva forças mecânicas, impedindo traumas na pele e nos tecidos internos. Vários tipos celulares, como adipócitos e fibroblastos – células produtoras de meio extracelular e filamentos protéicos –, estão presentes nessa região. Além disso, leucócitos (células relacionadas à defesa imune) estão presentes na derme ou podem ser deslocados através dos vasos sangüíneos e linfáticos para esse local para combater invasores(21).

    São encontrados também na derme, os linfócitos T (células CD4+ e CD8+), em sua maioria perivascular, e macrófagos espalhados. Muitas células T da derme expressam um epítopo de carboidrato, chamado de antígeno-1 do linfócito cutâneo, que pode se importante para migração específica dessas células para a pele(22). Lesões maiores que afetam a estrutura da pele são reparadas pela ação conjunta de diversos tipos celulares por meio de um mecanismo conhecido como cicatrização(21).

    O processo de cicatrização de feridas é composto de uma série de estágios complexos, interdependentes e simultâneos que pode ser dividido da seguinte forma: coagulação, inflamação, reconstrução(23).

    O início é imediato, após o surgimento da ferida. Essa fase depende da atividade plaquetária e da cascata de coagulação. Ocorre uma complexa liberação de produtos. Substâncias vasoativas, proteínas adesivas, fatores de crescimento e proteases são liberadas e ditam o desencadeamento de outras fases. A formação do coágulo serve não apenas para coaptar as bordas das feridas, mas também para cruzar a fibronectina, oferecendo uma matriz provisória, em que os fibroblastos, células endoteliais e queratinócitos possam ingressar na ferida(7).

    Intimamente ligada à fase anterior, a inflamação depende, além de inúmeros mediadores químicos, das células inflamatórias, como os leucócitos polimorfonucleares (PMN), macrófagos e linfócitos. Os PMN chegam ao momento da injúria tissular e ficam por período que varia de três a cinco dias; são eles os responsáveis pela fagocitose das bactérias(7).

    A reação inflamatória é local e não específica a danos no tecido e/ou invasão bacteriana. Os capilares dilatam-se, tornando permeáveis, contribuindo com o fluxo de fluidos para os tecidos lesados. Esse fluido transforma-se então “na exsudação inflamatória” e contém proteínas do plasma, anticorpos, glóbulos vermelhos e brancos (eritrócitos e leucócitos) e plaquetas. Estas, além de estarem envolvidas na formação de coágulo, liberam fatores de crescimento das células no local da ferida. Podem ser considerados sinais de inflamação, a vermelhidão, calor, dor e inchaço(23).

    O macrófago é a célula inflamatória mais importante dessa fase. Permanece do terceiro ao décimo dia dessa fase. Fagocita bactérias, desbrida corpos estranhos e direciona o desenvolvimento de tecido de granulação. Outras células importantes, os linfócitos, aparecem na ferida em aproximadamente uma semana. Seu papel não é bem definido, porém sabe-se que, com suas lifocinas, tem importante influência sobre os macrófagos(7).

    O primeiro leucócito a chegar à ferida é o neutrófilo. Aqui cabe descrever o papel da fibronectina em relação aos neutrófilos. Ela atrai neutrófilos para o local da ferida – um processo conhecido como quimiotaxia os neutrófilos se espremem pelas paredes dos capilares para chegar aos tecidos por diapedese e essa habilidade é novamente aumentada pela fibronectina. Após cerca de uma hora do início da reação eles chegam à grande quantidade tendo como função, fagocitar bactérias, englobando-as e destruindo-as. Em condições normais, os leucócitos circulam através de todos os tecidos do organismo – as células presentes no sangue estão em trânsito entre os diferentes tecidos. Cada população celular possui um padrão característico de migração que também depende do estado de diferenciação e ativação da célula: - os fagócitos, incluindo neutrófilos e monócitos, deixam a medula óssea e migram para os tecidos periféricos, particularmente para locais de infecção ou inflamação. Os neutrófilos fazem um trajeto de sentido único, mas os monócitos diferenciam-se em macrófagos e podem recircular para os órgãos linfóides secundários, onde se comportam como células apresentadoras de antígenos(23).

    Além das células inflamatórias e dos mediadores químicos, a fase inflamatória conta com o importante papel da fibronectina. Sintetizada por uma variedade de células como fibroblastos, queratinócitos e células endoteliais, ela adere simultaneamente à fibrina, ao colágeno e a outros tipos de células, funcionando assim como cola para consolidar o coágulo de fibrina, as células e os componentes de matriz. Além de formar essa base para a matriz extracelular, tem propriedades quimiotáticas e promove a psonização e fagocitose de corpos estranhos e bactéria(7).

    O tecido de granulação aparece por volta do décimo dia preenchendo todo o leito da ferida. Esse tecido começa a se enriquecer com fibras de colágeno e inicia uma aparência de cicatriz. Nesta etapa começam a ser depositadas fibras de colágeno tipo1, formando finalmente a cicatriz. É necessário ressaltar que uma ferida só está totalmente curada quando ocorre o último processo da cicatrização: o remodelamento(14).

    Os eusinófilos aparecem na fase de reparação celular e parecem estar ligados ao crescimento. Quando a ferida está completamente fechada e os microorganismos já não existem mais, os linfócitos fazem parte do subsistema leucocitário mais abundante em feridas. Nessa etapa, os linfócitos migram para a região da ferida atraídos em número igual aos dos monócitos, e só a partir do décimo quarto dia, os leucócitos vão predominar nesta região. Os macrófagos são cruciais na maturação da ferida, liberam no local da mesma, vários fatores de crescimento e citocinas, iniciando o processo de cura da ferida(14).

Considerações finais

    Conquistou evidência logo nos primórdios da pesquisa literária e posteriormente aos resultados alcançados, a importância de se agregarem conhecimento/habilidade por parte dos profissionais de saúde no tratamento de feridas, uma vez que, além da perícia dispensada no manuseio, fator esse indispensável em toda e qualquer assistência, é primordial a avaliação de toda a estrutura envolvida.

    A incidência de lesões cutâneas do tipo aguda é mais recorrente do que as do tipo crônicas. Confere-se tal resultado, ao fato do risco de ocorrência de uma lesão aguda ser acessível, uma vez que pode ocorrer repentinamente, desde uma simples falta de atenção (acidentes com armas brancas ou de fogo, queimaduras, lacerações, acidentes moto ciclísticos, etc), até uma necessidade cirúrgica. Essa vastidão de possibilidades justifica a maior freqüência das lesões agudas.

    O fato de as feridas crônicas se apresentarem em uma menor escala, não torna seu percentual pequeno e tampouco menos relevante, uma vez que ambas, provocam desconforto e perdas ao portador, um exemplo disso é a amputação ou a necessidade de se afastar do emprego em virtude do tratamento.

    Portanto, o estudo dos mecanismos etiopatogênicos das lesões cutâneas é essencial na formação do profissional de saúde. O mesmo deve estar apto a intervir neste processo a fim de melhorar a qualidade de vida bem como suas condições de saúde para o cliente portador destas lesões. O enfermeiro, principalmente, deve saber agir durante o período de recuperação do paciente de forma a avaliar a progressão ou regressão da ferida através das suas características cicatriciais e das trocas de curativos diários.

Referências

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 19 · N° 191 | Buenos Aires, Abril de 2014
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