Cooperação e competição: o que os pais acham disso? Cooperación y competencia. ¿Qué piensan los padres de esto? Cooperation and competition: what parents think about this? |
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Especialização – Faculdade de Educação Física de Santo André – FEFISA Professor da rede privada de educação básica de São Paulo (Brasil) |
João Paulo de Almeida Freitas |
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Resumo Muito se tem discutido no âmbito acadêmico sobre as relações produzidas entre os sujeitos e os processos de competição e cooperação, alguns temem a exposição de crianças e jovens a ambientes competitivos sob a hipótese de gerar comportamentos anti-sociais como individualismo, ao passo que outros temem que as crianças sejam envolvidas pela cooperação e se iludam com uma irreal sociedade cooperativa. Entretanto, não se sabe como os atores familiares compreendem essas relações, pensando nisso o presente estudo buscou investigar as percepções dos pais de um colégio privado de São Paulo acerca das relações de competição e cooperação diante da formação dos seus filhos enquanto seres humanos. Trata-se de um estudo de caráter descritivo que pretendeu levantar opiniões acerca do respectivo objeto. Como instrumento de pesquisa foi-se utilizado um questionário composto por perguntas fechadas, sendo os seus resultados tratados de maneira quantitativa. O estudo concluiu que os pais entendem que saber competir e saber cooperar são habilidades de muita importância para a formação dos seus filhos; ao mesmo passo que consideram desnecessário cooperar em “um mundo competitivo”; outros resultados evidenciam reflexos do sistema capitalista selvagem vigente, uma expressão disso é o apontamento da prevalência da competição no ambiente de trabalho dos pais e no interior das famílias; finalmente, alguns resultados mostraram a naturalização da competição como resultado de um processo ideológico historicamente construído e isento de mediação crítica. Unitermos: Competição. Cooperação. Pais. Filhos. Capitalismo.
Abstract Much has been discussed in academic on relations produced between the subjects and the processes of competition and cooperation, some fear the exposure of children and young the competitive environments under the assumption of generating anti-social behavior such as individualism, while others fear that children be seduced by cooperation and if deceive with an unreal cooperative society. However, it is not known how the family actors comprise those relationships, thinking about it the present study sought to investigate the perceptions of parents of a private school of São Paulo about relations competition and cooperation on the training of their children as human beings. This is a descriptive character study that sought to raise opinions about its object. As a research tool has been used a questionnaire composed of closed questions, being their results treated in quantitative manner. The study concluded that parents comprise that knowing compete and knowing to cooperate are much important skills for the training of their children; at the same time they consider unnecessary cooperate in "a competitive world"; other results show reflections of existing wild capitalist system, an expression of this is the indication of prevalence of competition on the desktop of the parents and within the families; Finally, some results have shown the naturalization of competition as a result of an ideological process historically constructed and free from critical mediation. Keywords: Competition. Cooperation. Parents. Children. Family. Capitalism.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 191, Abril de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
Saber competir é uma competência importante que deve ser incrementada nas crianças, afinal o “mundo é competitivo”. Não é assim o discurso do senso comum?
Entretanto, é corriqueiro identificar crianças cabisbaixas, frustradas, chorando ao final de um jogo competitivo, todavia as crianças entristecidas são aquelas que não atingem os objetivos do jogo, ou seja, são as “perdedoras”.
Para isso, JABU argumenta dizendo que “Na competição, o importante é ser competente, disputar com dignidade, obedecendo às regras e, quando possível, ganhar [...]” (2000, p. 17).
Por outro lado, o valor da cooperação é considerado nobre diante das circuntâncias sociais. Portanto, ouvi-se sussurros de que é preciso saber cooperar para conviver em harmonia com os outros.
Nessa direção, BROTTO (2001) explica que nos jogos cooperativos “Joga-se para superar desafios e não para derrotar os outros; joga-se para se gostar do jogo, pelo prazer de jogar. São jogos onde o esforço cooperativo é necessário para se atingir um objetivo comum e não para fins mutuamente exclusivos”.
