Doenças e distúrbios de saúde entre professores da educação básica no Brasil: um levantamento bibliográfico Enfermedades y trastornos de salud en profesores de educación primaria en Brasil: un estudio bibliográfico |
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (PPE/UEM) Bolsista CAPES/DS |
Aline Fabiane Barbieri (Brasil) |
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Resumo Neste texto, o objetivo geral foi realizar uma revisão de literatura acerca das doenças e distúrbios mais frequentes entre professores da educação básica no Brasil. No que se refere aos procedimentos de pesquisa, este estudo pode ser caracterizado como de caráter bibliográfico. Com base nos artigos científicos analisados, pode-se identificar que as três doenças e distúrbios de saúde mais frequentes entre professores foram: a) os psíquicos e mentais; b) osteomusculares e articulares e; c) respiratórios. Os três principais determinantes e causas imediatas para o desenvolvimento destas doenças e distúrbios de saúde, apontados pela revisão de literatura, foram: a) longas jornadas de trabalho; b) número excessivo de alunos por sala e; c) posição de trabalho incômoda. Considerando o exposto, entende-se fundamental, como medida imediata, o encaminhamento de medidas e ações políticas contundentes que tencionem com o sistema capitalista e garantam melhores condições de trabalho e vida para os professores da educação básica. Unitermos: Doenças. Professores. Educação básica.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 191, Abril de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Na década de 1970, a crise estrutural do capital e as estratégias encaminhadas para a superação desta crise - fundamentalmente, a reestruturação produtiva e a política econômica neoliberal - acabaram por impactar negativamente as condições de trabalho e de vida da classe trabalhadora, o que demonstra, sobretudo, a atualidade dos fundamentos teóricos de Marx, quando este autor, ainda no século XIX assinalou que, na sociedade capitalista, em regra, as crises de acumulação são acompanhadas pela intensificação das formas de domínio e precarização do trabalho.
No contexto de predomínio do ideário neoliberal, a educação, ao mesmo tempo em que foi precarizada pelas reformas neoliberais e adaptada aos novos padrões de exploração do trabalho, passou a ser vista como peça chave para melhorar as condições de vida da população, ideário constitutivo da Teoria do Capital Humano, que propõe a ascensão social por meio da educação (TOLEDO; RUCKSTADTER, 2011). Nesse sentido, a partir dos anos de 1990, especialmente após a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, desencadeou-se um amplo processo de reformas educacionais em todo o mundo, incentivado por organismos multilaterais, tais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (CEPAL) e Banco Mundial, para que a educação fosse adaptada às suas novas funções, como a de alívio da pobreza (TROJAN, 2008).
No Brasil, a disseminação das ideias neoliberais foi iniciada na década de 1990, com o processo de reforma da aparelhagem estatal. Como produto desta redefinição do Estado, houve a precarização dos setores sociais, em especial da educação, principalmente, por conta do expressivo corte de verbas e, consequente apelo por maior controle de gastos. Expressão atual deste quadro pode ser visualizada por meio de dados fornecidos por Passos (2012) que indicam que o governo federal propôs investimento de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2020 para financiar as metas previstas pelo Plano Nacional de Educação (PNE). Entretanto, estudo realizado indica que este valor será insuficiente para garantir o mínimo de qualidade para o setor. Segundo o cálculo realizado, seria necessário, pelo menos, investimento de 10,4% do PIB. É importante frisar que isto não se trata da ineficiência do papel do Estado, mas sim, da própria lógica de funcionamento da sociedade capitalista, a qual consiste na busca desenfreada pelo lucro em detrimento do desenvolvimento humano.
Este quadro de corte de verbas para o setor social influenciou significativamente o trabalho do professor. Isto porque o professor passou a ter que demonstrar maior eficiência e qualidade de ensino, mesmo frente a piora de suas condições de trabalho, marcada pelo número excessivo de alunos por turma, precarização do espaço escolar, aumento da violência, baixos salários, subcontratações, alto índice de desemprego, dentre outros pontos que poderiam ser destacados. Condições estas, presentes não só no sistema público de educação formal, mas também no sistema privado (COSTA, 2014). Vale destacar, ainda, o fato de a própria formação do professor, por vezes, não oferecer a este os conhecimentos necessários ao exercício de uma prática pedagógica de qualidade.
