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O esporte como instrumento de mobilidade social

El deporte como instrumento de movilidad social

 

*Doutor em Biologia Experimental. Professor do Departamento de Educação Física

da Universidade Federal de Rondônia. Centro de Estudos de Esporte e Lazer/Unir

e Grupo de Estudos do Desenvolvimento e da Cultura Corporal

**Doutora em Sociologia. Professora do Departamento de Educação Física

da Universidade Federal de Rondônia. Grupo de Estudos do Desenvolvimento

e da Cultura Corporal e Centro de Estudos de Esporte e Lazer/Unir

Ramón Núñez Cárdenas*

Ivete de Aquino Freire**

rnunezcardenas@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

 

Resumo

          O artigo apresenta análise crítica ao uso do esporte como instrumento de Mobilidade Social. Para tanto, apresenta conceitos de esporte e de mobilidade social, apreciando este último ponto sob o contexto do capitalismo em uma sociedade econômica em desenvolvimento, especificamente, o Brasil. A manifestação esportiva que pode favorecer a mobilidade ascendente vertical no Brasil é o esporte de rendimento praticado de forma profissional. No artigo consideram-se sistemas de significados e valores que vão além de uma análise que aprecia o esporte em si ou sua essência como instrumento de encantamento de grandes massas populacionais. O esporte de rendimento profissional na sociedade capitalista tem servido a interesses individuais e de modo subliminar, a manutenção do sistema econômico vigente.

          Unitermos: Esporte. Mobilidade Social.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 190, Marzo de 2014. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Em época de copa das Confederações, preparação para a Copa do Mundo em 2014 e Olimpíadas em 2016 tendo como país-sede o Brasil, milhões de crianças e adolescentes têm alimentado o sonho de alcançar os mais altos patamares da fama e da ascensão social. O esporte de rendimento ou esporte espetáculo tem servido como um meio para os indivíduos mudarem da classe social de origem para uma categoria social mais favorecida economicamente. Mudar a classe social de procedência significa passar a outra categoria social diferente daquela da família em que nasceu e cresceu.

    Afirma-se que o contexto sócio-econômico-político e cultural do Brasil é altamente favorável a mobilidade social. Citam-se exemplos de atletas que foram beneficiados com este processo, sendo colocados como modelos de que é possível ultrapassar as barreiras da pobreza e avançar para os mais altos patamares da fama e do poder econômico. Entretanto, nas análises se observa abordagens superficiais principalmente com base em visões ingênuas que apontam nas entrelinhas, o Brasil como uma nação harmônica e funcional.

    O ensaio ora apresentado propõe uma reflexão sobre a mobilidade social proporcionada pelo esporte. Considera os conceitos de esporte e de mobilidade social estabelecendo relação entre as bases teóricas voltadas ao tema e um contexto social específico: uma nação chamada Brasil. Será visto que a mobilidade ascendente ocorre com frequência, sobretudo quando se trata de atletas futebolistas, embora tal mudança de classe tenha resultado numa relação equivocada entre mobilidade social, desigualdade social e pobreza.

    Importante destacar que não se trata aqui de ser contra o esporte de rendimento ou esporte espetáculo, mas ser crítico frente às várias facetas sociais do esporte, conforme inspira Lovisolo (2011). Destaca-se que a mobilidade via esporte não é um processo neutro, pois ele acontece dentro de um contexto de valores específicos. No Brasil, os valores reproduzem as desigualdades sociais, a competição exagerada e o individualismo, aspectos nefastos do capitalismo. Reforçam o antagonismo entre os interesses da classe trabalhadora e da classe mais favorecida economicamente. Neste último grupo, fazem parte, sobretudo grandes empresários.

    A mobilidade social proporcionada pelo esporte imprime o papel que esta atividade exerce na sociedade capitalista. Por este motivo, o esporte como meio de mobilidade social pode também ser abordado do ponto de vista das disfunções ou distorções sociais que esta atividade harmoniza.