Mas qual seria o sentido de cooperar em um mundo capitalista, onde as estruturas sociais conduzem as pessoas ao individualismo? Seria como “remar contra a maré”?
Contudo, o que será que pensam os pais das crianças expostas a esses contextos? Como é que os pais priorizam os valores da competição e cooperação destinados a formação dos seus filhos? Os pais conhecem os jogos cooperativos e competitivos? Essas são perguntas que o presente trabalho buscará responder.
Entretanto, não há aqui nenhuma pretensão de dicotomizar o assunto, e sim, aprofundar o estudo acerca dos Jogos, da Cooperação e da Competição. Para isso 130 pais de escolares do 1° ao 4° ano do Ensino Fundamental I, matriculados em uma escola privada da região sul de São Paulo responderam o questionário constituido de perguntas fechadas que objetivaram conhecer a opinião deles sobre competição e cooperação, cujas respotas serão apresentadas nesse trabalho.
O Jogo, a Cooperação e a Competição
O Jogo como objeto de estudo tem gerado muitas pesquisas cientificas nas diferentes aréas do conhecimento. Assim sendo, observam-se algumas concepções acerca do Jogo, talvez, isso se justifique pela polissemia caracterizada na definição do Jogo.
Nesse sentido, algumas teorias buscam respostas para a definição do Jogo, contudo poder-se-ia “aceitar quase todas sem que isso resultasse numa grande confusão de pensamento, mas nem por isso nos aproximaríamos de uma verdadeira compreensão de Jogo” (HUIZINGA, 2010).
HUIZINGA é até hoje uma das referências na tarefa de conceituar o Jogo, dizendo que:
“o jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da ”vida quotidiana”.
Entretanto, depois de Huizinga muito se modificou no campo dos Jogos, Brincadeiras, Brinquedos, Atividades Lúdicas e Esportes.
Diante dessa perpectiva, sem pretender embranhar-se na problemática de conceituar esse objeto de estudo, aqui o Jogo será tomado como “[...] um espectro de atividades interdependentes que envolve a brincadeira, a ginástica, a dança, as lutas, o esporte e o próprio jogo”.
Transcendendo a visão supramencionada pode-se dizer que “[...] Quando jogamos estamos praticando, direta e profundamente, um Exercício de Co-existência e de Re-conexão com a essência da Vida”, isto é, “Eu Jogo do jeito que Vivo e Vivo do jeito que Jogo” (BROTTO, 2001).
O Jogo oportuniza possibilidades de atuação que traduzirão o Eu de cada uma das pessoas, ou seja, no momento em que o homem se envolve no jogo ele expressará parte de sua personalidade através do seu comportamento. Nessa direção SOLER (2008) contrubui dizendo que “Competir, se omitir e cooperar são possibilidades de agir e ser no mundo. Cabe escolhermos, e acabar com o mito de que é a competição que nos faz evoluir”.
DEUSTSCH (1949) citado por PALMIERI & BRANCO (2004) define
“a cooperação como o contexto interativo em que as ações de um participante favorecem o alcance do objetivo de ambos, sendo a competição caracterizada como a busca de objetivos mutuamente exclusivos, ou seja, quanto mais um indivíduo se aproxima de seu objetivo, mais o outro se afasta da possibilidade de alcançar o seu”. (grifo nosso)
Embora seja involuntária a dicotomia entre a Cooperação e a Competição, ambas se permeiam e se relacionam, como aponta EDWARDS (1991) também citado por PALMIERI & BRANCO (2004) “a cooperação e a competição constituem aspectos de um mesmo fenomeno relacional, a depender do contexto e do valor adaptativo de cada tipo de ação”.