Mesmo com todas as más condições de trabalho as quais enfrenta em sua prática pedagógica, o professor é, por vezes, responsabilizado pelo sucesso/insucesso escolar. Desloca-se, de tal modo, um problema com raízes sociais para o individual, o que pode ser perfeitamente entendido na sociedade capitalista, considerando que a transferência da “culpa” ao indivíduo é uma estratégia necessária e comumente utilizada nesta sociedade, como uma forma de velar a realidade concreta e manter a harmonia social.
Uma das formas que vem sendo utilizada para verificar a eficácia do trabalho do professor, é a avaliação docente, tema que está em pauta na contemporaneidade. No Brasil, esta avaliação vem sendo realizada sistematicamente nos Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, tomando como base o desempenho dos alunos em exames nacionais. Em síntese, este sistema de avaliação, funciona de forma a oferecer incentivos financeiros aos professores de alunos que alcançam bons resultados em exames nacionais (CAMARGO, 2012). E esta nada mais é do que uma orientação provinda do Banco Mundial que pode ser verificada no relatório do Banco Mundial (2005) intitulado “Mejorar la enseñanza y el aprendizaje por medio de incentivos ¿Qué lecciones nos entregan las reformas educativas de América Latina?”
Assim, na atualidade, temos paralelamente à transmissão da ideia de que o professor deve efetuar uma prática pedagógica de qualidade e eficiência, sempre colocando-a sob o crivo da reflexão, a necessidade constante de apresentação de resultados pautados nas competências, mediante a aplicação de sistemas avaliativos rígidos que somente consideram os resultados em detrimento ao processo (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2011).
Pode-se compreender que tal realidade contraditória seja reflexo do fato de, por um lado, o professor, predominantemente no âmbito da educação estatal, apresentar-se como trabalhador improdutivo ao capital, não atuando diretamente na produção de mais-valia e, por outro, ser ator central na tarefa de “internalização” dos valores e moral próprios da sociedade capitalista no campo da educação formal, processo este fundamental para a reprodução social (MÉSZÁROS, 2008, p. 44).
Neste quadro de condições de trabalho inadequadas aliadas a grande cobrança por resultados, o adoecimento entre professores tem se tornado comum. Para fins de ilustração, destaco estudo realizado na cidade de São Paulo, em 2011, que identificou que 17% dos professores da rede estadual não estavam exercendo suas atividades por afastamento motivado por problemas de saúde. Entre estes problemas, uma das principais causas dos afastamentos foi o estresse (SPRESSO, 2012). Situação esta que se agrava ainda mais quando levamos em conta a inexistência de um sistema de saúde eficiente no Brasil e de uma política pública voltada às condições de trabalho dos professores.
Considerando tais aspectos, este texto foi elaborado com o fito de identificar as principais doenças e distúrbios de saúde acometidos por professores da rede pública da educação básica no Brasil, com base na literatura científica disponível. Além disso, buscou-se reconhecer os principais determinantes e causas imediatas para o desenvolvimento de doenças e distúrbios de saúde (causadores de afastamento) entre estes professores.
Aspectos teórico-metodológicos
Conforme Pádua (2004, p. 56): “Bibliografia é o conjunto de obras derivadas sobre determinado assunto, escritas por vários autores, em épocas diversas, utilizando todas ou parte das fontes”. Na pesquisa bibliográfica, segundo Marconi e Lakatos (1982), a análise é realizada a partir de fontes secundárias (materiais já escritos sobre determinado assunto, incluindo obras literárias e imprensa escrita), com a finalidade de colocar o pesquisador em contato com o que já se produziu a respeito de um tema de pesquisa. Ainda de acordo com Marconi e Lakatos (2003), a pesquisa bibliográfica compreende oito fases distintas: a) escolha do tema (tema que se deseja desenvolver); b) elaboração do plano de trabalho (deve-se observar a estrutura de todo do trabalho científico); c) identificação (fase de reconhecimento do assunto pertinente ao tema de estudo, ou seja, de levantamento bibliográfico sobre o tema); d) localização (localização das obras identificadas); e) compilação (reunião e organização sistemática do material encontrado); f) fichamento (transcrição dos dados das obras de referência); g) análise e interpretação (deve-se realizar análise crítica do material bibliográfico) e h) redação (etapa final na qual o pesquisador se voltará à redação de seu texto, que poderá ser, por exemplo, uma monografia, dissertação, tese ou artigo científico).