    Ribeiro, em 2003 destacou que apesar do aumento substancial de mobilidade social identificado no Brasil, verifica-se que a estrutura social brasileira permanece desigual. O acesso ao estrato social mais elevado continua pequeno e de difícil acesso. (Ribeiro, 2003).

Método

    O artigo apresenta análise crítica ao uso do esporte como instrumento de Mobilidade Social. Para tanto, apresenta conceitos de esporte e de mobilidade social, apreciando este último ponto sob o contexto do capitalismo em uma sociedade econômica em desenvolvimento, especificamente, o Brasil. A manifestação esportiva que pode favorecer a mobilidade ascendente vertical no Brasil é o esporte de rendimento praticado de forma profissional. No artigo consideram-se sistemas de significados e valores que vão além de uma análise que aprecia o esporte em si ou sua essência como instrumento de encantamento de grandes massas populacionais.

Resultados

O Esporte de Rendimento como uma manifestação esportiva

    O conceito de esporte é amplo e polissêmico. Envolve uma multiplicidade de comportamentos dos praticantes, dirigentes e gestores, diferentes formas de materialização, variabilidade na abrangência e objetivos Ainda apresenta inúmeras variedades. Tudo isso, sob influência de contextos distintos,

    Do ponto de vista evolutivo, o esporte frequentemente está relacionado com o jogo. Assim, pode-se considerar que o esporte, em geral, é um jogo de regras, e os diferentes esportes podem fazer parte, em maior ou menor grau, de uma categoria mais ampla denominada jogos. A atual concepção do esporte aparece entre os séculos XVIII e XIX, quando se desenvolvem na Inglaterra algumas atividades de competição oriundas de jogos populares de bola, praticados no final da idade média. Em distintos países estes jogos se reafirmaram com o termo sport (Elias e Dunning, 1992).

    Entre as inúmeras definições existentes de esporte destacam-se três componentes básicos que parecem se repetir, a saber: a existência de regras, a presença da competição, e o marco organizacional. Estes três elementos são considerados importantes na hora de resumir o significado estrito do termo “esporte”, e é o que se deve utilizar para chegar próximo ao caráter científico de seu estudo (Pancorvo, 2000).

    Na perspectiva de Becker (2000), os esportes são atividades individuais ou coletivas, que possuem regras no âmbito internacional, praticadas em inúmeros espaços e por diferentes grupos. Sua prática vai desde as escolas esportivas de iniciação e clubes amadores e profissionais, passando pelas instituições escolares indo até os espaços mais informais como ocorre nos campinhos de futebol no Brasil. É praticado por adultos, crianças, adolescentes, comunidades urbanas, rurais, ribeirinhas e indígenas. Quanto aos objetivos, pode ser de preenchimento do tempo livre, lazer, instrumento educacional, melhoria da saúde ou prevenção de doenças; ou de busca da superação, como é o caso do esporte de alto rendimento.

    Os objetivos que orientam a referida atividade estão entre as principais categorias que determinam as manifestações esportivas. De modo geral, os esportes do ponto de vista dos seus objetivos, se classificam em “Participação”, “Educacional” e “Alto rendimento” (Ministério dos Esportes, 2004). As diferenças entre uma manifestação e outra são marcadas em grande medida, conforme já foi dito, pelos objetivos competitivos, pelos regulamentos ou regras e pelo marco organizacional.

    O esporte Participação tem relações íntimas com o lazer e o tempo livre; ocorre em espaços não comprometidos com o tempo e fora de obrigações da vida diária. De modo geral, esta manifestação esportiva tem como propósitos a descontração, a diversão, o desenvolvimento pessoal, as relações entre as pessoas, promoção da saúde e educação. É possível atribuir a esta manifestação, a expressão atividade física (Ministério dos Esportes, 2004).

    Sobre a relação entre atividade física e esporte, com freqüência o primeiro termo se restringe às ações de conteúdos esportivos, que as pessoas fazem sem ânimo competitivo; ou a competição focada ao caráter lúdico. A prática de atividade física também pode ter como objetivo a melhoraria da saúde ou bem-estar; bem como a prevenção de determinadas patologias. Nestes casos, as atividades esportivas não estão dirigidas à competição em si, não se sujeitam a regulamentos formais bem como não seguem um marco organizacional definido.