Além disso, no contexto de um jogo pode haver uma situação em que se note a competição inter-grupos e a cooperação intra-grupo, BROTTO (2001) corrobora dizendo que “Cooperação e Competição, são aspectos de um mesmo espectro, que não se opõe, mas se compõe”.
Entretanto, as escolha de condutas cooperativas e/ou competitivas serão definidas através de critérios de valor, princíos morais, juizos morais que são construídos através das experências vividas ao longo da vida. Sobre isso EDWARDS (1991) apud PALMIERI & BRANCO (2004) contribuem dizendo que “ambos os comportamentos estão a serviço de objetivos individuais que vão sendo constituídos em contextos grupais determinados, que ora favorecem a cooperação, ora a competição”.
Nessa direção, os Jogos Cooperativos situam-se como contextos onde “Joga-se para superar desafios e não para derrotar os outros; joga-se para se gostar do jogo, pelo prazer de jogar. São jogos onde o esforço cooperativo é necessário para se atingir um objetivo comum e não para fins mutuamente exclusivos” (BROTTO, 2001).
Os Jogos Cooperativos são jogos em que "o que A faz é, simultaneamente, benéfico para ele e para B, e o que B faz é, simultaneamente, benéfico para ambos” (ZAJONK, 1976 apud BROTTO, 2001).
Acerca disso novamente BROTTO (2001) adverte
“Competição e Cooperação, são processos sociais e valores humanos presentes no Jogo, no Esporte e na Vida. São características que se manifestam no contexto da existência humana e da vida em geral. Porém, não representam, nem definem e muito menos substituem, a natureza do Jogo, do Esporte e da Vida”.
A etimologia das palavras cooperação e competição trazem os seguintes significados: Competição provém do latim competitione que significa concorrência, luta, rivalidade, antagonismo, emulação (CUNHA, 1991) Já cooperação provém da união de Co + Operare, sendo Co = prefixo que conota “em conjunto” e Operare = operação > operar (operário) > ópera (obra), portanto, operação em conjunto, ou, trabalho em conjunto.
Nos Jogos Competitivos “o que A faz, é no seu próprio benefício, mas em detrimento de B, e quando B faz em seu benefício, mas, em detrimento de A” (ZAJONK, 1976 apud BROTTO, 2001).
No Jogo Competitivo as regras que regem o seu desenrolar conduzem os participantes a esforçarem-se para vencer os seus oponentes, nesses jogos é eminente à presença de uma supremacia por parte de uma das partes, são jogos que possuem em sua estrutura a intenção de eleger o mais hábil e eficiente e, conseqüentemente, excluir os menos aptos.
Embora seja notório o interesse pela investigação do Jogo, ele é corriqueiramente associado à competição como se fossem sinônimos e dependentes causando um erro grave, mas, talvez se justifique sob o ponto de vista da constante presença do Esporte na sociedade como um todo.
Atualmente, o Esporte pode ser considerado como a manifestação mais significante e difundida de competição, muito em virtude da sua espetacularização, tendo como grande colaboradora a mídia e os meios de comunicação em geral.
Sendo assim, os Jogos Competitivos são, obviamente, contextos que favorecem a competição que, por sua vez, fomentará o incremento de atitudes individualistas, egoístas, gananciosas e etc. O jogo cooperativo na sua condição de contexto grupal favorável a cooperação estimulará atitudes de solidariedade, generosidade, esforço coletivo e etc.
Diante de todo o exposto, a pergunta é: como os pais das crianças que vivenciam esses contextos interpretam e compreendem essa discussão?
A importância dos pais e os familiares na formação dos filhos
Embora a família venha sofrendo alterações na configuração e composição dos seus atores e em que pese à alternância dos adultos participantes do exercício de educar as crianças, incluindo aqui as auxiliares do lar, ainda assim a família não perde a sua condição de promotora do desenvolvimento humano.