Tomando por base tal definição, define-se o estudo ora apresentado como do tipo bibliográfico, uma vez que foi erigido a partir de registro disponível de pesquisas anteriores. O levantamento bibliográfico sobre o tema foi realizado mediante: a) pesquisa eletrônica: realizada por meio da utilização do banco de dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), bem como por meio de indexadores como o Google Acadêmico, Scielo e Lilacs, onde foram utilizadas, principalmente, as seguintes palavras-chave: doenças, distúrbios, saúde, professores e afastamento, sendo estas palavras utilizadas combinadas ou isoladamente; b) pesquisa na Biblioteca Central da Universidade Estadual de Maringá (BCE/UEM): realizada por meio de buscas de livros e periódicos impressos disponíveis na biblioteca. Para a delimitação da amostra, primeiramente, os documentos científicos foram selecionados pelo título. Num segundo momento, foram analisados os resumos destes, sendo que os materiais selecionados no final desta segunda etapa fizeram parte da amostra.
Principais doenças e distúrbios de saúde desenvolvidos por professores da educação básica
Santini e Molina Neto (2005) entrevistaram uma amostra de 15 professores da Rede Municipal de Porto Alegre que entraram em licença médica por motivos de estresse, ansiedade e depressão. O estudo apontou que o trabalho docente revelou-se para esses professores como uma prática profissional marcada por sentimentos negativos que acabaram por comprometer a qualidade do trabalho, acumulando, com o passar do tempo, reações físicas e emocionais. Para a maioria dos professores estudados, essas vivências subjetivas de desgaste físico e emocional, acumuladas no trabalho, traduziram-se em sentimentos depressivos e em fadiga crônica, compondo um estado anímico denominado “Síndrome do Esgotamento Profissional”.
Gasparini, Barreto e Assunção (2005) analisaram dados apresentados no Relatório preparado pela Gerência de Saúde do Servidor e Perícia Médica (GSPM) da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, relativos aos afastamentos do trabalho de funcionários da Secretaria Municipal de Educação, de abril de 2001 a maio de 2003. Foi identificado que os transtornos psíquicos ficaram em primeiro lugar entre os diagnósticos que provocaram os afastamentos. Em estudo realizado por Porto, Reis, Andrade e colaboradores (2004) avaliou-se professores atendidos pelo Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador 1991-2001, na Bahia. As doenças mais frequentes foram aglutinadas em dois grandes grupos: 1) lesões do aparelho respiratório e; 2) lesões por esforços repetitivos. Dentre estes distúrbios, os autores destacam os osteoarticulares, as doenças de laringe e de cordas vocais, mononeuropatias dos membros superiores, síndrome do manguito rotatório, sinovites e tenossinovites, laringite crônica e nódulos de cordas vocais, bem como a hipertensão arterial.
Costa e Santos (2007) realizaram levantamento das licenças médicas ocorridas entre 2004 a 2005 de professores da rede de Ipatinga. Totalizando 594 afastamentos, a pesquisa apontou que os problemas psicológicos tem sido os maiores causadores de solicitações de licenças médicas pelos professores. Os problemas respiratórios e osteomusculares também se destacaram. Já Delcor, Araújo e Reis (2004), com o objetivo de avaliar a qualidade de vida em professores, identificaram que as queixas de saúde mais frequentes estavam relacionadas à postura corporal, à saúde mental e a queixas relacionadas à voz. Os resultados sugerem relação entre a prevalência de distúrbios psicológicos menores e algumas características do trabalho docente, evidenciando desgaste psicológico do educador.
Vedovato e Monteiro (2008) realizaram estudo transversal em nove escolas estaduais de Campinas e São José do Rio Pardo, com 258 professores com o objetivo de caracterizar o perfil sociodemográfico, estilos de vida, condições de saúde e de trabalho. Quanto à saúde, 20,9% não dormiam bem à noite; 82,1% possuíam doença com diagnóstico médico: músculo-esquelética e respiratória (27,1%); acidentes e doenças digestivas (22,1%) e transtornos mentais (20,9%). Tais doenças estavam relacionadas aos riscos relatados: movimentos repetitivos, presença de poeira de giz, trabalho estressante, longas jornadas, atividade em mais de uma escola e baixa remuneração.
Zaragoza (1999) analisou a evolução da saúde dos professores de 1982 a 1989, contabilizando as licenças médicas oficiais dos professores de ensino não universitários e concluiu que, no período de sete anos, o número de professores em licença triplicou. Os diagnósticos mais frequentes foram: distensões do tornozelo, laringites e depressões.