    O esporte enquanto manifestação Educacional é praticado prioritariamente nos sistemas de ensino ou vinculado a eles e tem um fim eminentemente social. O chamado Esporte-educação apresenta conteúdo fundamentalmente educativo; é propalado como um meio efetivo para o desenvolvimento integral do indivíduo e a formação para o exercício da cidadania (Ministério dos Esportes, 2004). Já o esporte voltado ao Rendimento, concentra-se no êxito esportivo e na vitória sobre os adversários. É exercido sob-regras preestabelecidas pelos organismos nacionais e internacionais de cada modalidade. Tem como finalidade a obtenção de resultados e integração de pessoas e comunidades do país e estas com as de outras nações. Quanto a sua prática, organiza-se em duas categorias: profissional e não profissional (Ministério dos Esportes, 2004).

    Apesar de tal classificação, no cotidiano, a fronteira entre esporte como prática de atividade física, esporte educacional e esporte com enfoque no rendimento e competição, nem sempre é bem definida. Isso porque, a competição é um fenômeno presente na espécie humana, e a prática lúdica se mistura facilmente a elementos competitivos. Por ocasião de duplicidade de interpretação de uma determinada jogada, não é difícil se observar condutas agressivas num grupo de jovens que jogam futebol na praia. No exemplo mencionado de competição, não existem recompensas materiais ligadas à vitória, a exemplo do Esporte-rendimento; embora seguramente estejam presentes outros componentes de recompensas e bens simbólicos.

    Sobre o caráter competitivo do esporte, Lovisolo (2011) seguindo o que diz Levi-Strauss, alerta que a alma do esporte é a competitividade; e esta, por sua vez, desiguala os iguais. Assim, parece ser que a competição é definitivamente inerente ao esporte, independente dos objetivos a serem alcançados. De qualquer modo, este artigo concentra-se do contexto esportivo de alto rendimento e praticado de modo profissional, uma vez que é nesta esfera que se observa possibilidades de ascensão social de alguns atletas.

Mobilidade social no contexto esportivo

    É comum ouvirmos tanto nos discursos verbais como também na literatura científica a afirmativa de que o esporte é um excelente instrumento educacional. Esta relação é tão valorizada que tem sido tema de diversas publicações e objeto de discursos políticos. Em ambos os casos valorizam a prática esportiva como veículo educacional na perspectiva da formação para a cidadania. Paralelo a tal assertiva, alguns citam inclusive que o esporte favorece a diminuição das desigualdades e exclusão social.

    Entretanto, pode-se também verificar, sob um enfoque distinto, valorizações diferentes do produto, resultado do processo social que ocorre no esporte. Estamos falando da mobilidade social. Não de mobilidade social em geral, descontextualizada, mas daquela que ocorre em um país como o Brasil; com características socioeconômicas bem definidas.

    As precárias condições de vida da maioria da população brasileira e a má distribuição de renda resultam numa desigualdade histórica. De tão antiga e enraizada é vista equivocadamente por muitos como um fenômeno natural. Esta distribuição desigual divide basicamente a sociedade em dois grupos: um pequeno percentual de famílias vivendo bem e um enorme percentual vivendo na pobreza (RIBEIRO, 2003).

    Para avançar na discussão da temática proposta é fundamental a compreensão, ainda que sem a pretensão de aprofundamento, do termo mobilidade social. Trata-se de um ramo de estudo da Sociologia; e que vários significados. De início, pode-se dizer que o termo está relacionado à posição social de um individuo e a mudança no seu estatuto social.