De acordo com FIAMENGHI & MESSA (2007) “A família é o primeiro grupo no qual o indivíduo é inserido”. Não se pode negar a sua importância já que, segundo BUSCAGLIA (1997) “a família é uma força social que tem influência na determinação do comportamento humano e na formação da personalidade”.
“De todos os ambientes que ajudam a construir o humano, a família provê as condições desenvolvimentais mais importantes: o amor e o cuidado que a criança necessita para florescer o seu potencial” (MOREIRA; BIASOLI-ALVES, 2007).
Desde a década de 1930, cientistas têm se preocupado com questões como “Qual a melhor forma de educar os filhos?” e “Quais são as conseqüências que podem ser provocadas no desenvolvimento das crianças educadas por diferentes modelos de pais?” (DARLING & STEINBERG, 1993 apud WEBER et. al. 2004).
Na tentativa de transferir as questões citadas acima para os fins desse trabalho, seria licito pensar qual a maneira mais adequada de educar os filhos: educar a serem competitivos e individualistas ou educá-los a atuarem de maneira cooperativa e solidaria? Bem como seria pertinente refletir se os pais que possuem apreço pela competição influênciarão os filhos a terem hábitos condizentes? Ou o contrário: pais que são mais generosos e cooperativos influênciam os seus filhos a adotarem habitos de solidariedade, generosidade e etc? Afinal, desde a mais tenar idade vive-se sob a prerrogativa de que é preciso capacitar as crianças para a vida em sociedade, sociedade capitalista, mundo competitivo e etc.
Para VILANI & SAMULSKI (2002) “Os pais influenciam direta e indiretamente na carreira esportiva dos filhos. A motivação, o estresse, o comportamento emocional, dentre outros aspectos, podem estar relacionados ao envolvimento dos pais neste contexto”.
SIMÕES et. al. (1999), também identificou em seu estudo que mais de “60% dos pais e mães encorajam muito seus filhos para as práticas esportivas [...]”. Possivelmente, esse estimulo à competição ou às práticas esportivas se apoie na (ilusão) da promoção de qualidade de vida ofericida pela vida esportiva. Haja vista que as ofertas atuais de atividades físicas para crianças e jovem estão, predominantemente, circunscritas ao esporte e a competição. Essa não é uma tendência que assola apenas as crinças e os jovens, muito pelo contrário, acometi todas as faixas etárias, VALTER BRACH (2011) já alertou sobre esse assunto dizendo “Nós quase não nos damos conta de como “ser esportivo” nos é socialmente solicitado. Valor associado à jovialidade, ao rendimento, à disposição para a competição (no mercado)”.
Materiais e métodos
O presente estudo se defini como um estudo de carater descritivo. De acordo com GIL (2008), são incluídas neste grupo as pesquisas que têm por objetivo levantar opiniões, atitudes e crenças da população.
O questionário foi utilizado como instrumento de pesquisa contendo 14 perguntas fechadas, separadas em dois bolcos de perguntas: um sobre cooperação e outro sobre competição. Buscou-se elaborar perguntas que tourxessem a tona alguns discursos presentes no conhecimento popular acerca da problemática entre competição e cooperação. É importante salientar que nenhuma das perguntas tinham a competição e a cooperação como conteúdo conjunto, ou seja, as perguntas que tratavam da cooperação não tratavam de competição no mesmo enunciado.
Antes de aplicar os questionarios para coletar os dados desta pesquisa, realizou-se um projeto piloto com vistas a verificar se as perguntas estavam claras e com fácil compreensão. Após feito o piloto o questionário foi aplicado em 130 pais de alunos do 1° ao 4° ano do ensino fundamental I de um colégio da região sul de São Paulo-SP (49,24% da população total), a população total de pais era de 264, sendo igual ao número de alunos dos anos/séries pré-estabelecidos. Os questionários foram aplicados em uma reunião de pais do colégio e foram respondidos a punho pelos próprios participantes.