Vale destacar que essas doenças vem acometendo até mesmo professores mais jovens, como destaca Araújo e Silvany-Neto (1998). Estes autores realizaram um estudo com professores da Bahia, concluindo que existem diversas queixas relacionadas ao funcionamento psíquico, como cansaço mental e nervosismo. Os resultados revelaram uma frequência de 20% de distúrbios psíquicos menores (DPM). No estudo, foram associados aos DPM os fatores que dizem respeito à organização do trabalho, tais como trabalho repetitivo, insatisfação no desempenho das atividades, ambiente intranquilo e estressante, desgaste da relação professor-aluno, falta de autonomia no planejamento das atividades e ritmo acelerado de trabalho e pressão da direção.
Buscando investigar as causas de afastamento docente no ensino fundamental, tendo como população alvo professoras das séries iniciais da rede pública de ensino da cidade de Florianópolis (SC), Siqueira e Ferreira (2003) constataram que as causas mais frequentes foram em ordem decrescente: as doenças do aparelho respiratório, os problemas do aparelho locomotor, os problemas de saúde na família e problemas psicológicos e/ ou psiquiátricos. Neto e colaboradores (2000) estudaram o perfil de professores de 58 escolas de Salvador (Bahia). Entre as queixas de saúde foram citadas: dor na garganta, dor nas pernas e costas, rouquidão e cansaço mental. As características do trabalho associadas às queixas foram: salas inadequadas, trabalho repetitivo, exposição ao pó de giz, ambiente de trabalho estressante, ritmo acelerado de trabalho, desempenho das atividades sem materiais e equipamentos adequados e posição de trabalho incômoda. Ressaltam-se os aspectos positivos do trabalho mencionados pelos professores, que destacam a boa relação com os colegas, a autonomia de planejamento, a satisfação no desempenho das atividades e a existência de banheiro privativo e existência de espaço para descanso.
Codo (1999) estudou uma amostra de quase 39 mil trabalhadores em educação em todo o país e identificou que 32% dos indivíduos apresentavam baixo envolvimento emocional com a tarefa, 25% se encontravam com exaustão emocional e 11% com quadro de despersonalização, podendo-se dizer, em termos práticos, que 48% da população estudada apresentava burnout. De forma geral, salienta que o professor vive em um ambiente de sobrecarga mental, situação que culmina com a exaustão mental, em que o professor se sente exaurido emocionalmente e o trabalho perde o sentido. As situações mais frequentemente vividas, geradas pelo sofrimento no trabalho, são: depressão, fadiga, insatisfação, frustração, medo, angústia e ansiedade, até chegar à exaustão.
Estudo realizado por Gomes (2002) em um grupo de onze professores da cidade do Rio de Janeiro destaca a invasão do tempo e do espaço extra-escolar por este tipo de trabalho, a intensificação das atividades no final do ano letivo e o número excessivo de alunos por turno. Finalmente, o estudo citado aborda os efeitos da situação diagnosticada, refletindo-se em agitação, estresse e irritação do professor, que se sente responsável pela formação ética e moral dos alunos. Os problemas de saúde identificados foram: sensação de intenso mal-estar generalizado; ansiedade, tensão, nervosismo, irritabilidade, depressão, angústia e esgotamento; perturbações do sono; problemas digestivos; problemas respiratórios e da voz. Os professores estudados expressaram frustrações diante da precariedade de recursos materiais que dificulta o cumprimento de objetivos planejados. O cenário da escola deixa pouca margem para a criatividade e autonomia do professor face às normas educacionais vigentes, assim como a obrigatoriedade de formação específica em cursos estipulados pelo seu gestor e, também, prescrição do tipo de avaliação dos alunos.
Para Viera (2003), as doenças psiquiátricas, calos nas cordas vocais e problemas respiratórios são as principais enfermidades às quais os educadores estão vulneráveis por conta da sua condição de trabalho. Araújo e colaboradores (2005) também encontraram um percentual significativo para esta última causa de afastamento e a classificou como variável decorrente a exposição à poeira e pó de giz, destacando as rinites (26,6%), alergia respiratória (21,1%) e irritação dos olhos (13,5%). Rocha e Fernandes (2008), ao avaliarem a qualidade de vida dos professores do ensino fundamental do município de Jequié (BA), identificaram que a qualidade de vida da população estudada encontrava-se comprometida, o que, segundo os autores, poderia repercutir no estado de saúde de tais indivíduos.