    Reforçando o que já foi dito em outro momento, quando se fala em mobilidade social, não se pode pensar no seu sentido geral, mas, sobretudo, no contexto social, político, econômico e cultural em que a mudança de estatuto social ocorre. Em algumas culturas, por exemplo, observa-se que a posição social de um indivíduo pode estar atrelada à sua descendência familiar. Desse modo, a mobilidade social é praticamente impossível uma vez que quando um indivíduo nasce ele praticamente já traz consigo um carimbo do estatuto social a que pertence. Em outras culturas, o poder decisório de um sacerdote não é o mesmo que de um rico comerciante; e neste caso, a mobilidade social requer exigências específicas. No Brasil, a mobilidade social parece se dá, sobretudo a partir do status econômico do indivíduo, embora outras variáveis também possam resultar em mudanças. Pontua Ribeiro (2003): restringir a concepção de mobilidade somente à variação das condições materiais que uma pessoa tem ao longo de sua vida é banalizar o termo. De qualquer modo, este fenômeno é possivel em sociedades capitalistas em desenvolvimento uma vez que nestes contextos verifica-se a existência de classes sociais definidas, principalmente, pela condição econômica das pessoas.

    De acordo com Silva (1986) os determinantes da mobilidade social concentram-se na natureza da estrutura institucional do sistema do país, incluindo entre outros aspectos elementos de valor dentro do sistema. Com isso, compreende-se que a mobilidade social é um conceito dinâmico, construído a partir de informações exclusivas de cada contexto social.

    Em sentido amplo, mobilidade social é toda transição de um individuo, objeto ou valor de uma posição social a outra (Silva, 1986). Do ponto de vista restrito, afirma Silva (1986) que mobilidade social assinala os processo de transição vertical das pessoas, especialmente os processos que implicam a transferência de um individuo ou de uma familia de uma camada social a outra. Verifica-se que ambos os conceitos apresentam mobilidade social como mudança social de localização de uma pessoa, implicando ou não em transferência de posição hierarquica ou status social. A situação social pode ser hierárquica, funcional e econômica entre outras.

    Existem distintas classificações de mobilidade social. Uma delas faz referência a alterações no estatuto social ou categoria hierárquica mas que não provocam mudança de classe ou de estrato social. Representa, conforme Silva (1986), uma mudança de status ou papel, sem mudança de classe social. Trata-se da ascenção horizontal. É o caso de uma pessoa que pelo casamento obtém um estatuto diferente (o de casado) mas continua no mesmo estrato social. Já a mobilidade social vertical, está relacionada com a constituição de classes sociais, ordenamento hierárquico e o surgimento dos valores de ascensão social. Segundo Silva (1986), representa mudança de status e papel, envolvendo mudança de posição de classe social. A mobilidade vertical pode se dá em dois sentidos, mobilidade ascendente ou descendente.

Discussão

    Do ponto de vista que interessa a esta reflexão, a mobilidade social envolve as vias e possibilidades de troca ou ascensão que um determinado indivíduo possui no meio em que estabelece suas relações. Desse modo, a mobilidade das pessoas, tema deste artigo, refere-se a mobilidade social vertical ascendente de indivíduos ou de grupos.

    No contexto atual do capitalismo brasileiro, e na perspectiva do desenvolvimento social e econômico, a mobilidade social ascendente pode ser interpretada como indício do acúmulo e distribuição menos desigual da riqueza entre a população. Isso porque, ainda que se considerem as vantagens para a sociedade em geral, advindas do sistema capitalista, este continua sendo um sistema econômico permissivo a injustiça social, a desigualdade e a pobreza. A divulgada liberdade existente nas sociedades capitalistas (que é relativa), o estímulo a competitividade e a possibilidade de mobilidade social; a desestatização progressiva da economia, o incentivo ao progresso científico e aumento da escolaridade além de outros aspectos positivos do sistema, deixam na penumbra a crueldade e a perversidade que perpassa no seio da economia capitalista. Os efeitos negativos do capitalismo na vida cotidiana das pessoas são mais evidentes nos países em desenvolvimento.