Vale dizer que no momento em que solicitou-se a permissão do colégio para realizar a presente pesquisa nos foi imposto que deveríamos deixar claro aos pais que o questionário e toda a pesquisa não teria nenhuma relação com a Proposta Pedagógica da disciplina de Educação Física do colégio, sendo assim embutimos essa exigência nas informações iniciais dos questionários. A escola em que a pesquisa fora realizada pode ser considerada de grande porte, possuindo 2 unidades no mesmo bairro atendendo uma clientela de ótima condição financeira. A escolha da escola deveu-se a acessibilidade do pesquisador e a oportunidade oferecida por ela – a escola - de realizar a presente pesquisa.
Resultados e discusão
As duas primeiras perguntas contidas no questionário tratavam da legitimidade da disciplina de Educação Física diante da formação das crianças e jovens dentro da escola e sobre a possibilidade desse componente curricular trabalhar valores humanos (solidariedade, respeito, compaixão e etc.) em suas aulas. Todos os participantes dessa pesquisa responderam com unanimidade (130=100%) que a Educação Física contribui sim na formação dos alunos e que é possível trabalhar valores humanos nas aulas desse componente.
A tabela 1 traz os resultados de todas as perguntas fechadas de caráter dicotômico e em seguida algumas reflexões são tecidas.
Tabela 1. Perguntas fechadas dicotômicas
Os pais participantes dessa pesquisa mostram ter praticamente o mesmo conhecimento acerca dos jogos competitivos e dos jogos cooperativos, sendo que 94,6% sabem o que são os jogos competitivos e 83,8% dos pais sabem o que são os jogos cooperativos. Esses dados são de suma importância para certificar que os participantes da pesquisa estão cientes dos conteúdos da pesquisa. Vale dizer que a intenção com essas duas perguntas é induzir os pais a identificar nos jogos – contextos vividos a todo o momento pelas crianças – a presença da cooperação e da competição, entretanto, a não houve a intenção de limitar esses dois processos – competição e cooperação – apenas aos contextos dos jogos, assim como haverá a diante uma pergunta que buscará identificar a competição e a cooperação em diferentes contextos.
Outros dados evidenciam que 93,8% dos pais estão convictos de que os seres humanos são competitivos por natureza, ou seja, de acordo com a percepção dos pais há um traço biológico que determina essa condição aos humanos. Dessa forma os pais demonstram uma postura determinista e equivocada, pois MARGARET MEAD (1961) depois de ter analisado diferentes sociedades pode concluir que a cooperação e a competição são determinadas pelas estruturas sociais. Margaret identificou, por exemplo, que entre os índios zuni e os iroquois a competição é desconhecida. “Eminentemente, tornar a sociedade Cooperativa ou Competitiva, é uma ação política, uma arte pessoal e coletiva de realizar o melhor (im)possível para todos” (BROTTO, 2001). Se há, se quer, um grupo social que desconhece a competição isso inviabiliza a crença de que são os humanos biologicamente competitivos, essas constatações rompem com as percepções emitidas pelos pais dessa pesquisa.
A naturalização da condição humana em “ser competitivo” pode ser um processo político e ideológico, há quem diga que a naturalização da competição no âmbito social é fruto de um processo ideológico isento de mediação. Para ADORNO apud COHN (1986) “a ideologia não se reduz ao conjunto de ideias e representações falsas da realidade, mas é um processo responsável pela própria formação da consciência social”. COHN (1986) esclarece que a mediação, na ótica de ADORNO, refere-se a um processo de constituição da realidade por meio da reflexão da contradiçaõ imanente ao objeto – em que se distinguem a forma como ele é apresentado e aquela em que foi concretamente produzido. Os achados de MEAD (1961), BROTTO (2001) e ADORNO apud COHN (1986) explicam os 93,8% dos pais que acreditam ser os humanos competitivos por natureza, ou seja, os dados refletem o processo de construção de uma consciencia social que carece de mediação culminando numa naturalização irracional.