Para Costa e Germano (2007), o excesso de trabalho muitas vezes associado à péssima qualidade de vida destes profissionais pode ser alguns dos fatores que tem agravado este quadro de adoecimento entre professores. Melhorar a qualidade de vida e realizar um trabalho preventivo com estes profissionais preparando-os para o dia-a-dia escolar bem como diminuir as situações geradoras de estresse podem ser alternativas que diminuam os índices de doenças e afastamentos. Para estes autores, traçar linhas de ação que consolidem uma política de valorização do trabalhador em educação é uma das medidas a serem tomadas para minimizar os afastamentos do trabalho. Vale destacar que, no Brasil, as jornadas de trabalho do professor situam-se em torno de 40hs semanais, sendo raros os casos em que parte deste tempo (em geral 10% ou 20%) é dedicada ao trabalho extraclasse. Com isso muitas destas atividades inerentes ao ensino são realizadas no período extraclasse pelos docentes, em casa, em seu horário de descanso. A sobrecarga de horas extraordinárias e pouco remuneradas tem efeitos particularmente nocivos sobre as condições de trabalho e de saúde dos educadores, uma vez que torna mais acentuadas as condições já estressantes do trabalho realizado.
Com base no levantamento bibliográfico realizado, pode-se concluir que as três principais doenças e distúrbios desenvolvidos por professores da Educação Básica são: 1) os psíquicos e mentais (depressão, ansiedade, angústia, síndrome do pânico); 2) osteomusculares e articulares (síndrome do túnel do carpo, síndrome do manguito rotatório, epicondilites, bursites do ombro, tendinites, sinovites, tenossinovites, mononeuropatias dos membros superiores) e; 3) respiratórios (rinites, sinusites). Seguidos por problemas: a) vocais; b) de laringe (laringite crônica); c) fadiga crônica; d) aparelho circulatório (hipertensão); e) digestivas; f) sono e; g) faringe (crônica e alérgica).
Importante causa de afastamento de professores também é a situação denominada de esgotamento docente, ou mal estar docente, que se dá quando há uma combinação de fatores, como aponta Gasparini, Barreto e Assunção (2005). Concordamos com Gasparini, Barreto e Assunção (2005, apud COSTA; GERMANO, 2007) no sentido de que os dados de afastamento, por vezes, não são capazes de expressar todos os problemas de saúde vividos pelos servidores, tampouco é possível estabelecer associações diretas destes problemas com o trabalho por eles desenvolvidos. Contudo, tais fatores são indicadores que nos permitem elaborar hipóteses que visem identificar associações do adoecimento com as características das escolas e as condições de trabalho vividas em suas dependências. E isto se torna relevante quando se tem em vista contribuir para o estabelecimento de medidas efetivas que, realmente, melhorarem as condições de trabalho e vida dos docentes e demais trabalhadores.
Principais determinantes e causas imediatas para o desenvolvimento de doenças e distúrbios de saúde entre professores da Educação Básica
Dentre os artigos científicos que tratam desta temática, ressaltamos o de Reis, Carvalho, Araújo e colaboradores (2005) que afirmam que os docentes vivem em situação estressante, tendo como principais determinantes: tarefas extra-classe, reuniões e atividades adicionais, problemas com alunos (especialmente as ameaças verbais e físicas). Araújo e Silvany-Neto (1998) também consideram os problemas com alunos fator importante desencadeador de distúrbios de saúde em professores. Além disso, os autores consideram que é preciso levar em consideração o ritmo acelerado de trabalho no qual o professor esta submetido, a falta de autonomia no desenvolvimento das atividades escolares, o ambiente intranquilo e estressante o qual se configura a escola na atualidade, a insatisfação no desenvolvimento de atividades escolares e, principalmente, a pressão por resultados, por vezes exercida pela direção da escola e, em especial, pelos sistemas avaliativos vigentes no sistema educacional brasileiro.
Neto e colaboradores (2000) concordam com Araújo e Sivany-Neto (1998) no sentido de que o ritmo acelerado de trabalho e o ambiente intranquilo e estressante são fatores de suma importância a serem considerados. Outros fatores importantes neste contexto são: as salas inadequadas, que por vezes não são capazes de comportar adequadamente os alunos e não contém os recursos e materiais necessários ao desenvolvimento satisfatório das aulas; a posição de trabalho incômoda e a necessidade de executar movimentos repetitivos, pois, na maioria do tempo de aula os professores trabalham em pé e a exposição a poeira e ao giz, grandes desencadeadores de problemas respiratórios. Para Delcor, Araújo e Reis (2004), dentre os fatores citados por Neto e colaboradores (2000), a posição de trabalho incômoda é o principal determinante e causador de doenças e distúrbios de saúde entre professores.