    No sistema capitalista, afirma, Ribeiro (2003), as pessoas são livres para buscar as suas riquezas, inclusive verifica-se forte incentivo para que os indivíduos trabalhem com mais afinco; alimentando-se a idéia de que serão recompensados, quem sabe com uma pequena fortuna. Entretanto, as possibilidades de um indivíduo avançar nos estudos, conseguir um trabalho digno, e ficar rico, estão diretamente relacionadas com a quantidade de conhecimento, avanço no trabalho e riqueza que ele já possui. Nessa lógica, os mais espertos, os mais criativos, os que detêm mais conhecimentos, os que detêm mais recursos econômicos; e sobre tudo as capacidades para se manter na posição de comando são os que avançarão na escala social.

    Por detrás da idéia de que aqueles que trabalharem com obstinação serão devidamente recompensados, são reforçados os incentivos para que as pessoas produzam mais para a economia e riqueza do país. Está claro que não existem vagas para todos; e muito menos oportunidade para todos, embora se verifique o fomento á idéia perversa de que qualquer pessoa pode conquistar poder e riqueza se estudar e trabalhar com tenacidade. A crueldade chega a um ponto de requinte, conforme inspira Ribeiro (2003): aqueles que obtêm êxito são indicados como exemplo de que o sistema econômico funciona e que qualquer um pode conquistar aquele espaço.

    Ora, se todos conquistarem poder e riqueza, quem irá trabalhar na construção do apartamento na cobertura de um edifício onde irá morar um novo milionário? Alguém precisa fazer a faxina deste apartamento. Quem se encarregará da limpeza da piscina? Sem dúvida serão os milhares e milhares de brasileiros que não conseguirão chegar ao tão almejado status social. Serão estes que irão ingressar nas fileiras dos trabalhadores que permitem aos ricos usufruírem do conforto e comodidade que o dinheiro oferece.

    Destaca ainda Ribeiro (2003) que relativo ao avanço na escala social no contexto sociopolítico, econômico e cultural do Brasil, existe algumas raras exceções que conseguem alcançar nível considerável de riqueza, sem antes ter acumulado nada. São as incomuns exceções de indivíduos que se encaixam nesta categoria. É a ocorrência, por exemplo, dos ricos oriundos de trabalhos altamente criativos; ricos vencedores de jogos como mega-sena e outros casos a exemplo dos ricos atletas. No Brasil, os futebolistas são os recordistas nesta categoria. Entretanto, novamente as oportunidades ocorrem de modo desigual. A geografia da mobilidade social via esporte indica que as pessoas que residem nos grandes centros urbanos ou próximos a eles têm mais acesso e chance de mudarem verticalmente de estatuto social.

    A restrição no avanço de escala social em países como o Brasil, justifica-se uma vez que o sistema econômico se consolida com a desigualdade social. Por sua vez, a grande dificuldade para a ascensão social estimula de forma exagerada a posse e acumulação de bens materiais. A ocorrência deste último se configura de modo individual.

    Um professor em certa ocasião em que falava sobre os efeitos do capitalismo perverso sobre as pessoas dava o seguinte exemplo: se perguntarmos a uma pessoa que vive em extrema pobreza, e em um entorno que a acompanha nesta condição social, qual é o seu maior sonho, teremos grande chance de ouvir que sua maior aspiração é ficar rica. O individualismo é um aspecto essencialmente ligado ao sistema capitalista. As pessoas querem sair individualmente da situação de pobreza e quem sabe quando atingir tal condição, poderão generosamente contribuir com aqueles que permanecem em circunstância de exclusão. Não se pensa em superação coletiva da situação de pobreza; na transformação positiva da realidade de todos aqueles que se encontram em condição desfavorecida. O estímulo exagerado a posse de bens materiais é um dos principais valores aderidos pelas pessoas que aspiram ao enriquecimento; e a mudança de todo um coletivo representa a perda de privilégios individuais daqueles que detém maior poder econômico ou anseiam chegar a este estatuto. Despontar, só adquire valor se a maioria da população não conseguir ter êxito. Dito a partir das palavras de Tolle (2007): para que as pessoas alcancem seus sonhos, precisam que outros seres humanos falhem ou não conquistem suas aspirações. Nesta perspectiva, o foco não está investir ações para a mudança do sistema, ou mudanças dentro do sistema; mas de envidar esforços na ascensão pessoal.