Interessante é observar que 94,6% dos pais acreditam que a cooperação não traz nenhuma consequencia indesejada aos seus filhos, em contrapartida no caso da competição há uma indecisão por parte dos pais, pois 46,1% acreditam que a competição pode trazer consequencias indesejadas aos seus filhos e 53,9% acham que a competição não traz nenhuma consequencia indesejada. Sendo assim, conclui-se que há uma eventual preocupação dos pais com as possíveis mazelas da competição.
Referente a possibilidade da competição e da cooperação auxiliar as crianças e os jovens a concretizarem alguns desafios contemporâneos como o fim do preconceito e da discrimição, da criação de um planeta sustentável e de um a cultura de paz, os pais acreditam que tanto a cooperação (100%) e a competição (83,8%) podem auxiliar os seus filhos a efetivar esses objetivos.
Ao serem questionados sobre a necessidade de cooperar em um “mundo competitivo” 89,2% dos pais acreditam que cooperar é uma habilidade desnecessária em uma sociedade individualista e competitiva, portanto, reafirmaram o discurso do senso comum.
Corriqueiramente escuta-se que “o mundo é competitivo” e não há como negar que essa afirmação está munida de validade, pois esse é o conhecimento do senso comum. O senso comum não pode ser negligenciado, tão pouco desmerecido de veracidade, na verdade, o senso comum é o conhecimento cotidiano, o conhecimento empirico, é o saber popular não sistematizado. Diante disso, ANTONIO GRAMSCI (2004) em sua filosofia da práxis considera que devemos aproveitar do senso comum o que há nele de bom senso. Gramsci acredita que senso comum e bom senso ora podem ser benéficos e ora maléficos, dependendo deles contribuírem mais ou menos para a compreensão do mundo de modo amplo, progressista e revolucionário ou, pelo contrário, possibilitem apenas uma compreensão restrita, conservadora e mesmo reacionária.
Tabela 2. Espaços onde os pais identificam a competição e a cooperação –
Múltipla escolha com possibilidade de assinalar mais de uma alternativa
Os dados da tabela 2 evidenciam quais são os espaços da vida social em que há a presença competição e da cooperação, nessa pergunta os pais poderiam assinalar quantas alternativas quisessem, além de um campo para inserção escrita de outros espaços. Para os pais o espaço em que eles observam maior incidência de competição é no trabalho (101) isso corrobora com a ordem econômica capitalista que atua no sentido de perpetuar o fornecimento de oportunidades desiguais vida. “Nesse contexto em que cada vez existem menos empregos, para os indivíduos sobreviverem/ascenderem socialmente se faz necessário competirem acirradamente entre si, seguindo alei perversa do “cada um por si e Deus por todos”” (CANIATO e RODRIGUES, 2012).
Curioso é observar que o contexto “no meu trabalho” figura o 1° lugar na coluna competição e o 2° lugar coluna cooperação, isto é, o trabalho dos sujeitos dessa pesquisa é o contexto social em que ocorre, quase que em pé de igualdade, os processos de competição e cooperação. Esses dados corroboram com CANIATO e RODRIGUES (2012) quando as autoras dizem que “no mundo de produção atual, a competição se mescla ao discurso do homem-equipe, da cooperatividade, a fim de intensificar a exploração do trabalho humano”. Nesse sentido, identifica-se a herança de um discurso toyotista que advoga a favor da cooperação entre os trabalhadores, é o chamado team-work, que fomenta a cooperação entre o proletário em prol do acumulo financeiro do burguês detentor dos meios sociais de produção. A esse respeito ADORNO (2008) deflagra “dizer nós e pensar eu é um dos insultos mais refinados”.