Já para Vedovato e Monteiro (2008), o fato de os professores serem mal remunerados, consiste no principal fator de distúrbios de saúde entre professores. Isto porque esta condição acaba por forçar os docentes a cumprirem longas jornadas de trabalho, desenvolvendo, na maioria das vezes, atividades em mais de uma escola, como também considera Codo (1999). Além disso, Vedovato e Monteiro (2008) assinalam a exposição a poeira e giz e os movimentos repetitivos exigidos pelo trabalho do professores como fatores relevantes no desenvolvimento de doenças e distúrbios de saúde. Para Codo (1999), outro importante fator a ser considerado é a exigência de atualização e preparação constantes dos professores, para poderem desenvolver o trabalho diário e alcançarem melhores salários.
Gomes (2002) considera que, atualmente, as escolas brasileiras estão com número excessivo de alunos por sala, o que provoca um desgaste excessivo dos professores e grande quantidade de tarefas extra-classe. Em um estudo realizado por Costa e Germano (2007), os autores chegaram a conclusão de que o elevado número de alunos por sala de aula é importante fator a ser considerado quando se trata da saúde de professores, assim como expôs Gomes (2002). Para Costa e Germano (2007) outros fatores que precisam ser considerados são a posição de trabalho incômoda, a falta de materiais para trabalhar adequadamente, a baixa remuneração e a constante exposição a poeira e a giz.
Outros autores que consideram ser o número excessivo de alunos por turma fator desencadeante de doenças e distúrbios de saúde entre professores são Porto, Reis, Andrade e colaboradores (2004). Estes chamam a atenção também para o nível elevado de ruído no ambiente escolar, para as salas inadequadas e para as longas jornadas de trabalho que os professores, por vezes, tem que se submeter, como também destaca Jardim, Barreto e Assunção (2007).
Os três principais determinantes e causas para o desenvolvimento de doenças e distúrbios causadores de afastamento de professores da educação básica foram: a) longas jornadas de trabalho; b) número excessivo de alunos por sala e; c) posição de trabalho incômoda (ficar em pé). Seguidos por: a) tarefas extra-classe; b) exposição a poeira e giz; c) movimentos repetitivos; d) nível elevado de ruídos no ambiente; e) falta de materiais e equipamentos adequados; f) salas inadequadas; g) ritmo acelerado de trabalho; h) ambiente intranquilo e estressante; i) problemas com alunos (ameaças verbais e físicas); j) baixa remuneração; k) atividade em mais de uma escola; l) uso excessivo da voz; m) exigência de atualização e preparação constantes; n) pressão da direção; m) falta de autonomia no planejamento das atividades e; o) insatisfação no desempenho das atividades.
Como resultado, verifica-se, atualmente, significativa evasão de professores no âmbito da educação básica brasileira. Em 2002, o IV Congresso Nacional de Educação registrou o déficit nacional de professores em educação básica no Brasil, pois eram necessários mais 836.731 para a educação infantil, 167.706 para o ensino fundamental e 215 mil para o ensino médio (SOUZA et al, 2003). Dados do Ministério da Educação, já em 2004, esclareciam que, somente no Ensino Médio, faltavam na rede, para citar apenas um dos casos de insuficiência de efetivo, 23,5 mil professores de física (MEC/INEP, 2004 apud GASPARINI, BARRETO, ASSUNÇÃO, 2005).
Considerações finais
Apesar de diversos estudos já terem se debruçado sobre a temática - saúde de professores - e evidenciado as precárias condições de trabalho às quais estão submetidos estes trabalhadores no Brasil, medidas eficazes para a alteração deste quadro ainda não foram tomadas. Certamente por estas requererem um rompimento profundo com a ordem social vigente e o estabelecimento de uma forma social alternativa, em que o desenvolvimento do ser humano enquanto gênero seja a mola social propulsora e não o processo de acumulação de capital.
Considerando que as precárias condições de trabalho acabam se refletindo em diversos problemas de saúde entre professores e na consequente precarização da educação que é oferecida à classe trabalhadora, entende-se fundamental, como medida imediata, o estabelecimento de políticas públicas e ações contundentes que tencionem com o capital e que garantam, efetivamente, melhores condições de trabalho para os professores.
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