    A visão equivocada de mudança, orientada pela promoção individual de estatuto social, é alimentada pela constatação de que a maioria da riqueza do país concentra-se nas mãos de poucos particulares. Neste contexto, o capitalismo estimula a competitividade excessiva pelo poder, que se manifesta de diversas maneiras sendo a apropriação de recursos econômicos a principal delas. Como a grande parte dos recursos está concentrada nas mãos de propriedades privadas a competição exagerada tem como finalidade a busca da apropriação destes recursos (Ribeiro, 2003). Tais objetivos favorecem uma forma de pensar que leva as pessoas perderem ou não assimilarem valores éticos e morais passando a atribuir a conquista ao poder econômico um dos aspectos que direcionam sua forma de pensar e agir.

    A partir do que foi dito até agora sobre a sociedade brasileira, conclui-se que as reais oportunidades de mobilidade social são pequenas, apesar de não se tratar de um país que possa ser avaliado com a condição de pobre. Considerando a renda per capita (distribuição agregada de renda), Ribeiro (2003) já afirmava há 10 anos atrás que no Brasil não há insuficiência de renda; mas uma distribuição de renda relativa. Esta forma de distribuição permite a concentração da renda nas mãos de poucas pessoas e um grande número de famílias com renda baixa. Por isso conclui-se que o Brasil não pode ser caracterizado como um país pobre, mas uma nação com grandes desigualdades sociais. Embora se observe muitas oportunidades de mobilidade social, as circunstâncias adequadas ou favoráveis não são iguais para todos (Ribeiro, 2003). Segundo o autor, a maioria dos brasileiros sobe pouco na escala social; e a minoria ascende verticalmente de forma significativa. Isso torna a estrutura social bastante dinâmica e, ao mesmo tempo, alongada. Daí a coexistência de mobilidade e desigualdade. Sobre esta questão, reflete Rodrigo (2013): este processo de mobilidade no país contribui para perpetuar a cristalização de classe que, por sua vez, ajuda na continuidade da pobreza e na má distribuição de renda no país.

    Nesse sentido, abordar o esporte como instrumento de ascensão social implica necessariamente em considerar as contradições fundamentais da sociedade vigente. A mobilidade social via esporte tem servido de apoio ao capitalismo, já que reforça a importância de uma sociedade competitiva na qual o princípio de rendimento se impõe. Robustece as contradições sociais e históricas seguindo a ótica do conflito desenvolvida a partir dos estudos de Max e Engels (Demo, 1983). GRUNEAU apud LOY (1978) pontua que, a partir da ótica do conflito, o esporte sugere três aspectos importantes: a) precisa ser entendido no contexto mais amplo das condições objetivas das sociedades capitalistas; b) está intimamente relacionado com as diferenças de classe em termos de poder e riqueza; e c) todo esporte competitivo reflete a ideologia burguesa. Por outro lado, o mesmo autor aponta que, a partir da abordagem estrutural-funcionalista, além de outros aspectos sociais, o esporte funciona nas sociedades industriais ocidentais (capitalistas), como um mecanismo de mobilidade social.

    Marques (2008), na perspectiva de valorizar o processo de mobilidade social ascendente via esporte, salienta que tal fenômeno é capaz de levar as pessoas a desconsiderarem os preconceitos. Diz o autor que quando um atleta se destaca, a atenção das pessoas é voltada para o seu desempenho e não para seu porte físico, sua cor, sua religião ou conta bancária. O que afirma Marques serve como argumento para o que foi dito sobre a mobilidade social através do esporte e o fortalecimento do capitalismo. No exemplo apresentado pelo autor, verifica-se o reforço por uma disputa exacerbada e pelo sucesso individual, gerado pelo alto índice de competitividade do esporte de rendimento profissional.