Ademais, a família (99) aparece como o segundo espaço de maior ocorrência de competição e o último na escala de cooperação, sobre essa informação é licito pensar: se a família se configura como um espaço que carece de cooperação e esbanja competição, como serão formados os sujeitos inseridos nesses espaços? Se os objetivos familiares são exclusivos, se o sentimento nesse espaço é de rivalidade e se não há a primazia de um bem comum, o que serão das crianças inseridas nesse ambiente? Haja vista que “a família é uma força social que tem influência na determinação do comportamento humano e na formação da personalidade” (BUSCAGLIA, 1997).
Tabela 3. Demais espaços que incidem a competição e a cooperação
Como referido anteriormente, a pergunta que indagava os pais sobre quais eram os espaços que eles identificavam a competição e a cooperação no dia-a-dia também oferecia um campo para inserção escrita de outros espaços que não estavam presentes nas alternativas. Assim sendo, a Tabela 3 traz a distribuição das incidências nos espaços citados pelos participantes da pesquisa.
Tabela 4. A importância de “saber competir” e “saber cooperar” na percepção dos pais – Múltipla escolha
Olhando para a tabela 4 que se refere à maneira como os pais valoram as aqui chamadas habilidades de “saber cooperar” e “saber competir”. Observa-se que a ordem de valoração entre as habilidades não diferem, pois a maioria dos participantes da pesquisa considera muito importante saber cooperar e saber competir, entretanto, há uma pequena diferença na distribuição das porcentagens entre os valores “considero muito importante” e “considero importante” na medida em que 76,1% dos pais estão convictos de que saber cooperar é muito importante para a formação dos seus filhos e outros 53,8% dos pais acreditam ser muito importante saber competir; a diferença é que 22,3% a mais dos pais “consideram muito importante” saber cooperar comparado com o quesito saber competir.
Considerações finais
Como consideração mais agravante sinaliza-se a carência de cooperação e a fartura de competição nas famílias - de acordo com os apontamentos dos pais que participaram da pesquisa. Além disso, a pesquisa concluiu que os pais possuem uma percepção determinista e equivocada acerca da condição humana, entendendo o ser humano como um ser biologicamente competitivo refletindo o panorama de uma consciencia social que carece de mediação, culminando numa naturalização irracional do fenomeno da competição. Desse modo a preocupação se dá acerca das ações educativas exercidas pelos dos atores familiares diante das manifestações de egoismo, individalismo e competitividade. Quais serão as intervenções familiares diante de comportamentos individualistas e egoistas?
A presente pesquisa mostrou que há evidências cientificas que certificam a existência de sociedades e comunidades que desconhecem a competição e fundadas na cooperação (MEAD, 1961) e (ORLICK, 1989). Com posse desses saberes se pode desmistificar a ideia de natureza humana competitiva, sem com isso estabelecer um real modelo sobre a natureza dos humanos. “Os exemplos a favor de um ou de outro padrão organizativo apenas ressaltam a diversdiade cultural e as possibilidades do agir humano, sem implicar a adoção dogmática de algum deles; ou talvez nos impulsionem na direção de conservar e articular os princípios contrapostos” (LOVISOLO et al, 2013).
Os pais não estão consvictos se a competição possuí alguma consequencia nociva à formação dos seus filhos, pois 46,1% acreditam que a competição pode trazer consequencias indesejadas aos seus filhos e 53,9% acham que a competição não traz nenhuma consequencia indesejada a formação de seus filhos. Isso sugeri que existe, obviamente, a insegurança acerca das consequencias da exposição à competição, mas também sugeri que os pais não identificam consequencias negativas diante da cooperação, visto que 94,6% dos pais não acreditam em eventuais consequencias negativas aos seus filhos ao serem expostos a cooperação. Vale dizer que não se foi atribuido intensidade entre as exposições a competição ou cooperaçaõ, isto é, não perguntou-se aos pais sobre as consequencias da “competição exacerbada” ou da “comperação em excesso”.
As repostas dos participantes da pesquisa se mostraram bastante consistentes, entretanto, uma incongruência se desenhou. Dada a atual conjuntura economica, politica e social regida de acordo com a ordem capitalista, nota-se no discusso do senso comum que o “mundo é competitivo”, ou, “a sociedade é competitiva”, fato esse repleto de validade e alicerçado no conhecimento popular, isso posto, perguntamos aos pais se seria desnecessário cooperar diante dessas circunstancias e 89,2% dos pais afirmam ser desnecessario cooperar em um “mundo competitivo”, em contrápartida e incoerentemente, em outra pergunta perguntamos aos pais como eles valoravam a importância de saber cooperar e 76,1% dos pais consideraram muito importante saber cooperar. Embora saibamos das especificidas de cada pergunta os números impressionam e evidenciam uma incoerencia diante das respostas.
De acordo com os resultados da pesquisa pode-se considerar que a prevalencia da competição está presente no ambiente de trabalho dos pais, esse fato reintera a competição social como substrato do capitalismo selvagem. Como aponta o aforismo de ADORNO (2008) citado por CANIATO e RODRIGUES (2012), “na nuca existe um olhar petrificador – um outro individuo com igual temor de perder seu posto. Por isso é preciso correr desesperadamente como um afogado e ainda com a cabeça ereta”. O temor é que essa sensação assole o ambiente familiar como apontou a pesquisa (ver tabela 2) e, sobretudo, que acometa as crianças e os jovens que estão inseridos no espaço familiar, pois como aponta FREUD (1930/1981) “o homem necessita de amparo para se desenvolver, necessita da presença fisica e afetiva de um outro para se constituir enquanto humano”.
Exalta-se que os pais valoraram as habilidades de “saber competir” e “saber cooperar” com pequenas diferenças de porcentagem, entretanto, eles elegeram, de modo geral, ambas as habilidades como muito importante para a formação dos seus filhos. Tal fato é essencial para que os filhos dos sujeitos desta pesquisa possam viver em sociedade de maneira plena, pois acreditamos que ambas habilidades possuem a mesma importância, assim como aponta BROTTO (2001) cooperação e competição são aspectos do mesmo espectro. Não há nenhuma pretensão por parte deste estudo de idealizar sociedades que pautem suas relações apenas na cooperação, isso seria ingenuidade utópica, entretanto, há de se estabelecer entre ambas uma relação dialética em que cada uma – cooperação e competição – possam dialogar entre si e possibilitar novas aprendizagens aos sujeitos.
Entendemos as limitações dessa pesquisa quando observa-se a utilização de um instrumento metodológico extremamente subjetivo – o questionário – sobretudo quando é composto com perguntas fechadas e indicamos novos procedimentos metodológicos acerca do mesmo objeto de estudo, bem como se faz necessário diversificar a população alvo, talvez, mirando pais de alunos de colégios públicos.
Contudo, lamentamos que os pais tenham tantas percepções equivovadas e isentas de criticidade, novamente, reitera-se a necessidade de que os sujeitos, e não apenas os dessa pesquisa, mediem as suas relações com os discursos ideológicos inserindo um crivo crítco para que não sejam cooptados pelos interesses dominantes, pois a ausencia desta mediação resultará em bloqueio da reflexão.
Finalmente, repisa-se a ideia central evidenciada neste trabalho: é eminente diante dos resultados que a competição está naturalizada nas percepções dos pais, o agravante é que essa mesma competição opera como um substrato do sistema capitalista vigente, sistema esse que produz desigualdades, miséria, fome, violência, estratificação social e que coopta os sujeitos de maneira selvagem. Engajados com a projeção de um mundo mais justo salientamos, denunciamos, explicitamos e alarmamos – com o perdão da redundância – se faz necessario fortalecer relaçoes de cooperação em todas as instâncias da vida social para que em meio ao ambiente selvagem capitalista haja um movimento contra-hegemonico que proporcione uma “homeostase social”.
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Digital · Año 19 · N° 191 | Buenos Aires,
Abril de 2014 |