    Ademais, Marques, não faz referência a que o esporte favorece a ausência de preconceitos, mas que tão somente, através do esporte, este fenômeno social não foi considerado. Daí sugere-se que no exemplo apresentado pelo autor, houve o desvio de atenção do público para outros valores entre os quais se situa a ocupação prestigiosa do atleta; exatamente tal como ocorre em outros episódios de ascensão social via ingresso nas elites econômicas e políticas. Repete-se a supervalorização daqueles indivíduos que conseguem chegar até a luz dos holofotes da fama; aqueles que têm oportunidade de serem vistos como mais rico, mais alto, mais habilidoso, mais veloz, mais forte; o melhor. Entretanto, sabe-se que frente ao quantitativo da população brasileira, existem muitos talentos esportivos que não foram e nem serão descobertos por aqueles que definem quem terá oportunidade de submeter-se a uma rigorosa seleção até chegar ao reconhecimento social. Por outro lado, provavelmente as pessoas inseridas no discurso de Marques (2008), que mudam o foco da atenção do preconceito para a supervalorização social, acompanham a composição do exposto por Taffarel e Santos Jr. (2006); e Marques (2008): compõem o grande público que assume as ações de assistir, bater palmas para os ídolos, donos de uma fortuna surpreendente e comprar os subprodutos da indústria cultural esportiva (camisetas, chapéus, fitas, bandeiras, bebidas etc.).

    Considerando o exposto, é certo afirmar que o esporte como meio de mobilidade social ascendente, tem contribuído para interiorização de valores e elementos da ideologia capitalista. A superioridade de alguns, implica necessariamente na posição inferior de outros.

    Nem todos têm a oportunidade de demonstrar ou desenvolver seus talentos, portanto, as chances de ascensão social não são equivalentes; além disso, nem todos são potencialmente talentos. A crença equivocada de que através do esporte desaparecem as desigualdades sociais, colabora também para certo enfraquecimento da consciência voltada as contradições ou conflitos sociais. Não tem favorecido o questionamento; a formação consciente, crítica e sensível à realidade; ao contrário, ofusca, ou lança uma cortina de fumaça sobre as contradições da sociedade na medida em que tem atuado na internalização de valores e normas de comportamento da sociedade capitalista (Oliveira, 1983). Entretanto, parafraseando o que dizem SEDORKO e FINCK (2012) pode-se afirmar que as características fomentadas através do esporte, de mobilidade social ascendente, não são geradas no seio do próprio esporte, e sim, são o reflexo mediatizado da estrutura social em que ele se realiza, ou seja, da sociedade capitalista.

Conclusões

    A reflexão apresentada considera o esporte como mecanismo de mobilidade social ascendente. Para tanto, considerou-se sistemas de significados e valores mais amplos, que vão além de uma análise que aprecia o esporte em si ou sua essência como instrumento educativo e de encantamento de grandes massas populacionais. No Brasil, a força transformadora do esporte tem se dispersado, sendo mais comprometida com os interesses individuais do que aqueles coletivos; servindo mais a manutenção do sistema econômico vigente e menos com a transformação social.

    Na sociedade brasileira, a ascensão social não é igual para todos porque acompanha o princípio da desigualdade social ancorada na economia capitalista. Esta afirmativa também se aplica ao esporte como mecanismo de mobilidade social, se considerado os raros casos de sucesso frente aos potenciais talentos escondidos no meio da população brasileira. Por este motivo, somente uma pequena minoria dos talentos esportivos alcançará a tão sonhada e alimentada trajetória promissora e ascensão social. O maior percentual, não chegará aos clubes para se profissionalizar; não terão oportunidade de mostrar suas habilidades, não serão escolhidos. Isso porque, simplesmente não há espaço para todos e sim somente para um grupo privilegiado.

    Neste sentido, impõe-se a tarefa de estimular a promoção de uma cultura esportiva desmistificada; e que entre outros aspectos, assinale as contradições sociais. A consciência dessa realidade pode favorecer a visualização do acomodamento da hierarquia orientada pela dinâmica social vigente e, sobretudo para a busca de alternativas que contribuam para a composição de uma sociedade mais justa e igualitária.

Referências

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EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 190 | Buenos Aires, Marzo de 2014
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